Escola de futebol: um estudo de caso sobre a inserção de um atleta numa categoria superior |
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*Graduando Educação Física. **Graduanda Fisioterapia. UNICENP, Curitiba - PR. (Brasil) |
Orlando Vaz Lima Jr.* Claus Marchiori* Karla Roberta Campesi** orlandojunioor@gmail.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 116 - Enero de 2008 |
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Introdução
A participação de crianças e jovens escolares em competições esportivas é um aspecto que merece destaque. Vemos que atualmente muitas modalidades esportivas têm apostando cada vez mais em atletas jovens, que se destacam cedo em suas categorias. Por causa disso, muitas vezes estes valorizam sua carreira, que poderia ser promissora, na qual apresenta influencias positivas e negativas para o atleta.
É importante destacar que neste ponto o Brasil não é diferente dos outros países no mundo, que também encontram problemas desta natureza. Na verdade, há certa satisfação quando deparamos com um possível jovem talento e, assim, o profissional a trabalhar com esta criança pode às vezes aplicar cargas inadequadas, sem respeito e entendimento ao crescimento e desenvolvimento biológico da criança, pois autores como Weineck (2000), BECKER (2000: 57) partem da máxima que "a criança não é um adulto em miniatura", assim o treinamento de jovens não pode ser a cópia reduzida do programa de adultos.
No caso do futebol, muitos atletas vêm se destacando nestes últimos anos, e deixando muitas curiosidades a respeito da especialização precoce no esporte, de maneira que não há certeza se para o indivíduo isso e benéfico ou maléfico. Então, questiona-se: existem mais benefícios ou malefícios na especialização precoce do atleta?
Devido a isso, objetiva-se analisar as conseqüências da iniciação precoce no futebol. Esta análise tem como diretriz um estudo de caso em um atleta, o qual foi deslocado de sua categoria atual, a infantil, para uma categoria superior, sendo está a juvenil e tendo por objetivo, observar e analisar as conseqüências desta mudança para o atleta, observando suas adaptações e aprimoramentos físicos, mental e social, por estar em uma categoria superior.
Como meio norteador para este estudo de caso, traçou-se objetivos de observação do indivíduo, como analisar o desenvolvimento de sua performance, além de aspectos físicos como velocidade, força e agilidade, analisando também como foi o seu relacionamento com o grupo em geral e demais atletas de sua categoria normal, bem como perante os atletas de categoria superior e seu entendimento perante a metodologia usada com os atletas biologicamente mais velhos.
Perfil do indivíduoO atleta analisado é oriundo de uma classe social baixa e residente na periferia do município, este realiza atividade na escolinha, devido ao apoio e incentivo dado pelos empresários do município, os quais, destinam verbas para um projeto social da escolinha, cujo objetivo é tirar os garotos da rua e incentivá-los à prática de uma atividade física, melhoria no rendimento escolar e para despertar a importância da atividade física. Nesta escolinha encontra-se a maioria de garotos de uma classe social privilegiada em relação ao menino de nossa observação.
O atleta a ser observado é de estatura mediana 156 cm, 52Kg e 13 anos, de cor negra, financeiramente desfavorecido, com uma boa desenvoltura, desinibido e superior tecnicamente aos atletas de sua idade, por isso a observação realizada neste indivíduo, pois "O total desenvolvimento (...) decide sobre o futura performance" (Kinderman1974, 1767; Diertrich et alli. 1974: 142; Sperling, 1975: 7) citado por Weineck (2000: 168).
MetodologiaA técnica selecionada foi a de estudo de caso que se deu por meio de observações, testes e questionamentos feitos ao atleta. O estudo de caso nos apresentou fatores importantes sobre o desempenho do atleta cuja história particular refletiu no que pode acontecer na sociedade em geral.
O estudo teve inicio a partir de uma conversa informal com o garoto para dizer-lhe que a partir daquele dia passaria a treinar com os atletas da categoria juvenil. Não lhe foi apresentado nenhum motivo para que não ficasse assustado ou envaidecido. Não houve registros, portanto, nem sabia que estava sendo observado, apenas seu pai nos concedeu a permissão para verificação e observação do comportamento do menino para conclusão do trabalho.
AnálisePara a iniciação precoce há necessidade de que o atleta tenha alcançado certo grau de desenvolvimento intelectual, a fim de que possa melhor compreender e interpretar as normas e regras e entender com quem está competindo, para assim avaliar se a criança atingiu um desenvolvimento fisiológico ideal para iniciá-la na atividade desportiva, pois os níveis de exigências motoras poderão estar acima de sua estrutura física.
Para TANI (1988: 54), o desenvolvimento caracteriza-se por uma seqüência fixa de mudanças morfológicas e funcionais no organismo que, todavia, ocorre em diferentes velocidades de indivíduo para indivíduo. O atleta teve um leve aumento de carga pelo motivo da mudança de categoria, ou seja, os treinos para os juvenis já são mais exigidos que os infantis. Ao longo dos três meses de observações foram vistos fatores importantes a se destacar para o desenvolvimento do atleta.
Aspectos físicosVale ressaltar que nosso atleta teve uma melhora em seu potencial aeróbio, " Na faixa etária de 12-14 anos, a resistência aeróbia precisa ser desenvolvida (...) uma vez que o organismo adapta-se bem a essa sobrecarga" (Weineck, 2000: 169), mas isso podendo ser levado em conta que seu treinamento foi mais forçado do que o treinamento quando ele ainda estava no time infantil. Entretanto, não se observou nenhum tipo de lesão neste atleta.
Em um teste que o atleta foi submetido, era o de tempo percorrido em 30 metros feito somente através de um cronômetro. Após os 3 meses de observação foi constatado que o atleta não teve uma melhora muito acentuada. Seu primeiro tempo em 05/07/2005 foi de 5,3 s e após os 3 meses de treinamento na categoria juvenil foi de 5,0 s, portanto o atleta teve uma melhora de 0,3 s - pouco para dizermos que com o treinamento na categoria superior melhorou seu rendimento físico.
De acordo com WILMORE (2001: 540) "(...) a capacidade de desempenho aumenta à medida que a criança se aproxima da maturidade física", por isso se o indivíduo atleta ainda criança não está completamente desenvolvido biologicamente, para ter um treino forçado ou que ultrapasse seus limites, podendo causar problemas futuros a esta criança. Por outro lado FREIRE (1998: 10) diz que "... Quem aprende futebol pode desenvolver um acervo de habilidades bastante diversificado, podendo aproveitar essas habilidades em outros esportes".
FREIRE (1998: 133) ainda menciona "O rendimento, neste nível, depende bastante das condições físicas. No entanto, no futebol ou em qualquer outro esporte coletivo, recomenda-se que a preparação física também seja preparação técnica. Todas as atividades devem envolver bola, a não ser em casos especiais, como a musculação".
Na prática esportiva precoce se produz uma iniciação ou especialização alucinada ao individuo que começa a despontar no meio esportivo, mas é muito difícil conhecer com perfeição as características do futuro atleta de elite quando este ainda é muito jovem.
Aspectos mentaisO rendimento esportivo em um aspecto concreto ignora geralmente os outros importantes objetivos educacionais que o esporte pode oferecer. Em nosso atleta observou-se que biologicamente não houve qualquer mudança mesmo pelo tempo dos testes serem em um curto espaço de tempo, mas em conversa com o indivíduo, nos disse que parecia se sentia melhor com os garotos da sua idade. "o esporte pode ser uma escola para a vida" (Becker, 2000: 130). Levando em conta que nosso atleta sempre estava na companhia de garotos mais velhos em seu meio social a qual muitas vezes parecia ser o da "rua" devido ao meio social em que vive.
Em atletas competidores precoces podem ser observados níveis altos de ansiedade e estresse "...estes aspectos podem estar originados por questões situacionais da pratica esportiva e/ou características pessoais esportivas" (Becker, 2000: 68). O nível de ansiedade no início de treinamento era mais visível, com o tempo a ansiedade foi passando e logo se amenizou no atleta por meio de uma grande facilidade de socialização. Na iniciação precoce, podem-se causar alguns danos mentais e morais a estes talentos esportivos que podem ter um futuro promissor ou martirizá-los internamente por fracassos e desilusões resultantes de maus resultados em competições.
Segundo GALLAHUE (2001: 486) "Jogos, brincadeiras e esportes oferecem oportunidade para a filiação e a formação de uma identidade de grupo".
Aspectos sociaisVimos que socialmente para o atleta se entrosar com o grupo passaram-se alguns dias, devido ao grupo já ter uma afinidade.
Muitas vezes era escolhido por último para as atividades ou tinha que realizar os exercícios, com os garotos que restavam, os que eram tecnicamente inferiores, para FREIRE (1998: 27) "Na aprendizagem desportiva, as questões sociais é que orientam o exercício das ações de cada um; em seguida o exercício social das habilidades motoras exigirá o aperfeiçoamento e a integração entre si, de diversas habilidades individuais".
Também se observou que o indivíduo após alguns dias já estava adaptado à sociedade criada por aquele grupo, modificando um pouco sua vivencia com os colegas de sua categoria originária os quais pareciam estar inferiorizados.
Observamos que, devido às alterações que o atleta sofreu pela mudança de categoria, seu comportamento com os companheiros no retorno teve uma melhor desenvoltura.
Para Coelho (1998: 56) a especialização precoce da criança, acontece quando a pratica e muito formal ou intensa e competitiva, ocorrendo assim a maturação precoce do indivíduo no meio esportivo.
Assim, algumas mudanças foram notadas em seu comportamento, como, nas maneiras de conversar, em seu comportamento perante os colegas de sua categoria, e até mesmo no modo de se vestir, se importando mais com seu estilo assim como os garotos da categoria que esteve em estudo.
ConclusãoFoi observado que o menino, apesar de ter todas as condições técnicas e físicas para competir com os atletas da categoria juvenil, apresentou grandes dificuldades técnicas, para com o domínio da bola. "A prática especializada das habilidades de um determinado esporte, sem a prática das atividades motoras características da idade das crianças, quase sempre traz como conseqüência o abandono prematuro da prática esportiva (BARBANTI, 1994: 107)".
Sua tranqüilidade para fazer uma jogada individual estava claramente abalada nos primeiros treinos. Por meio de sua expressão, verificou-se que a confiança que tinha na sua categoria, ali não era demonstrada.
Normalmente em sua categoria no jogo, do final da aula, era o primeiro a ser escolhido, devido a sua qualidade técnica e física, já na nova categoria, parecia que queria se esconder dos outros, ou era quase sempre um dos últimos, ficava ansioso, porém acanhado por ver atletas mais desenvolvidos fisicamente dos quais ele estava acostumado a treinar.
Esta experiência serviu para elucidar as dificuldades que o profissional tem em desenvolver uma atividade como o futebol no Brasil por aspectos pessoais e culturais. Motivo pelo qual há grande demanda de atletas tentando alcançar o profissionalismo, muitas vezes para reconhecimento próprio ou por influências de seus pais e até por muitas vezes, a situação financeira pode ser um dos grandes fatores de influências, não pensando no indivíduo como um ser humano e sim um ser objeto, como uma forma de através do esporte atingir a contemplação e reconhecimento.
É importante enfatizar e entender que a criança não é um adulto em menores proporções, o esporte, e todo o seu processo e fatores, deve ser organizado para desenvolver a capacidade de cada atleta, para melhorar seu desempenho sem exageros e não para satisfazer a vontade dos pais.
Com isso, deixam para trás fatores importantes relacionados à saúde e ao bem conquistado pela prática da atividade física.
Neste estudo o objetivo principal foi observar as mudanças que pode haver no indivíduo através de uma experiência vivida a mudança de categoria.
Este indivíduo não apresentou fatores alguns que trouxesse benefícios a especialização precoce, entretanto apresentou fatores que poderiam ser primordiais ao abandono da pratica esportiva por outras crianças da mesma idade como citado acima.
Não se pode considerar este estudo, como uma referencia precisa, pois cada indivíduo responde através de atitudes diferente a um mesmo estimulo, não podendo afirmar com certeza que a especialização precoce prejudica ou beneficia o indivíduo.
Referencias
BARBANTI, VJ. Dicionário de Educação Física e do Esporte. São Paulo: Manole.1994.
BECKER JR, Benno. Psicologia Aplicada a Criança no Esporte. 1ºed., Novo Hamburgo: Ed. Feevale, 2000.
FREIRE, Paulo Batista. Pedagogia do Futebol. Londrina. Ed. Ney Pereira. 1998.
GALLAHUE, David L. Compreendendo o desenvolvimento motor. Phorte Editora. P. 486, 2001.
TANI, Go. Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo. EPU. 1988. 231p.
WEINECK, J. O Treinamento Físico do Futebol. São Paulo: Ed. Phorte. 2000.
WEINECK, J. Treinamento Ideal. São Paulo: Ed. Manole. 1999
WILMORE, J. H. Fisiologia do esporte e do exercício. Ed. Manole. São Paulo. P. 540, 2001.
revista
digital · Año 12
· N° 116 | Buenos Aires,
Enero 2008 |