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Estudo electromiográfico do músculo deltóide durante a
recuperação dos membros superiores na técnica de crol

   
Faculdade de Desporto.
Universidade do Porto, Porto.
(Portugal)
 
 
Pedro Figueiredo | Ana Sousa  
Suzana M. Pereira | Sónia Vilar  
Pedro Gonçalves | Ricardo Fernandes  
João Paulo Vilas-Boas
spafg@vodafone.pt
 

 

 

 

 
Resumo
     A aplicação da electromiografia (EMG) à natação pura desportiva tem sido utilizada para descrever a participação muscular e analisar e/ou avaliar as variações inerentes às diferentes técnicas de nado. Com o presente estudo procuramos analisar a participação do músculo Deltóide (porção posterior, média e anterior) em dois padrões distintos de recuperação dos membros superiores na técnica de Crol: o padrão de recuperação rectilínea (PRR) e o padrão de recuperação lateral (PRL). Este foi um estudo de caso, tendo sido avaliado um nadador de bom nível desportivo. Os sinais electromiográficos foram recolhidos durante a realização de um protocolo intermitente de 10 x 25 m à velocidade de nado correspondente aos 200 m Livres, existindo 3 min de intervalo entre cada repetição. O nadador realizou as repetições realizando alternadamente o PRR e o PRL. A actividade EMG foi determinada por um sistema de captação superficial de sinal EMG em ambiente aquático, com subsequente emissão para um receptor exterior. Este receptor estava acoplado a uma placa de conversão analógica/digital, que permitiu a importação do sinal para um PC e o respectivo tratamento. Os resultados parecem permitir concluir que, a nível muscular, não existem evidências de uma maior adequação mecânica de um padrão de recuperação relativamente ao outro, não corroborando, portanto, a opinião empírica da comunidade técnica, de que o PRR é mais adequado do que o PRL na técnica de crol.
    Unitermos: Natação. Electromiografia. Crol. Músculo deltóide. Recuperação rectilínea. Recuperação lateral.
 
Abstract
     The Electromyography (EMG) - when applied to swimming - has been used, to describe the aspects of muscle participation, as well as to analyse and/or evaluate the different swimming techniques. It was analysed the participation of the Deltoid muscle (posterior, middle and anterior fibres) in two different patterns of recovery of the arms in the front crawl: straight recovery patter and lateral recovery pattern. A male swimmer, of a good national level, was tested. The EMG signs have been collected during an intermittent protocol of 10 x 25m (at the swimming speed corresponding to the 200m Freestyle), with 3 minutes of rest between repetitions. The subject changed the defined patterns of arm recovery in between each repetition. The EMG activity has been assessed by a system of EMG signs surface collection in watery environment, with the following emission towards an external receptor. This receptor was bound to an analogical/digital plate, which allowed the importation of the signal towards a PC and its following treatment. The results seem to reflect that, at muscular level, there are no differences between the referred arm recovery patterns. It was not possible to confirm the empiric statement that the lateral recovery pattern is the best to adopt in front crawl technique.
    Keywords: Swimming. Electromyography. Crawl. Deltoid muscle. Straight recovery. Lateral recovery.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Introdução

    No desporto de alta competição, a melhoria do rendimento desportivo decorre, principalmente, da melhoria dos métodos de treino e da melhoria da saúde e bem-estar do desportista. Tem-se tentado, cada vez mais, modificar os movimentos dos desportistas e o respectivo controlo motor, especialmente em desportos cíclicos e rítmicos dos quais a natação e a corrida são exemplos paradigmáticos (Clarys e Rouard, 1996). Segundo Clarys (1983), o padrão da acção muscular em natação pura desportiva (NPD) é um elemento muito importante, não podendo esta informação ser obtida simplesmente através de deduções anatómo-funcionais. Neste sentido, a investigação tem sido cada vez maior na área da biomecânica, na qual a electromiografia (EMG), tendo como objecto de estudo a actividade eléctrica muscular, se enquadra. A EMG tem sido usada por cientistas num vasto conjunto de áreas, que vão desde a Anatomia, à Reabilitação, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Medicina, Odontologia, Psicologia, assim como no Desporto e Educação Física. Mais especificamente na NPD, segundo Wakayoshi et al. (1994), a EMG tem sido utilizada para descrever os aspectos da participação muscular e analisar e/ou avaliar variações nas técnicas de nado. No entanto, com a EMG é também possível estudar a técnica e a coordenação intramuscular durante a realização dos movimentos, assim como validar meios de treino, sendo estes alguns dos aspectos que nos despertaram interesse para a realização do presente estudo.

    De entre os métodos utilizados pela biomecânica para abordar as diversas formas de movimento, i. e. a cinemetria, a dinamometria, a antropometria e a electromiografia (Winter, 1991), a EMG é aquele que apresenta condições para a realização de estudos da dinâmica muscular, ou seja, do estudo da função dos músculos. A EMG baseia-se num princípio estabelecido há mais de 200 anos por Galvani (Basmagian e DeLuca, 1985): um músculo-esquelético, quando estimulado electricamente, contrai-se e, por outro lado, produz corrente eléctrica quando se contrai voluntariamente. Na biomecânica, a EMG, é o único método directo de avaliação não intrusiva que permite determinar directamente parâmetros biomecânicos internos do corpo humano durante o movimento (Ervilha et al., 1999). Sendo que nadar o mais rápido e economicamente possível é um dos principais objectivos em NPD (Chatard et al., 1990), o que implica uma maior eficiência propulsiva e um menor arrasto (Vilas-Boas, 1997), torna-se muito importante estudar aspectos biomecânicos do nadador de forma a minimizar os erros técnicos que influenciam directamente o seu desempenho.

    O objectivo principal deste estudo consiste na caracterização do padrão electromiográfico do músculo deltóide nos diferentes tipos de recuperação dos membros superiores (MS) na técnica de crol, nomeadamente no padrão de recuperação rectilínea (PRR) e no padrão de recuperação lateral (PRL).


Material e métodos

    Foi realizado um estudo de caso. O nadador realizou um protocolo experimental intermitente, de 10 repetições de 25 metros, com intervalos de recuperação de 3 minutos. As 10 repetições foram realizadas a uma velocidade de nado pré-estabelecida, tendo como referência o melhor registo pessoal do nadador na distância dos 200 metros crol. O nadador foi realizando, de forma alternada durante as dez repetições, o PRR e o PRL, tendo realizado cinco repetições em cada padrão de recuperação dos MS. O controlo do padrão de recuperação dos MS adoptado pelo nadador foi efectuado através de uma câmara de vídeo de sistema digital da marca Sony® (modelo GR-SX1), colocada no plano transverso.

    Inicialmente procedeu-se à depilação da pele do nadador à superfície do ventre do músculo onde se iriam colocar os eléctrodos, ao que se seguiu a remoção, por abrasão, da superfície morta da pele, assim como a limpeza da superfície de detecção (com álcool etílico), de forma a remover a camada sebácea e, consequentemente, diminuir a impedância cutânea e/ou variações nos resultados causadas por este motivo (cf. Basmajian e De Luca, 1985; Correia et al., 1993).

    Para a colocação dos eléctrodos e melhor captação do sinal, utilizaram-se os procedimentos recomendados pelo projecto SENIAM (1999) para o músculo deltóide e respectivas porções. O eléctrodo de referência (terra) foi colocado sobre a clavícula, visto este ser o ponto ósseo mais próximo do local de colocação dos eléctrodos, bem como pelo facto de não interferir com o movimento do nadador.

    Como é possível observar na Figura 1, a impermeabilização dos eléctrodos foi efectuada como o descrito na literatura da especialidade (Rouard et al., 1993; Hohmann et al., 2006; Gonçalves et al., 2006). Primeiramente utilizou-se um penso tipo spray, permeável ao vapor de água, coberto posteriormente com uma camada de pensos, no intuito de aumentar a impermeabilidade à água. Em seguida, para aumentar a resistência do material ao meio aquoso e permitir uma maior impermeabilização, procedeu-se à cobertura de todos os eléctrodos e cabelagem com fita-adesiva de forte poder adesivo.

    O registo EMG das três porções do músculo deltóide foi efectuado por EMG superfície, através de eléctrodos de superfície Ag/AgCl (Unilect), circulares, com um diâmetro de 5mm, de configuração bipolar e activos, colocados sobre as três porções do músculo em estudo. O pré-amplificador utilizado foi o AD621 BN, com um ganho de 100 e um CMRR igual a 110 DB (Carvalho et al., 1999). O sinal registado foi "conduzido" por cabos de 25 metros para o amplificador principal, onde foi condicionado e amplificado 11 vezes, numa amplificação total do sistema de 1100 (Gonçalves et al., 2006). A impermeabilização da electrónica dos eléctrodos activos foi realizado através do seu imbebimento num volume de cola especial (Araldit®).

    A fim de evitar qualquer perturbação do nadador, todos os cabos dos eléctrodos foram unidos num cabo único, saindo este, na parte supero-posterior do fato de banho utilizado (fato fastskin completo - marca Speedo®). Este cabo que se formou saindo do fato de banho, foi fixo a um sistema de roldana desenvolvido para o efeito (Figura 2). Este sistema foi formado por uma roldana que deslizava sobre um cabo de aço preso de parede a parede atravessando a piscina no sentido longitudinal.

    Os sinais adquiridos pelo electromiógrafo foram convertidos por um conversor analógico/digital (A/D) de 16 bits (BIOPAC Systems, Inc) de resolução e com um input voltage range de ± 10 volts, a uma taxa de aquisição de 1000 amostras por segundo, com possibilidade de obter até 8 canais para EMG de superfície (sendo alimentado por uma bateria de 15 volts - 10x1.5V), que permitiu a posterior importação do sinal EMG para um PC, bem como o respectivo tratamento (Figura 3). Este sinal foi processado através do programa de aquisição e tratamento de dados Acqknowledge® 3.2.5 (BIOPAC System, Inc). Os passos utilizados para o tratamento do sinal electrofisiológico registado foram a suavização, a remoção da componente continua, a rectificação, a filtragem passa baixo e a normalização à contracção voluntária máxima isométrica. Para uma descrição complementar da metodologia, procedimentos e tratamento dos dados experimentais empregues consultar Pereira et al. (2007).

    Para o tratamento dos dados utilizou-se a estatística descritiva, calculando-se a média e respectivo desvio-padrão. Para a comparação de grupos em função do padrão de recuperação dos MS adoptado usou-se o teste t de Student para grupos independentes para um nível de significância de p=0.05.


Apresentação e discussão dos resultados

    Ao longo dos anos têm sido vários os autores que têm definido a recuperação rectilínea dos MS na técnica de crol como o padrão de recuperação mais eficiente (cf. Catteou e Garoff, 1974; Counsilman, 1984; Costill et al., 1992). No entanto, não foi possível encontrar nenhum estudo na literatura que evidencie, através de dados concretos e objectivos, a possibilidade anteriormente enunciada. O presente estudo pretendeu encontrar uma resposta para esta problemática.

    O electromiograma produzido pela actividade eléctrica do músculo durante a contracção consiste num padrão visual de curvas com amplitude e frequência (Kreighbaum e Barthels, 1996). Na Figura 4, é possível observar o padrão electromiográfico das três porções do músculo deltóide (posterior, média e anterior) nos dois tipos de recuperação do MS em crol: o PRR e o PRL.

    Relativamente ao PRR, este estudo corrobora os resultados obtidos por Clarys (1985). Este autor verificou que a acção da porção posterior do músculo deltóide, durante um ciclo completo do MS, se caracteriza por três picos de activação. Complementarmente, Clarys (1985) sublinha a existência de um padrão de dois picos de contracção na porção média do músculo, facto este também verificado no presente estudo, ainda que um pico seja de amplitude bastante reduzida. No PRL a porção posterior do músculo deltóide também apresenta um padrão com três picos de contracção. No entanto, se no PRR o primeiro pico correspondia à fase final da acção ascendente dos MS e à fase subaquática de recuperação, no PRL, este mesmo pico é devido apenas à fase ascendente dos MS, uma vez que ocorre antes do inicio da fase subaquática da recuperação. Este facto pode-se dever à existência de um movimento mais amplo de extensão do MS no PRR, solicitando assim uma maior contracção da porção posterior nesta fase, o que não acontece no PRL.


Conclusão

    Sendo que a actividade electromiográfica está, imperativamente, associada à eficiência muscular, o facto de se verificar uma irregularidade no que concerne à sobreposição de um padrão sobre o outro, parece permitir concluir-se que, a nível muscular, não existem evidências de uma maior adequação mecânica de um padrão de recuperação relativamente ao outro. Assim sendo, o presente estudo não produz evidências que permitam corroborar a opinião empírica da comunidade técnica ligada à NPD, de que o PRR é mais adequado do que o PRL na técnica de crol.


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