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Saúde na escola: um caleidoscópio 'pra lá' de subjetivo

   
Licenciado em Educação Física
Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel)
(Brasil)
 
 
Samuel Gustavo Ebert
samuca_santacruz@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Neste estudo procurou-se alertar para a importância e as inerentes dificuldades que se fazem presentes em u m trabalho organizado e sistematizado sobre saúde e atividade física relacionada à saúde dentro da escola. A infinidade de tarefas que este labor apresenta é o eixo norteador do texto.
    Unitermos: Saúde. Atividade física. Educação Física. Escola.

Ensaio elaborado como exigência parcial para a conclusão do curso de Educação Física-Licenciatura Plena.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 115 - Diciembre de 2007

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Introdução

    Este trabalho é fruto da relação de uma série de leituras/reflexões com a disciplina Prática de Ensino, da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPEL). A disciplina acima mencionada tem um caráter diferenciado se comparada as demais que compõem a grade curricular do curso, pois possibilita aos formandos contato direto com a realidade docente. No que refere ao ambiente "prático" de ensino, o mesmo se deu no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) de Pelotas - RS, a turma atendida é composta por 17 pessoas do sexo feminino (nas aulas de Educação Física as turmas são separadas por gênero) que cursam atualmente o 1° ano do Ensino Médio.

    Dentre os conteúdos desenvolvidos ao longo do trimestre, trato de um que pode ser visto/interpretado de várias formas, e, como era de se esperar, no seio da escola não é diferente. Considero o tema saúde o mais importante a ser medrado no momento, tendo em vista que uma infinidade de pesquisas comprova a íntima correlação que este estado tem com os hábitos de vida, e que as informações necessárias para possível adoção de tais, devem ser ofertadas pela escola.

    Cabe ressaltar que o nível inicial de conhecimento das alunas sobre a relação atividade física e saúde era praticamente nulo, o que não me surpreende, pois ao longo da trajetória acadêmica tive oportunidade de conhecer e observar muitas aulas de Educação Física, sendo que em nenhuma delas houve algo que se assemelha ao abordado aqui.

    Para situar o leitor, a idéia central que perpassa o corpo deste artigo está intimamente presa ao conceito de cultura proposto pelo antropólogo Geertz apud Daolio (2004). Para o autor, cultura vem a ser condição de vida, "... produto das ações humanas, mas é também processo contínuo pelo qual as pessoas dão sentido as suas ações. Constituise em processo singular e privado, mas é também plural e público. É universal, porque todos os humanos a produzem1... (p. 7).

    Na ótica deste que vos escreve, o conceito apresentado remete saúde a algo subjetivo, pois por mais versáteis e dinâmicas que as pessoas sejam, algumas das vertentes correspondentes a este termo tão lato acabarão sendo preconizadas.

    Enfim, o presente artigo tem como escopo correlacionar Educação Física escolar e saúde, ou para ser mais exato, a atividade física relacionada à saúde e deixar claro que este é um forte elemento de contribuição (mas não o único) para este estado tão almejado pelas pessoas. Além disto, há críticas construtivas acerca de algumas concepções sobre o tema, assim como exposição de alternativas que procuram contemplar as necessidades de cada estudante.


Interpretação de escola

    Segundo o senso comum, cabe a escola "educar" os estudantes que a freqüentam. Penso que a função da escola é outra, a de proporcionar situações e estímulos adequados para que a formação dos estudantes seja relevante, produtiva e interessante. Isto inclui a construção de valores tais como auto-conhecimento, criatividade e flexibilidade (não entendam como referência à capacidade física), além de respeito às diferenças, cooperação, solidariedade e união, que por sua vez, são muito difundidos no meio da Educação Física escolar.

    Encarregadas de tentar fazer este trabalho, as disciplinas que perfazem a escola contribuem, cada uma à sua maneira, para o crescimento individual e coletivo das pessoas que a freqüentam.

    Assim sendo, concebo a escola como um grande mosaico, onde pequenas peças de diferentes formatos e cores, quando justapostas umas as outras, formam uma figura. As peças representam as disciplinas, algumas com formas convencionais e até certo ponto opacas, outras com formatos exóticos, coloridas, que dão brilho e vida, mas todas, sem exceção, são indispensáveis na construção desta figura.


Sobre a atividade física

    A escola vem priorizando o ensino de conteúdos que, na maioria das vezes, não estão relacionados com a praticidade e o dinamismo da vida moderna. Temas inerentes ao cotidiano prático raramente são trabalhados, e, quando isto acontece, a visão passada é praticamente unidimensional, uma vez que vários aspectos são ignorados e acabam resultando em um processo de "aprendizado" raso, inverossímil e, até certo ponto, preconceituoso (influenciado por valores sociais vigentes, diga-se de passagem).

    Dentre as diversas disciplinas que compõem este mosaico multidisciplinar chamado escola, a Educação Física possui as ferramentas mais faustosas para o desenvolvimento das questões vinculadas á saúde, pois os conteúdos que a permeia oferecem um vasto leque de opções que infelizmente são pouco exploradas pelos professores, que de um modo geral canalizam sua prática na reprodução de movimentos pré-estabelecidos e embasados no esporte que visa o rendimento.

    Segundo Kunz (1991), a Educação Física escolar vem cumprindo apenas com sua função biológica. A idiossincrasia do autor é válida, não obstante refere-se apenas a um aspecto: a dimensão motora dos estudantes. Informações teórico/práticas, sistematizadas e organizadas sobre saúde e atividade física relacionada ao bem estar, geralmente passam longe das pretensões da Educação Física escolar. Neste contexto, as críticas deveriam ser mais direcionadas e não atribuídas simplesmente a "parte biológica".

    É indiscutível que conhecimentos técnicos sobre anatomia humana, biomecânica e fisiologia do exercício são importantes, tendo em vista que possibilitam a compreensão crítica de como capacidades físicas podem ser desenvolvidas e como tais desenvolvimentos contribuem na prevenção de uma série de patologias e na possibilidade de melhorias na qualidade de vida.

    Parafraseando Ferreira (2001), essa linha de ação, batizada de "Aptidão Física Relacionada à Saúde", não pode ter fim apenas na esfera biológica, e sim ser um meio de integração entre ações políticas, econômicas e sócio-culturais que estão envolvidas com a promoção da saúde.

    Neste contexto, a escola enquanto espaço de contribuição para a formação integral dos sujeitos deve oportunizar o maior número de situações que realmente acrescentem conhecimentos completos sobre o tema. Ainda nesta ótica, Carvalho (2001), aponta para a importância das possibilidades, pois segundo a autora, é saudável quem pode optar na vida. Isso inclui acesso ao trabalho, a boa educação, moradia, lazer, a própria atividade física, assistência médica e outras inesgotáveis e inquestionáveis vertentes.

    No que refere as informações sobre a atividade física relacionada à saúde, a escola, ou melhor, a Educação Física, pode ser muito útil. Sem embargo isto não basta, estas aulas devem proporcionar um ambiente que faça com que os estudantes sejam críticos e conscientes da pobreza de aparatos que possibilitem a aplicação do que fora exposto.

    Sem as citadas possibilidades, simplesmente atribui-se o sedentarismo e a "falta de saúde" ao descaso das pessoas. Com certeza isto é muito conveniente e prático, ainda mais quando falamos de políticas públicas voltadas à qualidade de vida. Sendo assim, a falta de informação, de espaços adequados e de tempo para a prática regular de exercícios físicos são ignorados, e a vítima acaba sendo considerada culpada pela sua condição de vida, ou seja, pela sua cultura, um dos temas imanentes à saúde.

    Os termos culpabilização e culpabilização da vítima são atualmente muito difundidos. No entendimento de alguns, os sujeitos seriam responsáveis pela sua saúde e considerados culpados caso vivessem na ausência dela. Penso que enquanto não houver condições razoáveis para que as pessoas possam optar, o conceito de culpabilização da vítima é válido e verossímil.


Indefinição e formação

    A analogia que dá título a este trabalho procura ilustrar o quão complicado se torna abarcar todas as dimensões atinentes ao tema levantado. O número expressivo de artigos publicados reflete a importância e as diferentes interpretações possíveis, o que torna este objeto de estudo um tanto quanto subjetivo.

    Dentro da escola (referência aos estudantes) as imagens vistas neste caleidoscópio também são distintas. Isto é compreensível, já que as experiências anteriores também foram diferentes umas das outras e estas refletem boa parte de suas opiniões. Então, a escola tem como função mínima oferecer o maior número de imagens possíveis sobre este caleidoscópio, para que, aí sim seus "clientes" possam colocar em prática aquilo que mais se adequar à sua condição de vida.

    Como já deve ter ficado claro, definições de saúde passam longe do corpo deste artigo. Para resumir minha concepção, apóio-me no interessante entendimento que Schlain apud Capra (1988) tem sobre tal assunto:

Há três palavras para as quais não sabemos as definições. Uma é vida, outra é morte e a terceira é saúde [...] Todos nós sabemos o que é saúde, da mesma forma como sabemos o que é vida e o que é morte, mas ninguém consegue defini-la. Está além da linguagem definir esses três estados (p. 217).

    Acredito que a escola não deve trabalhar com concepções fechadas no que reporta ao tema medrado aqui. Os múltiplos entendimentos trazidos pelos estudantes devem ser considerados e tomados de base para que haja contato articulado com as ciências biológicas, humanas, exatas, políticas e sociais. Partindo deste pressuposto, os escolares têm a possibilidade de ampliar seus respectivos arcabouços teórico/prático acerca da indefinição saúde.

    Entretanto, enquanto muitos autores se esforçam para romper com a mono-discussão concernente a saúde, a escola ainda tende a ignorar a incorporação de significados que abranjam a multiplicidade de aspectos que a envolve, enfim, em sentidos polimorfos e polissêmicos.


Outra proposta

    Chega a ser redundante colocar que o esporte é o "carro chefe" de todos os conteúdos da Educação Física escolar, e, também não se discute que quando bem desenvolvido o mesmo tem enorme teor de auxílio na formação integral dos estudantes. O problema é que raramente o encontramos distribuídos/sistematizados de forma progressiva, o que culmina em reprises pouco produtivas e desestimulantes para o corpo discente.

    A grande pergunta a ser feita é a seguinte: será que os últimos anos da trajetória escolar dos estudantes poderiam ser destinados a questões que tangem à saúde?

    Para responder tal questão recorro a Nahas (2006): "Se, no Ensino Fundamental, a ênfase é o desenvolvimento motor e a iniciação esportiva, no Ensino Médio, a ênfase deve ser dada aos conteúdos e experiências sobre a atividade física, aptidão física e saúde" (p. 164).

    Partindo da premissa do autor, o 1º ano do Ensino Médio (justamente a turma atendida no estágio) seria um bom momento para a inserção destes assuntos. Sendo assim, as aulas teóricas e práticas que se deram ao longo do trimestre tiveram como desiderato à compreensão metodológica do desenvolvimento das qualidades físicas inerentes à saúde e suas respectivas repercussões fisiológicas. Em nenhum momento intentou-se fazer uso deste tempo/espaço para aprimorar a aptidão física das alunas, pois, não é função da escola "treinar corpos", e sim estimular, oferecendo todas as ferramentas possíveis e necessárias para que isto aconteça fora deste âmbito.

    Resguardado o contexto, ao que tudo indica algo semelhante é trabalhado em New South Wales e Victoria, os dois estados mais populosos da Austrália. Naquele, intitula-se a disciplina como "Desenvolvimento Pessoal, Saúde e Educação Física" e neste "Saúde e Educação Física" (Lupton, 2003). A título de exemplo, em Victoria há sete linhas de atuação que estão relacionadas (ao menos em discurso) e abrangem os onze anos do aprendizado escolar. Perfazem este currículo os assuntos: atividade física e comunidade, desenvolvimento humano, relações humanas, segurança, saúde de indivíduos e populações, população e alimento.

    No Brasil o tema saúde ainda não é abordado sistematicamente como é nestes dois estados australianos. Aqui, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), saúde é tema transversal, ou seja, não é conteúdo específico de nenhuma disciplina que compõe a escola. De maneira alguma espero que apenas uma disciplina "dê conta" deste trabalho, mas, a sistematização e a articulação dos sem números de possibilidades que o caleidoscópio-saúde nos proporciona, poderiam realmente acontecer, para que aí sim a transversalidade fosse algo contínuo, ininterrupto, e não ficasse a espera de ações isoladas.

    A Educação Física, a partir da cultura do movimento humano pode cumprir com apenas alguns itens do transverso saúde, pois é bem verdade que esta disciplina não é e nem pretende ser panacéia para as limitações atualmente presenciadas na escola.

    Contudo, acredito que o caráter intermitente e estanque deste tipo de ação acaba sendo pouco válido dentro de um espaço responsável por grande parte da formação dos estudantes. Propostas organizadas, como parecem ser a dos dois estados usados como exemplo, poderiam ser tomadas de base e adaptadas as diferentes realidades de cada região do Brasil.


Ponderações finais

    Como fora proposto ao longo deste artigo, definir saúde é, ao meu ver, discussão eterna. À medida que o tempo passa, descobrem-se mais fatores que possivelmente interferem neste estado, e, se enquadrados no que se denominou de cultura do movimento humano, tornam-se objetos de estudo da Educação Física escolar.

    A ênfase deste ensaio recaiu sobre a atividade física relacionada à saúde, justamente por apresentar conexão com o desenvolvido no período de estágio. O subjetivismo citado foi freqüentemente evidenciado neste espaço, tanto que as alunas, ao fazerem comentários sobre as aulas que visaram o entendimento do que são capacidades físicas, como podem ser aprimoradas e quais são as alterações fisiológicas que tais proporcionam, não foram nem um pouco unânimes em responder: "ah, eu gostei mais da parte de força e resistência muscular... como é que se diz... localizada", "o dia que eu mais gostei foi aquele que a gente fez flexibilidade" ou ainda "bah, eu não gostei de nada...coisa chata isso...eu prefiro jogá alguma coisa".

    Interessante colocar que quando questionadas sobre a importância das aulas, a resposta foi única e enfática: "é claro que estas aulas são as mais importantes" (referência às aulas teóricas e práticas sobre capacidades físicas e atividade física relacionada à saúde).

    É lógico que atitudes deste porte provavelmente produzirão poucos efeitos sobre os respectivos entendimentos que as pessoas têm sobre saúde. Entretanto, como já fora exposto anteriormente, a escola tem como função oferecer, neste caso, informações sobre a atividade física relacionada à saúde, e, sendo assim, os estudantes irão optar por aquilo que mais se adapta as suas condições.

    Procurando finalizar, mas de forma alguma pretendendo encerrar o debate sobre o assunto, questiono-me sobre a seguinte situação: nós, professores de Educação Física, devemos priorizar aquilo que os alunos sentem mais prazer em participar ou, o que eles mesmos identificam como "mais importante?"


Nota

  1. Grifo meu.


Referências bibliográficas

  • BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999.

  • CAPRA, Fritjof. Sabedoria Incomun. São Paulo. p. 217. Cultrix, 1988.

  • CARVALHO (2001), Yara Maria. Atividade Física e saúde: onde está e quem é o "sujeito" da relação? Revista brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 22, n. 2, p. 9 - 22, 2001.

  • DAOLIO, Jocimar. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas, Autores Associados, p.7, 2004.

  • FERREIRA, Marcos Santos. Aptidão física e saúde na Educação Física escolar: ampliando o enfoque. Revista brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 22, n 2, p. 41 - 52, 2001.

  • KUNZ, Elenor. Educação Física: Ensino & Mudanças. Ijuí: Unijuí, 1991.

  • LUPTON, Deborah. "Desenvolvendo - me por inteiro": cidadania, neoliberalismo e saúde contemporânea no currículo de Educação Física. Movimento: Revista da Escola de Educação Física. Porto Alegre, v. 9, n. 3, p. 11 - 31, 2003.

  • NAHAS, Marcus Vinicius. Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: Conceitos e Sugestões para um Estilo de Vida Ativo. 4ed. Londrina, p. 164, Midiograf, 2006.

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