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Educação infantil e interlocução de saberes

 

 Licenciado em Educação Física pela UNOESC/SMO

Especialista em Educação Física pela CELER/XAXIM

Mestrando do programa de pós-graduação em Educação Física pela UFSC

Juliano Daniel Boscatto

jubismo@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 
Resumo

          Refletir sobre a criança como ser humano em pleno descobrimento de si próprio e de suas potencialidades, é reconhecer esse processo acontece através das interações entre a criança e as demais instâncias do mundo-da-vida. A educação de crianças é tarefa de fundamental importância, pois, durante esta fase os sujeitos encontram-se “abertos” e em formação da personalidade. Torna-se necessário no âmbito educativo valorizar as subjetivas expressões estéticas, sensíveis e intuitivas de forma comunicativa e recíproca, preconizando uma perspectiva de educação que ultrapasse a relação entre sujeito cognoscente e um objeto aprendido. O agir comunicativo pode ser considerado uma alternativa que supere os tradicionais métodos de ensino-aprendizagem. Através da comunicação não coercitiva há a possibilidade de discutir e refletir sobre saberes e questões sociais que ofuscam as consciências em formação, oferecendo assim, possibilidades de agir de forma emancipada.

         Unitermos: Educação infantil. Comunicação. Saberes.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 118 - Marzo de 2008

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O desenvolvimento “civilizatório” e a inserção das crianças

    Ao refletir sobre a criança enquanto ser humano em pleno desenvolvimento e descobrimento de si próprio e das suas potencialidades de atuação no mundo, as quais se desenvolvem através das condições e interações que se estabelecem entre a criança e as demais instâncias do mundo-da-vida 1. Os primeiros anos de uma criança são considerados fundamentais para a seqüência de sua vida, pois, nesta fase podem acontecer fatos, atitudes ou fenômenos que ocasionam traumas que deixando “marcas” que poderão influenciar ao longo da vida de uma criança.

    Através das possibilidades de interação com o meio sócio-cultural, ou seja, com a inter-relação com os membros da família, os amigos próximos, com a professora e os primeiros colegas da escola, as crianças irão constituir de forma processual a sua personalidade, como também, os princípios éticos e morais que desencadearão em atitudes e valores presentes no quotidiano da criança.

    A partir do nascimento da criança inicia um processo denominado de “socialização” que pode ser dito também de outra forma como adaptação aos costumes, às normas, aos hábitos, as formas de ser e de agir e o desenvolvimento da linguagem. A socialização acontece através das interações entre a subjetividade da criança e o contexto no qual está inserida. A inserção da criança ao mundo constituído histórica e culturalmente é determinado pelos padrões de existência pré-estabelecidos pelos adultos, cabendo à criança, por muitas vezes, apenas adaptar-se aos ditames do meio social. Segundo Laraia (1992: 51),

    [...] a criança ao nascer busca o seio materno e instintivamente faz com a boquinha o movimento de sucção. Mais tarde, movido ainda por instintos, procurará utilizar os seus membros e conseguirá produzir sons, embora tenda a imitar os emitidos pelos adultos. Mas, muito cedo, tudo o que fizer não será mais transmitido por instintos, mas sim pela imitação dos padrões culturais da sociedade em que vive.

    De acordo com alguns estudos antropológicos e culturais o desenvolvimento da criança é atingido profundamente pela imitação de padrões culturais construídos pelas relações dos sujeitos membros de cada comunidade, submetendo à criança a assemelhar-se com o meio social muito cedo.

    No mundo contemporâneo a racionalização técnica que busca atingir fins pré-determinados de forma cada vez mais eficaz atinge de forma significativa a capacidade mimética infantil através de diferentes formas de intervenção, entre as quais, destaca-se a mídia e da própria educação formal. A racionalização técnica é um fator que influencia no desaparecimento da infância de forma cada vez mais precoce, pois, a criança ao assemelhar-se cada vez mais rapidamente ao mundo externo, ou seja, ao mundo da produção e do trabalho diminui gradativamente as possibilidades de sensibilidade, de intuição, de percepção dos fenômenos, de se auto-expressar criativamente e de amar. Importante contribuição para isto trás Adorno (1995: 133), “No caso tipo com tendências a fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. Isso não deve ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a carente relação libidinal com outras pessoas”.

    Entretanto, a capacidade de assemelhar-se ao mundo dos adultos apresenta algumas peculiaridades para as crianças. Isto pode ser claramente percebido através dos jogos e de brincadeiras em que as crianças descobrem e experiênciam seu próprio mundo. Valter Benjamin um importante teórico da escola de Frankfurt (1993: 108) descreve que “Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante ou professor, mas também de moinho de vento e de trem”. A criança ao relacionar-se dialogicamente com os outros seres humanos através de jogos e brincadeiras exprime um sentido/significado subjetivo no momento em que encena determinado papel social. A partir das vivências na infância em jogos e brincadeiras na forma de representações dos papeis sociais, as crianças atualizam o que está em seu mundo de experiências adquirindo assim, a possibilidade de conhecer a si mesma e a partir disso, conhecer também o mundo.

    No momento em que a criança encena determinado papel nos jogos e nas brincadeiras a mesma, por muitas vezes, o faz de forma única e intuitiva, ou seja, com uma intencionalidade própria e não meramente através da cópia de determinados padrões ou modelos de movimento. Assim sendo, a transcendência entre a fantasia e a realidade que não podem ser definidas de forma racional, pois, ao agir de forma espontânea e intuitiva a criança não procura de forma alguma atingir um fim específico ou determinado interesse prévio buscando o sucesso. Por intuição Kunz (2000: 9) cita que:

    É um conhecimento imanente que tem presença direta ou espontânea em nós do qual não temos dúvida. É, também, um conhecimento a priori, sob o qual se desenvolve nossa percepção de mundo. Sei que o verde é verde e diferente do vermelho sem intelectualizar isto, quer dizer, sem pensar.

    A criança desenvolve sua personalidade a partir das relações com o mundo objetivo (fatos), o mundo social (normas) e a própria subjetividade (vivências) e, assim, constitui-se parte integrante na formação do contexto social no qual está inserida.

    As inter-relações entre a criança e o contexto social acontecem com a transmissão de informações difundidas através do recurso da linguagem, meio pelo qual se transmitem os conhecimentos acumulados historicamente, as normas instituídas pela sociedade, entre outros.

    No momento em que os seres humanos intervindo no suporte, foram criando o mundo, inventando a linguagem com que passaram a dar nome ás coisas que faziam com a noção sobre o mundo, na medida em que se foram habilitando a inteligir o mundo e criaram por conseqüência a necessária comunicabilidade do inteligido [...] (FREIRE 1996: 58).

    Anteriormente ao desenvolvimento da linguagem verbal às crianças comunicam-se basicamente através de movimentos ao relacionarem-se com os brinquedos, com o ambiente externo e com os outros sujeitos. Pelo fato de as crianças não possuírem o recurso de argumentarem verbalmente seus anseios da mesma forma que os adultos e, assim, agirem na maioria das vezes de forma intuitiva, o entrosamento entre criança e mundo socialmente constituído acontece numa relação unilateral. Essa relação torna-se acontece de forma desigual, pois a razão do “mundo dos adultos” na maioria das vezes prevalece, sendo que a maioria das ações humanas são orientadas de acordo com o modelo sócio-econômico vigente.

Educação de crianças: espaço para agir comunicativo

    Entende-se que a educação formal contribui diretamente contribui com o processo de socialização das crianças, pois o contexto escolar apresenta as características fundamentais que se apresentam no meio sócio-cultural. A sociedade atual é profundamente caracterizada pelo desenvolvimento científico, industrial e tecnológico e, dessa forma, a lógica que se estabelece para a manutenção do status quo é a adequação dos sujeitos as condições pré-estabelecidas.

    Para garantir o desenvolvimento da tecnociência e de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho, faz-se necessário que os sujeitos sejam “educados civilizadamente” para tal fim e, isso ocorre de forma cada vez mais precoce. Desde muito cedo as crianças são depositadas em escolas de educação infantil nas quais são determinadas tarefas programadas como, por exemplo, brincar, dormir, tomar lanche e em algumas instituições até aprender a ler e escrever em horários específicos. De forma cada vez mais preliminarmente a educação formal atinge as crianças, recentemente foi instituído a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos. Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), discutida pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) com os sistemas de ensino prevista na Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), relata que “[...] esta ampliação objetiva que todas as crianças de seis anos, sem distinção de classe, sejam matriculadas na escola” (SEB/MEC, 2004).

    Observa-se que em um mundo altamente tecnológico, burocratizado e sistematizado os processos de ensinar e aprender no âmbito escolar são construídos em uma relação de tensão entre os saberes científicos sistematizados e as relações do mundo-da-vida das crianças. A partir dessas relações, os procedimentos didático-metodológicos são desenvolvidos de forma sistematizada em que as ações educativas são planejadas de forma estratégica contendo objetivos, metodologia, avaliação, entre outros. Esta estrutura em que se organiza a educação busca transmitir os conteúdos de ensino através de meios técnicos para atingir fins previamente definidos. De acordo com Prestes (1996:121),

    [...] a escola orientada por um princípio pedagógico, e tendo um significado central para os processos de reprodução cultural e social, é genuinamente um espaço institucional orientado para o entendimento e as exigências do mundo da vida. Mas a organização estrutural, as normas, as hierarquias de poder perturbam e colonizam esse espaço.

    Assim sendo, a escola perde função de genuinamente contribuir com uma formação cidadã ampla conscientizando os sujeitos/alunos de sua contribuição na constituição da sociedade em detrimento da formação de especialistas para atuarem no mercado de trabalho.

    Ao se pensar em desenvolvimento de uma cidadania ampla, significa proporcionar nos processos de ensinar e apreender da educação infantil possibilidades das crianças desfrutar de atividades lúdicas de forma prazerosa e livre, despertando a curiosidade pelo apreender, incentivando a criança a descobrir com autonomia as possibilidades de atuação no mundo e preparando-as para o exercício de constituir-se como cidadãos emancipados. Para tanto, a educação de crianças deve rever algumas estruturas que burocratizam as instituições de ensino e ao mesmo tempo empobrecem a formação humanista. Bolzan (2005) relata que a formação humanista privilegia o aprendizado, a renovação e a atualização da tradição, como também o desenvolvimento equilibrado das potencialidades individuais, dos sentimentos, do gosto, dos valores, dos costumes, da história e de todas as esferas que envolvem o mundo-da-vida humana.

    Compreende-se que a educação está intimamente relacionada com a racionalidade, pois os processos de ensino-aprendizagem desenvolvem-se empiricamente mediados pela capacidade racional que os seres humanos possuem. A racionalidade tem haver, sobretudo, com o processo, ou seja, com os meios em que se constroe os conhecimentos que ocasionam um fim determinado por este, do que com a simples posse do mesmo. Nesse sentido, a razão apresenta-se basicamente de duas formas nos tempos modernos: razão instrumental e razão comunicativa, tendo predomínio à primeira em relação à segunda. De acordo com Bolzan (2005: 95),

    A racionalidade cognitivo-instrumental se distingue da racionalidade comunicativa tendo em vista o modo de utilização proposicional. Neste caso, a utilização do saber se refere à manipulação instrumental como fim de dominar. No caso da racionalidade comunicativa a utilização do saber proposicional está vinculada com a pretensão do entendimento intersubjetivo.

    Em uma era em que as concepções teórico-metodológicas estão cada vez mais diversificadas e ampliadas no âmbito escolar2 torna-se extremamente necessário refletir, analisar e discutir sobre a forma em que são implementados as ações educativas. E se necessário for, após a reflexão coletiva re-significar os processos de ensino-aprendizagem para no contexto da educação de crianças.

    Predominantemente os métodos de ensino seguem os parâmetros da racionalidade instrumental, que de acordo com Aragão (1997: 60) “[...] a relação de conhecimento e ação se faz nos moldes de filosofia da consciência, entre um sujeito que conhece e um objeto apreendido, mesmo que esse objeto também seja um sujeito, isto é, numa relação monológica, solitária e autoritária [...]”. A racionalidade centrada unicamente na subjetividade de um sujeito capaz de servir-se de seu próprio entendimento de forma unilateral está direcionada nos dias atuais a fins de dominação, ou seja, numa relação em que um sujeito domina e manipula a natureza e os próprios sujeitos para atingir fins com maior eficácia.

    Em práticas de ensino desenvolvidas sob essa ótica a relação que se estabelece é o comprometimento com o resultado final do processo “educativo”, em que as metas devem ser traçadas estrategicamente para que o objetivo final ou o sucesso seja atingido de forma eficiente. Nestes termos, as ações didático-metodológicas se reduzem a garantir os propósitos da educação bancária denunciada por Freire (1983), em que os saberes são transferidos de forma repressiva e transversal, contribuindo para a reificação e adaptação das crianças ao contexto sócio-cultural.

    Para que a educação de crianças no contexto escolar formal seja dirigida de acordo com os interesses que levem em consideração as humanidades argumenta-se, sobretudo, que as escolas através dos diversos componentes curriculares podem proporcionar elementos que auxiliem aos alunos compreenderem as diferentes relações socialmente estabelecidas e, assim, descobrirem as possibilidades de agir autonomamente no contexto situacional. Isto demanda de práticas de ensino para o além do saber-fazer ampliando para o nível do saber-sentir, refletir e agir diante das condições sócio-ambientais.

    Os seres humanos agem de acordo com as estruturas biologicamente inatas e, a partir disso, podem desenvolvem-se através das interações com o meio físico, material e social. A educação se estabelece no âmbito de intervenção social com a incumbência de contribuir com a formação dos sujeitos quanto aos conhecimentos de natureza cognitiva, que se reflete nas ações de ordem política e social. De acordo com Prestes (1996) se requer nos dias atuais que as ações educativas possibilitem empiricamente desenvolver a competência epistêmica e a competência moral:

    A consciência de si, desdobrada em sujeito epistêmico e moral, sinaliza a formação de identidade do eu que se conhece a si e aos outros, o que dá base para o reconhecimento da igualdade de todos. Esse processo, nas sociedades modernas, requer uma educação no sentido de formação de um projeto humano, a ser orientado por uma racionalidade que não seja apenas dominadora, mas que seja orientada pelo interesse de liberdade (1996: 38).

    Possibilitar elementos pedagógicos que sinalizem para leitura de categorias de conhecimento e, assim, desenvolver atitudes conscientes e autônomas conduzindo ao esclarecimento das relações sócio-culturais pode ser considerada uma das tarefas da educação nos dias atuais.

    Para tanto, faz-se necessário uma mudança de paradigma nos processos de ensinar e aprender dos diferentes níveis da educação e, neste caso, não se exclui a educação de crianças. Isso significa ampliar o paradigma da filosofia da consciência em que os processos de ensino aprendizagem ocorrem numa relação unilateral entre sujeito/objeto, para o paradigma linguagem. A partir do paradigma da linguagem os conhecimentos são tematizados e discutidos de forma critica e reflexivamente numa relação intersubjetiva. Neste sentido Marques (1996: 85) descreve que “A educação, como interlocução de saberes, passa a aquilar-se pelas efetivas aprendizagens a que conduz enquanto reconstrução daqueles saberes e enquanto enraizada no mundo da vida”.

    O paradigma da ação comunicativa posto em discussão por Habermas certamente é uma alternativa para superarmos o caráter repressor e instrumental implementados nos processos didático-metodológicos de ensino. Pode-se fazer essa afirmação, pois o mesmo apresenta uma perspectiva em que os processos de ensino-aprendizagem acontecem através da intersubjetividade de sujeitos em condições ideais de fala, ou seja, sujeitos livres de qualquer forma de coerção ou de conceitos pré-estabelecidos e, dessa forma, produzem intersubjetivamente os conhecimentos através do médium lingüístico.

    De acordo com Habermas (1981, apud Kunz 2004: 31), “[...] o que nos eleva acima da natureza é a única coisa que podemos conhecer de acordo com sua própria natureza: a linguagem. Através de sua estrutura coloca-se para a maioridade.”. O uso dessa capacidade essencialmente humana permite elaborar e externar o pensamento de forma mais ampla e crítica, pois quem possui o domínio lingüístico dispõe do recurso da argumentação e de contestação de forma mais eficaz.

    Para tanto, é necessário que os sujeitos desenvolvam a capacidade lingüística na produção de conhecimentos através das inter-relações de forma recíproca. Essa mudança de paradigma está voltada a “[...] substituir o modelo de um sujeito solitário, confrontando com um mundo de coisas cognoscíveis e manipuláveis, pelo modelo da ação comunicativa, que supõe a intersubjetividade de pelo menos dois atores, voltados para o entendimento mútuo” (ROUANET 1987: 179). A partir dessa perspectiva os sujeitos passam a ser realmente atores e autores do processo de formação tomando consciência de si, de suas ações e da responsabilidade na construção da sociedade.

    Entende-se que processo de formação humana e pessoal acontece ao longo da vida dos sujeitos de forma intrínseca com a produção dos conhecimentos, ou seja, na medida em que os saberes são construídos, é também, formada a personalidade dos sujeitos e, com isso, formam-se princípios e valores que nortearão as ações das crianças ao longo da vida. A elaboração dos conhecimentos está sempre dirigida a determinados interesses humanos, os quais orientam e dirigem os conhecimentos que se apresentam em várias instâncias como nos processos educativos, nas investigações científicas e que também norteiam os currículos pedagógicos. Aragão (1997) cita os interesses que se apresentam para a espécie humana, quais sejam:

    Interesse técnico: diz respeito ao dominar a natureza para fins instrumentais e de dela dispor, prevendo-a, controlando-a e até recriando-a artificialmente para conseguir dela maior rendimento, cujo objetivo está restrito ao próprio adjetivo “técnico”;

    Interesse prático: trata de organizar as relações que os homens estabelecem entre si, o que implica numa repressão de sua natureza interna, de modo a regulamentar os processos de vida social;

    Interesse emancipatório: traz a tona à consciência crítica, a auto-reflexão do interesse prático, que, no intuito de promover a interação entre os homens, acabou implicando no cerceamento da liberdade individual e na reificação das relações socais. (ARAGÃO, 1997: 56, 57).

    O agir comunicativo detém seu foco principalmente no interesse emancipatório que amplia as relações de dominação da natureza e dos próprios sujeitos através do interesse técnico, como também, ultrapassa o caráter que normativa as inter-relações dos sujeitos sem qualquer forma de reflexão crítica apresentado através do interesse prático. Mas, sobretudo, o interesse emancipatório prioriza a auto-reflexão fundada na razão crítica que desencadeia em processos de ações autônomas e conscientes exteriorizadas através do médium lingüístico, tornando possível, dessa forma, desenvolver princípios da emancipação humana.

    Habermas (1975 apud Aragão 1997: 58), descreve a relação que existe entre criticidade, liberdade e emancipação humana norteada pelo interesse emancipatório:

    Graças às análises de uma crítica da opinião, o interesse da razão pela emancipação, pela autonomia na ação e pela liberdade face ao dogmatismo [...] tornaria possível essa experiência de uma emancipação conquistada pela compreensão crítica das relações de forças cuja objetividade só se prende ao fato de que elas não são postas a claro [...]

    Partindo de princípios educativos que objetivem a emancipação humana torna-se necessário para a educação de crianças proporcionar ações didático-pedagógicas que permitem as quais agirem com autonomia e liberdade possibilitando a auto-expressão criativa e, para isto, é imprescindível priorizar interesses voltados a esse fim. A razão movida por interesses essencialmente técnico reduz elementos estéticos que permitem a sensibilidade, a percepção de compreender os ditames de uma sociedade exploradora, havendo dessa forma, a necessidade de uma re-educação que esclareça as estruturas que compõe o sistema sócio-econômico vigente.

    Isto não significa negar ou abolir os pressupostos dos interesses técnico e prático, mas, sobretudo ampliar a visão funcionalista presente em ambos. Rouanet (1987: 322) descreve que “Em sentido integral, a razão é a unidade da razão científica, prática e estética. Não podemos aceitar o monopólio de nenhuma das partes, como único padrão de racionalidade, submetendo a totalidade da vida a seus imperativos funcionais”. De acordo com a expressão de Rouanet (1987) que as ações educativas podem ser conduzidas em uma perspectiva que proporcione reflexão sobre os conhecimentos acumulados historicamente no sentido de ampliar as questões técnicas, funcionais que reificam os sujeitos em formação e, sobretudo, valorizar as expressões estéticas, subjetivas que as crianças apresentam no contexto escolar.

    O agir comunicativo parte da interlocução de saberes que são oriundos do mundo-da-vida sendo que, os sujeitos apresentam esses saberes prontamente ao se relacionarem mutuamente com os outros, buscando através da argumentação um entendimento provisório sobre algo presente nos mundos objetivo, social e subjetivo. Dessa forma, a aprendizagem acontece a partir da re-construção de saberes partilhados intersubjetivamente em que há uma relação de reciprocidade entre os sujeitos na construção dos conhecimentos. Marques (1996: 86), descreve a interlocução detém-se em,

    [...] saberes constituídos em anterioridade, prévios as relações com que se vão reconstruir enquanto aprendizagem, não mera repetição ou cópia, mas efetiva reconstrução enquanto desmontagem e recuperação de modo novo na perspectiva do diálogo dos interlocutores constituídos em comunidade de livre-conversação e de argumentação.

    Na educação como interlocução e reconstrução dos saberes são valorizados os conhecimentos subjetivos que a criança adquire através das relações sociais em seu mundo-da-vida, refletindo-os e abrindo a possibilidade de re-construir “novos” entendimentos intersubjetivamente, na busca de esclarecer as estruturas que compõe o contexto sócio-cultural em que os sujeitos inserem-se.

    Encontra-se na instituição escolar um espaço distinto para a interlocução dos saberes3. Os processos de ensinar e aprender em todos os níveis de ensino necessariamente buscam referência em conhecimentos sistematizados e historicamente acumulados. Neste sentido, o papel o professor é de extrema importância na “mediação” desses conhecimentos considerados eruditos re-significando de acordo com a realidade específica dos sujeitos, tornando o contexto escolar como mais uma instância constituinte do mundo-da-vida das crianças. Nestes termos, é possível considerar que mundo-da-vida é, “[...] o lugar das experiências possíveis que é partilhado intersubjetivamente [...] É o referencial que torna possível o entendimento entre falantes e ouvintes que constroem acordos sobre o mundo” (BOLZAN, 2005: 104).

    Portanto, a partir da interlocução dos saberes pode se levar à emancipação humana, pois considera-se o desenvolvimento da mesma, a partir de um processo de elaboração de um saber crítico que tem origem no mundo-da-vida dos sujeitos. Assim sendo, os saberes sistematizados podem ser re-significados através de um processo argumentativo em que a comunicação torna-se fundamental desde que seja constituída através da interação livre de qualquer forma de ação coercitiva .

    Assim sendo, as ações didático-metodológicas partem da interação dialógica em que prevalece a mutualidade entre professor/alunos, alunos/alunos na relação com os saberes sistematizados historicamente. Considerando que a escola é um ambiente em que se encontram crianças com diversidades sociais, culturais e étnicas, é importante haver nos processos de ensinar e aprender “[...] a dialogicidade verdadeira, em que sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se tais, se tornam radicalmente éticos” (FREIRE 1996: 67).

    A perspectiva do agir comunicativo para a educação de crianças pode ser considerada como uma alternativa que supere os tradicionais métodos de ensino-aprendizagem, pois com o médium lingüístico há a possibilidade de discutir e refletir sobre os saberes e as questões sociais que ofuscam as consciências em formação. Com isso, torna-se possível as crianças através do esclarecimento também descobrirem suas potencialidades e formas de agir de forma mais ampla do que simplesmente ter por ações orientadas tecnicamente com fins estratégicos. Adorno (1995: 141), ao expressar sua compreensão inicial sobre educação cita que: “Evidentemente não assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira”.

Considerações finais

    A educação de crianças nos dias atuais é tarefa de fundamental importância sendo que nesta fase os sujeitos encontram-se “abertos”, descobrindo a si mesmo e ao mundo. Portanto, há possibilidade de contribuir com a formação de sujeitos conscientes e responsáveis de suas ações e da parte que lhes confere em constituir a sociedade. Neste sentido, torna-se necessário, sobretudo valorizar as subjetivas expressões estéticas, sensíveis e intuitivas de forma comunicativa e recíproca. Isto, demanda de um paradigma que ultrapasse a relação unilateral de um sujeito cognoscente e um objeto aprendido centrada na aprendizagem do simples saber-fazer.

    Na perspectiva do agir comunicativo as questões técnicas são ampliadas para um saber-sentir, saber-refletir, e se expressar para então agir com autonomia frente às condições que se encontram no mundo-da-vida. Assim, torna-se possível desenvolver os princípios de uma educação comprometida com a emancipação humana, considerando pressupostos de uma razão crítica permeada pela reflexão intersubjetiva e comunicativa. À medida que as crianças desenvolvem a competência de comunicar-se com autonomia torna-se possível desenvolver-se coletivamente de forma competente e poder, neste processo, expressar/externar suas próprias idéias e interesses, sabendo que as intenções de cada sujeito devem ser sintonizadas com as do grupo. (BOSCATTO e VIERA, 2006).

    As instituições de ensino em todos os níveis desde a educação infantil ao ensino superior e os seus processos didático-metodológicos precisam ser entendidos como espaço de interlocução de saberes que se constituem a partir das relações que se estabelecem na história da humanidade e essa interlocução precisa ser marcada como possibilidade efetiva de compartilhar diferentes saberes. A idéia de compartilhar nos remete à educação como ato coletivo e solidário. Daí provém uma compreensão fundamental: o conhecimento se constrói a partir da interação e da comunicação entre os sujeitos e seu mundo-da-vida. Isso significa que o conhecimento é um fenômeno social que se produz na medida em que as pessoas enquanto sujeitos históricos praticam ações e as socializam através da estrutura denominada linguagem, sendo que ações comunicativas e reflexivas nos conduzem um entendimento sobre o estudadoaber sentir, saber expressar-se ples saber fazerda. do e jogosue se refere ao agir tecnicamente

    Compartilhar saberes coletivamente como proposta em discussão neste espaço traz a possibilidade de compreender as instâncias formadoras de consciência ideologicamente falsa (KUNZ, 2004), como também a condição de desenvolver “novas” categorias de valores e competências necessários para a formação de uma sociedade mais humana. Isso significa proporcionar condições para as crianças tenham condições de interpretar a realidade contextual e, assim, poder agir com autonomia e responsabilidade diante das situações presentes no cotidiano.

    Enquanto educadores podemos ainda exercer a função social que nos cabe e, se assim for, contribuir com o desenvolvimento de princípios e a formação de valores que resgatem a possibilidade da formação de uma sociedade mais justa, humana e, com isso, emancipada. Celebre frase que ilustra esse pensamento encontramos em Rouanet (1987):

    “Apesar de tudo, podemos ainda reabilitar-nos se pudermos contribuir, pela reflexão ou pela ação, para uma certa correção de rumos.[...] podemos lutar para que as humanidades venham a assumir o papel que lhes cabe no sistema brasileiro de ensino.”

Notas

  1. Aragão (1997) destaca que o mundo da vida é entendido como o horizonte não-tematicamente dado, não questionado, em que os participantes de comunicação se movem comumente, quando se referem tematicamente a algo no mundo, sendo que, é o pano-de-fundo que permite aos sujeitos capazes de ação se entenderem mutuamente sobre algo no mundo.

  2. Embora a mais de uma década Libâneo (1996), apresenta algumas tendências pedagógicas que norteiam as práticas educativas ainda nos dias atuais.

  3. Para a interlocução de saberes verificar Educação/Interlocução, Aprendizagem/Reconstrução de Saberes. Marques (1996). Unijuí, Ijuí.

Referências

  • ADORNO, Theodor Educação e emancipação. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

  • ARAGÃO, Lucia Maria de Carvalho. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jurgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura: Secretaria de Educação Básica. Ampliação do ensino fundamental para nove anos: relatório do programa. Brasília, 2004.

  • BENJAMIM, Valter. Magia e técnica, Arte e política. 6ª ed. editora brasiliense, São Paulo: 1993.

  • BOLZAN, José. Habermas razão e racionalização. Ijuí: Unijuí. 2005.

  • BOSCATTO, Juliano Daniel e VIEIRA, Marcos Araújo. Educação física escolar: metodologia tradicional x metodologia crítico-emancipatória: uma análise das ações dos alunos quanto às metodologias desenvolvidas. In Anais: Congresso Sul-brasileiro de Ciências do Esporte, I Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação de Educação Física. Santa Maria RS, 2006.

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

  • ____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa: São Paulo, Paz e Terra, 1996.

  • KUNZ, Elenor. Esporte: uma abordagem com a fenomenologia. Revista Movimento. Porto Alegre: v 1, n12, p. 1 a 13. 2000.

  • ____________. Transformação Didático – Pedagógica do Esporte. 6 ed. Ijuí: Unijuí, 2004.

  • LARAIA. Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. 6ª ed. Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro: 1992.

  • LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 14 ed. São Paulo: Loyola, 1996.

  • MARQUES, Mario Osório. Educação/Interlocução, aprendizagem/reconstrução de saberes. Ijuí: Unijuí, 1996.

  • PRESTES, Nadja Hermann. Educação e racionalidade: conexões e possibilidades de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.

  • ROUANET, Sérgio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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