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O segundo platô da variabilidade da freqüência
cardíaca indica o segundo limiar de transição fisiológica?

   
*Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.
**Universidade Bandeirante de São Paulo.
***Laboratório de Estudos do Movimento Humano - Universidade Federal de Lavras.
****Faculdade de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora.
(Brasil)
 
 
Cesar Cavinato Cal Abad* ** | Ronaldo Vilela Barros*  
Fernando Roberto de Oliveira*** | Jorge Roberto Perrout de Lima****  
Benedito Pereira* | Maria Augusta Peduti D'Al Molin Kiss*
cavinato@usp.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Os limiares de transição fisiológica são úteis para avaliação e prescrição do treinamento aeróbio, sendo que, na maior parte dos serviços de avaliação, precisam ser identificados de uma forma simplificada e menos custosa. O objetivo do estudo é propor a detecção do segundo limiar de transição (L2) pela variabilidade da freqüência cardíaca (L2VFC). Onze jogadores de futebol (18,4 ± 1,0 anos e 9,8 ± 1,3% de gordura) realizaram teste em esteira ergométrica horizontal (Quinton®) e alcançaram velocidade máxima (Vmáx) de 16,3 ± 1,2 km.h-1, freqüência cardíaca máxima de 183 ± 4 bpm. Comparou-se o L2VFC com o ponto de deflexão da freqüência cardíaca (L2FC) (método Dmáx) e não houve diferença significativa (p<0,05) entre eles. A estimativa do L2FC por meio do L2VFC tem um erro padrão de 1,1 km.h-1, sendo razoável especular que a utilização da VFC pode ser uma alternativa para detecção do L2.
    Unitermos: Teste progressivo. Limiares metabólicos. Freqüência cardíaca. Plotagem de Poincaré.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 114 - Noviembre de 2007

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Introdução

    Diversos pesquisadores buscaram detectar respostas fisiológicas que indicassem o tipo de metabolismo predominante em diversas atividades1-3. Descobriu-se que dependendo da intensidade e da duração do exercício, uma e/ou outra via metabólica pode(m) atuar com maior ou menor predominância, e embora diversos autores denominem os mesmos fenômenos fisiológicos de maneiras diferentes, parece haver um consenso que, em exercícios com cargas crescentes de trabalho, existem duas faixas de transição ou dois limiares4-8. Com o aumento do conhecimento, o avanço tecnológico e a disponibilidade de equipamentos, surgiram diversos meios e métodos para identificação destes limiares. Entre eles a observação de variáveis ventilatórias9-10, a análise da concentração de lactato sangüíneo ([La])11-12, da glicemia13, de amônia14, da observação do comportamento da freqüência cardíaca15-18, entre outros.

    Mas, se por um lado, a variedade de métodos trouxe sua contribuição, por outro, causou certa confusão na literatura. Diferentes autores denominaram os mesmos fenômenos fisiológicos de diferentes maneiras ou denominaram diferentes fenômenos com a mesma nomenclatura. Além deste problema conceitual, devido à necessidade de equipamentos, utilização de equações matemáticas, dispêndio financeiro, subjetividade e/ou mão-de-obra especializada, o acesso à identificação dos limiares se tornou muitas vezes impossibilitado, principalmente do ponto de vista prático.

    Deste modo, ainda há necessidade de investigar formas de identificação dos limiares que sejam economicamente menos dispendiosas e mais simplificadas.

    Um dos primeiros estudos feitos com objetivo de simplificar e tornar mais acessível a identificação do segundo limiar (L2), foi realizado por Conconi et al.15, que analisaram o comportamento da freqüência cardíaca (FC), em teste progressivo, em pista, identificando um Ponto de Deflexão da FC (PDFC). Apesar de muitas críticas19-20, este método tem sido aplicado em diversas situações16-18.

    Nos últimos anos, além da FC, aumentaram também os estudos relacionados à sua variabilidade, não só em repouso, mas também durante o exercício21-26. A variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) é definida como a variação no tempo entre os batimentos cardíacos27-28 e é um indicador não-invasivo do controle autonômico29-30. A atividade parassimpática do sistema nervoso autônomo sobre o coração pode ser calculada no domínio do tempo ou da freqüência; realizada de diferentes formas31 e utilizada em muitas situações como, por exemplo, parto, doenças crônico-degenerativas, treinamento físico, entre outros.

    Alonso et al. (1998) e Oliveira & Kokubun (2001), verificaram o comportamento da VFC em testes progressivos por estágios, com diferentes protocolos, aplicados a diferentes amostras e observaram decréscimo consistente da VFC, do início do teste até o primeiro limiar (L1). Lima & Kiss (1999) verificaram o comportamento da VFC, calculada no domínio do tempo pela plotagem de Poincaré (SD1), e afirmam que a VFC, a partir do L1, tende a um platô com valores próximos a três ms. Os autores denominaram este ponto de limiar de VFC (LiVFC), verificando coincidência deste platô com o primeiro limiar de lactato (LiLac).

    A Figura 1 mostra o comportamento da VFC em um teste progressivo por estágios que pode ser dividida em três regiões facilmente identificáveis: 1) decréscimo inicial; 2) primeiro platô; e 3) segundo platô. Deste modo, seguindo a idéia de três domínios do exercício (moderado, intenso e severo), conforme propõem Gaesser & Poole (1996), pode-se supor que estas três fases correspondam a estes domínios e que a transição entre elas coincida com os limiares metabólicos.

    A possibilidade de identificação do L1 no início do primeiro platô da VFC está reconhecida na literatura34,36, mas a identificação do L2 pelo segundo platô da VFC, identificada a partir da medida de SD1, ainda não foi investigada. O objetivo deste trabalho foi testar a hipótese de que o início do segundo platô da VFC, durante um teste progressivo por estágios é coincidente com a ocorrência do L2, quando identificado pelo método Dmáx proposto por Kara et al. (1996).


Material e métodos

Sujeitos

    A amostra constituiu-se de 11 jogadores de futebol masculino da categoria juvenil. Após serem esclarecidos sobre os propósitos das medidas; do teste e da assinatura do termo de consentimento informado, os indivíduos se submeteram à anamnese clínica e à avaliação médica.

    Foram realizadas as medidas antropométricas de massa corporal (balança Filizola® com precisão de 0,001kg), estatura (estadiômetro) e dobras cutâneas (tríceps, subescapular, suprailíaca, abdominal, coxa e perna - plicômetro Cescorf®), seguindo a padronização proposta por Lohman, Roche, Martorell (1988). O percentual de gordura (%G) foi estimado pelo método duplamente indireto, utilizando-se a equação generalizada para estimativa da densidade corporal (DC) proposta por Jackson e Pollock (1978) e após a determinação da DC, utilizou-se à equação para estimativa do %G proposta por Siri (1961).


Procedimento experimental

    Após os procedimentos iniciais, os voluntários foram submetidos a um protocolo progressivo por estágio, em esteira ergométrica (Quinton®), horizontal, com velocidade inicial de 7 km.h-1 e incrementos de 1,4 km.h-1 a cada minuto, até a exaustão. O registro dos valores de FC e da VFC foi feito a cada 10 s pelo cardiofreqüencímetro Vantage NV (Polar®), cuja validade e reprodutibilidade estão experimentalmente sustentadas27,40-42.

    As curvas individuais de FC foram construídas utilizando-se a média dos dois últimos valores da carga (i.e. dos 50 e 60 s) e para as curvas individuais de VFC, utilizou-se a média da carga (i.e. média dos 10, 20, 30, 40, 50 e 60s de cada carga) dos valores de SD1.


Identificação dos limiares de transição

    O L2 foi identificado pelo ponto de deflexão da freqüência cardíaca (L2FC) e pela transição do primeiro para o segundo platô da curva de VFC (L2VFC). O L2FC foi identificado pelo método Dmáx proposto por Kara et al. (1996) que consiste em: (1) ajuste quadrático da curva de FC em função da velocidade; (2) ajuste linear unindo os valores acima de 140-150 bpm à freqüência cardíaca máxima (FCmáx); e (3) identificação do ponto que apresenta a maior distância entre os dois ajustes. Adotou-se, como critério, para identificação do L2VFC, a primeira carga, na qual a média fosse inferior a 2 ms.


Tratamento estatístico

    Os dados foram descritos por média e desvio padrão (m ± dp). Para testar a hipótese de igualdade entre o L2FC e L2VFC, foi utilizado o teste "t" de Student para dados pareados e a análise de regressão (p < 0,05).


Resultados

    Os indivíduos apresentaram idade de 18,4 ± 1,0 anos; massa corporal de 68,5 ± 5,6 kg; estatura de 173,1 ± 3,4 cm e %G de 9,8 ± 1,3. Foi possível a identificação do L2FC em todos os sujeitos e dois indivíduos foram excluídos da amostra por causa de ruídos e erros no registro da VFC durante o teste. Os nove indivíduos que compuseram a amostra final alcançaram velocidade máxima (Vmáx) de 16,3 ± 1,2 km.h-1, FCmáx de 183 ± 4 bpm e a duração dos testes foi de 476,7 ± 53,3 s.

    A Figura 2 mostra a média e o desvio padrão da FC e da VFC a cada 10s de teste indicando que a curva de FC apresentou tendência a um platô em sua extremidade superior e a de VFC apresentou: 1) decréscimo acentuado no início do teste; 2) platô com valores próximos de 3 ms e 3) platô com valores próximos de "0".

    Na figura 3 são apresentados os limiares identifiados em um dos avaliados, com similaridade entre a localização do L2FC e do L2VFC.

    O L2FC foi identificado aos 13,5 ± 1,3 km.h-1 e o L2VFC aos 12,7 ± 1,9 km.h-1, o que correspondeu a 83% e 78% da Vmáx, respectivamente, não havendo diferença significativa (p<0,05) entre a ocorrência dos dois limiares. A análise de regressão mostrou que o coeficiente de correlação de Pearson de 0,69 entre os dois limiares é significativo (p<0,05) e que a estimativa do L2FC por meio do L2VFC tem um erro padrão de estimativa de 1,1 km.h-1 (8,1%).


Discussão

    Este estudo foi empreendido a partir da observação das curvas de VFC durante testes progressivos por estágios e verificação de um padrão de comportamento típico que pode ser caracterizado pela existência de três regiões distintas e de fácil identificação conforme sugerem Skinner e McLellan (1980); Gaesser e Poole (1996) e Whipp (1995). Tomando como paradigma o modelo de três compartimentos do exercício proposto por estes autores, é razoável se especular que os limites que dividem as três regiões encontradas no comportamento da VFC, supostamente, correspondem aos limiares de transição fisiológicas, tradicionalmente identificados por mudanças no comportamento de variáveis ventilatórias, concentração de lactato sangüíneo, FC, dentre outras variáveis.

    Cottin et al. (2004) verificaram o comportamento da VFC em testes retangulares em intensidades abaixo e acima do L2 e encontraram diferenças significativas na VFC nestas intensidades. O presente estudo é o primeiro que apresenta a possibilidade de identificação do L2 por meio da VFC em testes progressivos em atletas, utilizando SD1. Neste estudo, buscou-se, ainda que de forma preliminar, comparar o PDFC denominado L2FC com o L2 identificado por meio de curvas de VFC (L2VFC). Aqui, para a identificação do L2VFC, foi empregado um método análogo ao empregado por Lima (1997), que utilizou um valor absoluto da VFC para identificar L1. O objetivo desta abordagem foi evitar o uso de métodos estatísticos mais sofisticados, tornando o método mais acessível.

    O método proposto neste estudo foi concebido após a realização dos testes e construção da curva média de VFC (painel inferior da Figura 2), em que notou-se um primeiro platô de VFC entre 2 e 3 ms, seguido de um segundo platô com tendência a 0 (zero) ms . Em vista do comportamento da VFC no primeiro platô, decidiu-se adotar a estratégia de identificação do L2VFC pela primeira carga em que a média de VFC fosse inferior a 2 ms.

    Deve-se destacar que, tanto as curvas de FC quanto de VFC, apresentaram comportamento semelhante ao descrito previamente. A curva de FC mostrou comportamento curvilinear como descrito por Lima (1997) e na curva de VFC foi possível a visualização de três fases distintas, seguindo a idéia das zonas de transição do metabolismo. Assim, foi possível observar uma fase em que a VFC diminui sistematicamente no início do exercício (FASE I); uma outra fase em que a VFC tende a se estabilizar em torno de 3 ms (FASEII) e; a última fase em que a VFC tende a ser próxima de 0 (zero) ms (FASE III), conforme representado na Figura 4.

    O modelo de três compartimentos tem servido como referência para a descrição de variáveis ventilatórias, do VO2 e da [La]. Estão bem descritas as curvas destas variáveis em testes incrementais, bem como a identificação de pontos de transição e sua utilização na prescrição e acompanhamento do treinamento aeróbio. Junto ao modelo de três compartimentos, deve-se agregar o paradigma da integração do metabolismo energético, ou seja, o comportamento de suas variáveis não é independente; pois fazem parte de um mesmo fenômeno10. Para fazer face ao aumento da geração de potência mecânica, deve ser aumentada a taxa de produção de energia, o que é obtido com o apoio integrado de todas as reações envolvidas na produção de energia, na disponibilização de substrato, nos mecanismos de termorregulação, e na modulação autonômica e hormonal de todos os processos.

    Sabe-se que, em repouso, há predominância parassimpática sobre o coração fazendo com que a FC intrínseca de, aproximadamente, 100 bpm, seja mantida a valores em torno de 60-80 bpm. Durante teste incremental, a medida que se elevam as cargas de trabalho, ocorre retirada progressiva da atenuação parassimpática e aumento da atividade simpática sobre o coração30,46-48. Tendo como referência o modelo de três compartimentos, pode-se supor que a elevação da FC nas cargas mais baixas - localizadas na FASE I - é determinada pela retirada progressiva da influência parassimpática. Na FASE II, para dar suporte à continuidade do exercício intenso é necessário o aumento da atividade simpática e na FASE III - região de exercício severo e exaustivo - a continuidade do exercício é possível graças a uma atividade simpática intensa, que leva o indivíduo, inexoravelmente, à exaustão. Tais modulações do equilíbrio autonômico impõem padrões de comportamento diferentes não só na FC, como também em sua variabilidade, em cada uma das três FASES4,49. Assumir os paradigmas da existência de três compartimentos no exercício aeróbio e da integração do metabolismo impõe que as curvas de FC e de VFC, em testes incrementais, sejam descritas por modelos não-lineares e que seu comportamento seja descrito considerando as três FASES do exercício aeróbio.


Conclusão

    Apesar das limitações do presente estudo, nossos resultados demonstram que o L2VFC, identificado na carga em que a média de VFC (quando calculada pela Plotagem de Poincaré, imbutida no cardiofrequêncímetro utilizado) é inferior a 2 ms, está em intensidade similar ao L2FC, sugerindo ser um método promissor para a identificação do L2VFC.

    Tal método apresenta vantagens práticas, pois é feito por monitores de FC comercialmente disponíveis, que permitem o cálculo da VFC de dados não-estacionários e a identificação do limiar de VFC é feita sem a necessidade de qualquer procedimento estatístico, utilizando-se apenas um valor absoluto (< 2 ms).

    Neste estudo buscou-se lançar a proposta de desenvolvimento do L2VFC, mas admitimos que para sua consolidação são necessários outros estudos que testem sua validade (com outras medidas-critério), que sejam realizados com outros ergômetros, em diferentes protocolos e com grupos diferenciados.


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