Fragmentos da memória da dança do Rio Grande do Sul: a arte de João Luiz Rolla |
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*Graduanda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Educação Física (ESEF) - 7º semestre. **Professora do Departamento de Educação Física da UFRGS. Doutora em Educação. |
Cecília Elisa Kilpp* Silvana Vilodre Goellner** cecikilpp@yahoo.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 115 - Diciembre de 2007 |
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Introdução
O ballet, como uma manifestação artística, surge na Europa renascentista, na metade do século XIV cujo apogeu se dá com Luís XIV (o Rei Sol) que reinou, a França, entre 1643 a 1715. No Brasil, há registros de que o ballet clássico tenha chegado com a corte de Dom João VI, em 1808. No entanto, foi apenas em 1927 que, segundo Portinari (1989), se criou a primeira geração de profissionais de ballet e esta aconteceu na cidade do Rio de Janeiro. Integravam essa geração as bailarinas gaúchas Beatriz Consuelo e Eleonora Oliosi, que, posteriormente, atuarão junto com João Luiz Rolla em espetáculos encenados em Porto Alegre.
Nesta cidade as primeiras manifestações do ballet apareceram na década de 20, quando se deu a criação do "Instituto de Cultura Física" instaurado por Mina Black e Nenê Dreher Bercht. Neste Instituto foram formadas as bailarinas Lya Bastian Meyer e Tony Petzhold, ambas figuras centrais da história da dança no Rio Grande do Sul. Para melhor qualificar sua atuação estas bailarinas viajaram para a Alemanha sendo que Tony, ao retornar a Porto Alegre, funda sua escola em 1937, montando repertórios clássicos e modernos (DANTAS, 1999). É nesta época e, por intermédio de Tony Petzhold, que João Luiz Rolla iniciará sua trajetória da dança no Rio Grande do Sul, primeiro como bailarino e, posteriormente, como professor de dança. Em 1979, no jornal Correio do Povo, Rolla faz a seguinte afirmação: "Universalmente, os homens praticam a dança, assim como as mulheres. Entre nós (gaúchos), já há aceitação" (s/p).
Considerando essa breve explanação sobre o ballet e Porto Alegre, esta pesquisa objetiva narrar alguns fragmentos da história de um dos precursores do ballet clássico em Porto Alegre, o bailarino João Luis Rolla. Pretende, sobretudo, evidenciar a importância da sua atuação no cenário gaúcho marcado pela atuação de mulheres bailarinas e não de homens. Fundamenta-se numa abordagem histórica cujas fontes de pesquisa foram livros e reportagens referentes ao professor Rolla bem como seu acervo pessoal que está guardado no Centro de memória do Esporte da Escola de Educação Física da Universidade federal do Rio Grande do Sul. Neste acervo foram pesquisados documentos como: programas de espetáculos, material informativo da escola de dança de João Luis Rolla, anotações e documentos pessoais, reportagens de jornal, fotografias, materiais afetos a dança no Rio Grande do Sul.
O ballet é uma atividade bastante comum de ser praticada por mulheres, sendo poucos os homens que se dedicam a esta dança. Por essa razão, de uma maneira em geral, as pesquisas históricas sobre dança acabam enfatizando a figura feminina do ballet. João Luiz Rolla foi um dos precursores do ballet no Rio Grande do Sul e, junto com outras colegas mulheres, colaborou muito no desenvolvimento e na divulgação desta arte que, gradativamente, foi conquistando muitos adeptos. Ainda que a atuação destas mulheres seja fundamental para a estruturação da dança no Estado, vale lembrar que, desde 1939, João Luiz Rolla já atuava nesse mesmo espaço marcando, com sua história, a trajetória da dança no Rio Grande do Sul.
Um homem na dança clássica gaúchaJoão Luiz Rolla nasceu no dia vinte e cinco de junho de 1912, em Porto Alegre, filho de Leopoldo Rolla e Izabel Rolla, caçula entre dez irmãos. Desde jovem tinha interesse por esportes e, na década de 30, participava de campeonatos de atletismo onde disputava, pelo Sport Club Internacional, provas de corrida na modalidade 110 metros com barreira. Além do atletismo, sempre demonstrou interesse pela dança e pelo ballet, pois assistia a muitas apresentações artísticas com seus pais. Nesta época, os bailes serviam para os jovens rapazes se exibirem para as moças, mostrando seus dotes na dança, e Rolla aproveitava para mostrar seu talento, que sempre foi visível.
Em 1939, aos seus vinte e sete anos, competia pelo seu clube esportivo, quando uma expectadora, coincidentemente uma das precursoras do ballet no Rio Grando do Sul a Professora Antônia Seitz Petzhold (chamada por todos de Tony) o observava. No final do campeonato, então, foi lhe convidar para fazer parte de seu grupo de dança na sua escola (MEIRELES & MANTELLI, 1989). Daí em diante, se dedicou ao máximo para aprender o ballet na Escola de Tony e nunca mais deixou a dança. "A dança estava no meu sangue" (ROLLA, 1979, s.p).
Nesta época em que havia iniciado sua carreira de bailarino, o ballet estava começando a surgir no Estado, havendo apenas duas academias de dança significativas em Porto Alegre, que eram a "Escola de Bailados Clássicos Tony Seitz Petzhold" e a "Escola de Lia Bastian Meyer". Rolla iniciou seus estudos na Escola de Tony, sendo um dos poucos homens e, às vezes, o único a fazer parte do elenco de bailarinos. Nesta Escola começou a fazer aulas básicas sobre ballet demonstrando, desde então, possuía talento para esta arte. A professora Tony dizia que Rolla era um aluno aplicado e que assistia a todas as aulas que podia, inclusive de diferentes níveis técnicos, para adquirir os conhecimentos necessários no menor tempo possível para começar logo a se apresentar como um bailarino profissional já que, naquela época, os homens não atuavam ativamente como bailarinos em Porto Alegre. Havia uma certa repressão em relação à homens bailarinos, pois este tipo de atividade não demonstrava o "machismo" que os pais impunham aos seus filhos homens (MEIRELES & MANTELLI, 1989).
Quando Rolla adquiriu experiência necessária para ser bailarino, foi partnaire de sua professora Tony Petzhold, e de suas colegas: Beatriz Consuelo, Taís Virmond e Eleonora Oliosi, e muitas outras que passaram pela escola e em diversas coreografias criadas e recriadas. Em sua estréia como bailarino, no ano de 1939 (mesmo ano que começou a dançar o ballet), atuou no clássico "A Bela Adormecida" (FREIRE, 2005a), um ballet de repertório do ano de 1890 que fez muito sucesso pelo mundo e foi recriado várias vezes desde sua estréia.
Depois de algum tempo, Rolla passou a ser assistente na Escola de Tony Petzhold, ministrando aulas numa turma preparatória, iniciando, assim, o papel de instrutor/professor, que era uma das possibilidades de sua carreira, além de ser bailarino profissional.
Porto Alegre vinha crescendo em número e diversidade cultural, construindo mais teatros, mais escolas de dança, principalmente de ballet. Apesar desse crescimento, o mercado de trabalho para os bailarinos homens estava na mesma situação, ou seja, não oferecia oportunidade profissional para quem quisesse viver da dança; apenas algumas apresentações nas escolas de ballet que existiam na cidade (FREIRE, 2005b). Apesar do desejo de atuar artisticamente, Rolla tinha medo de largar o emprego na área do comércio e, então, seguir carreira profissional no Rio de Janeiro, São Paulo ou mesmo na Europa, como a maioria dos grandes bailarinos fazia. Mesmo tendo se dedicado à arte em Porto Alegre e contribuído para o desenvolvimento cultural da cidade, Rolla se arrependeu de não ter completado seu sonho de se tornar bailarino profissional (FREIRE, 2005a).
Para Rolla se tornar professor, sabia que precisava conhecer muito sobre o que envolvia uma Escola de ballet, e não só transmitir seus conhecimentos de dança. Por isto, aprofundou conhecimentos sobre música, cenário, iluminação, maquiagem, figurinos e coreografia. Neste período, como consta em Opção (1976), não havia muitos cursos em Porto Alegre com condições de oferecer tais conhecimentos e os cursos oferecidos não traziam a formação completa. Portanto, Rolla buscou a formação em outros centros fazendo cursos em Buenos Aires, Montevidéu e Rio de Janeiro; e, assim, trouxe influências de grandes mestres como Vaslav Veltschek, Otto Werberge, Roger Fennjois e Boroswski de Buenos Aires (ZATAR, 1954, p 10-11).
Em 23 de fevereiro de 1951 fundou sua própria Escola de ballet, localizada, na época, na Rua Alberto Bins, número 784, 2º andar, no centro da cidade de Porto Alegre (FREIRE, 2005a). Nos primeiros anos de atividade, a Escola era humilde e pouco adequada, pois a sala era pequena e não havia barras para as alunas treinar, então, elas seguravam em encostos de cadeiras (BALDI, 1999). Mesmo assim, não era pouca a procura. O mestre Rolla dizia que esperava no máximo 30 alunos a princípio, mas se deparou com quase 90 crianças querendo adquirir seus ensinamentos (ROLLA, 1979, s.p).
Nesta época, Rolla sentia-se apto para ser professor de ballet, tendo adquirido experiência suficiente para transmitir esta arte e todas as qualidades que buscou aprimorar ao longo de sua formação como bailarino e coreógrafo. Em um folder de divulgação da sua escola, na propaganda sobre os espetáculos que seriam apresentados pode-se ler a seguinte afirmação: "o clássico, o característico, o moderno, o folclórico, além do curso infantil" (s/ data, Acervo CEME-ESEF/UFRGS). Essas eram as abordagens da dança que Rolla queria proporcionar na sua escola. Mesmo que apreciasse muito o moderno, ele sabia que o "expressionismo não enfraqueceria o ballet acadêmico, pois para ele esta era a base, de onde buscar elegância, postura, equilíbrio" (ZATAR, 1954, p 10-11).
Rolla dedicou-se essencialmente à arte do ballet no ensino e elaboração de coreografias, fazendo com que sua escola se singularizasse pela boa iniciação, disciplina e criatividade. Plasticidade, teatralidade, desenho, cor, invenção e inquietação, fizeram de Rolla uma presença criativa e instigante. Mesmo nos ballets clássicos de repertório como "Copélia" e "Quebra-nozes", Rolla dava seu toque, sua criação pessoal nas apresentações, acrescentando mais teatralidade e modernidade. "Ele foi um dos primeiros a introduzir a dança moderna e também lançar o curso de jazz dentro de sua escola" (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p. 25 e 33). Em uma reportagem de Zatar (1954), Rolla dizia: "O bailado tem sentido altamente formativo. Desenvolve o sentido estético, atinge o espírito, forma o caráter, tem, portanto, influência na formação da personalidade" (p. 10).
Segundo Meireles e Mantelli (1989), o mestre Rolla era muito distinto, não só no atendimento aos alunos, mas também na distribuição de papéis em seus ballets, que sabia escolher de acordo com o temperamento e técnica de cada um, avaliando sua evolução na dança e seu crescimento como pessoa. A pianista Luiza Amália Leite Pereira, que acompanhou as aulas tocando piano por 13 anos, observava bem estes detalhes, além de Cecy Oliveira de Souza, pianista que também trabalhou por 25 anos com Rolla.
Com o crescimento de sua escola, Rolla lecionava somente para as alunas mais adiantadas e as iniciantes tinham aulas com alunas que se destacavam nestas classes avançadas. Portanto, as menores o viam como um professor nervoso e bravo, que só visitava a classe delas para corrigir a postura e mandar se esforçar mais. Para alunas mais velhas, esta era uma imagem turva, pois ele era mais técnico e mais sério, além de ser sempre elegante e educado; ensinava o respeito, a disciplina e a hierarquia, o respeito pela arte, pelos outros e pelo potencial de cada um. Quando queria alguma coisa, Rolla, tinha dedicação interminável. Mesmo com a visão fraca, devido à miopia que contraiu com os anos, ele não perdia um pé fora do lugar e exigia o máximo de cada uma de suas alunas. Era, também, vaidoso e sempre tirava seus óculos para dançar, fazendo com que, uma vez, quase caísse no poço da orquestra no Teatro São Pedro, como rememora, Cattani, estilista e artista plástico que trabalhou junto com Rolla (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p. 19).
Desde o início de sua carreira como professor, Rolla utilizava uma varinha para fazer correções na postura das meninas. Muitas daquelas que são profissionais do ballet passaram pela "varinha" de Rolla. Algumas alunas não se queixavam, outras sim. Maria Waleska Van Helden, que hoje é coordenadora do grupo Dança Alegrete, foi aluna de Rolla e considerava a varinha como um objeto mágico, pois assim mostrava que estava prestando atenção nas alunas (BALDI, 1999). Tânia Heloisa de Araújo Arigony, que também foi sua aluna, dizia que Rolla era ranzinza e batia com a vara na barra e não nas meninas, mas botava todas pra correr quando ele queria. Lenita Ruschel Pereira, dizia que suas alunas "comentavam que o Rolla batia com a vara nas pernas das crianças" (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p 62), porém para ela não era isto que acontecia.
O que acontecia era que ele, por ser homem, não tocava nas pernas das meninas. Era uma gentileza que ele fazia e elas levavam para o lado de apanhar. Ele era muito exigente, reclamava e brigava com as mães. Isso ele sempre foi, mas jamais foi indelicado com pessoa alguma e muito menos bateu com vara em alguém (Idem, p. 70).
O fato da varinha existir é verdadeiro, mas a maneira que ele a utilizava apresenta diferentes versões, pois, a partir destes depoimentos, é possível perceber que Rolla usava de maneira distinta com cada aluna que passava por suas mãos.
De 1951 a 1958, parou de dançar profissionalmente, somente dançava pela sua escola, além de dedicar-se a atividade de coreógrafo e mestre. O último espetáculo que o bailarino atuou foi "Burlesco", de Bela Bartok, em 1957 com 45 anos (BALDI, 1999). Em novembro deste mesmo ano, seus alunos prestaram-lhe uma homenagem com uma placa de bronze no Teatro São Pedro: "A João Luiz Rolla mestre e idealista, pela sua valiosa contribuição a engrandecimento do ballet, homenagem de seus alunos" (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p. 18).
Meireles e Mantelli (1989) relatam que a Escola de Rolla se apresentou em várias casas de shows, como o Teatro São Pedro, o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Gande do Sul, o Auditório do Palácio Farroupilha, além do Auditório Araújo Vianna.
O primeiro espetáculo da sua escola foi em setembro de 1951, com apresentação oficial no Teatro São Pedro. No programa estavam incluídos ballets de repertório, como "Polca Mazurca", de C. Faust (Copélia) e "Valsa das Flores (facilitada)" de Peter Tschaikowski (Quebra-nozes). Além destes, os ballets solados por Rolla como, por exemplo, "Requinte" de William Byrd, e "Um cavalheiro alegre" de Franz Schubert. Também incluído no programa estava um ballet solado por uma aluna, Iria M. Cardoso, com "Tema e variações" de Fr. Hünten, além de várias outras coreografias tocadas ao piano pela Prof. Elisa Mallet Zimpeck.
Durante toda esta década de 50, a Escola de Rolla fez 15 apresentações, contando com a apresentação de final de ano que era realizada para mostrar o seu trabalho e o aprendizado das alunas para a comunidade, especialmente familiares. No ano de 1954 foi apenas uma apresentação, sendo que nos anos subsequentes foram duas. A maioria destas apresentações aconteceu no Teatro São Pedro, sendo uma no Círculo Social Israelita. Dentre as coreografias mais famosas estão "Papillons" (Schumann), solada por Rolla e pás de deux com Rosa Maria e também Mariza, ambas alunas suas; "Grandiosidade da Morte" (Cramer); "Sugestões Diabólicas" (Prokofieff) solada por Rolla; "Aparições" (Liszt), apresentada por J.L. Rolla, Manon Freire (aluna), Antonio Brigoni e Souvarine Louniev (estes discípulo e professor, respectivamente); "Estudo Póstumo em Fá menor" (Homenagem a Chopin); "Burlesco" Bela Bartok, argumento e coreografia de Rolla; e "Grand Canyon Suíte" Ferde Grofê, além de várias coreografias da classe infantil.
Os espetáculos da Escola de Rolla sempre apresentavam muito luxo nos figurinos e nos cenários inovadores, demonstrando a capacidade profissional do mestre, na dança acadêmica e na dança moderna. O mestre Rolla jamais fez apenas coreografias em sua escola; fazia cenários, figurinos, iluminação, intrometia-se em tudo, palpitava à vontade. Ele era muito severo na disciplina, não permitia que nenhuma aluna chegasse ao espetáculo com a sapatilha diferente, tudo tinha que ser do mesmo tamanho. Ele exigia dois ensaios: um sem as fantasias e um ensaio geral de toda a escola, com fantasia, maquilagem, iluminação e tudo que completava o espetáculo para que nada saísse errado. (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p. 16, 19).
As obras criadas por Rolla marcaram o estilo gaúcho no ballet. Dentre as mais importantes estão "Burlesco", de 1956, onde Rolla utilizou, pela primeira vez, um cenário feito de madeira e não de papel, montou uma escada com três degraus e inovou no figurino, criando um ambiente moderno e cinematográfico. Em 1958, usou efeitos especiais em "Grand Canyon Suite", onde Gofé desenvolveu o jazz-sinfônico, uma novidade para o ballet no Rio Grande do Sul. O ballet "Assassinato na 10ª avenida" foi um dos seus trabalhos que mostra o seu avanço no tempo, pois ele transformou, naquela época, suas alunas adolescentes, de família, em mulheres da vida conduzindo um trabalho de êxito mesmo com a dificuldade. "Nos sentimos noviças rebeldes", disse Sirlei di Bernardi, sua aluna, citada por Meireles e Mantelli (1989, p 83). De acordo com Zatar (1954), "Pappillons" foi um dos luxuosos trabalhos de ponta, estilo romântico, com 12 motivos coreográficos, com pas de deux, solos, pas de trois e corpo de baile. E o ballet "2001 - Uma Experiência pelas Fronteiras sem Fim da Dança", criado em 1969, ano em que o homem chegou a Lua e o cinema filmou 2001, "Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, sendo a coreografia que Rolla mais se inspirou. "Meu balé, no entanto, nada tem a ver com o tema desse filme clássico. Uso apenas como sugestão algumas das músicas que constam na trilha sonora de '2001-Uma Odisséia no Espaço'" (ROLLA apud CORREIO DO POVO, 1979, s/p).
Os espetáculos da Escola de Rolla chegaram a ser assistidos por 4 mil pessoas em uma só noite. De acordo com Rolla (1976), "O 2001, teve um público de 14 mil pessoas contando duas apresentações no Auditório Araújo Vianna e seis no Teatro São Pedro" (s.p).
Para Meireles e Mantelli (1989, p 30), várias mães de alunas ajudavam a costurar as malhas e fantasias das meninas, ás vezes para isentar o pagamento da mesma. Gladis Carvalho Bernardes foi uma delas e costurou para ele por mais ou menos 4 anos. Foi ela quem fez a capa do ballet "Burlesco", de 1956, que Rolla usou e marcou a coreografia, dando um grande efeito em cena. Gladis relata que ele nunca dizia exatamente como queria, somente demonstrava e expressava com gestos a maneira que tinha que ser feita, e no final ficava exatamente como ele queria. Se não estivesse, ele mandava desmanchar e refazer tudo novamente.
Por volta de 1958 a 1961, o sonoplasta Paulo Silveira Prunes (também pai de aluna), fez som nos espetáculos para o mestre Rolla quando a Escola estava funcionando na Rua Bragança, hoje Mal. Floriano. Nunca foi assalariado, porém fazia por gosto, assim como vários outros profissionais e amigos.
Eu ficava de um lado e Rolla do outro do palco, assim ele ficava de frente pra mim. De lá, ele me fazia um sinal em código, para levantar ou baixar o volume, ligar, parar, etc. Assim ele me controlava. Um dia ele não estava no outro lado e me deixou sem sinalização. Ele tinha ido atender uma menina que estava mal colocada e então o som não começou. Ele ficou furioso comigo que eu não tinha começado a música! (PRUNES apud MEIRELES & MANTELLI, 1989, p. 30).
Alguns anos mais tarde, por volta de 1965, a Escola de Rolla passou a funcionar no auditório Araújo Vianna, onde se manteve por mais de 20 anos (FREIRE, 2005a). Também neste ano, Rolla inovava no cenário da dança no Rio Grande do Sul utilizando o trabalho de artistas cênicos em seus espetáculos. Segundo Meireles e Mantelli (1989, p.39), um deles foi David Camargo, junto com outros atores tiveram a oportunidade de participar de algumas apresentações de sua escola, como "O Assassinato na 10ª avenida", "A dança em quatro tempos", "Festa na Aldeia", "Os Saltimbancos na aldeia" e "I Pagliacci".
Todas as escolas de ballet de Porto Alegre realizavam seus espetáculos no final do ano, mostrando crianças de talento pisando pela primeira vez num palco, aplaudidos pelo professor e pelos familiares, além de alguns cidadãos que admiravam a expressão artística da cidade (Opção, 1976). Rolla, citado em Meireles e Mantelli (1989, p 15), era dos mais assíduos na informação e no entusiasmo com que preparava seus espetáculos, sobretudo os de fim de ano.
O professor Rolla atuou como mestre de expoentes internacionais do ballet atual e como agente formador de inúmeros outros mestres do ballet do Rio Grande do Sul, como Sayonara Pereira (bailarina), Rubem Barbot (bailarino), Lenita Ruschel Pereira (professora de dança), Isabel Beltrão Brandão (diretora artística do Studio Redenção), Maria Cristina Pizoli Futuro (professora de dança e aluna de Rolla por 14 anos), Erenita Parmegiani Teixeira, Manom Freire Giorgio, Maria aparecida Agustoni Silva, Vera Bublitz (professoras de dança), além de muitos outros1. Promoveu a dança no Estado atingindo, através de um trabalho recompensador, várias gerações de crianças, jovens e adultos. O cansaço e a exaustão foram irrelevantes diante do retorno que alcançou como professor, coreógrafo e criador, e do caminho que abriu para os homens na dança no cenário gaúcho. (ROLLA, 1979, s.p).
A Escola de Ballet Gutierres é fruto deste trabalho do mestre Rolla, pois suas diretoras, Elizabeth Gutierres Etges, Beatriz Gutierres Paneck e Ligia Gutierres da Silva, se formaram no curso de "Ballet Acadêmico", em 1967, após 9 anos dançando pela escola de Rolla,
No ano de 1974, é formado o Grupo Experimental de Dança, filiado à Associação dos professores de Dança do Rio Grande do Sul, criada em 1969, da qual Rolla fazia parte e que oferecia cursos de extensão para a formação de bailarinos, professores e coreógrafos. Foi criado com a intenção de ter um grupo estável de ballet, que não só aprimorasse o conhecimento de seus integrantes, mas que despertasse um movimento de melhorias nas condições para a abertura de mercado de trabalho inexistentes para aqueles que pretendem se tornar profissionais. O grupo foi formado por professores de Porto Alegre, Farroupilha, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Santa Maria. Não recebia remuneração e seu primeiro espetáculo foi em novembro de 1974, que serviu de estímulo para que o grupo continuasse na divulgação da sua arte. Os componentes do grupo na época eram: Regina Guimarães, Eneida Dreher, Ana Maria Mondini, Carlota Albuquerque, Ana Lúcia Medaglia, Sheila Silva, Josaura de Jesus, Heloísa Peres, Marilene Reis e Sidio Abel Trindade (único homem).
No grupo, a dança contemporânea contrastava com a clássico-romântica, a folclórica e a expressionista e incorporava elementos da expressão corporal e da ginástica, além de criatividade e ruptura com o geometrismo e formalismo das danças acadêmicas (OBINO, 1975, p 8).
De acordo com Obino (1976, s/p), no ano de 1976, o Grupo Experimental completava dois anos de existência e era coordenado por Tony S. Petzhold. Neste ano, a coreografia "Divertimento nº1", criada por Rolla, com música de Agda Skjerne e variações de Regina Guimarães e Scheyla Silva, fez parte do programa de apresentações além de outras, como "Funeral de um Lavrador", também de Rolla, que não foi apresentada.
Rolla e sua escola às vezes não tinham recursos necessários para fazer suas montagens; apesar de terem o patrocínio da Divisão de Cultura do Estado. Ele sempre foi muito honesto e fazia espetáculos para o povo, cobrando o mínimo que fosse possível para que a sua arte fosse transmitida para todas as classes sociais (MEIRELES & MANTELLI, 1989, pág. 20).
O mestre Rolla sempre procurava assistir todos espetáculos vindos de fora da cidade para aprender e aplaudir. "Rolla assistia aos meus espetáculos e de outros também, sempre levando seu abraço amigo que transmitia um apreço, a vontade de falar: continue!", palavras de Vera Bublitz, reconhecida professora de dança. Mesmo quando recebia um convite para participar de um espetáculo, ele fazia questão de pagar o seu e doava para algum amigo ou aluna o que havia ganhado (MEIRELES & MANTELLI, 1989).
Ao comemorar 40 anos de dedicação ao ballet, em 1979 , João Luiz Rolla, apresentou no Auditório do Palácio Farroupilha, a sua escola de ballet. Segundo Obino (1979, s/p), o ápice da Escola coube à reposição de "2001 - Uma Experiência pelas Fronteiras sem Fim da Dança", a máxima criação de Rolla há uma década, quando revolucionou o movimento coreográfico de Porto Alegre.
No ano de 1981, nos dias 30 e 31 de março, a Associação de Dança do Rio Grande do Sul promoveu o "Encontro Juvenil de Escolas de Dança" no Auditório da Assembléia Legislativa, no qual o mestre Rolla foi professor participante, envolvendo o público do evento com seus ballets clássicos apresentados em ambos os dias.
Quando Rolla fechou sua Escola, deixou um Grupo profissional: o Ballet de Câmara de Porto Alegre e o Grupo Regina Guimarães que foram muito importantes para a continuação do desenvolvimento desta arte no estado (MEIRELES & MANTELLI, 1989). Este grupo (Ballet de Câmara) formou-se no início de 1982, tendo 11 bailarinos (2 homens e 9 mulheres) com idade entre 18 e 25 anos, todos formados na Escola de Dança João Luiz Rolla (HOJE, 1982). Os componentes do ballet de Câmara do Sul eram: André Muller, Clarissa Giacomoni, Claudia Fernandes, Diana Finco, Elisa Fonseca, Laura Guimarães, Macia Lima, Marisa Buarque, Simone Leon, Tânia Bauman, Felipe Oliveira e Marcelo Lomando.
O grupo estreou nos palcos do Auditório da Assembléia, com direção de Regina Guimarães e coreografias do mestre Rolla, além de Ricardo Ordoñez (espanhol), o qual ministrou o curso de aperfeiçoamento dos bailarinos. O grupo manteve a simplicidade coreográfica, porém com bom gosto nas escolhas visuais e seleção de músicas. De acordo com o jornal Zero Hora (1983), o programa foi aberto com uma música de Chopin coreografada por João Luiz Rolla; dança harmonizada pela sonoridade de Chopin e pelas bonitas composições de figura salientando os movimentos românticos. Além das coreografias de Rolla, integrantes do grupo também criavam coreografias.
No ano de 1988, o mestre Rolla recebeu o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, e em 1989 foi lançado um livro chamado "Trajetória de uma sapatilha", organizado por Rudy Meireles e Gladis Mantelli ao completar 50 anos de dedicação à arte do ballet, sendo que o conteúdo são depoimentos de amigos, jornalistas e artistas.
Com 50 anos de dança, em 1989, Rolla recebeu da Câmara de Vereadores de Porto Alegre o Troféu Quorpo Santo, em uma noite especial no Museu de Arte do Rio Grande do sul, segundo conta seu amigo professor, jornalista e crítico, Aldo Obino (MEIRELES & MANTELLI, 1989, pág 11). Este mesmo ano foi aquele que "Rolla deixou de ministrar aulas" (MEIRELES & MANTELLI, 1989, p 64).
Nos últimos dias de sua vida, o mestre Rolla viveu em um asilo, sozinho e abandonado, imaginando que em algum dia sua história fosse contada e reconhecida no seu Estado tornando-se, talvez, um fragmento memória da dança no Rio Grande do Sul.
É isso, de certa forma, que me levou a escrever este texto, propondo uma reconstrução da fragmentada memória da dança deste que seria o primeiro homem bailarino no estado, a trajetória de João Luiz Rolla num cenário avesso a esta participação.
Notas
Acervo histórico de João Luiz Rolla doado ao CEME (Centro de Memórias do Esporte) na Escola Superior de Educação Física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Referências
BALDI, Neila. E a dança agonizou num asilo. Porto Alegre: Revista Extra Classe, 1999. Ano 4. n°31.
Disponível em: www.sinpro-rs.org.br/extra/mai99/memoria.htm. Acesso em: 17 de agosto de 2005.DANÇA, reflexo das emoções. Zero Hora, Porto Alegre, 24 de jul. de 1975. ZH Variedades, capa, p. 1. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
DANTAS, Mônica. Dança: o enigma do movimento. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 1999. 126p.
FREIRE, Ana Luiza. Memória: João Luiz Rolla. Porto Alegre: Revista Digital IDance, s/ ano. Disponível em: www.idance.com.br. Acesso em: 10 de agosto de 2005.
FREIRE, Ana Luiza. A geografia da dança: O movimento de institucionalização em quase cinco décadas de história. Porto Alegre: Revista Digital IDance, s/ ano.
Disponível em: www.idance.com.br. Acesso em: 5 de setembro de 2005.HOJE apresentação do Ballet de Câmara do Sul. Pioneiro, Caxias do Sul, 29 de dez. de 1982. p. 16. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
MEIRELLES, Rudy & MANTELLI, Gladis (Orgs.). Trajetória de uma sapatilha: 50 anos de Dança de João Luiz Rolla. Porto Alegre: Nova Prova Gráfica e Ed.,1989. 90 p.
OBINO, Aldo. Grupo Experimental de Dança. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 de jul. de 1975. Folha da Tarde. p. 8. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
OBINO, Aldo. Grupo Experimental de Dança. Correio do Povo. Porto Alegre, 1º de out. de 1976. s/p. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
OBINO, Aldo. Correio do Povo, Porto Alegre, 21 de nov. de 1979. p. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
OPÇÃO: apresentações anuais das escolas. Zero Hora, Porto Alegre, 7 nov. 1976. Revista ZH, p. 7. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. 304p.
ROLLA comemora 40 anos de ballet remontando coreografia de "2001". Correio do Povo, Porto Alegre, 17 nov. 1979. s/p. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
ZATAR, Mathilde. O ballet é o espetáculo deslumbrante aos olhos do espírito. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 set. 1954. p. 10 e 11. (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
ZERO HORA, Porto Alegre, 27 de out. de 1983. Segundo Caderno. s/p (Acervo CEME-ESEF/UFRGS).
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digital · Año 12
· N° 115 | Buenos Aires,
Diciembre 2007 |