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O turismo na era Vargas e o
Departamento de Imprensa e Propaganda

   
Bacharel em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano de
São Paulo (Unibero) e bacharel em Ciências Sociais pela PUC/SP.
Mestre em Educação: História e Filosofia da Educação pela PUC/SP.
 
 
João dos Santos Filho
joaofilho@onda.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     O objetivo deste estudo é compreender como a Ditadura getulista incorpora e trabalha a questão do turismo no "Estado Novo" e recuperar a verdadeira historiografia do turismo nacional. Nesse palco, aparecem figuras como Alzira Vargas, filha e auxiliar de gabinete do Presidente da República, o ator Procópio Ferreira e o prefeito da cidade de Poços de Caldas, Francisco de Assis Figueiredo, armando estratégias para que o turismo se torne Política de Estado. Noutro, o picadeiro dos órgãos de segurança, o Departamento de Propaganda - DP, coordenado por Lourival Fontes, e - O Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais - SIPS, coordenado por Filinto Strubing Müller, que se unem e adotam o turismo como mais uma forma de controle ideológico do Estado.
    Unitermos: Turismo. Orgãos de repressão. Carnaval. Cassino. Ideologia.
 
Resumen
     El objetivo de este estudio es comprender como la dictadura getulista incorpora y trabaja la cuestión del turismo en el "Estado Novo" y recuperar la verdadera historiografía del turismo nacional. En ese escenario, surgen figuras como Alzira Vargas, hija y asistente de gabinete del Presidente de la República, el actor Procópio Ferreira y el alcalde de la ciudad de Poços de Caldas, Francisco de Assis Figueiredo armando estrategias para que el turismo se convierta en Política de Estado. Por otro lado, el aparato conformado por los órganos de seguridad, el Departamento de Propaganda (DP), coordinado por Lourival Fontes y el Servicios de Averiguaciones Políticos y Sociales (SIPS) coordinado por Filinto Strubing Müller, se unen y adoptan el turismo como una forma más de control ideológico del Estado.
    Palabras clave: Turismo. Órganos de represión. Carnaval. Casino. Ideología.

Trabalho apresentado no IX SIT - Seminário Internacional de Turismo - Categoria científica Pós-Graduação. Grupo de trabalho 4 - Educação, pesquisa e epistemologia.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 114 - Noviembre de 2007

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Introdução

    O aparelho de Estado, decorrente de um processo de Ditadura Militar fascista, impôs à sociedade uma forma autoritária de ver o mundo, exigindo que os interesses do Capital fossem preservados, apesar de sua crise inerente de adaptação e readaptação na busca incessante de acumulação da mais-valia. Sim, o Capital revigora-se e se mantém no processo dialético de sua globalização imperialista histórica, configurando-se em vários e diferentes processos fundidos numa crise da sociedade contemporânea que persiste e é explicitada pelo mundo do trabalho.

    As crises são pontuais e ocorrem traduzidas por meio de golpes de Estado, que muitas vezes levam a verdadeiras tragédias1 que passam a ser comédia, mas sempre engrossando de forma plena os movimentos populistas fascistas e ou de tonalidade liberal positivista. E, neste caso, o governo de Getúlio Vargas assim se encaixa, trazendo para o país avanços em todos os campos de desenvolvimento, à custa da censura, autoritarismo nacionalista, repressão, tortura e exílio.

    Com isso, afirmamos que a Ditadura getulista necessitava criar um instrumento que firmasse uma determinada ideologia capaz de garantir, ao Estado, apoio político e lhe desse poder de persuasão dentro das classes populares, pois:

A ideologia do sistema social estabelecido se afirma violentamente em todos os níveis, do mais grosseiro ao mais refinado. De fato, os vários níveis do discurso ideológico se intercomunicam de várias maneiras. Podemos recordar neste contexto que alguns dos mais célebres intelectuais do pós-guerra declararam em seus livros e estudos acadêmicos que a distinção "antiquada" entre esquerda e direita políticas não fazia sentido nenhum em nossas sociedades "avançadas". Sabe-se muito bem que essa idéia tem sido avidamente acolhida pelos manipuladores da opinião pública e amplamente difundida com o auxílio de nossas instituições culturais, a serviço de determinados interesses e valores ideológicos. Graças a tal comunicação entre o "sofisticado" e o "vulgar", tornou-se comum chamar os representantes da direita de "moderados", enquanto aqueles da esquerda eram designados como "extremistas", "fanáticos", "dogmáticos" e coisas similares2.

    O Estado Getulista necessitava após a implantação da Ditadura, dizer para que e por que dominou o aparelho de Estado e escolher quem seriam seus interlocutores principais. Para isso, criou, em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, como instrumento capaz de centralizar e direcionar a ideologia do "Estado Novo" junto à população em geral e aos trabalhadores em particular.

    E graças à atuação "insolente" de bastidor e própria da juventude da época, a filha de Getúlio, Alzira Vargas, conseguiu impor a criação da Divisão de Turismo como uma preocupação do "Estado Novo", cujo objetivo seria:

[...] organizar e fiscalizar os serviços turísticos internos e externos [...] De acordo com o regimento do DIP, a divisão deveria organizar planos de propaganda no exterior e executá-los, organizar fichários e cadastro de informações turísticas, corresponder-se com outras organizações no plano internacional, organizar e divulgar material de propaganda turística sobre o país3.


Como surgiu a idéia pelo turismo

    A idéia de turismo como uma atividade economicamente promissora para o governo nasceu por insistência de Alzira Vargas4 junto a seu pai. Tudo começou no dia 5 de fevereiro de 1938, em que: "Pela manhã, seguiram para Poços de Caldas a Darci [esposa de Getúlio] e a Alzira" (VARGAS. Diário, 1995, p.105), embarcando em um Lockheed-Loadstar, aeronave moderna e luxuosa na época, com dois pilotos e dois motores, café como serviço de bordo e rádio, regalias só permitidas para viagens do Presidente da República.

    Segundo Alzira, "Papai era esperado em Poços de Caldas para um pequeno descanso em fins de março. Enquanto ele não chegava, enchia meu tempo como podia" (PEIXOTO. Getúlio Vargas, meu pai. 358 e 359). Com 24 anos de idade e, na verdade, a primeira férias longa em família, Alzira preenchia seu tempo com passeios a cavalo, bicicleta, festas noturnas e bailes na cidade de Poços de Caldas. Como filha do Presidente e conhecida, tornava-se objeto de curiosidade das pessoas e por sua personalidade falante e extrovertida era fácil de fazer amigos e, deixava registradas suas peripécias na cidade. Na biografia que escreve sobre o pai afirma que participou de atividades não muito convencionais, ainda mais para filha a do Presidente da República:

Houve corridas de charrete, como se fossem bigas romanas em torno da praça principal; cavalgadas noturnas à volta do hotel, despertando os hóspedes que já se haviam recolhido. Atravessávamos a rua cantando a plenos pulmões serenatas para nós mesmos. Fomos expulsos do cinema porque, ao invés de olhar o filme, perturbávamos (sic) os pacatos freqüentadores da segunda sessão, comentando em voz alta os fatos do dia. [...] Terminei minhas façanhas entrando, às escondidas de mamãe, que estava sempre perto de nós, em um avião de acrobacias pilotado por um habilíssimo piloto alemão5.

    Alzira sabia que, depois dessas ousadias e da farra que seu bloco carnavalesco havia feito pela cidade em pleno carnaval, sua mãe faria restrições a certos comportamentos e poria uma série de regras, além do que seu pai logo chegaria, e suas férias iriam ser interronpidas.

    O prefeito de Poços de Caldas, Francisco de Paula Assis Figueiredo, apresentava certo sinal de impaciência com os veranistas que perturbavam o sossego dos hóspedes do Palace Hotel, na qual Alzira e seu irmão, Getúlio, estavam hospedados. Nesse momento, o prefeito convidou-os para ir a seu gabinete, a fim de conversar, veio a "bronca" do chefe do Executivo municipal para a filha do Presidente da República: "Começou com um apelo veemente para que fizéssemos menos barulho. Rimos de maneira diplomática que encontrara para restabelecer a calma de sua cidade [...]".

    Depois da teatral bronca, expôs o verdadeiro motivo do convite para ir ao gabinete do prefeito:

Mostraram-me mapas, folhetos, relatórios, estatísticas, estudos para me provar que o Brasil estava perdendo uma fonte de renda excepcional, por falta de organização turística. Pediram-me que sugerisse ao Patrão, com a máxima urgência, a criação de um organismo que se dedicasse à propaganda de nossas belezas naturais, e fomentasse a vinda de turistas estrangeiros a nosso País6.

    Nessa reunião, estava presente o ator Procópio Ferreira, que fez várias intervenções, pleiteando a construção de novos teatros para acelerar e ampliar o meio artístico e cultural do país. E junto com a fala do prefeito, Procópio ratificava:

Isso sem levar em conta o que cada turista gasta 'per capita', em alimentação, roupas, lembranças, presentes. É dinheiro em circulação que fica no país. Estamos perdendo uma inestimável fonte de renda7.

    O prefeito de Poços de Caldas entendia que o turismo poderia ser incentivado, e sua cidade havia conquistado o título de melhor estância hidromineral da América Latina, bem como, e em março de 1931 é inaugurado um dos maiores complexo hoteleiro, cassino e casa de espetáculos do Brasil; Palace Casino, Palace Hotel8 e o palácio das Thermas Antônio Carlos, reduto de apresentação de diversos artistas na cidade, dos quais podemos destacar Carmem Miranda, Aurora Miranda, Grande Otelo, Oscarito, Procópio Ferreira, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Ermeto Zaconi, Companhia Gatini Angelini, Ary Barroso, a cantora e atriz argentina Libertad Lamarque, entre outros.

    A cidade de Poços de Caldas conseguiu converter-se em pólo de entretenimento para uma nascente burguesia e, conseqüentemente, passou a ditar moda. Local próprio para que o charme e glamour da elite fossem exibidos em roupas exóticas que não poderiam ser livremente apresentadas nos grandes centros, por isso os teatros, salões dos cassinos e as tradicionais praças passaram a ser locais de desfile de moda e do conhecido footing que tornaram essa cidade a preferida da burguesia nacional e internacional.

    Com uma infra-estrutura preparada para o jogo e para shows artísticos e musicais, Poços de Caldas, até o fechamento dos cassinos em 1946, possuía vinte quatro casas de jogo, desde as mais simples até aquelas de alta sofisticação, Nas quais músicos, a classe artística e toda uma equipe de apoio logístico davam à vida noturna da cidade um requinte de bele époque.

    E foi inaugurado o primeiro Parque Municipal, hoje o atual Country Club., pensando em oferecer "distrações aos turistas" e a possibilidade de organizar caçadas na região (atividade que ainda não possuía a percepção da questão ecológico-ambiental). Formar guias de turismo e melhorar as vias de transporte eram, em síntese, os argumentos do prefeito na defesa do turismo.


Reação de Getúlio para com o turismo

    Diante de tantos argumentos convincentes por parte do prefeito e do ator Procópio Ferreira, Alzira não teve como recusar e afirma que defenderá a idéia junto a seu pai, que chegou a cidade de Poços de Caldas no dia 26 de março, e em seu livro afirma, "Prometi ajudá-los e assim que Papai chegou expus-lhe a idéia. Não demonstrou muito entusiasmo, assuntos muito mais importantes e prementes ocupavam seu pensamento. (PEIXOTO, 1960, p.361). Alzira, mais do que ninguém, conhecia seu pai e percebeu que outros assuntos ocupavam seu pensar, entretanto ela não poderia imaginar que a filha Celina Vargas (neta de Getúlio), no ano de 1995 ajudasse esclarecer que a questão era amorosa, como está registrado na publicação do Diário de Getúlio Vargas. O Presidente, em seu diário, relata que, entre o dia 26 e 27 de março, recém chegado a Poços de Caldas para reencontrar com a família declara:

Mas estou inquieto e perturbado com a presença daquela que me despertou um sentimento mais forte do que eu poderia esperar. O local, a vigilância, as tentações que a rodeiam e assediam não permitem falar-lhe, esclarecer situações equívocas e perturbadoras. Amanhã, talvez, um passo arriscado ou uma decepção. O caminho se bifurca - posso ser forçado a uma atitude inconveniente9.

    Percebemos que o senhor Presidente estava perturbado em razão de uma mulher que já se encontrava na cidade e transitava nos escalões da elite local. Ele vê-se envolvido por uma paixão explosiva que o levaria no dia 30 de março, a empreender uma aventura ardente para ir ao encontro de sua amada. O Diário assim revela, nessa data:

Levanto-me [Getúlio] cedo e vou ao rendez-vous previamente combinado. O Encontro deu-se em plena floresta, à margem de uma estrada. Para que um homem de minha idade e da minha posição corresse esse risco, seria preciso que um sentimento muito forte o impelisse. E assim aconteceu. Tudo correu bem. Regressei feliz e satisfeito, sentindo que ela valia esse risco e até maiores10.


O Estado Novo e o turismo

    Assim com sua preocupação voltada para outro aspecto, Getúlio, ao ser consultado sobre o turismo como fonte de renda, demonstrou certa indiferença, pois estava perturbado pela presença de sua amada na cidade. Entretanto e por causa da reação do pai, na cidade, imediatamente a filha sugere "Quem sabe se juntando o SIPS do Filinto para a organização no interior e o DIP do Lourival para a propaganda, se possa começar alguma coisa nesse setor, ainda que modestamente?" ( PEIXOTO, 1960, p.361)

    Assim, em 1938, nascia à preocupação do governo Federal com o turismo no Brasil. Seria cômico se não fosse trágico, pois o mesmo foi pensado junto ao SIPS - Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais, encarregado da coordenação de elementos informativos de interesse da polícia Preventiva. Atividades exclusivamente de controle ideológico em que a espionagem, a polícia secreta, a repressão a qualquer outro discurso que não fosse a ideologia do Estado Novo, formatavam as atividades desse órgão de informação e segurança nacional.

    O Departamento de Propaganda - DP, coordenado por Lourival Fontes, teve como uma de suas principais atividades a promoção do Brasil no exterior, com a edição de uma diversificada folhetaria e criação de boletins informativos sobre o Brasil em vários idiomas e distribuído em hotéis, consulados, embaixadas, navios, órgãos públicos no exterior. Provavelmente Alzira sugeriu que o SIPS e o DP acolhessem o turismo em função de estes órgãos serem os mais importantes para o "Estado Novo" e por onde passava toda a política nacional do Presidente Getúlio Vargas, como nos confirma Elizabeth Cancelli:

A ligação da polícia com Vargas foi crucial para um Estado delineado com as características dos 15 anos de governo Vargas. E as relações do ditador com o poder policial eram complexas. Na realidade, as insinuações de que Vargas controlava a polícia de uma forma autônoma e paralela à lei eram completamente dispensáveis, porque não passavam da mais pura realidade. Com braço executivo do regime, a polícia aparece claramente em toda a estratégia de ação e de domínio. Assim, o tom de denúncia em que se baseavam sugestões de que o chefe de polícia teria um poder exagerado era muito mais o testemunho de perplexidade com que segmentos da população viam a ação da polícia e do Estado: centralizadores nos atos e totalitários na ideologia11.

    O turismo foi entendido, por Alzira, como algo capaz de divulgar o Brasil e levar a imagem de seu pai para o exterior. Por isso, ela só poderia pensar no turismo apensado aos órgãos policiais, visto que estes sustentavam o Estado Novo e davam a "legitimidade" ditatorial para um populismo que questionava a dominação norte-americana no território nacional e oferecia uma liberdade previamente delimitada às classes trabalhadoras pelo governo.

    Assim, a preocupação com o turismo surgiria em dezembro de 1939, quando foi definitivamente criado o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, que era uma fusão entre o SIPS e o setor de propaganda, em cuja estrutura aparece uma Divisão de Turismo.

    Portanto, o turismo surge assentado em interesses políticos e ideológicos do Estado getulista, isto é, constitui-se também em um instrumento preocupado em garantir a uniformidade, o monopólio e o tom permissível das mensagens produzidas pelos veículos de informação, tanto a nível nacional como internacional.

    O turismo também estava a serviço do Estado com o objetivo de aglutinar forças para a inculcação da imagem populista de Getúlio, garantindo que a contra-propaganda ficasse retida nas mãos dos censores. O caminho estava aberto para que o governo getulista, apoiado pelos meios de comunicação de massa, determinasse que tipo de notícia pudesse ser divulgado no território nacional e internacional.

    Não podemos esquecer que, desde 1930, o governo de Getúlio desenvolvia uma estrutura burocrata policial para aparelhar o Estado comandado pelo médico Batista Luzardo, que realizou uma verdadeira assepsia nos órgãos policiais, exonerando delegados e nomeando outros que atendiam aos interesses do novo governo, segundo a historiadora Elizabeth Cancelli:

Não seria por acaso que, em março de 1931, Luzardo tornaria pública a contratação de dois técnicos do Departamento de Polícia de Nova Iorque, para que fosse organizado no Brasil o serviço especial de repressão ao comunismo12.

    A colaboração dos Estados Unidos no combate ao Comunismo continuaria em anos posteriores e contou com a simpatia da população civil e o endosso dos meios militares que articularam o discurso em defesa do Cristianismo do povo brasileiro contra o Comunismo. Esta será a tônica persistente que tentará justificar o porquê das ditaduras de 1930 e 1964 que quebram o Estado democrático: Salvar a pátria do regime Comunista.

    Por isso, o Estado organizava-se militar e policialmente para combater o inimigo interno e externo que era o Partido Comunista Brasileiro e o perigo vermelho de Moscou. Nesse cenário aparece o poderoso DIP pois:

A imagem pública de Vargas se fortaleceu e a necessidade de um poder firme e forte para reprimir o comunismo ganhou peso tanto nos meios militares como civis. Em 3 de dezembro, o ministro João Gomes reuniu no Rio de Janeiro todos os generais que serviam na capital para propor ao governo uma legislação mais rígida e a imediata expulsão do Exército dos militares envolvidos na revolta comunista13.

    Mais adiante, o historiador Brandi em 1983, revela, outro fato que merece ser registrado:

Em 10 de janeiro de 1936, o ministro Vicente Rao anunciou a formação da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar de forma sumária atos ou crimes contra as instituições políticas e sociais e dotada de poderes para requisitar prisões diretamente ao chefe de polícia em casos de urgência14.

    O DIP congregava na sua Divisão de Turismo uma das atividades consideradas mais importantes para a construção da imagem de uma "ditadura fascista democrática", por isso o Estado investiu no desenvolvimento da atividade turística em diferentes frentes com o objetivo de combater o Comunismo e sedimentar a imagem do Presidente da República como democrata e "pai dos pobres".

    Os eventos comemorativos organizados pelo governo podem ser considerado uma atividade ligada ao turismo e utilizada pelo Estado Getulista para fortalecer a imagem do Presidente perante a sociedade brasileira e criar um sentimento de paternidade para com a classe trabalhadora por meio de grandes comemorações organizadas pelo DIP, como descrito na Revista Cultura Política:

12-10-42 - Instalação solene da "Semana da Criança, promovida pelo "Departamento Nacional da Criança" (Revista Cultura e Sociedade, ano II n. 21, ano 1942, p.401).

1 a 5 de setembro [1943] - promoveu uma concentração dos escolares premiados na "Campanha da Borracha Usada", no Campo do Botafogo Foot-Ball Clube e na Quinta da Boa Vista, sendo distribuídas, nessas ocasiões, por funcionárias do D. I. P., 4.850 merendas aos escolares referidos;
10 de novembro - foram organizadas 14 retretas em vários logradouros públicos, com a cooperação de bandas de música militares; no campo do Fluminense F. C., realizou-se um concerto sinfônico, que obteve o melhor êxito, com a colaboração da "Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal", sob a regência do maestro José Siqueira; no Museu Nacional de Belas Artes, uma exposição de pintura, e mais uma exposição do livro "Brasil pela imagem", de Álvaro Marins (Seth).
25 de janeiro [1944] - festas comemorativas do aniversário da fundação de São Paulo, com a colaboração da Orquestra Sinfônica Brasileira;
16 de abril - festa infantil, na Quinta da Boa Vista, em comemoração do aniversário do Presidente Vargas, com a colaboração das bandas de música militares;
17 de abril - espetáculo ao ar livre, no estádio do Botafogo F. C., pelo mesmo motivo;
19 de abril - 7 retretas em logradouros públicos, com distribuição de livros às crianças dos asilos e Casa dos Expostos, e de entradas para circos e casas de diversões às crianças pobres;
19 de junho - filmagem completa da festa dos pescadores em Paquetá;
22 de agosto - missa campal no Russel, em comemoração à entrada do Brasil na guerra, havendo à noite, concerto sinfônico no estádio do Fluminense F. C.;
4 de setembro - festa infantil, em comemoração da "Semana da Pátria", fornecendo o D. I. P. condução, merenda e divertimentos às crianças, na Quinta da Boa Vista;
15 de outubro - festa infantil, no teatro Carlos Gomes, em comemoração da "Semana da Criança" 15
.

    Na verdade, atividades como essas seriam constantes e massivas em todo território nacional durante o período Vargas, na Capital Federal com a participação direta do Presidente e, nos Estados, com a presença dos interventores, despertando, assim, o sentimento de nacionalidade e afastando a idéia de uma possível divisão territorial, visto que a unidade nacional era o pressuposto básico que daria ao Presidente plenos poderes para governar.

    O DIP solidificava-se e diversificava suas atividades ideológicas, colocando sempre como prioritária a imagem do governo revolucionário como co-participante em datas comemorativas aos heróis nacionais como, por exemplo, Tiradentes, apoio ao dia Pan-americano, expulsão dos holandeses do Brasil, Congresso de Brasilidade, Dia da Raça, entre outros.

    Segundo a Revista Cultura e Política de novembro de 1942, podemos perceber que o turismo ascendia com uma força ideológica doutrinária a qual o DIP dava uma importância privilegiada, vejamos:

[...] iniciou a filmagem de shorts destinados à propaganda turística do Brasil no exterior.
O mesmo pode dizer-se da Secção de Turismo, que se incumbia de receber e assistir os visitantes estrangeiros, facilitando-lhes o acesso por meio de vistosos cartazes e folhetos com informações detalhadas sobre os pontos mais atraentes do país, fazia a propaganda externa, com o propósito de melhor atraí-los à nossa terra16
.

    Contribuindo para esse esclarecimento histórico e demonstrando mais uma vez a importância do turismo como um instrumento adicional capaz de ajudar a cristalizar a ideologia do Estado Novo, Goulart afirma:

Segundo Alzira Vargas do A. Peixoto, o incremento do turismo havia sido uma das razões da criação do DIP. Ela relata o empenho de autoridades administrativas, em 1938, no sentido de convencê-la sobre a necessidade de se organizar o turismo nacional, o que resultaria em fonte de renda excepcional para o país. Com a cobrança de pequena taxa sobre o turismo seria possível aperfeiçoar os serviços de hotéis, organizar viagens, formar uma equipe de profissionais especializados e melhorar as estradas17.

    Entendemos que a atividade turística é um elemento importante para a economia, pois sua capacidade de agregar valor é imensa, e o Estado Getulista, por sua vez, criou a Divisão de Turismo junto ao DIP, por questões estratégicas, porque sabia que o turismo poderia ser usado pelo Estado como forma de solidificar a imagem da ideologia do Estado Novo. Nesse sentido, estamos afirmando que o turismo serviu aos interesses do governo de Getúlio, desde os eventos organizados nos estádios de futebol, nas praças públicas, nas escolas; a produção de literatura para divulgar o Brasil no exterior; o embelezamento do Rio de Janeiro com a inauguração do Cristo Redentor, no Corcovado, até os convites oficiais para que atrizes estrangeiras viessem passar o carnaval no Rio.

    A dimensão da atividade de turismo era tão importante para o DIP, que segundo relatos encontrados nos seus informes publicados na Revista Cultura e Política, justifica-se de forma contundente uma declaração de uso e fruto do turismo pelo Estado:

Modernamente, o turismo é um dos grandes recursos de que os povos lançam mão para melhor desenvolvimento do intercâmbio econômico, cultural e até político sendo de fato modelares as organizações especializadas de certos países, com um proveito próprio, seguro e evidente. Os técnicos utilizam-se de todos os motivos de beleza e de sedução, dos aspectos naturais e da criação do gênio Humano para atrair o forasteiro, tornando a permanência nos sítios amenos e aprazíveis o mais agradável possível com a cumulação de todos os requisitos de conforto18.

    Podemos destacar três circunstâncias em que o turismo foi sentido e incorporado pelo governo na formatação do Estado Novo. A primeira é aquela a que nos referimos aqui e que usou o turismo como forma de controle social, pois percebeu seu benefício na formatação da imagem do Estado Novo. A segunda considerou o turismo com uma fonte de renda, sendo que o Rio de Janeiro já figurava em cartazes do mundo todo como um pólo turístico a ser visitado como paraíso tropical. A terceira áquela que considerava o turismo como um importante instrumento para o desenvolvimento interno econômico, social e político.

    O primeiro tipo de turismo transformou todo o evento cívico e militar em atividades que eram organizadas pelo DIP por meio da Divisão de Turismo, que controlava o conteúdo de folhetos de divulgação do país a nível interno e externo e recebia técnicos e profissionais do mundo da comunicação internacional. O objetivo dessa divisão era ajudar o Estado no controle das informações que poderiam ser difundidas internamente e internacionalmente sobre o Brasil.

    Nesse sentido, o turismo teve um papel extremamente revelador para os países que estavam sob Ditadura Militar, e foi utilizado pelo Estado como forma de controle ideológico, adquirindo um poder policialesco das estruturas burocráticas preparadas para manter a ordem e firmar diante da opinião pública a imagem do Presidente. Em uma das publicações da Revista Cultura Política aparece uma série de atividades que deveriam ser contínuas e desenvolvidas pelo DIP - DT:

  • Promover conferências, com ilustrações aqui e nos Estados acerca da atualidade nacional e das perspectivas de novas atividades;

  • Provocar a visita de personalidades estrangeiras de relêvo, (sic) indicando-lhes tudo quanto nos interessa conhecer por seu intermédio. Explicar-lhes a significação da nossa evolução histórica, afim de que possam compreender os laços que prendem a atualidade ao passado e ao futuro do Brasil;

  • Promover contactos entre os centros nacionais de cultura, mediante visitas recíprocas;

  • Distribuir cartazes, cartões postais, folhetos e pequenos livros, acerca do Brasil, nas estradas de ferro internacionais, nos centros de cultura, nos hotéis, bibliotecas, lugares públicos idôneos das cidades americanas (do Sul, do Norte e do Centro);

  • Promover a construção de hotéis, em lugares pitorescos (praias, montanhas, estações de águas etc.) mediante favores legais concedidos às iniciativas particulares, que queiram seguir os planos aprovados pelo governo nesse sentido;

  • Estimular a visita de jornalistas, escritores, políticos e personalidades de destaque, nos outros países, que demonstrem desejo de conhecer o Brasil e possam inferir no desenvolvimento das suas relações externas;

  • Manter um serviço permanente de intercâmbio espiritual e cultural entre os Estados e o Rio de Janeiro;

  • Provocar aproximação mais íntima com os serviços de cooperação intelectual, do Ministério do Exterior, a fim de poder participar dos seus programas desde já e, futuramente, intervindo no intercâmbio cultural em harmonia com os referidos programas daqueles antigos e ótimos serviços;

  • Provocar aproximação mais íntima com o Serviço Nacional de Teatro, afim de agir em harmonia com o mesmo na expansão cultural que constitue seu programa;

  • Manter serviços de coordenação cotidiana e cordial com as outras direções do D. I. P., delas obtendo apoio, afim de que os outros assuntos relativos às expectativas do turismo atual, próximo e futuro, possam ser completadas a tempo;

  • Provocar idêntica cooperação dos serviços de turismo da Prefeitura do Distrito Federal, assim como dos das demais Municipalidades brasileiras;

  • Instituir serviços permanentes de informações sobre a atualidade nacional, dos pontos de vista materiais, intelectuais e culturais, afim de que compreendam os objetivos em que se inspiram todos os órgãos do Governo. Essas informações, traduzidas em inglês, francês e espanhol, terão distribuição espontânea ou solicitada, conforme circunstâncias19.

    Na verdade, o governo conscientizou-se de que as atividades turísticas eram amplas e podiam agregar valor de forma rápida e constante, facilitando um amplo processo de empregabilidade para a economia e se constituía, ainda, em um instrumento fundamental para cristalizar a imagem do Estado Novo. Percebe-se, assim, que o Estado começava a sentir que havia necessidade da elaboração de um programa nacional de turismo, como expresso:

Como um programa de turismo deve envolver tôdas as companhias de transportes (ferroviários, marítimos e aéreos), com elas manter-se-ão métodos permanentes de propaganda, mediante reciprocidade, por exemplo, e, também, contactos permanentes com os serviços análogos de outros países.
[...]
O ano de 1945, portanto, será para a D. T. um ano de grandes atividades, com a reorganização completa dos seus serviços, traçados de modo a aparelhá-la para a retomada do turismo que, dos vários países, se encaminharão para o Brasil20
.

    O Estado Getulista entendeu a força econômica e política do turismo e começou a usá-lo como instrumento que devia ser administrado pelo Estado e, portanto, exigia uma proposta configurada em um Plano Nacional de Turismo. Essa idéia começou a criar corpo na seqüência dos outros governos; com Juscelino Kubitschek, a lógica do turismo surgiu com a inauguração da Capital Federal criando a Companhia Nacional de Turismo - Combratur, em 19 de abril de 1960, um dia antes da fundação de Brasília; com Jânio da Silva Quadros, em um curto e conturbado período de governo, o turismo foi esquecido; com João Goulart o turismo é colocado no Ministério da Indústria e Comércio, com a criação da Divisão de Turismo e Certames, em 29 de dezembro de 1961; em 1964,o golpe militar cria a EMBRATUR.

    Na verdade, 1964 colocou o turismo como instrumento de apoio para acobertar as atividades de repressão, tortura e assassinato, cometidas pelo aparelho de Estado. Este assunto é objeto de outro artigo e merece uma série de ponderações nele discutidas.


Notas:

  1. Para exemplificar basta recordarmos a estupidez e a ferocidade dos golpes militares contra a democracia que ocorreram na América Latina, Brasil, Chile e Argentina, em que milhares de latino-americanos foram sumariamente assassinados, torturados, presos e seqüestrados. Para um retrato desse período, podemos recorrer a alguns clássicos do cinema latino: A história oficial; La noche de los lapices; Zuzu Angel; Olga; O que isso companheiro; Eles não usam Black-tie.

  2. MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Ensaio, 1996, p.15.

  3. GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990, p.72.

  4. Alzira Vargas, filha de Getúlio Vargas, trabalhava com seu pai, exercendo a função de auxiliar de gabinete da Presidência da República.

  5. PEIXOTO, Alzira Vargas do Amaral. Getúlio Vargas, meu pai. Porto Alegre: Globo, 1960, p. 359.

  6. IDEM, p. 360

  7. IDEM, p. 361

  8. O hotel possuía uma suíte especial, decorada em estilo Palácio do Catete (Rio de Janeiro), que ainda preserva e reproduz a suntuosidade parcimoniosa do ambiente dormitório presidencial.

  9. Getúlio Vargas: Diário / apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto; edição de Leda Soares. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995, p. 118 e 119.

  10. IDEM, p. 119.

  11. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p. 47.

  12. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p. 49.

  13. BRANDI, Paulo. Vargas da vida para a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, p. 99 e 100.

  14. Idem, p. 101.

  15. Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Ano IV n. 47, dezembro de 1944. p. 157-8.

  16. Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Ano II, n. 21, 10 de novembro de 1942, p. 172.

  17. GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990, p. 73.

  18. Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DI, ano IV, n. 47, dezembro de 1944, p. 173.

  19. Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DI, ano IV. N.47, dezembro de 1944, p.175 e 176.

  20. Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DI, ano IV, n.47, dezembro de 1944, p. 176 e 177.


Bibliografia

  • BRANDI, Paulo. Vargas da vida para a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

  • CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993.

  • Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Ano IV n. 47, dezembro de 1944.

  • Cultura Política. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Ano II, n. 21, 10 de novembro de 1942.

  • Getúlio Vargas: Diário / apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto; edição de Leda Soares. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995.

  • GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990.

  • MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Ensaio, 1996.

  • PEIXOTO, Alzira Vargas do Amaral. Getúlio Vargas, meu pai. Porto Alegre: Globo, 1960.

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revista digital · Año 12 · N° 114 | Buenos Aires, Noviembre 2007  
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