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Vivência de observação acerca da
Educação Física no ensino fundamental

 

*Doutor em Ciências do Movimento Humano 

UFRGS – Coordenador do Curso de Educação Física 

UNIVATES. Professor do Curso de Educação Física do Centro Universitário Metodista IPA.

**Acadêmica/o do Curso de Licenciatura em Educação Física do Centro Universitário Metodista IPA

(Brasil)

Prof. Dr. Atos Prinz Falkenbach*

atos@univates.br

Ac. Aurelio Soares Mendonça**

cascaveletes@terra.com.br

Ac. Candice Prates Miranda Corrêa**

candicepmc@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O presente estudo apresenta um exercício de reflexão sobre o tema da educação física nas séries finais do ensino fundamental realizado em uma disciplina no Curso de Licenciatura em Educação Física do Centro Universitário Metodista IPA. Analisa os estudos das abordagens pedagógicas da educação física escolar e suas repercussões na prática pedagógica de um professor de educação física. O estudo é de corte qualitativo, estudo de um caso. As observações realizadas permitiram destacar categorias de análise que são: a) forma de organização das aulas, as rotinas e procedimentos de organização; b) práticas pedagógicas desenvolvidas nas aulas; c) situações de disciplina nas aulas de educação física. Entendemos que há a necessidade de contínuos estudos e qualificação do professor de educação física na escola, bem como o exercício de observação da prática pedagógica no processo formativo do futuro professor de educação física permite uma reavaliação crítica por parte dos acadêmicos de educação física sobre a educação física na escola.

          Unitermos: Educação Física escolar. Formação de professores. Estudo de caso.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 117 - Febrero de 2008

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Introdução ao estudo

    O presente artigo é fruto de uma produção desenvolvida no 3º semestre do curso de Educação Física Licenciatura do Centro Universitário IPA Metodista. Trata-se de uma disciplina que estuda a educação física no nível do ensino fundamental e convoca os acadêmicos para vivências de observação, de leitura, de reflexão, de estudos e de interação com a prática desenvolvida por professores da educação física no ensino fundamental das escolas regulares de Porto Alegre.

    O estudo que apresentamos é um relato vivenciado a partir de uma ótica desempenhada em aulas de educação física em uma escola na rede regular de ensino do município de Porto Alegre. A vivência de observações desenvolvida é um procedimento interessante e de fundamento para a formação do futuro professor de Educação Física na escola. O exercício pretende possibilitar que o mesmo reveja e reflita as aulas de educação física por uma outra perspectiva, agora na condição de estudante de educação física, visto que a poucos anos antes estava o acadêmico ali na escola na condição de praticante das aulas de educação física. O exercício dessa observação oportuniza revisar o seu pensamento e compreensão acerca da educação física na escola, de poder olhar para ela com olhos mais críticos, uma vez que em seu processo formativo, a finalidade é de possibilitar a vivência no ambiente existente nas escolas, que será seu futuro local de trabalho.

    O presente estudo foi desenvolvido na cadeira de Prática Pedagógica III, disciplina integrante do Curso de Licenciatura em Educação Física do Centro Universitário IPA Metodista em Porto Alegre – RS. A disciplina prevê como finalidades proporcionar ao acadêmico a vivência de observação da educação física escolar, com o acadêmico no interior da escola, em íntimo contato com a realidade de uma turma e da própria escola.

    Nessa perspectiva o presente estudo se propõe a apresentar reflexões sobre os estudos desenvolvidos na disciplina de Prática Pedagógica III e suas repercussões na ótica de um grupo de acadêmicos, também se propõe a descrever a metodologia desenvolvida na prática de observação desempenhada pelos acadêmicos na escola, suas dificuldades, suas reflexões e suas novas compreensões. Finalmente aborda a temática do foco das observações desenvolvidas pelos acadêmicos que tratou da compreensão de uma professora de educação física acerca do conhecimento das abordagens pedagógicas da educação física e suas repercussões em seus procedimentos pedagógicos e didáticos.

Estudos desenvolvidos acerca da Educação Física no Ensino Fundamental no Curso de Educação Física

    O desenvolvimento da disciplina e das orientações desenvolvidas no Curso de Educação Física para o processo de observações da realidade da educação física escolar permitiu um bom exercício reflexivo sobre uma vivência que tivemos como alunos de educação física na escola e o momento atual na forma de acadêmicos, futuros professores de educação física. Reconhecemos que a intensidade e o volume de vivências com a educação física na escola se constituem em um aprendizado bastante consistente do que significa a educação física na escola. O que queremos dizer é que a educação física já é conhecida pelos acadêmicos antes de ser objeto de estudo e de práticas em sua formação para professor.

    Assim o Curso de Educação Física necessita impactar em suas ações formativas para desfazer ou motivar reavaliações de conceitos muito impregnados sobre o que é a educação física na escola. É fato reconhecer que se o Curso não concorrer com estudos e práticas sensibilizatórias para uma reavaliação dos conceitos de educação física, os acadêmicos corre o risco de entrar e sair do Curso sem haver modificações mais substanciais em sua forma de compreender o que é a educação física e o seu papel na escola. Por esse motivo empreendemos estudos sobre o tema das abordagens da educação física escolar que refletimos um pouco na seqüência.

    Nesse momento do artigo não queremos descrever um tratado de cada uma das abordagens pedagógicas da educação física, mas explicar como seus estudos possibilitaram reflexões e novos pensamentos sobre a prática da educação física e o seu papel na escola.

    Atualmente as teorias pedagógicas na área da educação física vem ampliando seu leque fortemente a favor de um paradigma crítico e possibilitador de uma compreensão mais abrangente da educação física e sua aderência com a escola. A idéia de totalidade está presente na concepção das abordagens, fica perceptível que há um privilégio na compreensão do ser humano como uma totalidade, no entanto há evidências constatadas no processo de observações realizadas que ainda há predominância de concepções mecanicistas, que insistem em compreender o ser humano de forma fragmentada.

    Por que ocorre essa discrepância entre os estudos da teoria e o exercício da prática? Algumas hipóteses surgiram em nossas aulas e discussões acadêmicas: será em razão do modo de pensar das pessoas ligadas à escola? Da falta de recursos e contínua qualificação docente? Dos alunos? Do sistema? Ou do próprio professor? Temos a intenção de estudar como os professores de educação física das escolas conhecem ou desconhecem os estudos da temática das abordagens pedagógicas da educação física escolar.

    Em relação às abordagens pedagógicas em Educação Física no ensino fundamental, podemos citar a abordagem desenvolvimentista, crítico-superadora, construtivista e critico-emancipatória ou sistêmica.

    Segundo Darido (1998) a abordagem desenvolvimentista é uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social na aprendizagem motora. Segundo ela os autores dessa abordagem defendem o movimento como principal meio e fim da Educação Física, o pensamento lógico matemático e o auxilio a alfabetização pode ocorrer somente como subproduto da prática motora.

    Para Taffarel (1989) na abordagem critico-superadora, a essência do ato educativo estaria no confronto de educador e educando com os meios da Educação Física, e nas conseqüências decorrentes de situações onde as idéias de todos são bem vindas, onde a divergência é admitida, onde o respeito à opinião dos outros e a liberdade, com responsabilidade é incentivado”. Com essa colocação a autora define o dialogo entre educador educando, o incentivo a criatividade e autonomia dos educandos, expondo suas idéias e sendo ativos no processo de construção das atividades.

    Já Mattos e Neira (2003) defendem a abordagem construtivista, explicam que a coerência de ações do professor na organização didática das atividades é o ponto chave. Nesse sentido defendem a escola inclusiva com progressão continuada dos conhecimentos, e não apenas o acesso, mas a permanência de todos os indivíduos na escola e nas atividades de aula. Freire (1994) propõe uma educação física escolar em que a construção do conhecimento esteja presente na prática educativa, aspecto que auxiliou a redimensionar o movimento e sua presença na escola.

    Betti citado por Darido (1998) explica que na abordagem sistêmica a Educação Física passa a ter a função pedagógica de integrar e introduzir o aluno no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir, e transformar as formas culturais da atividade física.

    Para Kunz (2005) a Educação Física pode contribuir para o desenvolvimento de determinadas competências que não se resumem na competência objetiva de “saber fazer”, mas incluem a competência social, lingüística e criativa, sempre de forma critica. Essa abordagem é uma abordagem que está mais inclinada com o desenvolvimento integral do aluno. Não se trata apenas dos aspectos físicos, mas principalmente de suas compreensões de mundo e de contexto relacionadas com a educação física.

Metodologia

    No desenvolvimento da disciplina de Prática Pedagógica III do terceiro semestre do Curso de Licenciatura em Educação Física do Centro Universitário Metodista IPA organizamos a metodologia de atuação com as observações e os procedimentos para o desenvolvimento do estudo e das análises da educação física no ensino fundamental de uma escola regular de ensino no município de Porto Alegre – RS.

    No desempenho do estudo observamos e interpretamos aspectos da escola como: a) os espaços físicos; b) as concepções pedagógicas de ensino dos professores; c) a metodologia de ensino do professor da turma nas aulas de educação física. Em outros semestres já tínhamos a experiência da prática da observação e isso permitiu um melhor olhar entre as observações da prática pedagógica dos professores da escola escolhida e a relação com os estudos acerca das abordagens pedagógicas que estudamos na disciplina de Prática Pedagógica III. O fator que nos destacou a atenção foi que como vínhamos observando diversas aulas de educação física desde o inicio do curso, percebemos uma distância expressiva entre as teorias pedagógicas que estudamos nas aulas de Didática e de Prática Pedagógica III com a prática pedagógica da educação física que é concretamente desenvolvida nas escolas, e isso justifica nossos esforços em estudar e descrever um pouco a realidade investigada.

    O foco do estudo foi o professor de Educação Física e a abordagem pedagógica utilizada nas aulas de educação física. A investigação seguiu através da formulação do seguinte problema: que abordagem pedagógica é utilizada pelo professor de Educação Física nas séries do ensino fundamental na escola e como o utiliza em suas práticas educativas?

    A partir da formulação do problema do estudo organizamos os seguintes objetivos: a) observar e interpretar a ação pedagógica do professor de educação física nas aulas do ensino fundamental; b) analisar e interpretar a compreensão do professor sobre as abordagens pedagógicas da educação física; c) analisar e interpretar o uso do conhecimento das abordagens pedagógicas da educação física utilizadas pelo professor em suas aulas no nível do ensino fundamental da escola.

    O estudo é de natureza qualitativa, um estudo de casos. O processo de coleta de informações fez uso dos instrumentos de observações com pautas definidas, entrevistas semi-estruturadas. As observações permitiram uma maior compreensão das entrevistas auxiliando assim no desenvolvimento e no detalhamento do estudo. Qualquer aspecto que tenha deixado dúvida durante as observações das aulas pode ser esclarecido com o professor ao final da aula.

    O protagonista do estudo foi escolhido mediante critérios de localização da escola onde trabalha, conceito da escola, espaço físico e materiais disponíveis para a utilização do professor de Educação Física. Optamos por escolher uma escola renomada e com espaço definido para a prática da Educação Física no nível do ensino fundamental escolar. Trata-se de uma escola com amplo e diverso espaço para as práticas e com variedade e quantidade de material que possa ser utilizado pelo professor de Educação Física.

    Utilizamos os seguintes instrumentos para coleta de informações: Observação do contexto físico e pedagógico da escola em todos os níveis de ensino que oferece, com ênfase maior ao ensino fundamental que é a turma em que observamos o trabalho docente da professora. Entrevistas semi-estruturadas com a diretora da escola e coordenadoria, visando buscar informações amplas e precisas da escola. Essas observações e entrevistas foram registradas na forma de um diário de campo.

    Utilizamos também o instrumento de observação nas aulas de educação física que acompanhamos e entrevistas semi-estruturadas com a professora que é a protagonista do estudo de caso. Todas as informações coletadas foram devidamente registradas para análise e composição das categorias de análise que apresentamos na seqüência.

A professora na Prática da Educação Física com os alunos do ensino fundamental

    O exercício desempenhado no processo de estudo nos possibilitou refletir as evidencias a partir da organização das seguintes categorias: a) forma de organização das aulas, as rotinas e procedimentos de organização; b) práticas pedagógicas desenvolvidas nas aulas; c) situações de disciplina nas aulas de educação física.

    A primeira categoria aborda a forma como a professora organiza suas aulas, e consequentemente seu processo de ensino-aprendizagem. Analisando as informações coletadas podemos destacar que a professora não organiza suas aulas de forma a dar compreensão, significado aos alunos da prática que irão executar. As aulas são dividas em momento da chamada, que é um tanto tumultuada, e momento de jogo quase sempre livre, conforme podemos verificar na citação a seguir coletada das observações:

    “Após o término da chamada a professora reuniu os alunos a sua frente, sentados na arquibancada. Seis alunos não foram e ficaram batendo bola. A professora entregou alguns trabalhos sem conseguir a atenção dos alunos, e sem nada explicar liberou o grupo para jogar o que desejassem” (obs nº 04, em 25/04/2006).

    Com base nesse sistema quase todas as aulas ocorreram, sem que a criança possa compreender o que esta fazendo e sem assim dar um significado real para prática da educação Física. Conforme Falkenbach (2002) uma boa forma de organização das aulas, que visa uma maior compreensão e significado as mesmas são os ritos de entrada e de saída. Segundo o autor são momentos onde as crianças irão perceber que existem momentos diferentes na aula, momento de escutar, momento de falar e momento de exercitar a escuta dos colegas, e logo após o momento de brincar, jogar e etc. Rito de entrada é o momento inicial da aula, onde o professor reúne o grupo em círculo e conversa sobre a atividade que será executada, momento onde os alunos podem dar suas sugestões e expor suas dúvidas. O rito de saída é o momento final da aula, onde o professor novamente reúne os alunos em círculo e conversa sobre a aula que tiveram, momento onde os alunos expõem suas sensações e sentimentos sobre a aula.

    O fato é que a professora não organizou um rito de entrada sequer, e assim sendo perdeu a oportunidade de significar sua aula, como podemos verificar na citação a seguir.

    “Inicio da aula, a professora chega ao ginásio coberto e chama os alunos para o centro da quadra. Todas as meninas estão no centro da quadra junto à professora, no entanto os meninos não foram e ficaram na outra quadra jogando futsal. A professora não os chamou e iniciou a fazer alongamentos com as meninas, fez dois alongamentos em meio a muita bagunça e liberou os alunos para jogarem badminton” (Obs. Nº 6 em 02/05/2006).

    O rito de saída, momento de organização final da aula, não foi observado em nossos registros. A aula simplesmente acabava quando a professora apitava para os alunos recolherem os materiais e seguirem para outras aulas da escola, conforme podemos verificar na citação abaixo:

    “Fim de aula. A professora vai até a quadra dos meninos, apita, recolhe a bola enquanto a turma sai do ginásio em direção as salas de aulas. A professora grita dando recado a todos, os alunos seguem correndo em direção aos vestiários e corredores de acesso à escola” (Obs. nº 7, em 05/05/2006).

    De acordo com as citações observadas podemos verificar que a aula perde muito em organização na falta de momentos para explicações, escuta aos alunos e de comunicação entre o professor e os alunos e dos alunos entre si. Segundo Falkenbach (2002) os ritos de entrada e de saída são os marcos de sustentação pedagógica da aula, são formas de organizar e dar sentido a aula, bem como auxiliam no processo de constituição coletiva do grupo, ou seja, dos alunos reconhecerem-se integrantes do grupo. Assim os alunos se sentirão parte da aula, integrados ao processo de ensino aprendizagem.

    A segunda categoria de estudo faz referências às práticas pedagógicas desenvolvidas nas aulas de educação física. Essa categoria buscou refletir sobre os conteúdos que são abordados nas práticas educativas que a professora desenvolve com seus alunos.

    As observações desenvolvidas permitem destacar uma inclinação da professora para a preferência dos conteúdos desportivos, ou seja, as aulas favoreceram práticas com ênfase desportivizante. Ficou claro o processo pedagógico voltado ao ensino dos esportes, como a forma de aquecimento com voltas ao redor das quadras esportivas, a organização dos grupos em colunas para o desenvolvimento de atividades gímnicas e a organização de equipes para o desenvolvimento dos jogos na seqüência da aula.

    De acordo com Kunz (2001) os esportes podem ser trabalhados nas escolas sem maiores problemas, mas é importante mudar o sentido do esporte, ou seja, ele deve ser trabalhado tendo em vista as condições físicas e técnicas de cada aluno, o objetivo deve ser o prazer e a satisfação pelo esporte e não o modelo competitivo, que exclui os de menos qualidade técnica. Mas o que detectamos na maioria das aulas que assistimos não foi essa ênfase. Pudemos observar aulas em que a competição foi o destaque das iniciativas apresentadas pela professora. Percebemos situações em que foi flagrante o processo seletivo para a composição das equipes e natural exclusão de outros como: as meninas, e os meninos menos habilidosos e que não sabiam jogar o esporte. A citação que segue é exemplo de uma das atividades desenvolvidas nas aulas:

    “A atividade da aula de educação física é um campeonato de handebol por pontos corridos, onde o critério de desempate é o saldo de gols. Uma quadra para os meninos e outra para as meninas” (Obs. nº 8, em 09/05/2006).

    “No final do campeonato (aula) as meninas que ganharam saíram cantando um grito de guerra onde ofendiam os outros times, quando fizeram foram advertidas pela professora” (Obs. nº 8, em 09/05/2006).

    Refletindo com base na citação de Kunz e nas citações das observações das aulas, podemos destacar que foi uma aula com ênfase para a competição. Ao final da aula e dos jogos pudemos constatar a tristeza de um grupo, que normalmente são os mesmos observados no processo que realizamos. Percebemos que o grupo menosprezado pouco a pouco vai sendo desestimulado a fazer as práticas da Educação Física. Porém as aulas não oportunizaram momentos de debate e de manifestação destas significações atribuídas às vivências com o esporte. O que pudemos perceber é a advertência da professora em razão das manifestações, mas não percebemos atitudes educativas em favor de uma mudança mais significativa desses conceitos no grupo de alunos.

    Taffarel (1989) apresenta um quadro comparativo em que demonstra o esporte trabalhado no modelo “formal” e no modelo “não formal”. Segundo a autora o esporte trabalhado em um modelo “formal” gera a exclusão dos alunos com menor capacidade técnica e a separação entre meninos e meninas entre outras coisas. Tal citação foi um fato, pois nas aulas observadas no presente estudo, havia sempre um seleto grupo de alunos (meninos) que jogavam futebol, enquanto outros faziam outras coisas, como podemos verificar na citação seguinte:

    “Os alunos já estão na quadra, duas meninas ficaram sentadas na arquibancada, as mesmas que estavam conversando enquanto a professora falava. A aula é de badminton, mas a turma se dividiu em dois grupos por interesse, uns foram jogar futebol (os meninos de sempre), e outros foram jogar badminton em duplas” (Obs. nº 5, em 27/04/2006).

    Finalmente a categoria situações de disciplina busca refletir sobre o comportamento dos alunos frente à professora, e de certa forma é um reflexo das outras duas.

    Foi possível perceber no decorrer das aulas que a turma não tem nenhum tipo de disciplina com relação à professora. Em todos os momentos que a professora falava os alunos não a ouviam e na maioria das vezes nem mesmo se reuniam perto dela quando chamados e quando se reuniam não a escutavam. Abaixo algumas citações das observações das aulas:

    “A professora pediu para os alunos alongarem, mas a grande maioria não fez. Apenas quatro alunos alongaram, os outros ficaram conversando espalhados pelas arquibancadas e pelo campo de futebol. Não houve intervenção por parte da professora” (Obs. nº 4, em 25/04/2006).

    “Ainda a professora esta falando e os alunos começam a levantar, a professora pede para que retornem a seus lugares para concluir a chamada, fato que não ocorre, pois os mesmos já estão na quadra batendo bola” (Obs. nº 5, em 27/04/2006).

    “A professora pede um momento para o grupo de meninas que esta jogando, e passa orientações aos gritos, pois estas estão batendo bola e gritando muito, não ouvem a professora que se retira” (Obs. nº 9, em 16/05/2006).

    A partir das citações descritas é possível verificar uma carência na organização das aulas, bem como a falta de definição de propostas pedagógicas do professor, uma vez que o aluno percebe a carência propositiva. Para essa turma ficou claro que a aula de educação física é de jogo, e que no jogo se joga e não se fala. Portanto o exercício de escuta e de abertura de canais de comunicação não faz parte da aula de educação física.

    Falkenbach (2002) explica que o diferencial da prática pedagógica se situa no nível de intervenção do adulto como forma de favorecer o desenvolvimento dos alunos participantes. Fica claro nessa turma que a atenção e a organização pedagógica são elementos educativos que precisam maior dedicação.

Reflexões finais da vivência de Prática Pedagógica na Educação Física Escolar

    Iniciamos as reflexões finais do presente artigo inferindo que o processo de observação e analise da ação pedagógica de ensino-aprendizagem da educação física na escola no nível do ensino fundamental é uma necessidade nuclear na formação do futuro professor de educação física. Pois desde cedo estará conhecendo na prática o funcionamento de uma escola, bem como obtém contato com metodologias de ensino e com os alunos. É importante também que o futuro professor conheça a prática da Educação Física na escola para incentivá-lo, desde o primeiro momento de sua formação a repensar as práticas observadas e buscar referenciais teóricos que o permitam refletir a Educação Física, permitindo subsídios para justificar e legitimar essa disciplina na escola como indispensável ao desenvolvimento integral da criança.

    A partir do uso dos instrumentos de observação pudemos constatar que apesar da escola observada possuir significativa infra-estrutura necessária para uma boa prática da Educação Física, com materiais variados e em grande quantidade, há ainda uma carência pedagógica na prática educativa da professora protagonista do estudo. Percebemos que as aulas seguem um modelo com restritas reflexões da ação pedagógica, cuja prática pode correr o risco de ser interpretada pelos praticantes como um momento de prática desportiva somente, distanciado de qualquer motivo educacional mais consistente e em coerência com as práticas educacionais da escola.

    Através desse estudo pudemos observar a carência pedagógica no que diz respeito ao conhecimento sobre a temática das abordagens pedagógicas em educação física. As observações deram destaque para metodologias de ensino baseadas em práticas resumidas a momentos de aquecimento, de jogo e de término de aula. As rotinas do emprego dessas aulas se limita ao trabalho desportivo, ensino de fundamentos e técnica. Não se quer dizer que não se pode desenvolver o ensino das técnicas e dos fundamentos esportivos, mas se que refletir o que vai diferenciar a educação física que se faz na escola e aquela que pode ser feita em escolinhas desportivas.

    Assim podemos pensar como faz falta o desenvolvimento de estudos que possibilitem esclarecimentos pedagógicos para os professores da escola, principalmente no que diz respeito às abordagens pedagógicas da educação física escolar. Há a constatação de uma carência de estudos, cuja visão de PAVIANI (1987), a teoria tem a função de permitir uma ação coerente e uma descrição e interpretação do fato educacional conforme as exigências da lógica do conhecimento científico. Essa falta de teorização por parte da professora pode vir a causar uma desestruturação pedagógica e de sentido para as aulas, visto ser extremamente difícil estruturar uma metodologia consistente sem haver uma boa base teórica. Dessa desestruturação pode haver o risco de nascer também o desinteresse do aluno por aprender algo significativo com a Educação Física.

    Finalmente destacamos o elemento fundamental que fomos participantes em uma disciplina do Curso de Licenciatura em Educação Física, cuja prática educativa leva os acadêmicos, futuros professores de educação física, para confrontarem-se com as realidades práticas da educação física escolar. Avaliamos que as experiências de observação auxiliam em uma reforma do pensamento pedagógico da educação física que etávamos “formados”, antes de ingressar no processo formativo do Curso de Educação Física.

Bibliografia

  • BRACHT, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.

  • DARIDO, Suraya. Apresentação e análise das principais abordagens da Educação Física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 1998. p.58-65.

  • FALKENBACH, Atos Prinz. A educação física na escola: uma experiência como professor. Lajeado, RS: UNIVATES, 2002.

  • FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. 4ª Edição. São Paulo: Scipione, 1994.

  • KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2001.

  • KUNZ, Elenor. Didática da educação física 3: futebol. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2005.

  • MOLINA NETO, Vicente. A prática do esporte nas escolas de 1º e 2º graus. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 1996.

  • NEIRA, Marcos Garcia. Educação Física, desenvolvendo competências. São Paulo: Phorte, 2003.

  • PAVIANI, Jayme. Problemas de filosofia da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.

  • TAFFAREL, Celi Neuza. Criatividade nas aulas de educação física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989.

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revista digital · Año 12 · N° 117 | Buenos Aires, Febrero 2008  
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