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Uma análise da expressão da corporeidade: Tai Chi Chuan

 

Professor de Educação Física licenciado pela UFSM

Professor Especialista em Ciência do Movimento Humano pela UFSM

Professor de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Passo Fundo

 

Nilton Cezar Rodriguez Menezes

nilton.menezes@bol.com.br
(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho desenvolvido em dois semestres de 2005 teve como objetivo analisar a atividade corporal “Tai Chi Chuan” através da expressão dos seus movimentos. As aulas na Academia Estilo originaram um ótimo grupo de convivência num ambiente interativo entre professor e alunos. Neste estiveram envolvidos dezoito de vinte e dois praticantes. As aulas realizaram-se cinco vezes por semana, nas segundas e sextas feiras pela parte da manhã, tendo uma hora de duração e como local de atividades, o salão principal da Academia Estilo de Passo Fundo. Na metodologia foi proposto o método misto em Educação Física. A pesquisa caracterizou-se como pesquisa-ação na compreensão da expressão dos movimentos do Tai Chi Chuan de seus praticantes da proposta. Na coleta de dados usamos a observação participante (com uma entrevista semi-estruturada) e um diário de campo que transformamos em relatório de campo. Concluímos que a corporeidade Tai Chi é o exemplo da totalidade proposta por Merleau-Ponty. No Tai Chi Chuan está uníssono o pensamento e movimento. A própria integração proposta pelos filósofos taoistas, entre as disciplinas corporais e a meditação dão forma a esta questão. Questão esta materializada no símbolo da Unicidade ou totalidade, que os chineses chamam de Wu Chi (Suprema meditação ou quietude) em forma de um círculo.

          Unitermos: Tai Chi Chuan. Atividade física. Corporeidade.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 117 - Febrero de 2008

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Introdução

    Pelo conhecimento teórico/prático do Tai Chi Chuan, como professor, venho buscando mediante pesquisa, interpretar esta atividade corporal. Para isso, utilizando alguns conhecimentos da metodologia da pesquisa aprendidos no Curso de Educação Física. E isto, está proporcionando interesse ao conteúdo do Tai Chi Chuan. Refiro-me ao conteúdo trabalhado, porque ainda se têm muitas complexidades do Tai Chi Chuan para serem conhecidas.

    Para este contexto concretizar-se, mais que inovar é olhar por uma das várias complexidades que dão conotação à atividade corporal Tai Chi Chuan. Sendo comum às mais conhecidas como: meditação, respiração e simbologia. E estas, por sua vez, orquestradas pelo movimento, o seu canal condutor. Para este estudo, a complexidade escolhida é o seu discurso (de seus movimentos). Dado que é esse discurso expresso em sua linguagem corporal simbólica a parte fundamental do seu entendimento.

    Na contextualização desta proposta podemos ver, a contribuição do aprendizado das notórias diferenças, tanto de atividades físicas quanto das características próprias daqueles que as procuram. De certa forma um reflexo das vivências individuais do ser humano ao longo de suas vidas. Todavia, observando as experiências próprias de cada um, para que o Tai Chi Chuan possa ser vivenciado, ele deve ser estudado e compreendido. Principalmente por quem cogita trabalhar uma proposta tendo-o como artífice.

    Então, como professor com ambas as formações pensamos em aprofundar nosso conhecimento teórico/prático. Procurando levá-lo a outros que possam utilizar-se do mesmo. Para isso, organizamos idéias sobre o problema que se tornou uma inquietação intelectual. Sendo o problema gerador identificado, ou seja: Por que as pessoas que praticam o Tai Chi Chuan não compreendem a expressão dos seus movimentos? Pessoas essas que praticam a atividade na academia, na universidade ou na escola e pouco compreendem o que fazem. Então, posta a questão, vamos detalhar mais a formação problemática. Onde, há uma preocupação do professor quanto ao aprendizado. Uma preocupação de propor os praticantes apreender e interpretar o que fazem, como fazem e o que significa. Formando com isso, o apreço pela importância da prática do Tai Chi Chuan. De vivê-lo na sua totalidade, de forma reflexiva, como um hábito em suas vidas.

    Todavia, para que isso aconteça, os praticantes têm de chegar a ele, tendo como ponto de partida, uma interpretação, uma significação do que fazem. Portanto, uma interpretação deve ser estimulada pelo professor ao aluno. Porque dela, o professor, tem domínio teórico/prático. Logo, cabendo a este, mediante um estudo, conduzi-lo ao praticante. Sendo ele, também, o principal mediador desta linguagem, seja no contexto onde estiver inserido. Numa espécie de estudo da comunicação e cultura proposta pelo movimento que acompanha a palavra e o desvela. Então, buscando trabalhar esta questão, trazemos o seguinte estudo: Proposta de análise da expressão dos movimentos da atividade corporal Tai Chi Chuan. Tendo como propósito, fundamentar a prática da atividade corporal Tai Chi Chuan, frente à interpretação da expressão dos seus movimentos pelos praticantes.

Corporeidade e Tai Chi Chuan

    Para a elaboração deste estudo, se fizeram necessárias algumas discussões sobre seus fundamentos teóricos. Então, passaremos agora a exposição dos dois pontos fundamentais como: Tai Chi Chuan e corporeidade. No primeiro ponto, o Tai Chi Chuan nos leva ao conhecimento de que, existem muitas traduções de seus significados, porém, resolvemos adotar, a estudada pelo professor Marco Natali. Sendo a que melhor condiz com este trabalho.

    Segundo Natali (1988, p.19), “uma tradução possível para a palavra Tai Chi Chuan seria: A Suprema Integração (entre vacuidade e plenitude), visto que existem inúmeras” outras. Essa integração é representada graficamente por dois sigmóides eqüidistantes e complementares. E estes simbolizam as dualidades que quando compreendidas, passam a significar a unidade universal.

    Existem muitas variações no idioma chinês, assim sendo, é comum se ouvirem inúmeras pronuncias quando se diz o nome dessa disciplina. Percebe-se que as traduções nos arremetem a uma pequena noção do que representa a sua totalidade. Assim acontecendo absurdos que distorcem a tradução como: "Boxe da sombra” (importada do Estados Unidos), de uma pobreza imensa e pecando por falta de informação elementar.

    De acordo com Martin & Lee (1989, p: 21):

    Que tal se alguém lhe ensinasse a criar sensações assim todos os dias e a prolongá-las e intensificá-las? Que tal se você pudesse recapturar, todos os dias, aquela sensação de mover-se com fluidez, sem esforço, à vontade, com a mente e corpo trabalhando como uma só unidade? Que tal se você pudesse imprimir uma condição de bem estar a cada um dos seus dias, um anteparo contra aborrecimento e a tensão? Que tal se essa sensação de bem estar chegasse a você sem qualquer despesa e trouxesse com ela outros bons resultados, você teria a impressão de estar recebendo um maravilhoso presente? Ë isso o que se obtém com o aprendizado do Tai Chi Chuan.

    Portanto, Martin & Lee (1989, p. 68), “convidam-nos a lembrar um momento em que nos sentimos à vontade, tranqüilo, em paz, plenos de uma sensação de bem estar, de uma suave espontaneidade”. Vê-se que, são raros, mas conhecemos momentos assim, ocasiões em que estamos felizes, radiantes de saúde e alegres, com uma sensação de força interior duradoura.

    De acordo com Martin & Lee (1989, p. 69):

    Os exercícios baseados no conceito de Tai Chi Chuan ensinam o praticante a alcançar um estado de equilíbrio dinâmico, um estado de totalidade livre e solta que abraça a vacuidade e a plenitude por meio da mudança e do movimento. Nesse estado, o praticante se mantém equilibrado, internamente calmo, tranqüilo e silente. As coisas simplesmente acontecem. O Tai Chi Chuan flui.

    Portanto, o ser humano desde o inicio da sua existência, apresentou várias formas de compreender o seu corpo e o corpo de seus semelhantes. Isso, sem dúvida, correspondeu a diferentes momentos históricos, acompanhando as diferenciadas culturas, características a cada um desses momentos. Podemos dizer que, as sociedades sempre construíram seus corpos e estes as representaram, seja, pelas características físicas, atitudes, formas de se portar ou pela linguagem. Denotadas, é claro, de maneira diferente em cada sociedade.

    Depois dessas reflexões sobre Tai Chi Chuan, conseqüentemente, iremos a refletir sobre o que é corporeidade? Abordando este ponto, chegamos a um conceito cuja origem está no latim. Segundo Santin (1994), corporeidade vem da palavra corporietas, que significa qualidade do que é corpóreo. Mas, o grande objetivo da utilização deste termo, dando ênfase a esse estudo que propomos, é o rompimento em nível de linguagem com a palavra “corpo” impregnada de dicotomias. Todas estas dicotomias representam sempre uma oposição entre sujeito e objeto, que é inicialmente rompido pelo pensamento fenomenológico da obra de Merleau-Ponty (1999), na “Fenomenologia da percepção”, onde o autor propõe a unicidade do corpo humano. O corpo humano não seria mais proprietário de uma consciência, nem proprietário de uma alma a ser salva, mas seria uma coisa só.

    Neste contexto, surge a construção de uma antropologia corporal (Santin, 1994, p. 10), que passa sem dúvida nenhuma por uma renovação de nosso projeto de sociedade. Para romper estas dicotomias. E essa tentativa de construção de uma antropologia, aparece neste estudo para a compreensão da maneira de olhar para o Tai Chi Chuan. Segundo Laraia (2001, p.32), “para perceber o significado de um símbolo, é preciso conhecer a cultura que o criou”, e aí, acreditamos, contextualizar a reflexão sobre a corporeidade Tai Chi Chuan. Neste ponto, a medida em que formos apreendendo a cultura que ele esparzi, consigamos também, compreender como se manifesta sua corporeidade.

    No Tai Chi Chuan está uníssono o pensamento e movimento. A própria integração proposta pelos filósofos taoistas, entre as disciplinas corporais e a meditação dão forma a esta questão. Questão esta materializada no símbolo da Unicidade ou totalidade, que os chineses chamam de Wu Chi (Suprema meditação ou quietude) em forma de um círculo. No interior desse circulo, nascem as duas forças complementares (Yin/Yang), dando origem ao Tai Chi Chuan (princípio do princípio) que desenvolvem o sentido de caminho (Tao) pelas forças complementes Yin e Yang. Surgindo, assim, o que chamamos de corporeidade Tai Chi Chuan.

    Concluímos que a corporeidade Tai Chi Chuan é o exemplo da totalidade proposta por Merleau-Ponty (1999), onde esse evidencia o corpo na perspectiva de que o homem é um ser no mundo, entendido como unidade, totalidade, que se transforma pelas influências do meio cultural. Corpo e mundo encontram-se em ma região indiferenciada do ser, onde não há separação entre sujeito e objeto, que é anterior ao pensamento e a reflexão, e onde se instaura o sentido das coisas.

Metodologia: análise e discussão dos resultados da proposta

    Na organização do trabalho da proposta, nos valemos dos seguintes procedimentos de organização: nº de aulas na semana: 05 vezes; tempo de aula: 60 minutos; atividade corporal: Tai Chi Chuan; horário de aulas: 8:00 às 9:00h; dias da semana: segundas a sextas - feira; local: Academia Estilo: localização: Rua André Gomes; cidade: Passo Fundo/RS/ Brasil; alunos envolvidos: vinte e dois a partir dos 20 anos. O planejamento da estrutura de organização de “uma” aula de Tai Chi Chuan corresponde ao planejamento didático das demais aulas de ginástica.

    No trabalho de campo a metodologia formou-se da seguinte forma: é um trabalho qualitativo, com um trabalho de campo feito a partir de observações descritivas e reflexivas, em cima de um roteiro proposto por Ludke & André (1986). Produziu-se a seguir um instrumento de identificação, composto de oito questões abertas e fechadas, distribuídos para 22 pessoas, a partir dos vinte anos, dos quais voltaram sete instrumentos. A partir disto foi feito um corte para selecionar as 18 pessoas para a entrevista. A entrevista foi composta de cinco questões abertas. Para este artigo destacamos duas entrevistas.

As entrevistas

    Neste tópico, citaremos dois recortes feitos das entrevistas realizadas com os participantes da pesquisa. Nesta primeira categoria de entrevistas uma “situação” se destacou, mediante a preocupação do aluno com a realização “perfeita” do movimento em detrimento da sua simbologia, interpretação e significado. Vamos a “situação” formada:

    “não consigo fazer os movimentos “direito”, meu corpo parece não obedecer ao meu comando. Pareço toda desconcertada.. E queria tanto acompanhar meus colegas. Pelo menos fazer parecido os movimentos. Mas, creio que posso chegar lá”(Marciele, 19 anos)

    Continuando o exercício reflexivo, agora com a análise da primeira questão do instrumento. Que se configurou da a seguinte maneira. Qual a sua interpretação da expressão dos movimentos de Tai Chi Chuan?

    “antes, não me importava com as significações do que estava fazendo. Pois, o meu intuito ao entrar na academia e fazer Tai Chi Chuan era para a saúde , perder peso, qualidade de vida, uma maior sociabilização com os meus colegas de aula. O que aconteceu com o tempo. Devido exatamente ao interesse pelos significados dos movimentos que fazemos na seqüência. Por minha vez, também procurei estudar a simbologia dos movimentos que faço. E descobri que a cultura contida nos movimentos é impressionante. E a sua interpretação nos leva a fazer os movimentos com o conhecimento do seu significado de para que servem e principalmente de onde se originam.” (Sandro, 36 anos)

Reflexões

    A simbologia cultural constitui-se em elemento importante na edificação da sociedade humana. A sociedade chinesa nesse contexto é imensamente rica. E a atividade corporal Tai Chi Chuan é um dos seus exemplos. Atualmente, ele é considerado como patrimônio histórico cultural e memória coletiva do povo chinês. Para explicar estes símbolos e o seu significado é de vital importância o aluno praticante estabelecer, se suas representações acham-se ligadas a experiências puramente pessoais ou particularmente produzidas. O que o estudo aprofundado deixa bem claro. Quando os alunos se esforçam para compreender a bela expressão dos símbolos contidos nos movimentos, confrontam-se não só com o próprio símbolo, mas também com a totalidade do indivíduo que o produziu. Nesta totalidade, inclui-se um estudo do seu universo cultural, processo em que se acaba por preencher muitas lacunas da nossa Educação.

    Com isto, o conhecimento e prática do Tai Chi Chuan, ainda toma outra dimensão: não apenas sendo bom para a saúde, como igualmente para o desenvolvimento da conduta humana. E entendemos que nesse processo cultural, estabelece-se como regra particular, considerar este estudo como uma proposta inteiramente nova, sobre a qual propõe-se um trabalho de quase alfabetização. Mas, para esta alfabetização o homem precisa de simbologias. Estas, por sua vez, são invenções humanas por meio das quais o homem pode trabalhar abstratamente com o mundo que o cerca. Depois de criados, entretanto, eles devem ser aceitos por todo o grupo tornando-se uma convenção. Assim, permitindo-se tanto o diálogo, como também o discurso do outro. Então, vê-se que todas as questões relacionadas ao existir humano relacionadas a sua vida, podem ser simbolizadas ou re-significadas dentro de outra cultura. Com isso, levando-se em consideração a competência na criação ou transmissão de símbolos existentes na sociedade.

Considerações finais

    No objetivo proposto de analisar atividade corporal “Tai Chi Chuan” através da expressão dos seus movimentos, encontramos algumas dificuldades. Não, por ser em relação à linguagem corporal advinda de outra sociedade. Mas sim, devido ao pensamento dos alunos, de tentarem executar os movimentos com “perfeição” e também a falta de interesse pela cultura do movimento. Logo, tanto teoricamente como praticamente, cremos que a proposta rompeu com essas dificuldades. Tendo um bom êxito. Neste contexto destacamos dois pontos fundamentais para essa constatação, ou seja, a compreensão dos movimentos e uma práxis construtiva de valores.

    Quanto ao primeiro ponto, fundamental para este estudo foi à importância levada aos alunos, da compreensão dos movimentos que possuem um sentido que se configurou ao longo do processo histórico-social. Assim, ao orientarmos as ações motoras dos alunos, deveremos levá-los a vivenciar autenticas experiências corporais, em que este incorpore os significados dos movimentos, quer dizer, que ele se envolva em seus movimentos com subjetividade, que eles se tornem seus e passem a aflorar de sua interioridade.

    Em relação ao segundo ponto, o estudo para conhecer outra cultura adquirindo seus valores, deve estar engajado numa práxis que vise à construção histórica de um mundo melhor, em que os homens possam autodescobri e realizar-se, sendo sujeito da sua história. No final deste estudo, corroborou-se que a expressão do movimento são construções individualizadas. E que uma cultura tem sobre seus elementos e os indivíduos que compõem uma determinada sociedade caracteriza-se como um processo individualizado, fundamentado mediante a construção de valores incorporados, através de uma longa caminhada.

    Portanto, a vida de cada pessoa está de certo modo, marcado no seu corpo que se movimenta. Pois ele é uma totalidade aberta que encerra em si uma relação dialética do homem com o mundo. E a cada momento, se re-significa e se re-estrutura. Assim nos movimentamos através dos símbolos da nossa sociedade. Portanto, mexer no corpo é mexer na sociedade da qual esse corpo faz parte. Não podemos imaginar um ser humano que não seja fruto da cultura e também não podemos imaginar um corpo que assim não seja.

Bibliografia consultada

  • Laraia, R.B. Cultura: um conceito antropológico. Ed. Zahar/RJ, 2001.

  • Ludke, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. Ed. EPU, São Paulo, 1986.

  • Martin, Lee, E.J.J. Tai Chi Chuan para a saúde. ED, Pensamento, São Paulo, 1989.

  • Merleuau-Ponty, M. Fenomenologia da Percepção. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1999.

  • Natali, M. Técnicas básicas de Tai Chi Chuan. Ed. Ediouro/RJ, 1988.

  • Santin, S. Educação Física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Ed. Est, Porto Alegre/RS, 1994.

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revista digital · Año 12 · N° 117 | Buenos Aires, Febrero 2008  
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