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Educação física e juventude:
um "território de oportunidades"

   
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora.
 
 
Prof . Dr. Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior
carlos.fernando@ufjf.edu.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este artigo discute possibilidades de intervenção pedagógica para a juventude a partir da Educação Física. Analisamos a experiência do Projeto Território de Oportunidades desenvolvido no interior da Universidade Federal de Juiz de Fora. Nossa intenção é possibilitar aos jovens envolvidos uma visão crítica do mundo das atividades físicas e do campo do Lazer.
    Unitermos: Educação Física. Juventude. Lazer.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Introdução

    O Pólo de Suporte às Políticas de Proteção à Família, Infância e Juventude da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais - Brasil) é um programa de extensão que busca através da articulação entre a comunidade acadêmica e a sociedade contribuir para o fortalecimento de políticas públicas, prioritariamente as de assistência social desenvolvidas na Zona da Mata Mineira e adjacências, destinadas à família, infância e juventude. O Pólo tem como estratégia de intervenção atuar em três dimensões que se expressam em três linhas: (1) Assessoria à gestão de políticas, programas e projetos sociais destinados à família, infância e juventude; (2) Capacitação de recursos humanos envolvidos nas políticas, programas e projetos sociais destinados à família, infância e juventude; e (3) Desenvolvimento de projetos de atendimento à família, infância e juventude, que possuam caráter experimental e que estejam diretamente vinculados à pesquisa e ao ensino.

    A situação de grande parte dos jovens juizforanos não é diferente da juventude brasileira, latina e mundial, especialmente daquela oriunda das classes populares: falta de oportunidades de inserção na vida social, desemprego, influência do crime e das drogas, exploração e abuso. Na tentativa de enfrentar esta problemática na região que cerca a UFJF foi criado o "UFJF - Território de Oportunidades", projeto este que reúne jovens, de 15 a 18 anos, matriculados e freqüentes no Ensino Médio, residentes nos bairros São Pedro e Dom Bosco. O objetivo desta iniciativa foi trazer os jovens para o interior da Universidade com vistas a despertar suas vocações e desenvolver criticamente suas consciências através do acesso ao conhecimento produzido por diversas áreas e ciências. Busca-se também com o projeto que os jovens sejam multiplicadores em suas comunidades dos saberes adquiridos na UFJF.

    Quando fomos convidados a participar do projeto, representando a Faculdade de Educação Física e Desportos (FAEFID), sabíamos dos desafios que teríamos pela frente, especialmente no que diz respeito a superar representações tradicionais que permeiam o senso comum sobre a Educação Física: sua identificação com o esporte competitivo, a busca de formação e seleção de talentos esportivos, a prática de atividades sem reflexão, a ênfase no treinamento físico e técnico através de repetições, etc. Assim, na tentativa de basear nossa ação para enfrentar e superar tais representações, organizamos um grupo de estudos com alunos da FAEFID e definimos as diretrizes teórico-metodológicas do trabalho que desenvolveríamos com os jovens do Território de Oportunidades.

    Nossa ação está baseada no entendimento de que a Educação Física deve ser compreendida enquanto prática pedagógica que trata do conjunto das manifestações corporais produzidas pelos seres humanos ao longo da história, ou seja, o esporte, a ginástica, o jogo, as lutas e a dança. Essas práticas, portanto, constituem a chamada cultura corporal de movimento (Coletivo de Autores, 1992), conhecimento ampliado que temos trabalhado com os jovens do Território de Oportunidades.

    Atuar nessa perspectiva significa buscar superar o modelo tradicional que tem baseado o trabalho com a Educação Física em seus diversos campos de atuação, especialmente o escolar e o lazer. Apoiadas no paradigma da aptidão física, as práticas corporais são reduzidas ao seu aspecto biológico, à ênfase no ensino da técnica, à preparação física, ao fazer pelo fazer e ao desenvolvimento de valores como a competitividade, a hierarquia e a obediência.

    Nossa inspiração teórica fundamenta-se na proposta crítico-superadora (Coletivo de Autores, op. cit.) que aborda os conteúdos da cultura corporal de movimento na sua totalidade, ou seja, sob o enfoque de diversas áreas e ciências (biologia, sociologia, história, etc), naquilo que lhes são específicos (técnicas, táticas, regras) e nas implicações com o mundo e a realidade social.

    Essa superação do modelo tradicional de Educação Física com vistas a um entendimento mais amplo e crítico do mundo das atividades físicas, do esporte e do lazer é ainda mais valioso se levarmos em consideração a condição social dos jovens inscritos no Território de Oportunidades. De acordo com os dados fornecidos pelo relatório das ações do projeto em 2004 (Cassab, Mendes, Portella, 2005), quanto à renda familiar tem-se que 48,4% possuem renda até dois salários mínimos, 38,7% de dois a quatro salários, enquanto que 12,9% possuem renda familiar de quatro salários mínimos ou mais. A renda per capita média entre essas famílias é de R$133. E quanto à ocupação profissional dos pais desses jovens observa-se que as mães apresentam idade que variam de 31 a 63 anos, 48,3% desenvolvem atividade de doméstica/diarista, 29% são "do lar", 6,5% estão desempregadas, enquanto que 16,2% possuem como ocupação profissional atividades como balconista, acompanhante, cozinheira, etc. Quanto aos pais tem-se que entre 47,9% há pedreiros, eletricistas, mecânicos, comerciantes e técnico em enfermagem; entre 13,9% encontram-se aqueles que desempenham atividades de carpinteiro, porteiro e jardineiro; 8,7% dos pais encontram-se desempregados e 26,1% estão aposentados. Portanto, estamos diante de jovens da classe trabalhadora e nossa proposta visa, além de ampliar sua vivência no mundo das atividades físicas, esportivas e de lazer, fazer com que eles compreendam criticamente o processo de injustiça e desigualdade ao qual estão historicamente submetidos.

    A formulação original da proposta crítico-superadora tem como local de produção e intervenção a instituição escolar. No entanto, tal pensamento que critica o modelo tradicional de Educação Física e lança bases teórico-metodológicas para fundamentar sua superação pode inspirar outros setores como o campo do lazer1.

    O lazer pode ser definido como o tempo que resta das obrigações de trabalho, familiares, religiosas e fisiológicas, disponível para a fruição e vivência de atividades artísticas, intelectuais, físicas, manuais, sociais e turísticas (Dumazedier, 1980). É, portanto, um tempo onde a cultura é vivenciada. Um tempo em que certas condições, como a de classe social e gênero, por exemplo, podem ter repercussões limitadoras. E este problema afeta os jovens inscritos no como veremos mais à frente no texto.

    Valendo-nos da perspectiva de Nelson Carvalho Marcellino (1987), consideramos o lazer como campo de intervenção social que possui um duplo aspecto educativo, ou seja, o lazer pode ser objeto e veículo de educação. E está aqui a base fundamental para nossa ação junto ao Território de Oportunidades.

    Tratando-se do lazer como veículo de educação (a educação pelo lazer) é necessário considerar seu potencial para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. As atividades que propomos no projeto, ainda limitadas aos interesses físicos-esportivos, visam contribuir para o prazer propiciado pela prática das mesmas, para o desenvolvimento de valores como a solidariedade e a cooperação, como também para a compreensão crítica da realidade social.

    Já o lazer enquanto objeto de educação, ou seja, a educação para o lazer, visa demonstrar a sua importância, esclarecer sobre seus significados, ampliar o conhecimento dos envolvidos sobre as diferentes possibilidades de ocupação do tempo disponível, derrubar barreiras impostas por preconceitos e estereótipos e alimentar o espírito crítico com relação à ação da indústria cultural.

    Nossa participação no Território de Oportunidades visa possibilitar aos jovens a vivência dos conteúdos da cultura corporal orientada por uma postura crítica que contribua para a compreensão da realidade social, para sua autonomia e para a qualificação da ocupação do seu tempo disponível. Nossa intenção é colaborar para que estes jovens consigam "ler" o mundo das atividades físicas, esportivas e culturais com lentes mais amplas, para além de si mesmas.

    Buscamos fugir, portanto, da perspectiva tradicional que tem orientado diversos programas de lazer, cujo objetivo é simplesmente oferecer atividades estanques que "distraiam" e "entretenham", sem qualquer tipo de preocupação com as possibilidades que este campo proporciona em termos de uma ação educativa e crítico-pedagógica. Para nós, "a admissão da importância do lazer na vida moderna, significa considerá-lo um tempo privilegiado para a vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural" (Marcellino, 1996: 15).

    Nos primeiros contatos com os jovens inscritos no projeto buscamos conhecer suas experiências anteriores com a Educação Física e o lazer e concluímos que: (a) o esporte competitivo é a base de suas práticas anteriores; (b) suas vivências são limitadas as atividades esportivas tradicionais; (c) suas experiências são marcadas por preconceitos e estereótipos, especialmente aqueles relacionados à categoria gênero; e (d) sua condição de classe funciona como barreira à vivência de atividades culturais na cidade.

    Também questionamos os jovens sobre suas expectativas com relação à participação da Educação Física no projeto e registramos alguns depoimentos:

  • "Eu quero fazer futebol, natação, ginástica, dança e se tivesse capoeira seria uma boa".

  • "Na área da Educação Física espero que tenham poucas aulas teóricas e mais aulas práticas".

  • "Eu quero praticar vários esportes junto com meus amigos".

  • "Acho que a Educação Física é importante hoje em dia, pois pode tirar jovens da rua e divertir quem rala a semana toda".

  • "Eu espero aprender coisas novas, ter oportunidades. Poder fazer uma faculdade aqui mais pra frente. Para mim a Educação Física tem grande importância".

    Conhecer as experiências dos jovens com a Educação Física e suas expectativas com relação a nossa atuação no projeto foi de fundamental importância. A partir destes dados estabelecemos os objetivos específicos de nossa ação, bem como as estratégias metodológicas a serem utilizadas.

    Constatamos que suas experiências com as atividades físicas sistematizadas eram restritas às modalidades esportivas tradicionais com caráter competitivo. Sendo assim, nosso primeiro objetivo foi ampliar as vivências dos alunos no que diz respeito às práticas corporais através do trabalho com a natação, os jogos e brincadeiras, a ginástica artística e a ginástica rítmica desportiva. Questões interessantes foram trabalhadas a partir destes conteúdos, como veremos a seguir.

    Logo no primeiro dia de nossa ação no projeto, os alunos foram apresentados às instalações da FAEFID. A piscina foi o local mais festejado e logo solicitaram que a primeira atividade fosse a natação. Atendemos o pedido. Trabalhamos com o conceito do que é "nadar", ou seja, deslocar-se no meio líquido através de variadas formas e gestos que necessariamente não são aqueles utilizados nos "nados" da natação de alto nível. Os alunos compreenderam que a técnica não é algo dado, imutável, mas que pode ser reconstruída de acordo com os objetivos e as necessidades de cada um.

    O trabalho com a unidade "jogos e brincadeiras" foi orientado no sentido de que os alunos trariam para a aula atividades de sua própria escolha. Eles foram divididos em grupos e cada grupo deveria organizar a sua atividade para o restante da turma. Buscamos explorar seu potencial criativo, sua capacidade de organização e sua autonomia.

    A ginástica artística e a ginástica rítmica desportiva foram escolhidas propositalmente com o objetivo de flagrar no grupo de jovens manifestações de preconceito e estereótipo com relação ao gênero. Foram apresentados os principais elementos e aparelhos das ginásticas, bem como exercícios básicos. Durante as atividades, vários alunos homens recusaram-se a participar e comentários do tipo "Isto é coisa de mulher!" foram comuns. Na aula seguinte, trabalhamos com o filme "Billy Elliot"2.

    O ator Jamie Bell interpreta um garoto de 11 anos que vive numa pequena cidade da Inglaterra, onde o principal meio de sustento são as minas da cidade. Obrigado pelo pai a treinar boxe, Billy fica fascinado com a magia do balé, ao qual tem contato através de aulas de dança clássica que são realizadas na mesma academia onde pratica boxe. Incentivado pela professora de balé (Julie Walters), que vê em Billy um talento nato para a dança, ele resolve então largar as luvas de boxe e se dedicar à dança, mesmo tendo que enfrentar a contrariedade de seu irmão e seu pai à sua nova atividade.

    Utilizamos o filme para discutirmos os estereótipos e preconceitos de gênero que permeiam a prática de atividades físicas. Houve um intenso debate entre os alunos e a participação masculina nas atividades aumentou.

    Nosso esforço de superar o modelo tradicional de Educação Física e Lazer prossegue em nossa ação com os jovens inscritos no Território de Oportunidades. Nossa ação terá continuidade especialmente focalizando a temática do lazer: seu conceito, as barreiras para sua vivência com intensidade e diversidade, as opções que Juiz de Fora oferece e a organização dos jovens de programas e ações nesta área.


Notas

  1. Cabe aqui uma questão importante, específica sobre o Projeto Território de Oportunidades: como consideramos o tempo que estes jovens passam conosco na UFJF? Lazer ou trabalho? Arrisco a dizer que este é um tempo de semi-lazer, ou seja, mais do que qualquer outro interesse, aquele que traz estes jovens a UFJF é a satisfação pessoal alcançada com as diversas atividades programadas.

  2. Produção inglesa do diretor Stephen Daldry no ano de 2000.


Referências bibliográficas

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. Campinas: Cortez, 1992.

  • CASSAB, Maria Aparecida Tardin, MENDES, Juliana T. N., PORTELLA, Maria Carolina Ribeiro. Projeto UFJF - Território de Oportunidades - Relatório de Atividades - 2004. UFJF: Juiz de Fora, 2005.

  • DUMAZEDIER.J. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980.

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987.

  • _______. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados, 1996.

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