A influência da Educação Física na edificação dos valores nos jovens actuais |
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Faculdade
de Desporto
Universidade do Porto (Portugal) |
Pedro Morouço |
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Resumo
O tema dos valores, sua evolução, crise e debate, é actual e, acima de
tudo, bastante interessante e pertinente. É nosso objectivo estudar os
valores dos jovens actuais e a influência da escola, da educação e
especificamente da educação física na construção desses valores.
Apesar de tão actual, o conceito de "valor" não
encontra acordo quanto à definição, quer por parte dos diversos
autores, quer mesmo ao nível do senso comum. Proliferam as definições,
há uma ambiguidade no seu significado e não existe um critério
universal. Resumidamente, o valor é a convicção firme de que algo é
bom ou mau e de que nos convém mais ou menos. Os valores reflectem a
personalidade dos indivíduos e são a expressão moral, cultural,
afectiva e social da família, escola e instituições que nos
influenciam na sociedade em que vivemos.
Unitermos: Valores. Sociologia. Educação Física.
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 118 - Marzo de 2008 |
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1.
Introdução
O tema dos valores, sua evolução, crise e debate, é actual e, acima de tudo, bastante interessante e pertinente. Congressos e colóquios são organizados com o intuito de esclarecer dúvidas permanentes e profundas sobre estas qualidades objectivas, que não dependem das preferências individuais, subjectivas e arbitrárias (Babio, 2002).
Neste estudo pretendemos estudar os valores dos jovens actuais e a influência da educação física na construção dos valores da juventude. Para sermos educadores temos, em primeiro lugar, que conhecer os nossos educandos. Os jovens já não são crianças mas também ainda não se encontram na idade adulta, o que leva a que a sua tábua de valores se encontre em grande evolução e constante mutação. No contexto pós-moderno em que nos encontramos é necessário indagar que lugares ocupam os valores e quais são eles, ajustados a mudanças sociais e culturais.
Segundo Vanzan (2000), é bom recordar que a palavra “pedagogia” tem origem etimológica das palavras gregas “paidós”, que significa “da criança”, e “ágo”, que significa “conduzir”. Deste mesmo verbo deriva a palavra “axios”, que significa “valioso”. A axiologia, ou teoria dos valores, e a pedagogia encontram-se unidas pela sua génese etimológica e, assim, não se pode pensar uma educação sem valores que a sustentem. Surgem a partir daqui diversas questões: Os valores de hoje são os mesmos de sempre? Há valores universais? Há coincidência entre os valores que a escola deve transmitir e os que predominam na sociedade de hoje? E há ou não coerência transversal e longitudinal ao longo dos anos de escolaridade?
Relativamente ao desporto e à educação física em concreto, é tido como ponto assente que favorecem a formação integral dos jovens. Através da participação em actividades desportivas desenvolvem-se os valores sociais de lealdade, cooperação, força de vontade, resistência psicológica, dignidade, honestidade, solidariedade, disciplina e respeito mútuo (González, 2001).
Num mundo que se encontra em constante evolução e que sofreu, nos últimos trinta anos, grandes mudanças, fruto de várias revoluções e alterações políticas, que lugar ocupa a escola na formação dos futuros governantes, cientistas, economistas e ídolos artísticos e desportivos? Será que o vazio consumista actual está para ficar ou que a escola, menos transmissiva e mais construtiva, terá um papel preponderante na criação, identificação e convicção de valores?
2. Metodologia
2.1. Amostra
A amostra foi constituída por 364 alunos que frequentaram a Escola Secundária do Castêlo da Maia no ano lectivo transacto, o que corresponde a 49,4% do total dos alunos. Estes alunos, que têm idades compreendidas entre os 11 e os 20 anos, fazem parte de 18 turmas distribuídas pelo 3º ciclo (7 turmas) e pelo ensino secundário (11 turmas). Foram escolhidas turmas aleatoriamente perfazendo metade (ou superior) das turmas de cada ano escolar, de forma a termos uma amostra representativa de todas as idades. O ano lectivo onde a percentagem dos inquiridos é mais diminuta é no 10º ano de escolaridade. No entanto consideramos que 34,2% é um número suficiente para uma análise significativa.
Ano |
Nº alunos / ano |
% alunos / ano |
7º ano |
44 |
41,5% |
8º ano |
57 |
73,1% |
9º ano |
45 |
52,3% |
10º ano |
81 |
34,2% |
11º ano |
79 |
49,4% |
12º ano |
58 |
46,0% |
Totais |
364 |
49,4% |
Tabela 1. Quadro representativo da amostra
2.2. Instrumento
Os inquéritos por questionário têm sido um dos instrumentos mais utilizados no estudo dos valores (Pedro, 1999). Podemos grosseiramente tomar as opiniões amplamente compartilhadas como susceptíveis de indiciarem alguns valores básicos da sociedade. Os valores não são medidos directamente, o que os questionários nos dão são atitudes, opiniões, normas subjectivamente interiorizadas que em alguns casos traduzem os valores.
Questão mais complicada é a de saber se as respostas dadas reflectem ou não o que os inquiridos realmente pensam a propósito do que lhes é questionado. São conhecidas as contradições entre o que se pensa, o que se diz e o que se faz. Estas incoerências devem ser tidas em conta para a pesquisa sociológica e devem ser introduzidas perguntas controlo para apanhar estas dissonâncias (como é o caso deste questionário).
Embora os valores possam guiar as acções, nem sempre estas dependem daqueles: por exemplo, alguém pode manifestar-se contra a discriminação sexual (atitude ou manifestação de valor) mas em situações específicas ter comportamentos sexistas e verbalizar comportamentos correspondentes.
Para o estudo foi utilizada uma versão adaptada do questionário de Harter (1985).
Este questionário é constituído por vinte e sete questões cuja resposta é obtida através de uma escala tipo Lickert de 1 – sem importância a 5 – muito importante. Os resultados variam entre 7 e 35 para as sub-escalas de relação com colegas e superiores, estética e estimulação intelectual e género de vida e entre 6 e 30 para a sub-escala de relação consigo próprio.
Para melhor apreciação dos resultados, os valores obtidos devem ser normalizados a uma escala percentílica.
2.3. Procedimentos
Neste trabalho de carácter experimental do tipo indutivo, a metodologia de investigação foi efectuada sob a forma de revisão bibliográfica e tratamento estatístico dos questionários.
Após entrega de um inquérito por aluno, foi-lhes pedido que lessem cada frase com atenção e indicassem o grau de importância que tem para si cada um dos aspectos da vida a seguir referidos. Para tal foi pedido que o aluno fizesse uma cruz no número correspondente à resposta que considerasse mais adequada.
Foi ainda referido que o inquérito não tem respostas correctas ou erradas e que os resultados não serão utilizados de uma forma que deplore alguém. O seu preenchimento foi feito de forma anónima e após recolhidos foram numerados aleatoriamente dentro de cada turma.
Após aplicação dos questionários na referida amostra os resultados foram analisados e comparados com a bibliografia existente e retiradas as conclusões possíveis dentro da pertinência do tema.
Só foram considerados válidos os inquéritos totalmente preenchidos, ou seja, em caso de omissão de um item, o inquérito não foi considerado válido e não foi analisado, daí que tenham sido aplicados 372 inquéritos e tenham sido tratados 364. Assim sendo foram inseridos 25.116 registos.
Os dados obtidos foram inseridos no programa estatístico Microsoft Excel – Versão 2002, SP-2. Foram calculados os perfis individuais de cada aluno e posteriormente as médias e desvios-padrão para cada valor de cada turma. De seguida, foram agrupados os resultados por ano de escolaridade e por nível de ensino.
3. Apresentação e discussão dos resultados
De seguida serão apresentados e discutidos os resultados obtidos através das análises estatísticas elaboradas aos inquéritos aplicados.
Tendo em conta a revisão bibliográfica previamente apresentada, compreendemos que os valores são as qualidades que as pessoas desejam e que procuram encontrar nas actividades em que se ocupam, nas situações que vivem ou nos objectos que adquirem. Perceber a estrutura de valores de um estudante é tão importante que permite determinar a corrente psicológica que deverá ser tomada na escola.
Existe uma enorme concordância entre a importância de determinado valor, mesmo em anos de escolaridade díspares. Ou seja, é facilmente perceptível que independentemente do ano escolar analisado, os valores inerentes à educação física têm uma elevada importância para os alunos.
A principal contribuição da educação física para a formação do jovem é ao nível da relação consigo próprio. De seguida surge a relação com outros e o género de vida, embora este último tenha uma menor dispersão entre anos escolares. Dos valores avaliados aquele que os alunos remetem para último lugar é a estética e estimulação intelectual.
É ainda de realçar que em lugar algum uma linha se cruze, o que indica que os valores estão bem estabelecidos e em concordância ao longo dos anos.
Em idades mais novas a contribuição da educação física para a formação do aluno é superior e esta vai diminuindo à medida que se avança no ano escolar.
Figura 1 – Gráfico ilustrativo da distribuição de Valores por ano de escolaridade.
À relação consigo próprio entenda-se a contribuição da educação física para uma melhoria do seu auto-controlo, do seu auto-conhecimento, da sua auto-confiança, para o aumento de segurança em si próprio ou mesmo questões de apoio emocional.
Ao ultrapassar os desafios impostos pela própria educação física os alunos tornam-se mais realizados e a relação consigo próprios acaba por melhorar. O facto de conseguir ultrapassar os obstáculos que lhes surgem levam a que o aluno se conheça melhor. Permite a tomada de consciência das suas limitações e possibilidades e que a relação consigo própria seja mais realista.
No que se refere à relação com os colegas e superiores entenda-se o trabalho em equipa, o cumprimento das regras e horários impostos, entre outros. A figura 1 permite-nos averiguar que a sua importância é também elevada. Este facto é, fundamentalmente, devido à grande densidade do trabalho em equipa. A estimulação do trabalho em cooperação é extremamente perceptível ao nível dos Jogos Desportivos Colectivos e a entreajuda e o auxílio mútuo contribuem para que a relação com os colegas se erija.
A educação física proporciona um elevado peso ao nível do género de vida em termos dos aspectos mais sociais como o fair-play, companheirismo, igualdade social, competitividade, etc.
Dos valores estudados aquele que os alunos dão menos interesse é a estética e estimulação intelectual. Quanto aos desafios intelectuais impostos pela educação física, não há dúvidas que eles existem e que são uma constante. No entanto, este estímulo intelectual é realizado de forma indirecta através de estratégias, tácticas e rápidas tomadas de decisão. Assim sendo os alunos não tomam consciência da contribuição que a educação física tem a este nível e por isso surgem resultados inferiores.
4. Estratégias para educar valores
Sendo a educação física o campo privilegiado de formação pessoal que já falamos anteriormente, há algumas recomendações que o Professor tem que ter em conta nas suas aulas, para que os valores sejam desenvolvidos:
Fazer com que os alunos sejam capazes de participar nas actividades em grupo como recurso para fomentar a colaboração e a solidariedade, o respeito da opinião e das diferenças dos outros, a aceitação de normas e regras do grupo, o respeito e a conservação dos materiais de uso comum (Babio, 2002);
Inventar novos jogos, com a participação activa dos alunos, onde sejam eles próprios a debater que regras seriam mais importantes (Vanzan, 2000); dentro desta autonomia dos alunos o Professor deve tentar proporcionar mais a cooperação do que a competição;
Parar a actividade física quando considerar importante reflectir sobre a acção que está a decorrer pois não podemos esperar que a simples prática de jogos, sem um suporte reflexivo, leve à construção de valores (Vanzan, 2000);
Para potenciar valores como a honestidade, a força de vontade, a solidariedade, o fair-play, a liderança há que evitar que o perdedor seja excluído, formar equipas equilibradas, estabelecer castigos para comportamentos anti-desportivos, designar árbitros ou juízes (por exemplo, os alunos que não fazem aula) e dar pouca importância aos prémios (González, 2001);
Procurar criar na turma uma atmosfera de tolerância que facilite a compreensão e a igualdade entre alunos;
Levar os alunos a aceitar e a cuidar do próprio corpo não tendo vergonha das suas formas, através de actividades que apelem a diferentes características físicas, por exemplo: colocar um aluno “gordinho” a exemplificar um lançamento;
Aproveitar acontecimentos desportivos reais para debater, reflectir e interpretar à luz da sua prática desportiva e dos conflitos que surgem entre alunos.
5. Conclusão
Sendo finalidade essencial da Escola a promoção de valores, é de maior importância identificar e caracterizar os valores a promover no processo educativo escolar e as metodologias a adoptar nesse sentido.
Visto que promover valores é diferente de inculcar valores, é necessário fornecer aos alunos experiências axiológicas, abertas à liberdade e autonomia dos educandos. A formação profissional dos Professores deve ir também neste sentido, para que a escola possa ser um espaço intrinsecamente ordenado para os valores e para a cultura.
Relativamente à actividade física e ao desporto por si mesmos podemos dizer que não são geradores de valores sociais e pessoais; são sim, excelentes terrenos de promoção e desenvolvimento de tais valores. Dependendo sempre do uso acertado ou não que se faça da actividade física, proporcionar-se-ão valores louváveis para a pessoa e seus contextos sociais ou pelo contrário detestáveis.
Desde que existem, a educação física e a prática desportiva sempre estiveram associadas a formação de valores éticos e morais, assim como se constituem como um conjunto de influências benéficas na formação da personalidade dos alunos (Graça, 1997). É então de ressalvar que a educação física não se deve preocupar apenas em que determinado aluno consiga realizar determinada habilidade, em determinada situação. O seu plano de formação é bastante mais alargado e compreende toda a formação do indivíduo aos diferentes níveis (psicológico, fisiológico, ideológico, social, etc.), superando por vezes o valor próprio do seu conteúdo.
Bibliografia
Babio, Y. E. (2002) ¿Puede la Educación Física actual abordar los valores que inciden directamente en la formación íntegra de los alumnos? en Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, http://www.efdeportes.com. Ano 8 (48).
González, M. R. (2001) La labor educativa del profesor y los valores: una problemática actual, en Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, http://www.efdeportes.com. Ano 7 (34).
Graça, A. S. (1997) Os Valores na Educação Física, in A Escola Cultural e Valores, M. F. Patrício (eds.) pp. 251-257. Porto Editora, Porto.
Pedro, A. P. (1999). Percursos de uma Educação em Valores em Portugal. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Vanzan, J. (2000) ¿Competición o cooperación?, en Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, http://www.efdeportes.com. Ano 5 (26).
revista
digital · Año 12
· N° 118 | Buenos Aires,
Marzo 2008 |