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Educação Física e fenomenologia:
aproximações e distanciamentos

   
Mestrandas em Educação Física - UFSC.
(Brasil)
 
 
Alexandra Folle  
Juliano Daniel Boscatto  
Paula Bianchi
paulacbianchi@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     A produção do conhecimento na área da Educação Física tem gerado, atualmente, diversos debates e reflexões no meio acadêmico. Nesse sentido, apresentar subsídios teóricos que contribuam com uma análise e discussão mais aprofundada das relações entre a produção de conhecimento em Educação Física e a abordagem fenomenológica é o objetivo central deste estudo. Através, de análises bibliográficas e empíricas identificou-se que a Fenomenologia, constitui-se em uma perspectiva abrangente que se propõe a descrever os fenômenos como eles se mostram. As pesquisas que se propõem a investigar, através da Fenomenologia tem se mostrado de forma superficial cometendo equívocos no que tange a conceitos e características e, muitas vezes, confundindo métodos naturalistas com a Fenomenologia. Conclui-se que a Fenomenologia contribui com estudos sobre o movimento humano, devido às características que este possui, como intencionalidade, sentido e significado. Além disso, exige dos sujeitos uma "nova" forma de compreender o mundo, sendo que através da apropriação de leituras, discussões e a própria vivência, esses sujeitos podem tornarem-se pesquisadores fenomenológicos.
    Unitermos: Educação Física. Fenomenologia. Produção do conhecimento.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 116 - Enero de 2008

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Introdução

    A produção do conhecimento na área da Educação Física tem gerado diversos debates nas Instituições de Ensino Superior. Ao analisar as produções, percebe-se que o enfoque de pesquisa predominante está centrado, majoritariamente, na matriz teórica do positivismo. No entanto, visualiza-se um aumento no número de estudiosos que vêm se debruçando sobre o fazer pesquisa em Educação Física apoiando-se em outras correntes teóricas, entre elas, a Fenomenologia, tema principal desse estudo.

    Apresentar subsídios teóricos que possa contribuir com a análise e discussão mais aprofundada das relações entre a produção de conhecimento em Educação Física e a abordagem fenomenológica é o objetivo central deste estudo. Neste sentido, buscou-se: a) identificar conceitos e características da Fenomenologia; b) verificar as relações entre a Fenomenologia e a Educação Física; c) verificar como vem se configurando as pesquisas com o enfoque fenomenológico; e d) analisar as contribuições da Fenomenologia em pesquisas na área da Educação Física.

    Ao discutir o enfoque fenomenológico e sua relação com a produção do conhecimento em Educação Física, torna-se necessário, primeiramente, compreender a construção histórica dessa concepção filosófica e seu propósito de se tornar uma ciência.

    Dartigues (1973) apud Betti et al. (2007, p. 41) destaca que "[...] ao final do século XIX dominado por um sentimento de crise da cultura e de ceticismo quanto ao fundamento e alcance da ciência, dado o abalo da segurança do pensamento positivista [...]". A partir desse contexto de mudanças, Edmund Husserl (1859-1938) propõe a criação de um movimento teórico e filosófico, reconhecido como Fenomenologia e teve como seguidores os filósofos Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty que acompanharam e contribuíram com a evolução desta corrente de pensamento.

    A expressão Fenomenologia pode ser caracterizada, conforme Huisman (2000, p. 289), "[...] como a descrição daquilo que aparece ou a ciência que tem como objetivo essa descrição". Reconhecida como uma atitude de abertura do homem para compreender o que se mostra livre de predefinições, se utiliza de alguns critérios para descrever e analisar o fenômeno, entre eles: a redução fenomenológica. Nesta abordagem, não se utiliza procedimentos descritos em forma de passos "pré-determinados". O pesquisador descrever o fenômeno da forma que ele se mostra, buscando por meio da sua essência, ver a plenitude do fenômeno.

    Embora a Fenomenologia, assim como o empirismo, seja um "retorno às coisas mesmas", difere deste por remontar, para além da experiência, até as essências, nessa intuição originária que é a "visão das essências" (HUISMAN, 2000). Dessa forma, a Fenomenologia desfruta de uma posição estratégica forte, pois, ao descrever o fenômeno tal como ele é, obedece às exigências da ciência, que exclui todo conhecimento que não venha da experiência, e em contrapartida, permite ascender ao concreto e à vida que a ciência tinha tentado esquecer (DARTIGUES, 1973 apud BETTI, et al., 2007).

    Sabe-se que ainda é pequeno o número de estudos a respeito da Fenomenologia, porém, atualmente, muitos estudiosos vêm se debruçando sobre esse tema, buscando empregar a Fenomenologia em pesquisas em diversos campos de formação e atuação profissional.

    A partir disso, compreende-se a importância de ampliar os estudos sobre a Fenomenologia na Educação Física, bem como esclarecer alguns questionamentos que circundam essa temática, tornando-a reconhecida no meio acadêmico, a fim de que outros pesquisadores possam encontrar nela base teórica para seus estudos e consigam relacioná-la com o contexto social em que vivem.


Procedimentos metodológicos

    A pesquisa caracteriza-se como estudo qualitativo descritivo, pois, pretende descrever e analisar a relação existente entre a corrente filosófica Fenomenologia e as pesquisas em Educação Física. Conforme Nardi e Santos (2003, p. 55) "[...] o propósito fundamental da pesquisa qualitativa é a compreensão, exploração e especificação do fenômeno social". Nesse sentido, busca-se fazer algumas aproximações e descrições de que forma se configuram as pesquisas com enfoque Fenomenológico e a área da Educação Física.

    Para a realização da coleta e análise de dados foram estabelecidos os seguintes encaminhamentos: a) revisão bibliográfica, buscando identificar os conceitos, as características da Fenomenologia e da realidade em pesquisa fenomenológica na Educação Física; b) entrevista semi-estruturada com docentes da UFSC; e c) análise dos resultados e apontamentos que possam contribuir com um contexto educacional profundamente influenciado por diferentes modos de conceber e fazer ciência.


Conceitução e características

    A partir das entrevistas e das discussões teóricas foram estabelecidas alguns conceitos e características que podem auxiliar na compreensão, no aperfeiçoamento e na ampliação acerca do que se conhece sobre Fenomenologia, a fim de elucidar alguns equívocos que ocorrem em sua definição e caracterização.

    Considerando as informações obtidas pelas entrevistas, percebe-se que há uma dificuldade em conceituar a Fenomenologia, pois, como aponta um dos entrevistados:

Existem tantas Fenomenologias quanto fenomenólogos, por isso, toda definição de Fenomenologia, dentro da concepção inaugurada por Husserl é complicada e torna difícil um consentimento comum (ENTREVISTADO 2, 2007).

    Conforme Husserl (1996) pode-se dizer que a Fenomenologia consiste, basicamente, na observação e descrição rigorosa do fenômeno, isto é, daquilo que se manifesta, aparece ou se oferece aos sentidos ou à consciência. De acordo, com as concepções fenomenológicas, busca-se a análise da própria existência, resgatando a sensibilidade.

    Por tratar de questões do mundo vivido e das experiências humanas, a Fenomenologia não pode de forma alguma se restringir aos parâmetros da racionalidade instrumental: "a Fenomenologia refere-se à vida que é vivida, que é experiência, servindo de base para todas as outras áreas do conhecimento humano, não podendo ser reduzida a um campo específico" (ENTREVISTADO 1, 2007).

    A abordagem Fenomenológica, fundamenta-se em novos conceitos que são desconhecidos e estranhos, pelo menos no começo para aqueles que a adotam. Sempre que se abandona o conhecido e o familiar corre-se o risco de caminhar numa grande obscuridade. Torna-se necessária uma nova linguagem que se inicia a partir de novos conceitos e da atribuição de novos significados aos termos antigos. De qualquer forma, o domínio de uma linguagem particular é necessário para que se possa compreender o que é novo (MARTINS & DICHTCHEKENIAN, 1984).

"A Fenomenologia apresenta uma linguagem própria o que lhe caracteriza como ciência, sendo assim, a mesma tem um cuidado especial com a sua linguagem e ela serviu de sustentação teórica para outras vertentes entre elas: a Teoria Crítica" (ENTREVISTADO 1, 2007).

    Buscando, compreender os temas que compõe e caracterizam a Fenomenologia, faz-se necessário, uma breve descrição de cada um desses elementos.

    A Intuição é a capacidade do ser humano de intuir ou saber antecipadamente sobre algo abstrato que, posteriormente, as faculdades superiores trarão a atualidade. Isto pode ser observado no que diz um dos professores entrevistados:

A intuição não é mais uma vivência particular de um sujeito psico-físico, mas a intuição é algo que eu vivo no mundo. É, no mundo, que eu intuo. Então, os fenômenos psíquicos passam a ser públicos e chama-se de essências (ENTREVISTADO 2, 2007).

    A intencionalidade está direcionada a tomada de consciência de algo, portanto, trata da relação entre sujeito/objeto, vistos sob um prisma indissociável, ou seja, é a capacidade de orientar para a atividade objetiva, para a produção do objeto.

    A Redução Fenomenológica é compreendida como uma forma de ver o mundo, colocando-o em "suspensão", livre da atitude natural de ver o mundo, de pré-concepções, procurando, dessa maneira, descrever o fenômeno na sua totalidade. A partir da suspensão, chega-se àquilo que Husserl propõe como Fenomenologia, ou seja, a descrição das Essências como o mesmo descreveu "voltar às coisas mesmas".

    Portanto, entender a origem e como se deu a concepção ontológica da Fenomenologia pode auxiliar a trilhar novos caminhos para a pesquisa em Educação Física. Observa-se que a atitude fenomenológica requer uma mudança de paradigma de pesquisa e um novo perfil de pesquisador.


Pesquisas fenomenológicas e a Educação Física

    Como foi observado, nesse estudo, a utilização da Fenomenologia como tema principal e/ou como atitude investigativa em pesquisas na área da Educação Física ainda é limitada entendimento esse, compartilhado com os docentes que participaram da pesquisa. Percebe-se, um certo pessimismo em relação as pesquisas que pretendem utilizar a fenomenologia como método, como evidencia um dos professores entrevistados: "as perspectivas da utilização da fenomenologia em pesquisas, no Brasil, são desastrosas e estou muito pessimista, em relação a isso" (ENTREVISTADO 2, 2007).

    No entanto, quando se trata de pesquisas Fenomenológicas, sob o viés filosófico, os docentes apontam perspectivas otimistas. Principalmente, por se tratar da construção e ampliação de referencial teórico sobre o tema, pois, a carência de bibliografia específica e esclarecedora da Fenomenologia, tem sido um dos principais problemas encontrados por aqueles que pretendem estudar e compreender essa importante corrente filosófica. O caminho, no entanto, requer dedicação, conhecimento diferenciado e exercício constante de romper com as teses naturalistas que imperam nas ciências atualmente.

    Percebe-se que há uma inversão quanto o entendimento do que é Fenomenologia e como deve proceder a sua investigação, sendo que, muitos estudiosos confundem Fenomenologia com teses naturais e vice-versa. Devido as suas características, a Fenomenologia se torna estranha ao pensamento natural e sofre críticas, principalmente, quando se trata de (falta) neutralidade.

Na fenomenologia o pesquisador participa nos modos de doação do mundo, portanto, mantém uma proximidade com o fenômeno que ele descreve. Husserl propõe que a neutralidade exista, mas no sentido de colocar em suspensão teses pré-definidas, que, habitualmente, emprega para se referir ao mundo, buscando, assim permitir que o mundo se mostre na totalidade e que o pesquisador participe dessa revelação de mundo (ENTREVISTADO 2, 2007).

    A Fenomenologia sempre foi estudada por diversas áreas do conhecimento humano, entre elas: a Educação Física, a Saúde, a Literatura, a Educação, a Psicologia, entre outras. Dessa forma, Dartigues (1973, p. 71) destaca que: "[...] nenhuma ciência nem, portanto o que se chama em geral a ciência escapa à reflexão fenomenológica, já que toda a ciência nasceu sobre um solo 'dado de antemão', foi construída sobre fundamentos que a precederam".

    Freqüentemente, encontram-se estudos, na Educação Física, pouco inovadores, os quais abordam o movimento humano de forma fragmentada, reduzindo a dimensão deste fenômeno a simples gestos mecânicos, não considerando o ser que se movimenta. Neste sentido, conforme a perspectiva Fenomenológica, o movimento deve ser tratado como: "[...] gesto movimentante, e não como gesto movimentado, que é secundário porque já adquirido, e que tende a levar uma aprendizagem por imitação da forma, em detrimento da criação" (BETTI et al, 2007, p. 48).

Na Educação Física, quem desejar fazer Fenomenologia deve entender o movimento humano não mais como uma ocorrência comportamental de um corpo empírico, mas, buscando compreender o movimento humano como essência, como fenômeno de campo em que mais do que o efeito de uma ação produzida por um corpo, o movimento humano é a atualização de uma potência da natureza, tida como um campo (ENTREVISTADO 2, 2007).

    Um dos problemas que os professores entrevistados relataram está, intimamente, ligado ao fato de alguns pesquisadores utilizarem o enfoque fenomenológico nas pesquisas de cunho empírico-analítico, produzindo inúmeros equívocos epistemológicos. A Fenomenologia deve ser encarada como uma atitude de ver o mundo, na qual sujeito e objeto mantêm uma relação recíproca.

    Acredita-se que seja quase impossível analisar fenômenos complexos, como o movimento humano, através de abordagens reducionistas que se mantêm atreladas a uma única visão de ciência. Todas as formas de investigação científica têm procurado contribuir com a produção do conhecimento, repercutindo nas mais diversas áreas, porém, o que irá diferenciar o uso dessas concepções teóricas é a visão de ciência de cada pesquisador e o contexto no qual está inserido, além das suas inquietudes.


Conclusões

    A partir das análises de referencial bibliográfico e das entrevistas, pode-se concluir que devido à complexidade que envolve o tema apresentado é, extremamente, difícil atribuir um conceito geral ao que é a Fenomenologia, no entanto, a mesma pode ser entendida como a descrição dos fenômenos que se mostram por si próprios, ou seja, a "volta às coisas mesmas".

    As relações entre Fenomenologia e Educação Física são enriquecidas quando mantêm seu foco sobre o movimento humano, destacando a plenitude das vivências de movimentos, considerando o sujeito que se movimenta carregado de intencionalidade, sentido e significado. Neste sentido, pode-se afirmar que a Fenomenologia contribui para que a Educação Física auxilie na formação de sujeitos autônomos e conscientes no seu "se-movimentar" (KUNZ, 2003).

    As pesquisas em Fenomenologia, atualmente, apresentam alguns equívocos e confusões quanto a matriz epistemológica utilizada para legitimar essas investigações. Essas confusões repercutem quanto ao entendimento geral da Fenomenologia, pois, ao tentar enquadrar as bases teóricas e filosóficas de outras formas de investigações à pesquisa fenomenológica constitui-se como o ponto nevrálgico da questão. Este estudo, trata-se de uma tentativa de discutir a Fenomenologia na área da Educação Física, sendo que, esse tema necessita de maior aprofundamento, reflexão e dedicação, por todos aqueles professores-pesquisadores que pretendem desenvolver pesquisas, a fim de buscar subsídios teóricos que possam sustentar suas teses.


Referências

  • DARTIGUES, André. O que é Fenomenologia. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Eldorado,1973.

  • HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade européia e a filosofia. Porto Alegre. EDIPUCRS, 1996.

  • KUNZ, Elenor. Transformação Didático - Pedagógica do Esporte. 5ª ed. Ijuí, RS: Unijuí, 2003.

  • MARTINS, J.; DICHTCHEKENIAN, M. Temas fundamentais de fenomenologia. São Paulo: Moraes, 1984.

  • NARDI, Elton Luiz. SANTOS, Robinson dos. Pesquisa teoria e prática. Porto Alegre: Est. edições, 2003.

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