Diretrizes para adaptação cultural de escalas psicométricas

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Diretrizes para adaptação cultural de escalas psicométricas

* Autora. Doutoranda na Faculdade de Educação Física da Unicamp - SP
Professora do curso de Educação Física do Centro Universitário Adventista – campus 3
**Co-autora. Professora Titular da Faculdade de Educação Física da Unicamp – SP
(Brasil)

Helena Brandão Viana*

Vera Aparecida Madruga**
hbviana2@gmail.com

 

 
Resumo
Existe na literatura atualmente muitos estudos e diretrizes para validação de escalas de medida e de adaptação cultural de escalas criadas em países diferentes daquele que se pretende fazer o estudo. Sabemos que para utilizar uma escala de medida, ela deve passar por vários testes de confiabilidade e validade amplamente descritos na literatura. Para adaptar uma escala criada em um país de língua e cultura diferentes do qual pretendemos conduzir uma pesquisa, não basta apenas traduzir a escala, mas é necessário também uma avaliação das propriedades psicométricas dessa escala após ela ser traduzida para a outra língua. O processo adequado de tradução, adaptação cultural e validação de uma escala de avaliação é o tema desse artigo e descrevemos as “Recomendações para Adaptação Cultural de Medidas de Estados de Saúde”, da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS – American Academy of Orthopaedic Surgeons) e Instituto para Trabalho e Saúde de Toronto.

Unitermos: Adaptação cultural. Escalas psicométricas. Validação.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 116 - Enero de 2008

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    A utilização de escalas, questionários e outros instrumentos de medida, validados dentro de padrões criteriosos e reconhecidos cientificamente, têm crescido dentro da área da Educação Física, porém sabemos que ainda existem instrumentos atualmente, que foram criados em outros países e nem sempre passaram por uma adaptação cultural para serem usados no Brasil e simplesmente foram traduzidos. Os conhecimentos das técnicas de adaptação cultural, ainda são recentes no Brasil, e na área da Educação Física ainda temos poucos trabalhos defendidos nessa linha.


    A adaptação cultural de uma medida de saúde, a fim de ser utilizada em um país diferente, para o qual ela foi criada, requer uma metodologia específica a fim de que essa escala ou medida seja válida em um país diferente do qual ela foi validada. Não basta realizar um trabalho de tradução, mas ela deve ser adaptada culturalmente para que mantenha sua validade de conteúdo nessa nova língua e nova população.


    Há diferentes métodos para a realização da adaptação cultural. Em nossa pesquisa temos estudado as diretrizes do Instituto para Trabalho e Saúde de Toronto, no Canadá. Detalharemos, portanto nesse artigo, as “Recomendações para Adaptação Cultural de Medidas de Estados de Saúde”, da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS – American Academy of Orthopaedic Surgeons) e Instituto para Trabalho e Saúde de Toronto (Beaton et al 2002). Essas diretrizes seguem os seguintes estágios:

 

Estágio 1: Tradução Inicial (produção de T1 e T2)

 

    Duas traduções devem ser realizadas por tradutores independentes, um que conheça a temática da escala e outro que não conheça. Eles não devem trocar informações entre si. As traduções devem ser comparadas e discrepâncias nas traduções devem ser resolvidas neste momento consultando os próprios tradutores. Os tradutores devem ser nascidos no país aonde a escala estará sendo validada e ter domínio do idioma nativo e do original da escala.

Estágio 2: Síntese das duas traduções (produção da versão T12)


    Trabalhando com o instrumento original e com as duas traduções, uma terceira pessoa deve compor uma versão final (síntese) das duas traduções. Um relatório detalhado deve ser feito neste momento, descrevendo todas as discrepâncias ocorridas e como foram resolvidas.

Estágio 3: Retro-tradução (produção das versões RT1 e RT2)


    Neste estágio trabalha-se com a versão sintetizada (T12) das traduções. Os (retro) tradutores dessa fase devem ser nascidos e alfabetizados em país de língua igual à da escala a ser adaptada tendo domínio lingüístico e cultural do idioma original e dominem a língua para qual o instrumento está sendo adaptado. Eles não devem ter acesso ao instrumento original.

 

Estágio 4: Revisão do comitê de especialistas


    Escolher a composição do comitê de especialistas é muito importante para alcançar a equivalência cultural do instrumento traduzido. Segundo Beaton et al (2002) o comitê deverá ser formado por especialistas bilíngües e deve conter no mínimo: um metodologista; um profissional de saúde; um lingüista; todos os tradutores (versão e retroversão) e pesquisador que fez a síntese da T1 e T2. Os demais colaboradores deverão estar próximos neste processo para responder possíveis questões e providenciar soluções. Todos os membros do comitê deverão receber todas as versões da escala a ser adaptada (escala original, T1 e T2, T12, RT1, RT2). Deverão receber também as instruções de aplicação da escala, bem como calcular os escores. Neste estágio os juízes deverão avaliar as equivalências semântica e idiomática, que corresponde ao significado das palavras e ao uso de expressões nos respectivos idiomas; equivalência conceitual analisando a coerência dos itens aos seus respectivos grupos e equivalência cultural, quando as situações apresentadas no instrumento devem ser corresponder às vivenciadas no contexto da nossa cultura.

Estágio 5: Teste da versão Pré-Final da escala


    O último estágio do processo de adaptação é o Pré-teste. Deve ser aplicado segundo Beaton et al (2002), entre 30 e 40 pessoas do grupo alvo. Primeiramente os sujeitos respondem o questionário e depois são entrevistados para verificar se eles entenderam o significado das questões e responderam adequadamente. Após a aplicação do pré-teste se faz uma avaliação qualitativa da escala. Caso haja muitas dúvidas por parte dos respondentes pode-se voltar ao comitê de especialistas para possíveis alterações nas questões. Segundo Ciconelli et al (1999), as questões com mais de 15% de respondentes com dúvidas ou que não entenderam o significado da afirmativa, devem ser revistas pelo comitê e reaplicadas em outros respondentes.


    Após o pré-teste, reorganizando as questões que apresentaram dúvidas, o pesquisador deve aplicar a escala numa amostra maior e verificar então nessa fase, as propriedades psicométricas da escala que está sendo adaptada. De acordo com Kerlinger (1986) devemos utilizar como regra geral para validação de instrumentos, o uso da maior amostra possível e o autor sugere um número de dez sujeitos por item do instrumento, embora outras pesquisas estejam sendo feitas com amostras menores, mas neste caso deve-se realizar algum teste que prove que o tamanho da mostra está adequado para a validação daquela escala. Kermarrec et al (2006) cita que a literatura recomenda que deva ser usado para validação, o número de 10 sujeitos por item. Para avaliar a validade da escala podemos utlizar a análise fatorial exploratória ou confirmatória. Quando o autor da escala já fez a análise fatorial exploratória, devemos utilizar então a análise fatorial confirmatória, que exige uma amostra maior que a análise fatorial exploratória, onde o número de 5 respondentes por item seria suficiente (HAIR et al 2005). Há também autores que defendem que devemos usar um número mínimo de sujeitos para avaliar a confiabilidade de um instrumento. Nunnally (1978) recomenda que se trabalhe com 300 sujeitos no mínimo. Já Kline (1986) defende que 200 sujeitos seriam suficientes. Sabemos que ainda há diferentes opiniões a esse respeito na literatura e não há como fornecer um padrão para tamanho de amostra e cada pesquisador juntamente com um estatístico deverá encontrar o tamanho da amostra necessário para validar seu instrumento.


    Após a coleta de dados da amostra final, o pesquisador poderá então verificar as propriedades psicométricas do instrumento. Segundo Streiner & Norman (1995) ao adaptar uma escala e submetê-la à traduções e retro-traduções, precisamos assegurar-nos de que esta escala ainda mantém as propriedades piscométricas testadas na sua validação no idioma original. Para isso é necessário revalidar o instrumento. Para isso devemos analisar a confiabilidade e a validade do mesmo.


    Podemos verificar a confiabilidade através da análise de variância (ANOVA), utilizando a correlação de Pearson, o coeficiente de Kappa, o coeficiente intra-classe ou o Alpha de Cronbach. Para cada tipo de escala e de sujeitos estudados, o pesquisador deverá encontrar o teste que melhor se adequará ao seu estudo. Quanto à validade, existem vários tipos de validade que podem ser feitas numa adaptação cultural: validade de rosto (ou de face), validade de conteúdo, validade de critério que se divide em validade preditiva ou concorente e validade de construto que se divide em divergente ou convergente.


    Segundo Streiner & Norman (1995) os termos validade de rosto (validade aparente ou validade externa) e validade de conteúdo são descrições técnicas de julgamento, para que uma escala pareça razoável. A validade externa simplesmente indica se, na sua aparência, o instrumento parece estar avaliando as qualidades desejadas. A validade de conteúdo é um conceito que relata mais verdadeiramente, julgando se todas as amostras do instrumento são relevantes, tem conteúdo ou domínios importantes. Tanto a validade de face quanto a de conteúdo pode ser verificada através da análise do comitê de especialistas.


    Segundo Lobiondo-Wood & Haber (1990) a validade de rosto (ou aparente) é um tipo rudimentar de validade que verifica basicamente se um determinado instrumento parece medir o conceito. Segundo Paschoal (2000) a validade de conteúdo assegura que os itens de um instrumento cobrem e representam adequadamente o que está sendo medido, assim como permite que qualquer escore seja interpretado de forma apropriada. A validade de conteúdo examina em que extensão o assunto de interesse (constructo) é abrangentemente coberto pelos itens e dimensões do instrumento.


    Em uma adaptação cultural, devemos testar a confiabilidade da versão final da escala através do Alpha de Cronbach, podendo usar também o teste-reteste que estabelecerá o coeficiente intra-classe (TSANG & WONG, 2005; EYRES et al 2005). A validade de face e de conteúdo será feita através da análise do comitê de especialistas e do pré-teste. A validade de critério (convergente) poderá ser realizada se houver outro instrumento (padrão ouro) que meça o mesmo atributo, comparando o resultado da aplicação das duas medidas (KEATING et al 2005). Os últimos trabalhos em adaptação cultural têm utilizado a Análise Fatorial Confirmatória para verificar a validade do instrumento (LOISELLE & COSSETTE, 2001; DISTEFANO & HESS, 2005; KNAFL & GREY, 2007).


    Para realização de uma adaptação cultural, deve-se optar por uma linha de trabalho, já que há divergências entre os autores e não há um consenso total sobre as estratégias, nomenclaturas e testes que devam ser realizados (GUION, 1977). Neste artigo trabalhamos as diretrizes do Instituto para Trabalho e Saúde de Toronto, no Canadá, denominada “Recomendações para Adaptação Cultural de Medidas de Estados de Saúde”, da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS – American Academy of Orthopaedic Surgeons) e Instituto para Trabalho e Saúde de Toronto (Beaton et al 2002).

 

Referencias bibliográficas

  • BEATON, D.; BOMBARDIER, C.; GUILLEMIN, F. e FERRAZ, M. B. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. American Academy of Orthopaedic Surgeons and Institute for Work & Health. Revisada em Março/2002. Disponível em http://www.dash.iwh.on.ca
  • CICONELLI, R. M.; FERRAZ, M. B.; SANTOS, W.; MEINÃO, I. e QUARESMA, M. R. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF 36). Ver. Bras. Reumatol. 1999, 39 (3), 143-150.
  • DiSTEFANO, C. & HESS, B. Using confirmatory factor analysis for construct validation: an empirical review. Journal of Psychoeducational Assessment, 2005, 23, 225-241.
  • EYRES, S.; CAREY, A.; GILWORTH, G.; NEUMANN, V.; TENNANT, A. Construct validity and reliability of the Rivermead Post-Concussion Symptoms Questionnaire. Clinical Rehabilitation 2005; 19: 878-887.
  • GUION, R. M. Content Validity: three years of talk – what’s the action? In: Public personnel management, nov/dez 1977, pp. 407-414.
  • HAIR, J. F.; TATHAM, R. L.; ANDERSON, R. E.; BLACK, W. Análise Multivariada de Dados. Porto Alegre: Bookman, 2005.
  • KEATING, X. D.; GUAN, JIANMIN; HUANG, YONG; DENG, MINGYING; WU, YIFENG E QU, SHUHUA. Cross-cultural validation of stages of exercise change scale among Chinese college students European Physical Education Review 2005; 11 (1); 71-83.
  • KERLINGER, F.N. - Foundations of behavioral research. 3ª ed.: Holt, Rinehard and Winston, New York, pp. 415, 1986.
  • KLINE, P. A handbook of test construction. Austrália: Law Book Co of Australasia, 1986.
  • KNAFL, G. J. & GREY, M. Factor analysis model evaluation through likelihood cross-validation. Statistical Methods in Medical Research 2007; 16: 77–102
  • LoBIONDO-WOOD, G. & HABER, J. Nursing Research: Methods, critical appraisal, and utilization. 3ª ed. St. Louis: Mosby, 1994.
  • LOISELLE, C.G. & COSSETTE, SYLVIE. Cross-Cultural Validation of the Toronto Alexithymia Scale (TAS-20) in U.S. and Peruvian Populations. Transcult Psychiatry 2001; 38; 348.
  • NUNNALLY, J. C. Psychometric theory. New York: McGraw-Hill, 1978.
  • PASCHOAL, S. M. P. Qualidade de vida do Idoso: Elaboração de um instrumento que privilegia sua opinião. Dissertação de mestrado em Medicina na Universidade de São Paulo, 2000.
  • STREINER, D. L. & NORMAN, G. R. Health Measurement Scales: a practical guide to their development and use. 2ª Ed. New York: Oxford University Press, 1995.
  • TSANG, H.W.H. E WONG, ALVIN. Development and Validation of the Chinese Version of Indiana Job Satisfaction Scale (CV-IJSS) for People with Mental Illness. International Journal of Social Psychiatry 2005; 51; 177.
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