Robôs: pensando as representações corporais a partir de um filme infantil |
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Mestranda em Ciencias do Movimento Humana, pela Escola de EF da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora susbtituta da mesma instituicao. |
Johanna Coelho von Mühlen jou_muhlen@hotmail.com (Brasil) |
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Artigo de conclusão da Especialização em Pegagogias do Corpo e da Saude.
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007 |
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Introdução
Dos criadores de A Era do Gelo, Robôs é uma nova aventura que irá maravilhar a todos com sua animação computadorizada de última geração. Robôs conta a história de Rodney Lataria, um aspirante a inventor, que viaja a Robópolis para conhecer seu ídolo, o Grande Soldador. Pelo caminho ele faz muitos amigos e juntos acabam encontrando o malvado Dom Aço. Sob a orientação de sua mãe, Dom Aço tomou a empresa do Grande Soldador e decidiu negar acesso aos outros robôs a peças necessárias para sua manutenção. Será que Rodney é feito daquilo que se faz necessário para salvar a todos? (Sinopse do filme Robôs, 2005)
Cada vez mais a idéia de que o cinema é apenas um lugar de entretenimento torna-se questionável, afinal, de um modo geral, os artefatos culturais estão presentes em nosso cotidiano das mais diferentes formas. Ruth Sabat (2004) apresenta dois aspectos para justificar o estudo dos filmes infantis e as representações neles contidas. O primeiro seria o grande consumo que esses possuem, não contando aqui apenas o grande número de espectadores que os assistem, mas de toda uma indústria vinculadas a eles, onde diversos produtos relacionados aos filmes são lançados e passam a ser consumidos pelas crianças. O segundo, é relativo também ao consumo, mas não de produtos, e sim, de verdades, de valores que estão presentes em suas histórias.
O cinema transformou-se numa instância educativa de muito poder, onde algumas representações são legitimadas ou marginalizadas. Guacira Lopes Louro (2000) refere-se ao cinema como "um movimento permanente de representações", tornando-se assim, uma nova pedagogia cultural.
O termo pedagogia cultural está ancorado nos Estudos Culturais, e nos autoriza a estender nosso olhar para além da escola e entrever que não é somente nesse espaço pedagógico que os corpos são educados, moldados, governados. Tomaz Tadeu da Silva assim se refere a estas novas formas de cultura:
Pelos imensos recursos econômicos e tecnológicos que mobilizam, por seus objetivos - em geral - comerciais, elas [essas novas formas culturais] se apresentam ao contrário do currículo acadêmico e escolar, de uma forma sedutora e irresistível. Elas apelam para a emoção e para a fantasia, para o sonho e a imaginação: elas mobilizam uma economia afetiva que é tanto mais eficaz quanto mais é inconsciente. É precisamente a força desse investimento das pedagogias culturais no afeto e na emoção que tornam seu "currículo" um objeto tão fascinante de análise... (Silva, 1999).
Nesse sentido, há pedagogia em qualquer espaço em que se efetua educação, em que se ensina aos indivíduos modo de proceder, de fazer, de viver, de comprar, de comer, de falar, de vestir; "existe pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que exista a possibilidade de traduzir experiências e construir verdades" (Giroux e MacLaren, 1995:144). Somos constantemente expostos á com informações que nos chegam principalmente através da mídia e nos ensinam como devemos nos relacionar com o mundo; informações estas que pretendem ser únicas e universais.
Desse modo, muitos espaços e processos sociais, além da escola, constituem-se em instâncias educativas. As formas através das quais essas instâncias interpelam os sujeitos diferem e, também, seus efeitos podem ser distintos. Os espaços pedagógicos são vistos assim, como aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido. Guacira Lopes Louro lembra:
Em várias sociedades, incluindo a brasileira, o cinema passou a ser, desde as primeiras décadas do século XX, uma das formas culturais mais significativas. Surgindo como uma modalidade moderna de prazer, rapidamente conquistou adeptos, provocando novas práticas e novos ritos urbanos. Em pouco tempo, o cinema transformou-se em uma instância educativa poderosa, na qual representações de gênero, sexuais, étnicas e de classe eram (e são) reiteradas, legitimadas ou marginalizadas (Louro, 2000).
Deste modo, é possível pensar os filmes infantis, assistido por crianças e adultos, como um artefato pedagógico que exerce poder sobre o público que os assiste, ensinando verdades sobre assuntos diversos através de suas representações - imagens e das falas dos personagens - construindo posições de sujeito, diferenças e identidades.
Representação é um conceito-chave para articular a análise do filme, pois é entendido, na perspectiva dos Estudos Culturais, como um modo de produzir significados na cultura; estes significados são produzidos através da linguagem (aqui através da linguagem utilizada no filme) e implicam relações de poder.
Conforme Dagmar Meyer:
Representação envolve as práticas de significação e os sistemas simbólicos através dos quais estes significados - que nos permitem entender nossas experiências e aquilo que somos - são construídos. As representações envolvem, pois, as práticas de construção e partilhamento de sentidos na cultura, pela operação de diferentes e variados signos e sistemas de classificação (2000, p.58).
Cabe ressaltar ainda que, conforme Guacira Louro escreve, mulheres, homens e crianças não são, diante dessa [filmes infantis] e de outras instâncias formativas, passivos receptores de mensagens, normas ou códigos. Eles e elas participam, ativamente, dos processos pedagógicos em ação. Distintas relações do sujeito com a imagem fílmica podem ocorrer: acolhida, ruptura, conformidade, resistência, crítica ou imprevisíveis combinações dessas e de outras respostas.
E, é baseada no aporte teórico acima, que proponho pensar as representações corporais contidas no filme infantil Robôs. Importante salientar que, além das perspectivas de corpo que o filme apresenta, também é relevante analisar as que estão ausentes e o porquê dessa ausência e dessa presença.
Relendo a sinopse do filme, apresentada no início desse artigo, Robôs parece ser mais um inocente filme infantil que, com um personagem heróico, irá resolver os problemas que lhe são apresentados ao longo da história. Não discuto aqui que Rodney Lataria, personagem principal do filme - o aspirante a inventor, tem atitudes solidárias com seus amigos, ajuda os robôs que necessitam de conserto, mantém uma relação de respeito com seus pais e passa o filme inteiro buscando realizar seus sonhos/ideais.
Aos olhos infantis, Robôs é uma fascinante viagem por um mundo mágico, colorido, com personagens bem construídos, divertidos e alucinantes doses de ação. Mas é quando se pensa um pouco mais sobre seu roteiro e o que está nas entrelinhas desse roteiro, que as questões relacionadas às representações corporais emergem.
Ao analisar o conteúdo de alguns trechos do filme, tanto as imagens, quanto as falas dos personagens, é possível pensar em questões atuais como a cultura de consumo corporal, tendo assim uma noção mais crítica sobre o que estamos apresentando às nossas crianças e que tipo de adolescentes e adultos poderemos produzir com esses tipo de consumo cinematográfico.
O primeiro ponto que proponho analisar é como o filme propõe que os robôs cresçam: para "fazer aniversário" e ficar mais velho é necessário que se faça a troca de peças. Mas, alguns robôs não possuem dinheiro para essa troca e utilizam, então, peças recondicionadas ou aproveitam peças de algum outro membro da família. Essa segunda opção é o que acontece com Rodney Lataria, que recebe de aniversário de 12 anos peças que eram da sua prima Verônica:
Pai de Rodney: Eis suas peças de 12 anos. Elas são...
Rodney: Doadas, pai, eu sei. Não me importo.
Pai de Rodney: São da sua prima Verônica, você sabe como ela é popular.
Nas cenas seguintes aparece a formatura do colégio de Rodney e a sua foto no convite da mesma.É nítido que Rodney está "constrangido" por estar usando peças de uma menina sendo ele um menino. Abaixo da sua foto vem seu "lema de formatura": Você pode brilhar, não importa do que seja feito, a mesma frase que é usada nas empresas do Grande Soldador.
Aqui cabe uma primeira reflexão sobre que imagem sobre o corpo nos é apresentada. Fica claro que as classes menos favorecidas economicamente não têm acesso a um corpo (peças) semelhantes às que possuem as classes que podem comprar peças novas para construírem um corpo aceito socialmente. Se na sociedade dos robôs as diferenças corporais são traduzidas pela "qualidade" das peças, em nossa sociedade, um corpo aceito socialmente irá depender do ambiente social que ele circula. Cabelos lisos, corpo enxuto, malhado e cirurgicamente contornado, são características que marcam um corpo tipo como belo pela cultura de massa. Esses corpos são veiculados na mídia de um modo geral (revistas, televisão, etc) e nos levam a crer que há somente uma possibilidade de se ter um "corpo bonito", ou seja, só podemos aceitar nosso próprio corpo se ele estiver dentro dos padrões atuais de beleza.
Mas com a velocidade de mudanças desses padrões essa busca se torna uma tarefa que parece interminável, uma vez que o que é o ideal corporal hoje, já não será mais em um curto determinado espaço de tempo. A indústria de cosméticos e das cirurgias plásticas nos oferece a cada dia uma infinita possibilidade de corrigir o que nos desagrada em nosso corpo. Cabe a nós fazer uma leitura seletiva - e não simplesmente se posicionar contrário a esse consumo desenfreado - do que o mundo atual nos apresenta e o que realmente essas marcas que podemos construir em nosso corpo (cor do cabelo, da pele, etc) representam. No filme Rodney entende que seu pai, um simples robô lavador de pratos, não teria recursos para lhe oferecer peças novas e ele se conforma com essa situação. Mas essa muitas vezes não é a realidade no nosso mundo dos não-robôs. Muitas pessoas encontram alternativas para moldar seu corpo, mesmo não possuindo reais recursos financeiros para isso. Nas cirurgias plásticas, por exemplo, já é possível até a realização de consórcios, o que possibilita o pagamento de uma prestação baixa e a esperança de se construir o corpo sonhado. A indústria da beleza, atenta à demanda, oferece maneiras de atender, hoje em dia, a todas as pessoas que realmente queiram e julgam que necessitam dos produtos e serviços que elas oferecem.
Um outro ponto interessante que se presta à análise está relacionado às empresas do Grande soldador. Ele é o dono de uma empresa que produz peças para reposição nos robôs. No início do filme o slogan de sua empresa é: "Se um robô é feito de peças novas, velhas ou sobressalentes, pode brilhar. Não importa do que é feito!" A história continua e a empresa do Grande Soldador é tomada por Dom Aço, que juntamente com sua mãe Junta, são os "vilões" do filme. Ele reúne os empregados da empresa e apresenta a eles uma propaganda da empresa da época em que se usava o slogan acima e ironiza:
Dom Aço: Minha nossa. Que legado extraordinário. Preocupa-se com os robôs comuns. Esses velhos valores estão fora de moda. E por uma boa razão. Não há dinheiro envolvido. Alô! Recado ao Grande Soldador: Nós não fazemos caridade... Agora, vamos ao negócio para arrancar grana desses robôs idiotas. Qual o nosso item mais caro? Peças novas, gente. Peças novas. Isso é que dá dinheiro. Se dissermos aos robôs que não importa do que são feitos, que são ótimos. Como esperar que eles se sintam mal o bastante e comprar peças novas para melhorar o visual? Portanto, eu criei um novo slogan: "Porque ser você quando você pode ser novo?" Acho que é brilhante. (...) Sabe como chamo os robôs que não podem comprar peças novas? Sucata. Andam pelas ruas disformes e cobertos de ferrugem. Eles dão náuseas na gente. Dá vontade de ir para casa e se esfregar.
A discussão sobre a parada na produção de peças para repor nos robôs versus a produção somente de peças novas é o que passa a nortear o filme a partir de então. A fala de Dom Aço acima - e outros trechos do filme que citarei no decorrer dessa reflexão - nos permite refletir sobre a cultura de consumo1. Feattherstone (1995) apresenta três perspectivas sobre essa cultura: a primeira diz respeito à premissa de seu surgimento, que segundo o autor, está relacionada à expansão capitalista de mercadorias, que deu origem a um acúmulo de cultura nas suas mais diferentes formas, resultando em uma maior oferta de atividades de lazer e atividades de consumo; a segunda, é a relação estabelecida sociologicamente entre a satisfação proporcionada pelos bens e o seu modo de mostrá-los à sociedade, fica assim a satisfação e o status como dependentes da exibição e da necessidade de comparação em relação ao outro, estabelecendo, com isso, distinções ou vínculos sociais; e, a terceira, em que o autor reflete sobre "a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos.
Ainda segundo o mesmo autor:
(...) na cultura de consumo ainda persistem economias de prestígio, com bens escassos que demandam investimentos consideráveis de tempo, dinheiro e saber para serem obtidos e manuseados corretamente. Esses bens podem ser interpretados e usados para classificar o status de seu portador. Ao mesmo tempo, a cultura de consumo usa imagens, signos e bens simbólicos evocativos de sonhos, desejos e fantasias que sugerem autenticidade romântica e realização emocional em dar prazer a si mesmo, de maneira narcísica, e não aos outros. A cultura de consumo contemporânea parece estar ampliando o leque de contextos e situações em que esse comportamento é considerado aceitável e adequado. (Featherstone, 1995)
Dentro desse contexto de cultura de consumo proposta, o corpo aparece como uma possibilidade de "mercadoria" a ser constituída e moldada conforme, também, as influências que os indivíduos recebem do meio. Representado no filme por peças de robôs, o corpo ocupa lugar de destaque na história contada, mesmo que em um primeiro momento essa discussão acerca do corpo pareça ser uma mensagem subliminar contida nele, visto que o heroísmo de Rodney é o eixo central do filme.
Não podemos esquecer que o corpo também aprende. A mente e o corpo tomam conhecimento dos fatos que o circundam. O corpo está constantemente aprendendo na relação, na interação com o outro, que também pode se materializar através da televisão, dos livros, da Internet, das revistas, enfim, da mídia de um modo geral e dos modelos idealizados que apresenta.
E que modelo corporal é idealizado pelo filme? Pelas palavras de Dom Aço seria a de um corpo sempre novo. Com a possibilidade de troca de qualquer peça/parte que possua uma versão mais moderna e que estará a nossa disposição para consumo imediato. Essa é a impressão de quem assiste ao filme até a fala citada. Mas ao longo da história, fatos, imagens e falas, nos levam a crer que a opinião expressa pode ser relativizada. E, é sobre essa mensagem que o filme passa que proponho uma reflexão mais elaborada.
Ficam evidentes, principalmente nas imagens, as posições e espaços sociais ocupados pelos robôs com peças novas e os com peças usadas. Quando Rodney chega a Robópolis - cidade onde fica localizada a indústria do Grande Soldador - vê robôs sucateados pedindo esmolas, vendendo mercadorias (de modo semelhante ao comércio paralelo que existe nas grandes cidades, os camelôs) e outros circulando com peças reluzentes, brilhando, com pastas executivas a tiracolo. Ao longo do filme, os robôs novos aparecem em reuniões executivas na grande empresa da cidade e os sucateados aparecem na periferia da cidade, buscando no lixo peças que eles possam usar em si mesmo para "melhorar o visual".
Na loja de ferragens, onde os robôs realizam seus consertos, a partir da proposta de Dom Aço de somente produzir peças novas, há uma divisão de setores. O setor para as peças novas é representado na imagem que segue:
Com os robôs que vão até a loja à procura de peças para reposição ao fundo, a imagem limpa e ofuscante faz um grande contraste com o setor da loja destinado as peças usadas, onde o ambiente é poluído, empoeirado e extremamente bagunçado. Ao falarem que não estão interessados em peças novas, os robôs marginalizados são taxados de fora de linha e o vendedor argumenta com eles que não existe mais peças ä disposição para eles que não sejam as novas, nas palavras do vendedor: Desculpe, mas para você é peça nova ou ferro velho.
Essa situação gera uma revolta coletiva dos robôs que não possuem maneira de comprar peças novas e acontece na frente da própria loja de ferragens a cena representada pela imagem e pela seqüência de falas que segue:
Vendedor: Lamento amigos. Não tem mais. De agora em diante somente peças novas.
Robô: Mas eu gosto de mim do jeito que sou!Com a passagem de um carro propaganda das empresas de Dom Aço ao fundo, essa cena nos permite começar a relativizar a idéia que o filme transmite sobre as representações corporais nele contidas. Se em um primeiro momento, como já citado anteriormente, as falas de Dom Aço nos levam a uma cultura de consumo corporal imediatista, a fala da personagem: "Mas eu gosto de mim do jeito que sou!", nos faz refletir sobre as informações que chegam para nós através das mais variadas pedagogias culturais e a maneira como nos posicionamos frente a elas.
No filme, os robôs não se conformaram com a parada na fabricação de peças para reposição, pois, para eles o uso de peças novas não adquire significado cultural. Ou seja, mesmo com a possibilidade (ou não, dependendo dos recursos financeiros de cada um) de se tornarem mais bonitos e modernos eles preferem continuar usando peças recondicionadas.
Obviamente isso reflete a posição de uma parcela da sociedade, a oferta estava lançada - o uso de peças novas - e alguns adotariam a nova moda e outros não, seja por falta de significado ou por falta de dinheiro. De uma maneira simples e direta, o filme ilustra bem o que acontece atualmente em nossas vidas. Novas possibilidades de melhora corporal são lançadas, uma parcela da população as consome, outra não, pelos mesmos motivos relacionados acima.
Na continuação da história, Dom Aço tenta deter Rodney que está consertando os robôs recondicionados e, com isso, afetando negativamente a produtividade de sua empresa. Rodney reencontra o Grande Soldador - que até então havia desaparecido - e conta a ele o que Dom Aço estava fazendo com sua empresa. Num primeiro momento, ele não acredita na possibilidade de reversão da realidade que estava posta, mas depois decide lutar ao lado de Rodney para destruir com as idéias de Dom Aço e fazer com que a empresa Grande Soldador volte a produzir peças recondicionadas. Eles lutam ao lado dos robôs - até então considerados fora de linha - e conseguem sair vitoriosos, com isso os robôs voltam a estar em linha, nenhum será descartado ou mandado para o ferro velho.
Compreendida toda a história, podemos perceber a crítica que o filme tece contra o mundo de hoje. O tema é consumismo desenfreado, que descarta sem dó nem piedade tudo aquilo que é considerado ligeiramente quebrado, sem função ou simplesmente fora de moda. Incluindo o que é possível ser consertado. Não ter (ser) o último modelo é estar fora da vida. E, é claro que, sob este ponto de vista, o filme não está falando de meros robôs, mas sim de seres humanos, de velhos, deficientes, minorias e excluídos em geral. Os motivos comerciais justificam a instauração de uma espécie de ditadura da beleza, que exige que os novos robôs sejam brilhantes e reluzentes, e que ninguém tenha direito a peças de reposição. É o ápice de todos os sonhos de consumo: gente descartável, fora de linha.
Este é um típico filme daqueles que as crianças assistem vezes sem conta e aprendem com eles, decorando músicas, gestos, diálogos. Se pensarmos em trabalhar em nossas salas de aula com esse tipo de artefato, é importante estarmos atentas para o fato de que os inocentes filmes infantis não são tão inocentes assim. Criar condições para que discussões desse tipo façam parte do cotidiano escolar significa, portanto, aumentar nossas possibilidades de educar sujeitos para uma sociedade que sofre diferentes tipos de influências de variados lugares que são capazes de produzir diferentes pedagogias culturais.
Finalizando, a linguagem é concebida como uma forma de ação, como produtora do mundo, como constituidora de identidades. Os filmes infantis, através de sua história, num conjunto de fantasia e diversão, ensinam as crianças como elas devem ser e como a sociedade é produzida.
As artes, as ciências, as tecnologias e a mídia de um modo geral (cinema, TV, música, revistas...) são considerados instâncias de produção do corpo porque desenvolvem uma pedagogia voltada para a educação dos corpos de homens e mulheres, de jovens e velhos/as, de brancos/as e negros/as. Estes aparatos preocupam-se em ensinar modos mais "adequados" de viver a vida. Entendo que estas instâncias educam, disciplinam e regulam os corpos como qualquer outra instância educativa e são, por isso, concebidas como Pedagogias Culturais.
As diferentes representações de corpo na mídia vão se conflituar, articular ou simplesmente conviver com outras representações de corpo veiculadas nos espaços de convivência dos sujeitos. São as roupas da moda, o cabelo, o tipo de linguagem, os lugares mais adequados, enfim, há um mundo na cultura de commodities capaz de identificar, de tornar visíveis os grupos, de acordo com as escolhas que cada um faz, marcando no corpo as pertenças, os lugares que ocupamos, as identidades que construímos.
Nota
O termo cultura de consume é usado por Mike Featherstone no livro Cultura de Consumo e Pós-Modernismo (1995)
Referências
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
GIROUX, Henry e McLaren, Peter L. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomas Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (org). Territórios contestados - O currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis:Vozes, 1995.
LOURO, Guacira Lopes Louro. O cinema como pedagogia. In: LOPES, Eliane M.; MENDES, Luciano; VEIGA, Cynthia T. (org) 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000.
MEYER, Dagmar. Identidades traduzidas - cultura e docência teuto-brasileira-evangélica no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: Sinodal, 2000.
SABAT, Ruth. Só as bem quietinhas vão casar. In: Meyer, Dagmar; SOARES, Rosângela (org) Corpo, Gênero e Sexualidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2004.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
Filmografia
ROBÔS. Direção: Chris Wedge. Produção: Jerry Davis, William Joyce e John C. Donkin. Música: John Powell Roteiro: Lowell Ganz e Babaloo Mandel, baseado em estória de Jim McClain e Ron Mita. ANO 2005 I filme (duração 89 min), son,. Color., 35mm.
revista
digital · Año 12
· N° 113 | Buenos Aires,
Octubre 2007 |