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Ciberesporte: os jogos esportivos eletrônicos e a Educação Física

 

 *Bacharel em Educação Física – UNICAMP

** Mestre em Ciências do Esporte – UNICAMP

(Brasil)

Ricardo Benevides Couto Oliveira*

Eduardo Fantato Rodrigues**

eduardo@scoutonline.com.br

 

 

 

 
Resumo

          Este trabalho consiste em analisar a influência e relação do esporte com este novo paradigma mundial do ciberespaço. Este novo espaço apontado por Lévy (1996, 2000, 2001) possui características próprias as quais influenciam todo o mundo alterando suas estruturas. O esporte moderno, se apropriando das estruturas da sociedade, acompanhou esta transformação influenciando e sendo influenciado simultaneamente por esta nova realidade. As transformações que estão acontecendo com práticas virtuais, assemelham-se em muito à transformação ocorrida com as práticas físicas no século XIX assim como a metamorfose de outras práticas humanas, como a comunicação, ocorrida com a virtualização e digitalização também esta transformando o esporte moderno. São abordadas a virtualização do esporte; a esportivização do virtual; e as possibilidades pedagógicas.

          Palavras-chaves: esporte; ciberesporte; jogos eletrônicos; cibercultura; Educação Física
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008

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Do virtual a cibercultura

    A palavra virtual é muito associada à não realidade, ao irreal, à não existência, mas este é apenas um dos sentidos desta palavra. Ela designa um emaranhado de possibilidades, tendências ou forças que acompanham situações, objetos ou entidades, algo que existe em potência, mas não em ato, algo que existe sem estar presente, que ainda não se concretizou ou se realizou, igual à árvore que existe dentro da semente, ela existe só falta crescer, acontecer (LÉVY, 1996).

    Neste sentido o virtual é facilmente confundido com o possível. O possível é como um potencial pré-determinado e estático, ele é exatamente igual ao real, faltando-lhe apenas a existência. Ele é como uma bola no topo de uma colina, que espera que alguma pequena força o tire da sua inércia para que corra ladeira abaixo e todo o seu potencial já construído e pré-determinado possa então se manifestar na existência material. A bola parada no topo do morro potencialmente é um projétil em alta velocidade que rola ao pé da colina. Diferente da gama de possibilidades da virtualidade da árvore presente dentro da semente, nas suas possibilidades, e na sua construção e invenção respondendo às coerções impostas pelo meio (LÉVY, 1996).

    A nossa sociedade vive virtualidades crescentes alterando o nosso espaço-tempo coletivo. Novas tecnologias trouxeram novas velocidades, o que era necessário muito tempo para ser feito, agora pode ser feito com sucessivos cliques no computador. Quando, antes, era preciso andar até o rio, recolher a água com um balde, hoje esperamos apenas o tempo da torneira despejar água em nossas casas.

    O próprio “Dinheiro não é a riqueza, mas a sua virtualidade” (LÉVY, 1996, p. 126), com a moeda fomos poupados de numerosos escambos diários e pudemos trocar nosso trabalho ou bens por algo que representasse o seu valor, que tivesse, potencialmente (sem estar presente), o valor relativo à riqueza atribuída àquela ação ou bem, embutida em um objeto.

    Existe um terceiro uso da palavra virtual e está associada à realidade virtual que no sentido tecnológico é a interação e conexão entre os computadores e as redes informáticas. Este uso não quebra com a visão filosófica, apenas a atualiza na esfera da tecnologia. Com a criação e desenvolvimento das telecomunicações, criação dos computadores, das redes e da interconexão destas redes (a internet), surgiu novas possibilidades de interação com o mundo criando desta forma o ciberespaço, que foi mencionado pela primeira vez em 1984 no romance de ficção científica Neuromante de Willian Gibson. No livro o ciberespaço é o campo de confronto entre grandes empresas dentro das redes digitais (LÉVY, 2000). Ainda no campo da ficção temos o filme Tron de 1982, onde a personagem viaja do nosso mundo material para dentro do computador, no mundo digital. Mesmo com as limitações tecnológicas da época, estas obras anteciparam o que esta acontecendo neste presente momento. No filme Tron, igual ao filme mais atual Matrix de 1999, a inserção do ser humano dentro do computador é semelhante à imersão que ocorre ou que se pretende que aconteça na realidade virtual, termo que designa uma total imersão sensorial dentro do ciberespaço devido à utilização de aparelhos como óculos, luvas, e sensores ligados ao corpo que transmite as informações para dentro do espaço digital e recebe informações de dentro deste espaço para fora na forma de sensações visuais, auditivas e qualquer outro sentido.

    Existem, hoje, algumas comunidades virtuais e/ou jogos que recriam mundos virtuais como o Second Life (SL). Dentro deste universo tudo é criado pelos cidadãos (os jogadores), eles criam as construções, objetos, boates, bares e lojas de diversos tipos. Neste ambiente existe até uma moeda própria onde se pode comprar qualquer coisa e objetos criados por outras pessoas e etc. Dentro deste mundo políticos reais fazem propagandas, empresas criam lojas, pessoas criam igrejas, fazem shows, enfim, realizam diversas ações sociais dentro do SL.

    Para Lévy (2000, p. 92) o ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. No ciberespaço, a presença física dos objetos, entidades ou sujeitos são transformados em signos representativos que simulam a sua existência e ações. O ciberespaço não se limita apenas à estrutura física da rede, aos computadores, ele não é apenas a infra-estrutura, é a produção de informação e não apenas a transmissão, são as pessoas que navegam nos seus bytes e bits, é o produto criado por estas pessoas e os processos.

    “A cultura constitui o processo pelo qual os homens dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo fundamental de toda prática humana” (DURHAM, 1997, p. 34 apud DAOLIO, 2006, p. 93) e a criação deste novo espaço fez com que a cultura evoluísse (tendo em vista que evolução não significa melhoria, apenas adaptação) para uma cultura de um mundo tecnológico, virtual, digital e desterritorializado, a cibercultura entendida ainda como o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (LÉVY, 2000, p. 17)

Da pedra aos jogos eletrônicos

    Há muito tempo a humanidade aprendeu a utilizar objetos para facilitar a vida e o trabalho como pedras, pedaços de madeira, folhas de árvores e etc. Com o tempo eles começaram a construir objetos para aprimorar-lhes as funções, as pedras viraram martelos e marretas, pedaços da pau viraram cajados, varas, pele de animal se utilizaram para diferentes itens como vestuário. Com a evolução tecnológica os seres humanos começaram a criar ferramentas e artefatos mais complexos e específicos e logo o homem aprendeu a controlar as forças para aproveitar-la melhor introduzindo ao mundo a era das máquinas. Com o passar do tempo, as antigas máquinas a vapor, engrenagens e outras peças mecânicas cederam espaço para as máquinas eletrônicas ou computacionais.

    Com a computação demos saltos gigantescos em termos de processamento de informações, logística, comunicação (telecomunicação). Não demorou para a utilização destas ferramentas eletrônicas para fins recreacionais e de lazer surgindo os primeiros aparelhos (consoles) como o Odyssey 100 e o Atari 2600. Com o desenvolvimento da tecnologia novas gerações dos consoles foram surgindo, cada vez mais potentes e modernos, com esta evolução os jogos começaram a ser mais elaborados (ANDRADE, 2005).

    O crescimento da adesão às práticas eletrônicas de entretenimento fez crescer um mercado de jogos eletrônicos que hoje é maior do que a indústria do cinema sendo que o mercado nacional de jogos eletrônicos movimentou 120 milhões de reais em 2003 e a expectativa para 2007 para mercado internacional é de três bilhões de dólares (ANDRADE, 2005). Esta nova prática, junto com suas possibilidades de integração, expressão e comunicação, possibilitou uma explosão na adesão e inserção na internet e em particular nos jogos eletrônicos e/ou on-line.

Esportivização das práticas

    Tubino (2002, p. 38-39, grifo nosso) cita sobre a teoria antropológico-cultural do esporte e da Educação Física que “embora os elementos constitutivos do esporte sejam o jogo, o exercício físico e a competição, ele é fundamentalmente jogo em termos filosóficos e históricos” e a Educação Física o processo ou sistema para ajudar os indivíduos no desenvolvimento de suas possibilidades pessoais e de relação social pelo meio das suas capacidades físicas e de expressão.

    Nas sociedades primitivas Guttmann (1978) diz que os esportes eram relacionados aos rituais e práticas religiosas, cultos aos deuses. Através das eras eles foram se transformando no esporte antigo (grego e romano), o medieval e o que conhecemos atualmente, o esporte moderno que foi sistematizado, hierarquizado, racionalizado, quantificado e burocratizado seguindo a lógica da sociedade industrial burguesa e capitalista.

    É um sistema institucionalizado de práticas competitivas (com o predomínio do aspecto físico) delimitadas, reguladas, codificadas e regulamentadas convencionalmente, cujo objetivo é designar o melhor concorrente ou registrar o melhor desempenho. Este fenômeno se fixou com a consolidação do sistema capitalista e com o desenvolvimento da sociedade industrial, fazendo com que os jogos evoluíssem se institucionalizando e gerando, neste processo, a organização das regras, válidas para regiões, onde todos poderiam jogar o mesmo jogo sem variação.

    Nesta época o esporte possibilitou que as pessoas participassem das práticas sociais e culturais livres do estado para desenvolver atividades comuns com finalidades específicas de saúde. Através dos clubes o esporte contribuiu para a consolidação das práticas associativistas que eram coibidas pelo estado.

    A organização das regras possibilitou o aparecimento de ligas, federações e comitês, possibilitando a competição entre estes diversos grupos, potencializando o surgimento dos campeonatos e festivais. Logo as corporações começaram e competir entre si nestes torneios e não demorou para a influência dos processos de produção da época fazer com que estas práticas tivessem características bastante semelhantes à forma de produção nas fábricas, com metas, rendimento e a competição entre as empresas. As horas de trabalho dos melhores jogadores foram transferidas das máquinas e do sistema de produção, para treinos específicos das modalidades em questão.

    Com o passar do tempo o esporte ganhou força e as esferas de influência destas federações ou instituições foram se ampliando, atingindo hoje, em muitos casos, níveis mundiais como a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e alcançando diversos setores, desde o lazer, a educação, até o marketing e propaganda, passando pela sua virtualização dentro dos videogames, com a simulação deles dentro dos consoles e aparelhos eletrônicos.

Ciberesporte

    A sociedade está cada vez mais inserida nas comunicações digitais adentrando no ciberespaço, colocando as pessoas em vias interativas na comunicação. O desenvolvimento tecnológico com o surgimento do ciberespaço trouxe a possibilidade das práticas desterritorializadas. Os produtos, informações, vídeos, jogos podem existir apenas no ciberespaço sem pertencer exatamente a nenhum lugar, pode-se jogar daqui do Brasil com pessoas da Indonésia, Cingapura, Malásia e outras localidades, pode-se ainda formar equipes competitivas com pessoas de outras nacionalidades. A inovação tecnológica trouxe novas formas de se interagir livre da territorialidade. (LÉVY, 1996, 2000, 2001; CASTELLS, 2004).

    O esporte é um reflexo da sociedade, mimetizando suas estruturas, adquirindo e influenciando seus valores. Não diferente as práticas esportivizadas dos jogos eletrônicos seguem as mesmas tendências na forma de se estruturar, nos valores e essências. O esporte como um produto cultural, reflete a cultura à qual faz parte e o ciberesporte é a manifestação da sociedade virtual, ele é a manifestação da cibercultura.

    Jogo eletrônico não foge a regra dos jogos, possuindo os mesmos elementos de ludicidade e livre adesão. O que começou com uma prática de lazer evoluiu para práticas de rendimento, com o intuito de obter o melhor resultado, com a espetacularização e a transformação em mercadoria da prática e dos elementos ligados a ela. Os melhores clãs (times) de jogos eletrônicos do mundo, são patrocinados por grandes empresas do ramo da informática onde as equipes chegam a ganhar 100 mil dólares no ano e tem treinos diários de até doze horas.

    O ciberesporte é a institucionalização dos jogos eletrônicos e os ciberatletas são os participantes “ativos”, são as pessoas que jogam seja no âmbito amador ou profissional. Existem, atualmente, ligas organizadas como a Cyberathlete Professional League (CPL) que reúne os melhores jogadores do planeta e alguns possuem patrocínio de grandes empresas da área como a McIntosh. São realizados torneios internacionais que premiam em até 100 mil dólares e em 2004 ocorreu uma edição da Eletronic Sports World Cup (ESWC), a copa mundial dos esportes eletrônicos que distribuiu 200 mil dólares entre os vencedores. Em países como a Coréia do Sul a arrecadação anual dos melhores jogadores profissionais ultrapassa os 100 mil dólares. A importância deste fenômeno é tanta que na Rússia, na China e na Inglaterra, que são tradicionais potências olímpicas e esportivas, os ciberatletas são considerados oficialmente esportistas (AZEVEDO, 2004 apud GAMA, 2005).

Similaridades estruturais

    Assim, é possível estabelecer algumas semelhanças organizacionais, estruturais, de prática e relações sócio-culturais entre o esporte moderno e esta nova prática dos jogos eletrônicos, analisando a sua esportivização, suas estruturas, organizações e potencialidades na sociedade atual e a virtualização dos esportes.

    Betts (1969) aponta que dentre os fatores que foram responsáveis pela direção tomada pelo esporte moderno e pelo seu desenvolvimento, a urbanização e industrialização foram os maiores responsáveis. A urbanização criou o ambiente propício para o surgimento das fábricas com mão de obra abundante e barata. Nestes ambientes os prazeres das atividades rurais transformadas em atividades esportivas.

    Efeito similar pode ser observado com o desenvolvimento dos jogos esportivos eletrônicos com algumas particularidades. Onde a urbanização teve papel fundamental para o surgimento do fenômeno esportivo moderno, a virtualização teve este papel para o surgimento e desenvolvimento do ciberesporte.

    Não está em discussão aqui se a prática digital é melhor ou pior, busca-se uma análise e compreensão do fenômeno e estabelecimento de conexões e similaridades dos processos, sem a preocupação de que se ela vai ou deva substituir o esporte e as atividades físicas. Da mesma forma como a caça da raposa, andar a cavalo, arqueria e as outras práticas campestres não deixaram de existir, elas apenas não encontraram na cidade um ambiente propício para isso. Assim como em muitos casos criaram-se modalidades que tinham origens em práticas rurais os jogos eletrônicos adaptaram, na medida do possível, estas práticas aos seus modos (Fig. 1). O esporte não deixou (nem deixará) de existir.


Exemplo da adaptação de uma prática até seu estágio virtual

    O esporte espetáculo encontra nas cidades o que o ciberesporte encontra na internet, o meio ideal para sua propagação, promoção, divulgação e assimilação devido os fatores citados acima e por mais que algumas práticas não sejam potencializadas no ambiente urbano, criaram-se espaços artificiais para estas práticas, como clubes de equitação, parques aquáticos, clubes de tiro entre outras instalações. Efeito similar acontece em relação do mundo virtual com o mundo “real”, nele também constroem aparelhos, implementos, locais para as práticas urbanas e campestres. Por exemplo, existem controles de jogos eletrônicos que simulam pistolas, guitarras, raquetes, baterias, carros, bolas, tapetes de dança (implemento que marca os locais no chão onde a pessoa pode dançar em acima dele) e outras práticas.

    A própria necessidade dos meios de comunicação para fazer a cobertura dos eventos para saciar o público consumidor foi transformada na realidade dos jogos eletrônicos. O meio (internet) se encarrega de propagar as informações (textos, vídeos, fotos e etc.), até a televisão para assistir aos jogos pode ser copiada com melhorias possíveis devido à característica dos meios de comunicações digitais. A Valve (empresa criadora do jogo HalfLife) criou em 2001 um veículo de transmissão dos jogos pela internet chamado HalfLife TV (HLTV) que possui um endereço eletrônico onde é possível consultar a tabela dos jogos, igual aos sites de outros torneios como os do futebol.

    Existem similaridades e aspectos específicos em relação ao fenômeno esportivo e seu novo segmento, os jogos esportivos eletrônicos. Guttmann (1978, p. 16) aborda sete características que estão presentes no esporte moderno que contrasta com o esporte de outras épocas:

Secularismo,

Igualdade de oportunidade de competir e nas condições da competição,

Especialização das funções,

Racionalização

Organização burocrática,

Quantificação,

A busca dos recordes.

    Construímos a seguir um quadro analítico sintetizando tais características e suas atribuições entre as práticas em questão, apenas com a preocupação de indicar similaridades, sem nos aprofundar muito em cada quesito, que por si só seriam motivos de estudos específicos.

 

Esporte Moderno

 

Jogos Esportivos Eletrônicas

Construção da tradição e distanciamento da origem sagrada, significado por si próprio

SECULARISMO

Construído a partir de preceitos do esporte enquanto vivência pratica, apresenta um distanciamento tornando-se significado perante si mesmo enquanto uma atividade

Condições de equidade de participação e quebra dessa por uso de equipamentos, calçados, vestimentas e recursos distintos

IGUALDADE

Condições de equidade de participação e quebra dessa por uso de conexões com internet, computadores ou acessórios distintos

Processo de aprofundamento e especialização das funções nas modalidades e no interior de cada uma

ESPECIALIZAÇÃO

Processo aprofundamento e especialização de funções dentro de cada jogo, requisitos a habilidades e tarefas especificas.

Elaboração de regras e processos lógicos para universalização e organização das práticas

RACIONALIZAÇAO

Elaboração de regras, ajustes , atualizações de comandos, modificações que afetam a lógica do jogo e jogabilidade

Garantia de funcionamento, de registro de procedimentos

BUROCRATIZAÇAO

Organização das competições virtuais, regras, inscrições, garantia contra fraudes.

Registro das informações, mensuração dos resultados, intensidades, histórico e evoluções

QUANTIFICAÇAO

Mensuração das informações, projeções, estimativas e automatização deste processo.

Criação de rankings e estabelecimento dos melhores

BUSCA DE RECORDS

Criação de rankings e estabelecimento dos melhores

    No campo de comparações estruturais ainda temos os efeitos sociais negativos citados por Tubino (1992, pp. 40-41) e como estão presentes no esporte digital. Ele lista no seu texto alguns dos possíveis efeitos negativos:

  1. a reprodução compulsória do esporte-performance na educação;

  2. as violências de esporte-performance;

  3. a discriminação contra a mulher no esporte;

  4. o uso ideológico-político do esporte;

  5. a preponderância da lógica do mercantilismo no esporte,

    É possível que a mitificação, derivada da espetacularização e o apelo gerado pelos meios de comunicação do alto nível, promova técnicas ditas ideais de jogar, fazendo com que os praticantes no âmbito recreacional imitem estas formas de jogar limitado, assim, toda a sua potencialidade de técnicas pessoais. Desta forma, o indivíduo pode estar assumindo uma prática tecnicista limitando-se a reprodução do gesto pelo gesto, esquecendo de todo o significado por trás daquela ação (TUBINO, 1992).

    Dentro do jogo eletrônico é possível encontrarmos uma violência que é verbal e simbólica (TUBINO, 1992). Tal violência é proibida na forma de regra onde em alguns jogos os oponentes não podem trocar mensagens entre si, ou comportamentos antiéticos são punidos com advertência e até cartão amarelo e vermelho.

    A discriminação feminina muitas vezes não é observada pelo fato de que se pode não saber quem joga do outro lado (se for uma partida realizada pela internet) mas, não observar é diferente de existir. Muitas vezes o jogo eletrônico é associado ao mundo masculino, mas no ciberesporte é possível as mulheres competirem no mesmo ambiente dos homens não ocorrendo a distinção de categoria de gênero nos torneios ainda que a participação feminina seja menor.

    Apesar da desterritorialização, a utilização política poder-se-á acontecer se os jogos eletrônicos atingirem uma importância econômica e social similar a do fenômeno esportivo moderno fazendo com que ideologias compitam entre si, não obstante este fato poder acontecer, ele acontece de outra forma quando dentro dos jogos são colocados valores políticos como jogos de guerras onde os soldados de uma nação invadem outra, ou quando o jogo em si é uma simulação de práticas esportivas fazendo com que os jogadores escolham seleções nacionais para competir entre si, ou deixem de escolher alguma em especial.

    O choque entre o profissionalismo e o amadorismo é histórico e marco da consolidação do esporte moderno, colocando em questão os ideais esportivos com a lógica mercantilista capitalista.

    Os valores esportivos, desenvolvidos desde a Antiguidade e consolidados no associacionismo e no “fair play”, vão sendo, gradualmente, destroçados pelos aspectos pragmáticos do lucro. As justificativas apresentadas em estudos de viabilização financeira, o deslocamento do foco principal para a lucratividade e produtividade em detrimento do próprio homem e dos interesses reais coletivos, muitas vezes até aproveitando a vulnerabilidade da sociedade aos meios de comunicação de massa tem levado este novo quadro esportivo a perspectivas completamente diversas das anteriores. Definham modalidades clássicas, que não provocam espetáculos para a televisão, ou que não prometem lucros em suas disputas. (TUBINO, 1992, p. 48 - 49).

    Esta é uma faceta que também merece uma atenção, pois a mercantilização já esta acontecendo com ciberatletas sendo patrocinados por grandes multinacionais e em alguns países eles já são reconhecidos como esportistas (AZEVEDO, 2004 citado por GAMA 2005). Existem empresas que exploram a imagem do ciberatleta e vende equipamentos ligados com os nomes deles. Assim como Ronaldo Gaúcho e Michael Jordan, entre outros atletas, utilizam calçados que levam o seu nome, ciberatletas utilizam mouses próprios.

    Outro fator que merece destaque é a pratica do doping, segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI, 2006) o doping é caracterizado pela “ocorrência em uma ou mais violações das regras de anti-doping”. As regras de anti-doping são “presença de substâncias proibidas ou seus metabólitos ou marcadores nas amostras corporais do atleta”. Se mudarmos a sentença para a “violação das regras de jogo na forma da presença de softwares e ações ilegais pré-definidas”, talvez faça mais sentido nos jogos virtuais. Muitos jogadores usam programas especiais para se ver através das paredes do jogo (WallHack) ou melhorar a mira (AimHack), por exemplo para ter vantagens ilícitas na partida. Assim como existe órgãos para inibir e coibir o doping, existe medidas burocráticas para assegurar (ou tentar) o fair-play. Geralmente quando é atestado o uso dos programas ilegais (cheats), o usuário trapaceiro (cheater) recebe punições podendo até ser banido do torneio e perder o registro do seu jogo fazendo com que ele seja impedido de jogá-lo on-line. O não cumprimento das exigências burocráticas também pode acarretar em punições, geralmente a impossibilidade de jogar um número de jogos pré-estabelecido pelo regulamento.

Possibilidades pedagógicas

    Além das possibilidades mercadológicas claras e evidentes, o jogo eletrônico pode ser uma fonte riquíssima de estímulos. Os jogos podem estimular diferentes inteligências humanas como a inteligência espacial que para Gardner (1995, p. 15) é “a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo”. Dentro dos jogos eletrônicos, as personagens (avatares) ocupam uma área, e volume em caso de um jogo tridimensional (3D), e possuem sua movimentação dentro do ciberespaço (que, em um exercício de neologismo, vou chamar aqui de cibermotricidade), interagindo com elementos do mundo, correndo, abaixando, deitando e tendo qualquer outra ação possível dentro daquele universo específico. Ao simular ambientes espaciais faz com que o jogador acesse esta inteligência tentando assimilar este mundo imaginário e resolver problemas referentes ao posicionamento do seu avatar ou de um objeto.

    As inteligências citadas por Gardner (1995) podem ser observadas nos jogos eletrônicos. Numa breve e despretensiosa ilustração temos os jogos nos quais o jogador tem que acertar os tempos da música apertando os botões indicados numa simulação de guitarra. Há toda uma questão rítmica e musical esta envolvida nestes jogos além da coordenação das mãos e dedos. Exigências de cunho corporal-cinestésicas está presente nos jogos digitais com a presença de controles e consoles cada vez mais físicos, como os tapetes de dança e o videogame Wii que apresenta um controle baseado no movimento do joystick e não apenas na utilização de botões, uma requisição a coordenação motora. Existem jogos que exigem uma tomada de decisão, envolve a coordenação entre o estímulo visual e a ação voluntária, perspectiva de êxito e fracasso, questões de cooperação e competição, socialização e etc. Com os jogos eletrônicos baseados em esportes as pessoas entram em contato com a lógica de passe, defesa, ataque, preservação da bola, cooperação ser explorada na forma de jogos eletrônicos sobre esportes como jogos de basquete, futebol ou outra modalidade.

Considerações: campo aberto para pesquisa e intervenções

    Procuramos demonstrar as similaridades e diferenças encontradas entre o ciberesporte e o esporte moderno. Podemos pensar que a internet está para o ciberesporte como a cidade (urbanização) e os meios de comunicação de massa (MCM) estão para o esporte moderno. A mesma importância que a cidade teve para o esporte moderno a internet assume, como se fosse uma única e grande cidade, com as diferentes comunidades assemelhando aos bairros de uma metrópole que possui espaços específicos para suas práticas culturais e ao mesmo tempo seu veículo de comunicação, transporte e informação.

Correspondentes entre o esporte moderno e o ciberesporte.

Foram levantadas questões acerca do surgimento do esporte virtual e suas características comparando com o surgimento e as características estruturais atuais do esporte moderno (quadro 1).

 

Quadro comparativo entre o esporte moderno e o ciberesporte

Fatores

Esporte moderno

Jogos Esportivos Eletrônicos

Locais de treino

Ginásios, quadras, pistas, campos e etc.

Lan House, casa (internet)

Uso de meios ilícitos para obtenção de resultados

Doping, configuração ilegal de implemento

Cheats, configuração e uso ilegal de softwares

Locais de Jogo

Ginásios, estádios, pistas e quadras e etc.

Lan House, casa (internet)

Desenvolvimento Tecnológico

Melhoria de vestuário, calçado, implementos, materiais

Melhoria de periféricos (mouse, teclado, microfone)

Implementos

Bola, raquete, taco e etc.

Mouse, teclado, microfone.

Equipamentos

Uniformes, bolas, calçados, implementos em geral

Placas de vídeo, som, monitor, placas e conexão de rede.

Eventos

Festivais, torneios, campeonatos, práticas lúdicas isentas de obrigações e etc.

Festivais, torneios, campeonatos, praticas lúdicas isentas de obrigações

    A virtualização dos esportes e a esportivização do virtual são fenômenos simultâneos podem se transformar em um conteúdo e uma ferramenta rica em qualquer área da educação, inclusive a Educação Física que, na questão da organização de torneios e eventos, sua participação é de extrema importância dando respaldo como uma manifestação esportiva de uma nova geração que está se formando e com ela novos espaços, instrumentos e práticas estão se criando.

    Com esta realidade vigente é possível educar pelos jogos digitais e para os jogos digitais, para esta prática não ficar envolta em um manto de preconceito, banalizada e mal preparada, podendo ser uma prática que venha a somar sem substituir nenhuma outra.

    Gostariamos que este trabalho servisse de alerta para este fenômeno, que não pode passar despercebido. A falta de investimento e de estudos na área pode acarretar em efeitos inesperados tanto no parte do espetáculo quanto nas questões educacionais criando usuários alheios às questões de saúde como postura, alimentação e a necessidade de outras práticas que não apenas as virtuais. Este não nos parece ser um fenômeno totalmente novo e isolado, mas sim a atualização, evolução do fenômeno esportivo em uma nova realidade, a internet.

Referências

  • ANDRADE, C. E. de. O mercado de jogos eletrônicos no Brasil. Campinas: UNICAMP, 2005. In: SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Inconfidente, 05 out. 2005.

  • AZEVEDO, T. Jogadores viram profissionais com a rede. Folha de São Paulo, 18 fev. 2004, p F. 4 apud GAMA, Dirceu Ribeiro Nogueira da. Ciberatletas, cibercultura e jogos digitais: considerações epistemológicas. Revista brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 26, n. 2, p.163-177, jan. 2005.

  • BETTS, J. R. The technological revolution and the rise of sport, 1850-1900. In: LOY JUNIOR, J. W.; KENYON, G. S. (Org.). Sport, culture, and society: A reader on the sociology of sport. London: Macmillan, 1969. p. 145-166.

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  • DURHAM, E. R. A dinâmica cultural na sociedade moderna: ensaio de opinião. vol. 4, 1977 p. 32-35

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  • GARDNER, H. Inteligências múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

  • GUTTMANN, A. From ritual to record: the nature of modern sports. New York: Columbia University Press, 1978.

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  • LÉVY, P. A conexão planetária: O mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: 34, 2001.

  • LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: 34, 2000.

  • LÉVY, P. O que é o virtual. São Paulo: 34, 1996.

  • TUBINO, M. As teorias da educação física e do esporte: uma abordagem epistemológica. Barueri: Manole, 2002.

  • TUBINO, M. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 1992.

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