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Capoeira: sua origem e sua inserção no contexto escolar

   
Discentes em formação, de Licenciatura Plena em Educação
Física, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB.
(Brasil)
 
 
Ramon Moreira  
Najara Moreira
ramon72missias@hotmail.com
 

 

 

 

 
Resumo
     Nosso intuito principal é discutir as bases históricas e ideológicas que fundamentam a capoeira na educação, a partir da análise do processo de inserção da mesma no contexto escolar, suas modificações adaptativas e suas possibilidades enquanto instrumento revolucionário ou conformador para construção da educação. Faremos esta abordagem estabelecendo uma análise do processo histórico da capoeira e de sua introdução na educação geral.
    Unitermos: Capoeira. Escola. Institucionalização. Mestre Bimba.

Departamento de Saúde- DS. Curso: Educação Física - IV Semestre.
Disciplina: Metodologia da Capoeira. Docente: Hector Munaro. Jequié - BA.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 114 - Noviembre de 2007

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Introdução

Trajetória histórica da Capoeira

    A trajetória histórica da capoeira é marcada por contradições e falta de consenso entre os que dela se ocupam. Isso pode ser entendido pelo fato de efetuar sua manutenção e reconstrução da memória por meio da oralidade e ritualidade e possuir escassos registros documentais, que tiveram início apenas no início do século XIX. A historiadora e antropóloga Letícia Vidor de Sousa Reis (2000) aponta que a capoeira parece remontar aos quilombos da época colonial, quando os escravos fugitivos utilizavam-se do próprio corpo como uma arma. Contudo, informa, por não existirem investigações históricas da capoeira entre os séculos XVI e XVIII, não é possível reconstruir o processo que levou ao seu deslocamento do campo para a cidade. Os primeiros registros oficiais da ação dos capoeiras ocorreram no Rio de Janeiro, em fins do século XVIII, e dizem respeito a registro de ocorrências policiais envolvendo escravos em brigas e desordens pela cidade.

    Desde 1821, decretos oficiais de punição foram emitidos com alusões explícitas aos capoeiras, como:"escravos capoeiras"(1822); "capoeiras e malfeitores" (1831), no qual há uma nota explicativa esclarecendo que "capoeiras" era a designação dada aos negros que "viviam no mato e assaltavam passageiros"; "capoeiras suspeitos de andar armados" (1834). Em 1878, como informa Reis (2000), o então chefe de polícia do Rio de Janeiro, imbuído dos pressupostos evolucionistas de sua época, considerava a capoeira como uma "doença moral que prolifera em nossa civilizada cidade". Esta percepção encontrou conformidade com o ideal de higienização da sociedade, defendido pela política republicana nos primeiros anos de atuação. Em publicações sobre o desenvolvimento histórico da capoeira (ABIB, 2005 e DIAS, 2006) foi constatado que a capoeiragem não se restringia ao mundo do crime, mas também estava presente no mundo da festa, da brincadeira, nos intervalos do trabalho, na campanagem, na marujada e até mesmo na polícia.

    Os autores, referindo-se à capoeira carioca e baiana respectivamente, refutam a idéia de que os capoeiras limitavam-se ao estado de vadios e desocupados como escreviam os jornalistas da época. Contudo, também ressalvam que o fato de possuírem ofício não significava que não eram desordeiros, pois, como pode ser visto em suas pesquisas, a maioria deles vivia no mundo das ruas, batia tambor, fazia barulho, e algumas vezes até matavam, em síntese, transgredia os padrões e as regras da ordem pública. Na década de 30, a ditadura inicia a propaganda da identidade nacional brasileira, que se constitui, tranqüila, ordeira, sentimental, sensual, alegre e esperta e que marcha, inexorável, para o desenvolvimento.

    Nesse contexto, as condições de capoeiras e malandros então associadas à vadiagem, criminalidade, prostituição e outros, são deslocadas e recebem a notabilidade de esperteza e ludicidade do povo brasileiro. No ano de 1934, Getúlio Vargas, em ato presidencial, retira a capoeira e outras manifestações como o candomblé, do Código Penal brasileiro. Contudo, este ato mostra-se como um recurso político para aumentar o controle governamental sobre esses cultos, na medida em que determina que sejam realizados fora da rua, em recinto fechado e somente com alvará de instalação. Em 1937, Manoel dos Reis Machado, o "mestre Bimba", consegue a autorização para sua academia de "luta Regional Baiana", depois conhecida como Capoeira Regional, mas a sua aceitação não se deu de forma consensual entre os capoeiras. Bimba, usufruindo de um ideal mestiço e de defesa da capoeira como "legítimo esporte brasileiro", já incorporada por intelectuais brasileiros, consolidou o "embranquecimento simbólico da capoeira", somando à prática, movimentos de artes marciais orientais e ocidentais, como karatê, Jiu-Jitsu e luta greco-romana, trocando a ritualidade pela agilidade e eficiência (REIS, 2000).

    Neste contexto, surge um movimento de oposição liderado por Vicente Ferreira Pastinha, o "mestre Pastinha", defendendo o resgate da ancestralidade africana da capoeira, que por sua vez recebeu o nome de Capoeira Angola. Ao contrário do discurso esportista de mestre Bimba, Pastinha defende uma nova filosofia para a prática da capoeira, baseada numa estética de jogo mais simbólica e subjetiva, que continha um certo misticismo, lealdade com os companheiros de jogo e obediência absoluta às regras que o presidem.

    Estas duas posições políticas distintas, angola e regional, persistem ainda hoje no ambiente da capoeira, demarcando espaços e ações. Ambas tiveram seu papel para a manutenção da capoeira no processo histórico do Brasil.


Transformação da capoeira e inserção no contexto escolar

    A capoeira, esta arte de origem controversa e que ainda desperta muita polêmica, emergiu no bojo das camadas populares e adentra as instituições públicas e privadas de forma arrebatadora e efusiva, sendo capaz de em pouco mais de quatrocentos anos de trajetória estar presente na maior parte das escolas, clubes, universidades, academias, dentre outros, se firmando com força em vários países do mundo, força esta, que ora estamos precisando verificar, os interesses ideológicos que estão sendo defendidos nas entrelinhas de sua expansão pelo mundo. Partindo dos princípios de que a capoeira, ao longo de sua história, passou por uma série de transformações para firmar seu espaço no ambiente escolar e que a escola funciona, na maioria das vezes, como um aparelho ideológico do estado, que por sua vez estará sujeito aos ditames do capital, tentaremos aqui traçar um painel desta dialética relação entre a capoeira e a escola.

    Para compreender os conflitos desta relação, precisamos lembrar que o surgimento da escola teve suas bases associadas a uma estratégia de manutenção da diferença entre a classe operária e a classe burguesa, sendo esta última beneficiada pela manutenção ideológica garantida pela escola, pois ali estariam garantidos os princípios de construção da separação entre fazer e pensar, corpo e mente, etc.

    Todo sistema de ensino da sociedade capitalista assenta no racionalismo burguês, ou seja, um idealismo ou iluminismo que esclarece os espíritos, a massa e a matéria. Toda a sociedade dividida em duas classes é necessariamente idealista: a elite esclarecida dita as normas, e a massa bruta deve segui-las sem discussão.

    A partir da análise deste contexto acima, fica fácil compreender o tamanho do "desafio" e das transformações, que foram "necessárias" para enquadrar a capoeira na lógica escolar, pois a capoeiragem historicamente foi também símbolo de contestação da lógica vigente e sua fundamentação filosófica, centra-se em uma simbologia que extrapola o conceito de educação escolar, ratificando o verdadeiro conceito de educação, que não estabelecem fronteiras, nem limites para as relações de ensino-aprendizagem.

    Segundo DANGEVILLE (1978): Quando a escola é a aldeia, a educação existe onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais, de transferência de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de um modelo de ensino formal e centralizado. Porque a educação aprende com o homem a continuar o trabalho da vida. Á vida que transporta de uma espécie para outra, dentro de historia da natureza, e de uma geração a outra de viventes, dentro da história da espécie, os princípios através dos quais a própria vida aprende a ensinar a sobreviver e a evoluir em cada tipo de ser.

    Deste conceito mais amplo de educação surgem às bases filosóficas dos ensinamentos da simbologia da capoeiragem. Assim fica fácil compreender o tamanho do abismo entre a matriz norteadora da capoeira e a forma na qual ela se apresenta hoje nas escolas.

    Portanto, a capoeira ganha uma nova roupagem que abre a possibilidade de institucionalização da mesma, pois pela primeira vez a sociedade reconhecia e decodificava os símbolos que fundamentavam a prática de ensino da capoeira, por meio de um método sistematizado e escrito que poderia facilmente ser implantado em diversas instituições, fato este que aliado a uma conjuntura política que estimulava ideais nacionalistas pela forte influência do "Estado Novo" de Vargas na defesa de um modelo de ginástica que pudesse ser genuinamente brasileiro, impulsionaram um grande crescimento e divulgação da capoeira. Um outro fator que contribuiu muito para a expansão da capoeira institucionalizada foi à condição desta alternativa apresentar-se como uma possível tentativa de cooptação e controle de uma arte que insurgisse de forma subversiva em alguns pontos do território nacional, a exemplo das maltas do Rio de Janeiro e de outros pequenos movimentos de contestação da estrutura social vigente, que tinham na capoeira um braço de luta, ou seja, é importante lembrar que esta aceitação teve um preço alto, pois, a necessidade de atender os anseios de uma classe social dominante, enquadrou e remodelou a capoeira em um perfil alienador, que em última instância desarticulava sua simbologia metodológica revolucionária e a colocava a serviço do sistema.

    A partir desta transformação, a capoeira gradativamente vai inserindo-se no contexto escolar, podendo-se atribuir ao Mestre Bimba um papel importante neste processo, pois através de seu contato com estudantes universitários de Salvador, que o convidaram para ensinar na pensão onde residiam, o mestre pode ter acesso a uma camada social e a códigos e símbolos do conhecimento científico que possibilitaram a criação e sistematização deste novo modelo de ensino da capoeira. A partir daí a capoeira inicia seu processo de institucionalização. O novo modelo de capoeira criado por Bimba e seus discípulos passa a ser reconhecido paulatinamente pela sociedade civil, sendo inclusive o Mestre Bimba agraciado com o título de Instrutor de Educação Física, mediante diploma oficial assinado por Dr. Gustavo Capanema, o então Ministro de Educação, no ano de 1957 pelo enquadramento do ensino da capoeira na legislação vigente. Apesar dos avanços proporcionados por Bimba, o mesmo só teve acesso a uma única instituição, que foi o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), na qual ministrou aulas de capoeira para os aspirantes da reserva. Este fato denota que a capoeira institucionalizada inicia-se com M. Bimba, mas só vem se firmar com o passar dos anos, através de outras iniciativas promovidas por seus alunos.


Considerações finais

    As transformações sofridas no processo de ensino da capoeira iniciaram a aproximação da mesma ao ambiente escolar, favorecendo seu reconhecimento e ampliando suas perspectivas com vista a se firmar como ferramenta pedagógica no processo educativo.

    Por fim, no Brasil, por volta do final da década de 70 e início da década de 80, tivemos um grande crescimento no número de instituições de ensino da capoeira, fato este que contribuiu muito para a pulverização da capoeira em escolas, universidades e creches, acrescentando a estes ambientes de trato com o conhecimento um toque de cultura e inúmeras possibilidades de intervenção no que se refere à atividade física, que acabam sendo respaldadas por leis e sugerida por diversos instrumentos informativos que orientam a educação escolar, como por exemplo os PCN's.


Referências bibliográficas

  • ABIB, P. R. J. (2005). Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. Campinas, SP: UNICAMP/CMU; Salvador: EDUFBA.

  • BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.

  • CAMPOS, Hélio José B. Carneiro. Capoeira na escola. Salvador: Presscolor, 1990.

  • DANGEVILLE, Roger. Crítica da Educação e do Ensino. Lisboa: Moraes, 1978.

  • DIAS, A. A. (2006) Mandinga, Manha & Malícia. Salvador, Bahia: EDUFBA.

  • REIS, L. V. S. (2000) O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil.

  • REGO, Tereza Cristina. Vygotsky, uma perspectiva histórico-cultural da educação. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.


Web

  • www.efdeportes.com/efd94/capoeira.htm acessado em 12/09/2007 às 22:35h.

  • www.capoeiranaescola.com acessado em 12/09/2007 às 22:30 h.

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