Handebol e exercício intermitente: caracterização do esforço | |||
*Centro Universitário Claretiano - CEUCLAR - Batatais / SP. **Instituto Superior de Cultura Física "Manuel Fajardo" - Havana - Cuba. (Brasil) |
Luis Fabiano Barbosa* Mauricio Borges de Oliveira* ** luisbarbosa@claretiano.edu.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 116 - Enero de 2008 |
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Introdução
O handebol como toda modalidade esportiva coletiva requer uma adequada preparação para a sua prática, no entanto, para uma preparação adequada faz-se necessário o conhecimento dos tipos de esforço e do trabalho realizado durante uma partida. Um esporte com duração de 60 minutos poderia nos levar a pensar que somente uma preparação aeróbia seria necessária ao bom rendimento esportivo.
Estudos que buscam a caracterização desta modalidade esportiva têm demonstrado que a capacidade aeróbia é importante, no entanto, o metabolismo anaeróbio apresenta-se fundamental para o desempenho, com pesquisadores o considerando tão importante para os jogadores de handebol como para os sprinters, indicando que o programa de treinamento deveria representar o tipo de esforço realizado durante a partida.
Handebol e exercício intermitenteO jogo de Handebol se desenrola em um espaço considerável. A quadra mede 40 x 20 metros (m), sendo o espaço de jogo então de 800 m2. O tempo oficial de jogo também é considerável, sendo de 60 minutos com um período de intervalo de 10 minutos.
Caracterizado pelo confronto entre duas equipes, há o predomínio de um constante atacar e defender, que leva a indagar como é possível a todos os atletas se ocuparem de tantas tarefas, seja ela defensiva ou ofensiva e, também, quais as condições para se tornarem competitivos (SIMÕES, 2002).
A exigência de determinada modalidade esportiva coletiva se assemelha às do método de treinamento intermitente, pois, durante a mesma ocorre a alternância entre períodos de esforço e recuperação (MAIS; GALVÃO; RIBEIRO, 1989; SANTOS, 1989; ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002; DANTAS, 2003). A alternância entre uma série de estímulos submáximos alternados com períodos de intervalo que proporcionam uma recuperação parcial imposta frente ao estímulo aplicado é princípio básico do método de treinamento intervalado. Ao observar a movimentação característica de um jogador de Handebol, verifica-se que a duração dos períodos ativos e de repouso, bem como as intensidades podem ser variadas assim como no trabalho intermitente (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002), onde os estímulos podem ser constituídos por séries de turnos repetidos de exercícios e períodos de descanso constituídos por atividade leve ou moderada.
O tempo oficial de jogo é de 60 minutos, porém em estudo realizado por Mais; Galvão; Ribeiro (1989) durante 19 minutos a bola não esteve em jogo. Segundo os autores o jogador lateral direito júnior esteve ativo durante o jogo por 55,5 minutos e 4,5 minutos de repouso (o jogador se manteve imóvel). Isto é explicado devido ao protocolo utilizado, pois o mesmo inclui todo o período ativo do jogador independente das interrupções, exceto as indicadas pelo árbitro que possibilitava a cessação da atividade do jogador.
Durante uma partida de Handebol, as alterações de intensidade são nítidas, há inúmeras pausas e momentos de recuperação total ou parcial dos atletas, tanto nas fases de esforço quanto repouso (MAIS; GALVÃO; RIBEIRO, 1989).
Não existe restrição quanto ao número de substituições, podendo esta ser utilizada também como recuperação (SANTOS, 1989). Outras situações em que o jogo é interrompido seja por solicitação da arbitragem ou pela cobrança de tiros de 7 metros, laterais, etc. também podem ser considerados como pausas de recuperação.
Os dados apresentados se referem ao lateral direito júnior e, de acordo com os mesmos, são percorridos em média 3740, 87±231,01 metros (m) durante uma partida, dos quais 1869,37±306,86 m no ataque e 1871,50±195,33 m na defesa. Os esforços de intensidade média predominam tanto no ataque quanto na defesa. Embora os esforços máximos ocorram em menor freqüência, o mesmo tem grande influência nos momentos decisivos da partida (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002).
Convém salientar que, há uma redução do espaço disponível em quadra para o deslocamento dos jogadores de linha (28 m de comprimento) assim sendo, a intensidade máxima a qual os autores se referem correspondem às corridas de alta velocidade, não podendo ser consideradas como intensidade máxima (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002). Esta redução se deve a existência da área de gol e limita a realização de esforços máximos.
A organização do jogo de Handebol faz com que a participação ativa durante uma partida não seja igual para todos os jogadores dependendo da posição que o mesmo ocupa e da relação existente entre ele e o meio. Com relação às intensidades, a distância percorrida pelo lateral direito júnior é maior em esforço médio, e a distância percorrida em esforço máximo apresenta os menores valores, enquanto que para o ponta direita júnior o esforço médio apresenta os maiores valores, seguido do esforço máximo e depois o lento (BASTOS apud MAIS; GALVÃO; RIBEIRO, 1989). De acordo com Santos (1989) são percorridos em média 4365 m, o número de passes por jogo para o central e para os laterais é maior, os laterais são os que mais arremessam ao gol, o número de deslocamentos curtos para os laterais é superior enquanto os extremos realizam um número maior de deslocamentos de longa distância. Assim, a demanda energética certamente é diferente para cada posição assumida por um atleta (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002).
Influência sobre a demanda energéticaO handebol como toda modalidade esportiva coletiva requer um fornecimento misto de energia, onde a própria combinação dos esforços realizados durante o jogo permite o envolvimento das três vias metabólicas. Assim, o trabalho intermitente é acompanhado de menor fadiga e permite uma maior intensidade de exercício durante os períodos ativos (EDER; HARALAMBIE, 1986). Para os jogadores de modalidades esportivas coletivas e, em especial para os jogadores de handebol, o menor efeito de fadiga e a possibilidade de maior intensidade são aspectos importantes do trabalho intermitente.
Em modalidades esportivas coletivas, as movimentações se tornam complexas para a análise das variáveis fisiológicas, pois, estas movimentações apresentam várias combinações com e sem domínio de bola (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002).
Mais; Galvão; Ribeiro (1989) e Santos (1989) observando a movimentação realizada por jogadores de handebol verificaram a presença de movimentações de alta, média e baixa intensidade, sendo freqüentes a realização de sprints (ex. contra-ataque) sendo esses caracterizados como movimentos de alta intensidade. Em ataques organizados e substituições, por exemplo, os jogadores realizam movimentações de média e baixa intensidade. Assim, apresenta uma formação "mista" de energia, onde o conhecimento das fontes de energia apresenta grande significado para o técnico e preparador físico, pois as mesmas podem influenciar na técnica e tática dos jogadores (EDER; HARALAMBIE, 1986).
Uma vez que boa parte da movimentação dos jogadores de handebol envolve esforços bastante intensos e de curta duração, pode-se concluir que a capacidade anaeróbia alática tem grande importância para o jogador de handebol (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002). O metabolismo anaeróbio parece ser tão importante para os jogadores de handebol quanto para os velocistas. Sabendo-se que o handebol é um esporte com períodos curtos de exercícios de alta intensidade alternados com repouso, o metabolismo anaeróbio parece ser altamente relevante para a performance (RANNOU et al., 2001). No entanto as outras vias energéticas possuem grande importância: a anaeróbia láctica possibilitando a realização de esforços submáximos e de média duração e a oxidativa que possibilita esforços de baixa intensidade e prolongados e a recuperação das fontes anaeróbias.
Devido à organização do jogo citada anteriormente, a demanda energética certamente é diferente para cada posição assumida por um atleta, bem como, para a mesma posição a demanda pode variar de um jogo para outro (ELENO, BARELA, KOKUBUN, 2002), sofrendo influência também da movimentação em quadra, do estilo e da estratégia do jogador (BANGSBO apud ELENO, BARELA, KOKUBUN, 2002).
Na realização de modalidades esportivas coletivas em que há a manipulação de bola, além do deslocamento necessário e que geralmente inclui corridas, os atletas executam outras atividades que também requerem energia, tais como as mudanças de direção, as desacelerações, os saltos, os arremessos, as acelerações, as interceptações, as paradas bruscas, etc. De acordo com Bangsbo e Sbragia (apud ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002), essas atividades características do esporte impõem maior demanda fisiológica ao custo energético da corrida.
Durante uma partida de handebol são executados diversos deslocamentos, nas diversas direções. Mais; Galvão; Ribeiro (1989) apresentam valores médios e tipos de deslocamentos realizados pelo lateral direito júnior.
A predominância é do deslocamento frontal, o que pode ser explicado pelo fato de o mesmo facilitar a velocidade e melhor visualização do campo de jogo e, conseqüentemente, melhor colocação. Em outras direções a predominância se dá na defesa devida as ações que são realizadas pelos jogadores nesta fase de jogo. Segundo Reilly (1997) a ocorrência das diferentes direções de deslocamento em uma partida de futebol se faz de forma semelhante.
A corrida na ausência da manipulação de bola é a maneira mais rápida para se movimentar, no entanto, o deslocamento em posse de bola favorece a obtenção de gols, objetivo principal do jogo. De acordo com dados do Comitê Olímpico Espanhol apud Eleno, Barela, Kokubun (2002), são percorridos durante uma partida de handebol, 4152 metros, dos quais 4114 metros sem a posse de bola e 37 metros com posse de bola.
Outras situações que impõem demanda energética acima da necessária são apresentadas na tabela 3.
Conforme os dados apresentados na tabela 3, as atividades mais freqüentes e que aumentam consideravelmente a demanda energética são as mudanças de direção e do ritmo de corrida.
Delamarche et al. (1987), verificaram que durante uma partida de handebol a FC apresenta-se de forma irregular. Os autores verificaram valores que variavam de 160 a 180 batimentos por minuto (bpm). Ainda colocam que o diagrama da FC foi bastante excêntrico e o resultado devido a constante alteração no ritmo inerente ao handebol. De modo geral, em uma partida de handebol, a FC pode alcançar valores entre 80% e 85% da FCmáx (ELENO; BARELA; KOKUBUN, 2002; LOFTIN et al., 1996).
Eder; Haralambie (1986), demonstram que em pesquisas realizadas, 60% dos jogadores de handebol do sexo masculino, apresentam valores de concentração de lactato acima do limiar aneróbio (LAn), podendo ser encontrados valores entre 9 e 12 mM, principalmente no segundo tempo de jogo. Ainda segundo os autores, após 8 ou 10 minutos do término da partida os valores apresentavam-se abaixo de 2 mM, demonstrando que os mesmos dispõem de uma alta capacidade de recuperação (oxidação de ácido lático).
Os jogadores mais ativos produzem e toleram altos níveis de lactato e eliminam totalmente o excesso durante o período de descanso, após 10 minutos do fim do primeiro tempo de jogo os níveis de lactato retornaram ao normal (DELAMARCHE et al, 1987), demonstrando que, jogadores bem treinados apresentam alta capacidade de recuperação aeróbia.
Jogadores bem treinados apresentam valores de VO2máx de aproximadamente 59 ml.kg.min (ELENO, BARELA, KOKUBUN, 2002), sendo o bom funcionamento do metabolismo aeróbio que garante a recuperação das fontes anaeróbias (SANTOS, 1989), demonstrando que, os jogadores de handebol devem ter capacidade aeróbia desenvolvida, apesar da importância do processo anaeróbio, para que possam manter as características da intensidade de esforço durante a partida e possua uma maior eficiência na remoção do ácido lático.
No entanto, a utilização da mensuração do VO2máx para inferir o gasto energético de jogadores de handebol é complicada e alguns cuidados devem ser observados. Os atletas mais ativos durante uma partida de handebol, nem sempre são os que possuem maior capacidade aeróbia, e pode ser em decorrência da falta de especificidade do teste e do protocolo utilizado, uma vez que, exercício contínuo e progressivo na bicicleta ergométrica, por exemplo, contrasta com o ritmo irregular do handebol (DELAMARCHE et al, 1987).
Handebol e treinamentoO treinamento, tendo como objetivo principal facilitar as adaptações biológicas, ele exige a participação em programas de trabalho bem planejados, com vista a vários fatores como "... freqüência e na duração das sessões de trabalho, tipo de treinamento, velocidade, intensidade, duração e repetição da atividade, intervalos de repouso: e competição apropriada." (McARDLE; KATCH; KATCH, 2003, p. 472).
Como toda modalidade esportiva coletiva, o handebol necessita de uma adequada preparação.
Deve ser realizada uma preparação coletiva e individual. Esta preparação, ou seja, o esforço aplicado durante o treino não deve, em virtude do que foi visto até o momento, ser padronizado para todos os jogadores, devendo ser orientado para o desenvolvimento técnico, tático e físico que necessita a posição do jogador, uma vez que, a organização do jogo exige participação ativa diferenciada, com as posições exigindo características diferenciadas, por exemplo: nas posições extremas e pivô encontram-se jogadores com alta velocidade de execução e boa capacidade técnica, e nas posições de ala e central encontram-se jogadores potentes com boa capacidade de arremesso de meia e longa distância (SANTOS, 1989).
O treinamento deve ser voltado tanto para o metabolismo anaeróbio, que apresenta ser altamente relevante para a performance do jogador de handebol (RANNOU et al., 2001), quanto para o metabolismo aeróbio importante para a recuperação (EDER; HARALAMBIE, 1986; SANTOS, 1989). Para Delamarche et al. (1987) uma boa capacidade aeróbia capacita o atleta a diminuir a formação de lactato e a tolerar altos níveis de ácido lático.
Sendo o handebol uma modalidade esportiva coletiva caracterizada por trabalho intermitente, o treinamento intermitente deveria fazer parte da preparação física dos jogadores, uma vez que acarretariam adaptações que melhor preparariam os atletas para o esforço físico do jogo (EDER; HARALAMBIE, 1986; SANTOS, 1989). Este trabalho poderia ser realizado também por meio das Situações Simplificadas de Jogo (SSJ) propostas por Deschapelles (2001).
O treinamento intermitente no handebol poderia ser executado de acordo com os preceitos do treinamento intervalado, tendo as suas ações padronizadas e controladas para cada ação, pois, no treinamento intervalado, ao contrário das formas tradicionais de trabalho intermitente, a duração da pausa e do caráter de repouso apresentam importância idêntica, sendo a possibilidade de aumentar significativamente o volume da carga executada a sua principal vantagem (VOLKOV, 2002). Nos esportes com bola o exercício é intermitente e a performance é relacionada a habilidade do atleta em realizar exercício intenso de modo repetido (KRUSTRUP et al., 2003).
ConclusãoConforme foi visto, faz-se necessário a caracterização da modalidade esportiva com a qual se vai trabalhar a fim de que os meios e métodos para o treinamento e avaliação correspondam às necessidades das quais a modalidade exige.
No caso do handebol, verificou-se que, por se tratar de uma modalidade esportiva com características intermitentes, o treinamento intervalado deveria fazer parte da programação de treinamento, fazendo também referência aos sistemas de transferência de energia que deveriam ser trabalhados. O metabolismo anaeróbio é tão importante para o jogador de handebol quanto para o velocista, no entanto uma boa capacidade aeróbia se faz importante para uma recuperação rápida e permitir um bem desempenho durante toda a partida. No entanto, nos deparamos com um outro "problema" que fica para ser discutido em outra oportunidade: a avaliação. Em modalidades esportivas coletivas, as avaliações de desempenho esportivo deveriam ser realizadas por meio de testes com protocolos intermitentes. Alguns passos já estão sendo dados neste sentido, o que pode ser verificado nos estudos de Krustrup et al. (2003), isso posto em virtude da necessidade de quantificar as exigências metabólicas da modalidade.
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digital · Año 12
· N° 116 | Buenos Aires,
Enero 2008 |