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Estilo e qualidade de vida de uma contadora: estudo de caso

 

 

Programa de Pós-Graduação em Educação Física

Universidade Federal de Santa Catarina

(Brasil)

 

Lucélia Justino Borges

luceliajb@yahoo.com.br

 

 

 

 

 Resumo

      O objetivo desse estudo de caso foi identificar o estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de uma contadora que desempenha essa função há 21 anos. Os instrumentos utilizados foram questionários para identificação sociodemográfica, estilo e qualidade de vida, atividade física habitual e perfil do ambiente e condições de trabalho. Evidenciou-se percepção positiva para a maioria dos aspectos do estilo de vida; o indivíduo foi classificado como ativo e verificou-se maior freqüência (12) de escores positivos para a qualidade de vida no trabalho.

      Unitermos: Estilo de vida. Qualidade de vida. Trabalhador.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 117 - Febrero de 2008

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Introdução

    Qualidade de vida é definida como a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano. Dentre os parâmetros individuais, o estilo de vida é um dos importantes determinantes da saúde de indivíduos, grupos e comunidades. Enquanto nos parâmetros sócio-ambientais destacam-se as condições de trabalho, remuneração, educação e lazer, dentre outros (Nahas, 2006).

    Em relação à qualidade de vida (QV) no trabalho, Lemos (2007) considera ser um termo abrangente, pois cada autor aborda os elementos que considera mais importante na relação da qualidade de vida e trabalho. Segundo Marques e Paiva (1999) a QV no trabalho possui um conceito global, o qual envolve todos os tipos de programa e perspectivas que visam à competição externa, problemas de qualidade, ou até mesmo, insatisfação de empregados. Estudos dentro dessa temática têm sido desenvolvidos em vários campos de trabalho como: QV de professores de Educação Física (Lemos, 2007); QV de enfermeiras (Schmidt e Dantas, 2006); QV de trabalhadores de marcenarias (Silva, Souza e Minetti, 2002); associação ente comportamentos de risco à saúde, percepção de estresse e auto-avaliação do nível de saúde em trabalhadores da indústria (Barros e Nahas, 2001).

    Nesse sentido, avaliar a QV em outros campos de trabalho, levando em consideração os aspectos do estilo de vida como nível de estresse, por exemplo, faz-se necessário e relevante. De acordo com Nahas (2006), algumas ocupações humanas expõem os trabalhadores a um nível de estresse elevado, entre os quais destacam-se bancários, aeroviários, policiais, dentre outros. Outrossim, infere-se que o contador também pode ser caracterizado pela exposição aos fatores estressantes no trabalho, visto que esse trabalha sob pressão no controle das finanças de empresas e instituições públicas. Delimitando-se às instituições públicas, observa-se que o trabalho do contador consta da entrega de formulários para a Receita Federal, relatórios exigidos pelo Tribunal de Contas do Estado, administrar o registro dos livros contábeis, além de atender as exigências específicas do setor. Ressalta-se ainda, que esse profissional trabalha com datas limites para entrega dos mesmos e que os programas informáticos disponibilizados para executar tais ações apresentam muitas falhas, dificultando o trabalho e colocando o profissional em situações mais estressantes.

    Levando em consideração o cargo desempenhado, nível de estresse, funções de responsabilidade e o tempo total de serviço (21 anos) é que se questionam o estilo e qualidade de vida de uma contadora - funcionária pública -, tendo como intuito à obtenção de dados que possam ser relevantes para a proposição de mudanças comportamentais e adoção de hábitos saudáveis. Para tanto, o objetivo desse estudo foi identificar o estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de uma contadora que desempenha essa função há 21 anos.

Métodos

    Esta pesquisa caracterizou-se como estudo de caso, segundo Thomas e Nelson (2002), sendo constituída pela participação de um indivíduo, do sexo feminino, brasileira, com idade de 41 anos, selecionada de forma intencional por apresentar algumas características interessantes para investigação, como função desempenhada, tempo de trabalho diário e total de serviço.

    O indivíduo antes da coleta de dados foi informado e esclarecido sobre os objetivos, procedimentos e confidencialidade da pesquisa e posteriormente, foi solicitada sua participação na mesma. Ao aceitar participar desse estudo, o sujeito foi instruído a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido.

    Os dados foram coletados em abril de 2007 e utilizou-se como técnica, a entrevista semi-estruturada contendo: dados de identificação, antropometria, histórico de doenças na família, doenças diagnosticadas, questões relacionadas ao trabalho, à prática de atividade física (programas de exercício físico de interesse, dentre outros). E para identificação do estilo e qualidade de vida, atividade física habitual e ambiente do trabalho foram utilizados três questionários auto-aplicados: Perfil do ambiente e condições de trabalho (Nahas, 2007); Questionário de atividades físicas habituais (Pate, traduzido e modificado por Nahas,1996); Pentáculo do bem-estar (Nahas, Barros e Francalacci, 2000).

    O questionário de perfil do ambiente e condições de trabalho é constituído por 15 questões, as quais estão distribuídas em cinco aspectos: ambiente físico; ambiente social; desenvolvimento e realização pessoal; remuneração e benefícios; relevância social do trabalho. O questionário de atividades físicas habituais aborda questões relacionadas às atividades de lazer e atividades ocupacionais diárias. O pentáculo destaca as características do estilo de vida relacionadas ao bem – estar de acordo com cinco componentes: nutrição, atividade física, comportamento preventivo, relacionamentos e controle do estresse.

Resultados

    O sujeito da pesquisa é uma mulher solteira, mãe de um filho que reside em outra cidade, mora sozinha, possui 2º grau completo e renda entre três e cinco salários mínimos, trabalha oito horas/dia desempenhando a função de contadora há 21 anos. As doenças diagnosticadas são hérnia de hiato (diagnosticada há oito anos), enxaqueca, sinusite, sendo relatado diabetes da avó materna pelo histórico de doenças na família. O sujeito não realiza exames periódicos, sendo que a data da última realização foi em janeiro/2005.

    No que se refere ao Índice de Massa Corporal, o sujeito foi classificado com sobrepeso (IMC= 26,04 Kg/m2). Ressalta-se que as variáveis estatura e massa corporal foram auto-referidas, sendo que o IMC pode ter sido sub ou superestimado.

    Em relação ao trabalho, as dores referendadas pela ergonomia incorreta do mobiliário e/ou equipamentos são dores forte nas costas e principalmente nas mãos, punho e antebraço. O sujeito afirmou não saber o diagnóstico dessas dores e reclamou das várias crises ocorridas constantemente; realiza o seu trabalho sentada a maior parte do tempo e afirmou não realizar exercícios de relaxamento e/ou pequenos alongamentos para compensar as articulações. O sujeito se considera uma pessoa ansiosa e excessivamente estressada; que não consegue se desligar dos afazeres e problemas do trabalho quando sai desse ambiente; acredita que seu trabalho tem relação “quase sempre” com seu nível de estresse e que esse a deixa tensa/nervosa. Por fim, o sujeito afirmou que se sente pressionada na execução das tarefas, pois trabalha com datas marcadas para entrega de formulários contábeis, pagamentos dos funcionários e demais contabilidades referentes à Instituição.

    Quanto à prática regular de exercício, o indivíduo afirmou praticar musculação e caminhada. Em relação à caminhada, essa é realizada há mais ou menos dois anos, com freqüência semanal de cinco vezes e duração de 60 minutos/sessão. Na musculação, o sujeito é iniciante (um mês), sendo essa modalidade realizada três vezes/semana, com duração de 75 minutos/sessão. Ao ser questionada sobre as modalidades de exercício físico de interesse, a dança de salão e alongamento/ioga foram as opções referendadas, no entanto as dificuldades encontradas para a prática das mesmas foram falta de tempo e situação econômica.

    Destacando-se as atividades de lazer que o sujeito costuma realizar, verificou-se que o mesmo assiste televisão, ouve música e faz leituras. E sobre o que gostaria de fazer no seu tempo livre, o indivíduo afirmou que gostaria de ter mais contato com amigos, filho, namorado e família.

    Em relação ao perfil do ambiente e condições de trabalho, do total de 15 escores, os negativos apresentaram freqüência de cinco, enquanto os positivos apresentaram freqüência de 10, conforme gráfico 1.

Gráfico 1. Perfil do ambiente e condições de trabalho de uma contadora.

    Quanto às atividades físicas habituais, o sujeito apresentou 24 pontos, classificando-se como muito ativo nas atividades ocupacionais diárias e de lazer.

    Em relação ao estilo de vida, verificou-se que o indivíduo apresentou em sua maioria escores positivos para os aspectos: atividade física; relacionamentos e comportamento preventivo, enquanto os aspectos nutrição e controle do estresse apresentaram escores negativos (gráfico 2).

Gráfico 2. Perfil do estilo de vida de uma contadora.

Discussão e considerações finais

    De acordo com o questionário do perfil sócio-demográfico, trabalho e atividade física, observou-se que o indivíduo apresentou sintomas de estresse como: tensão, ansiedade e dores de cabeça, sendo que, ao analisar o estilo de vida constatou-se tal percepção negativa para o controle do estresse e para alimentação.

    Em contrapartida, um aspecto positivo a ressaltar é que o sujeito mostrou-se ativo nos domínios das atividades físicas habituais e de lazer, mesmo afirmando que a falta de tempo e situação econômica são barreiras que dificultam a realização de exercícios físicos de interesse. No entanto, as atividades habituais e de lazer realizadas não têm conseguido reduzir peso corporal, visto que o sujeito encontra-se classificado com sobrepeso. Para essa classificação do IMC (WHO, 1995), deve-se levar em consideração a idade do sujeito, sendo que o valor obtido não deve ser encarado como “risco para a saúde”.

    Destacando o perfil do estilo de vida, verificou-se que o sujeito não inclui cinco porções ou mais de frutas e hortaliças na sua alimentação diária e também não realiza quatro a cinco refeições variadas durante o dia. No aspecto controle do estresse, observou-se que o indivíduo não reserva minutos do seu dia para relaxar, altera-se numa discussão quando contrariado e às vezes não consegue equilibrar tempo dedicado ao trabalho com o tempo dedicado ao lazer. Além disso, verificou-se que o sujeito não consegue manter nível de equilíbrio adequado entre sua vida profissional e pessoal/familiar. Assim sendo, sugere-se mudanças de comportamento e adoção de hábitos saudáveis para os aspectos nutrição e controle do stress, visto que foram os aspectos com maior freqüência de escores negativos.

    Em relação ao ambiente e qualidade de vida no trabalho, as melhorias e mudanças deverão acontecer nos aspectos negativos apontados como: mudança do mobiliário e equipamentos visando adequação ergonômica e proposição de projetos para a Instituição, que sugerem benefícios para a saúde e oportunidades de lazer para os trabalhadores. Esses projetos poderão contemplar propostas como a ginástica laboral, informações para adoção de estilos de vida saudáveis, atividades de lazer realizadas no tempo livre e finais de semana (caminhada, passeio ciclístico, gincanas em espaços públicos, dente outros), parcerias da Instituição com clubes e entidades sociais que poderão facilitar a inserção do trabalhador em atividades de lazer com baixo custo, promovendo a integração entre trabalhadores e seus familiares. 

    Salienta-se que essas mudanças sugeridas tentam atender especificamente os escores negativos apontados pelo sujeito e que para efetivação dessas ações no âmbito da Instituição, estudos e investigação da qualidade de vida no trabalho dos demais funcionários deverá ser realizada.

Referências bibliográficas

  • Barros, M.V.G.; Nahas, M.V. Comportamentos de risco, auto-avaliação do nível de saúde e percepção de estresse entre trabalhadores da indústria. Rev Saúde Pública, v.35, n.6, p.554-563, 2001.

  • Lemos, C.A.F. Qualidade de vida na carreira profissional de professores de Educação Física no magistério público estadual - RS. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Centro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

  • Marques, A.L.; Paiva, K.S.M. Público x privado: qualidade de vida, estresse e situação de trabalho de professores de Instituições de Ensino Superior. In: XXIII ENANPAD. Anais em CD. 1999.

  • Nahas, M.V. Questionário perfil do ambiente e condições de trabalho. 2007. Comunicação pessoal.

  • Nahas, M.V. Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo. 4.ed. Londrina: Midiograf, 2006.

  • Nahas, M.V.; Barros, M.V.G., Francalacci, V.L. O pentáculo do bem-estar: base conceitual par avaliação do estilo de vida de indivíduos ou grupos. Rev Bras de Ativ Física e Saúde, v.5, n.2, p.48-59, 2000.

  • Pate, R.R. Questionário de Atividades Físicas Habituais. Traduzido e modificado por M.V.Nahas (1996). In: Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo. 4.ed. Londrina: Midiograf, 2006.

  • Schmidt, D.R.C.; Dantas, R.A.S. Qualidade de vida no trabalho de profissionais de enfermagem, atuantes em unidades do bloco cirúrgico, sob a ótica da satisfação. Rev Latino-am Enfermagem, v.14, n.1, p.54-60, Jan-Fev, 2006.

  • Silva, K. R.; Souza,A. P.; Minetti, L. J. Avaliação do perfil de trabalhadores e das condições de trabalho em marcenarias no município de Viçosa-MG. R. Árvore, v.26, n.6, p.769-775, 2002.

  • Thomas, J.R.; Nelson, J.K. Métodos de Pesquisa em Atividade Física. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

  • WHO (World Health Organization). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO, Expert Committee. Geneva,1995.

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