Síncopes e quedas na prática do Tai Chi Chuan em idosos Syncopes and falls in the elderly Tai Chi Chuan practice |
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*Professor de Tai Chi Chuan, Mestre em Educação Física (UCB). **Doutora em Medicina (Universidade de Londres), Professora do Mestrado em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). ***Doutor em Medicina (UNIFESP). Diretor da Pós-Graduação stricto sensu em Educação Física (UCB). (Brasil) |
Márcio de Moura Pereira* Lucy Gomes** Ricardo Jacó de Oliveira*** mmourap@hotmail.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 112 - Septiembre de 2007 |
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Introdução
Com origem nas artes marciais, o Tai Chi Chuan (TCC) é modalidade de Ginástica Chinesa que vem sofrendo uma série de adaptações nos últimos 300 anos, para uso como exercício em pessoas de todas as idades e, em especial, na Terceira Idade (WOLF et al., 1997; GOMES et al., 2004). Neste processo de adaptação, foi surgindo grande número de variações (CROMPTON, 1998), fazendo do TCC uma prática bastante heterogênea. Alguns autores sugerem que os diversos componentes da aula (aquecimento, trabalho específico e desaquecimento) sejam distribuídos de forma equilibrada, centrando o treinamento na metodologia de atividade física para a promoção da saúde. Entretanto, é comum encontrar autores que sugerem práticas mais próximas das origens marciais do exercício, propondo treinamento baseado na alta performance de execução das coreografias, dentro da metodologia do esporte de rendimento (TUNG, 1981; KIT, 1996).
O TCC promove, em idosos, ganhos de condicionamento físico, força e equilíbrio, ajudando também na prevenção de quedas (JUDGE et al., 1993; FEDER, 2000; OLIVEIRA et al., 2001). Entretanto, a diversidade de abordagens pode conter elementos de risco para a população idosa, principalmente referente ao risco de acidentes por queda, provocadas por hipotensão postural e síncope. Este risco é particularmente aumentado durante as práticas tradicionais do TCC, que propõem alguns exercícios nos quais os mecanismos hipotensores podem ser acionados, facilitando as quedas. Entende-se por práticas tradicionais do TCC aquelas ministradas por instrutores não formados em Educação Física ou, ainda, aquelas que seguem rigidamente os exercícios e as coreografias propostas nos primórdios do desenvolvimento da modalidade, ao invés da prescrição dentro dos padrões da Fisiologia do Exercício.
ObjetivoPartindo do pressuposto de que a diversidade de abordagens do ensino do TCC pode conter elementos de risco para o trabalho com a população idosa, principalmente no que se refere ao risco de acidentes por queda em situações de hipotensão postural e síncope, esta revisão teve o intuito de trazer, aos estudiosos e pesquisadores da modalidade, informações atualizadas a respeito dos mecanismos desencadeadores desses eventos e a respeito de momentos específicos nas práticas tradicionais do TCC em que estes mecanismos podem ser acionados, aumentando o risco de acidente por queda.
1. Prevalência de hipotensão postural e síncope em idososSGAMBATTI et al. (2000) afirmam que índices entre 10% e 30% de prevalência da hipotensão postural podem ser encontrados entre idosos saudáveis.
Segundo FREITAS et al. (2002), 20% dos doentes com idade superior a 65 anos apresentam algum grau de hipotensão postural. De acordo com RUTAN et al. (1992), ela é comum na velhice e aumenta com o avançar da idade. A prevalência de hipotensão postural assintomática para essa faixa etária é de 16,2% e está, significativamente, associada à dificuldade para caminhar, a aumentos na freqüência de quedas, a históricos de infarto do miocárdio, a eventos isquêmicos transitórios e, particularmente, à estenose das carótidas.
KENNY et al. (2002) também afirmam que síncopes e quedas são sintomas comuns em idosos, sendo a sexta maior causa de atendimento nas emergências hospitalares (de 20% a 45% dos atendimentos de adultos) do Reino Unido, com registros de pelo menos um evento por ano para 35% dos idosos acima de 65 anos e 45% para aqueles acima dos 80 anos. A queda resultou em fratura em pelo menos 10% dos eventos de síncope.
Segundo PARRY & KENNY (1999), anualmente a síncope responde por 3% dos atendimentos nas emergências e de 1% a 6% das internações hospitalares, tendo uma prevalência de 23% em idosos institucionalizados.
2. Regulação da pressão arterial e síncopeDe acordo com WARLTIER et al. (2003), a regulação da pressão arterial (PA) envolve mecanismos complexos, tanto centrais quanto sistêmicos e, ambos, além da influência direta e rápida sobre a pressão, também acionam e modulam mecanismos de regulação tardios, através do sistema renina-angiotensina-aldosterona e vasopressina.
O mecanismo central é representado pelo controle exercido sobre o Centro Vasomotor a partir do córtex motor e da área superior do cérebro, modulando a atividade do Sistema Nervoso Simpático, que mantém ou aumenta o tônus dos vasos, permitindo manutenção ou incremento na PA de acordo com estímulos tanto químicos (CO2, O2, pH, etc.) quanto físicos (tônus muscular, fluxo e volume de sangue no coração, artérias e arteríolas).
Dentre os mecanismos sistêmicos e periféricos, dois interagem intimamente na manutenção da PA em níveis normais: o barorreflexo e o reflexo Besold-Jarich. O barorreflexo atua através de receptores carotídeos (via nervo de Hering) e aórticos (via nervo vago) para a medula espinhal. Ele é acionado quando os estímulos indicadores de elevação da PA atingem níveis críticos, promovendo vasodilatação periférica e diminuição da freqüência cardíaca, com conseqüente redução da PA.
O reflexo Besold-Jarich, ou reflexo cardioinibidor, é acionado a partir de receptores cardíacos sensíveis a aumentos de volume que normalmente passariam despercebidos pelos barorreceptores, disparando mecanismos no centro vasomotor que promovem vasodilatação periférica e, finalmente, redução da PA, muitas vezes sem alterações detectáveis no ritmo cardíaco.
O barorreflexo e o reflexo Besold-Jarich atuam na manutenção da PA normal, integrando-se em situações de PA elevada (promovendo redução na volemia e vasodilatação), isquemia cardíaca e infarto do miocárdio, bem como na síncope por estresse ortostático (hipotensão postural).
FREITAS et al. (2002) defendem que, dentre os vários mecanismos envolvidos na manutenção da PA na posição ortostática, o principal é a atuação do barorreflexo sobre a vasomotricidade que, em situações de normalidade faz com que a passagem da posição sentada ou deitada para a ortostática evoque uma seqüência de eventos reguladores, com as seguintes características:
redução da PA Sistólica entre 5 a 10 mmHg;
aumento da PA Diastólica entre 5 a 10 mmHg;
aumento da freqüência cardíaca entre 5 a 15 bpm;
redução de aproximadamente 30% do débito cardíaco.
3. Fisiopatologia da hipotensão posturalDe acordo com FREITAS et al. (2002), hipotensão postural ou ortostática é situação na qual, entre 1 a 5 minutos a partir da adoção da posição ortostática, os seguintes sintomas estão presentes:
redução de PA sistólica igual ou superior a 20 mmHg;
redução de PA diastólica igual ou superior a 10 mmHg; e
sintomas de hipoperfusão cerebral (fraqueza, tontura, perturbações visuais - enevoamento e escurecimento - e síncope).
Segundo SGAMBATTI et al. (2000), hipotensão postural pode ser definida de três maneiras:
queda de 30% ou mais da PA sistólica ao passar ao ortostatismo;
redução maior ou igual a 20 mmHg na PA sistólica ou de 10 mmHg ou mais na PA diastólica no ortostatismo;
redução igual ou superior a 20 mmHg na PA sistólica ou diastólica, associada a vertigens, visão turva, astenia e síncope, na adoção da posição ortostática.
Para KAUFMANN (2002) há dois tipos de hipotensão postural, por descarga vasovagal e por disfunção autonômica, com sintomas clínicos muito semelhantes, podendo ambas culminar em síncope.
3.1. Hipotensão postural por descarga vasovagalO mecanismo hipotensor da descarga vasovagal é disparado a partir de gatilho psíquico, fisiológico ou ambiental, causando diminuição importante na PA e podendo levar à síncope, atingindo tanto jovens quanto idosos (KAUFMANN, 2002; BÉCHIR et al., 2003). Neste tipo de síncope estão presentes sintomas premonitórios (pré-síncope) tais como diminuição da consciência, perturbações visuais e diminuição do tônus muscular. Podem também estar presentes náuseas e perturbações gástricas. Entretanto, como todos estes sintomas podem ocorrer em outros tipos de síncope, os fatores característicos da síncope vasovagal são a adição de bradicardia, sudorese e gatilhos.
Os gatilhos mais freqüentes estão relacionados a:
perdas de volume (pós-prandial, mudança rápida de decúbito para o ortostatismo, principalmente pela manhã, doença renal, medicação diurética, desidratação, hemorragias, hemodiálise, diarréia, vômitos, etc.);
vasodilatação (medicamentos, álcool, calor ambiente, febre, varizes extensas, permanência em ortostatismo por longo tempo, etc.);
descargas vagais situacionais devido à manobra de Valsalva (micção, defecação, tosse, espirro, deglutição, levantamento de peso, tocar instrumentos de sopro, execução de certos exercícios respiratórios, etc.);
descargas vagais situacionais devido ao reflexo de mergulho (mergulho em água fria, ducha fria, etc.) ;
descargas vagais situacionais devido a manobras no seio carotídeo (massagens no pescoço, verificação de freqüência cardíaca na artéria carótida, movimentos compressivos do pescoço, etc.); e
descargas vagais situacionais devido a manobras na câmara posterior do olho (massagens na parte superior do globo ocular).
3.2. Hipotensão postural por disfunção autonômicaEste tipo de hipotensão postural ocorre quando há diminuição crônica da liberação de noradrenalina nas terminações pós-ganglionares dos neurônios simpáticos, alterando a vasomotricidade e a volemia, com conseqüente queda na PA durante o ortostatismo. Segundo FREITAS et al. (2002), o principal responsável pela resposta hipotensora anômala é o barorreflexo.
Já PARRY & KENNY (1999) defendem que o disparador do processo é uma resposta compensatória defeituosa do reflexo Besold-Jarich. Os mecanismos cardiorreguladores respondem à hipovolemia central, provocada pela retenção do sangue na parte baixa do corpo durante o ortostatismo, com estimulação simpática e aumento da contratilidade ventricular esquerda. Isso leva a ativação dos mecanorreceptores e do reflexo Besold-Jarich, mesmo em presença de baixos volumes de sangue processados pelo ventrículo esquerdo, e mesmo sem aumentos significativos na freqüência cardíaca, causando uma descarga vasovagal e, finalmente, hipotensão e síncope, geralmente precedida pelos sintomas de pré-síncope.
Segundo diversos autores (MINSON et al., 1999; FREITAS et al., 2002; KAUFMANN, 2002; BÉCHIR et al., 2003), esta é uma situação comum no processo de envelhecimento, podendo surgir em conseqüência de:
doenças neurológicas (insuficiência autonômica pura - PAF, síndrome de Shy-Dragger, Parkinson, esclerose múltipla, tumores cerebrais, etc.);
doenças periféricas (Guillain-Barré, síndrome Holmes-Adie, etc.);
seqüelas neurológicas de outras doenças (diabetes, alcoolismo, anemia, amiloidose, insuficiência renal, HIV, herpes zoster, sífilis, doenças auto-imunes, falência dos barorreceptores, etc.);
alterações cardíacas (miocardite, infarto, arritmias, prolapso da válvula mitral, estenose aórtica, cardiomiopatia hipertrófica, etc.);
medicamentos (vasodilatadores, drogas para impotência, diuréticos, antidepressivos, anti-hipertensivos, anestésicos, barbitúricos, etc.).
4. Risco de síncope no TCCNo TCC, há várias metodologias, procedimentos e situações em que a prescrição do exercício pode apresentar risco aumentado para o surgimento de síncope por hipotensão postural.
4.1. Riscos quanto à prescrição: horário, duração, freqüência e velocidadeEmbora o TCC possa ser praticado a qualquer hora do dia ou da noite, dois horários - o nascer e o por do sol - são considerados mais indicados, com uma clara predileção pelo amanhecer (DESPEUX, 1995; LIU, 1995; CHUEN, 1999).
Quanto à duração e à freqüência do TCC, é sugerido que as práticas durem desde 30 segundos até várias horas, realizados em uma ou mais sessões ao longo do dia. Entretanto, há unanimidade entre os autores quanto ao fato de que o treinamento deva ser diário (KIT, 1996; CHUEN, 1999; CHUEN, 2000).
Com relação à velocidade do TCC, também é encontrada gama enorme de variações. Os Mestres concordam que a prática do TCC deva ser lenta, fluida e flexível, mas o entendimento que cada um tem sobre estas variáveis muda bastante (XIUCHEN & GUIXIANG, 1991; LIN, 1994; YUAN, 1995; CROMPTON, 1998). Encontram-se sessões com uma hora de duração, constituídas desde uma única posição sustentada todo o tempo, até outras em que o número de movimentos é tão grande que a série precisa ser executada em alta velocidade, para que o tempo de uma hora não seja excedido. Entre estes extremos diferentes velocidades e complexidades podem ser encontradas, permanecendo em comum apenas a fluidez e a atitude mental características da modalidade.
Na prática do TCC com idosos, tal heterogeneidade de prescrições pode representar problema, criando impasses nem sempre solucionados. Com relação ao risco aumentado de hipotensão postural e síncope, as práticas que combinam primeiros horários da manhã, longa duração, elevada permanência na posição ortostática e excessiva lentidão, são as que mais contribuem para o surgimento destes eventos, por acumularem vários gatilhos e fatores de risco inerentes à Terceira Idade.
4.2. Risco quanto à permanência na posição ortostáticaA Posição Fundamental do TCC, presente em vários momentos de sua prática, consiste em permanecer na posição ortostática com os pés separados na largura dos ombros e braços soltos ao lado do corpo. A ela e suas derivadas (braços e mãos em diversas posições) é dado grande valor simbólico e terapêutico pelos mestres tradicionais, que enfatizam os benefícios de sua prática prolongada (LIN, 1994; CHUEN, 1999; CHUEN, 2000). Entretanto, a permanência em ortostatismo entre 1 e 5 minutos pode representar risco aumentado de quedas por síncope para os idosos, que já têm, no processo natural de envelhecimento, incidência maior de disfunções autonômicas e de hipotensão postural (RUTAN et al., 1992; SGAMBATTI et al., 2000; FREITAS et al., 2002).
Na literatura revisada, encontram-se as mais variadas sugestões de tempos de permanência na posição ortostática. CROMPTON (1998) e MING (2000 a; b) não fazem referência ao tempo de permanência, sugerindo continuidade do movimento desde a Posição Fundamental. Por outro lado, GONGBAO (1998) afirma que a posição em pé, com o corpo parado e imóvel, é importante nos exercícios para manutenção da saúde. Para DESPEUX (1995), este é o mais importante dos exercícios do TCC, devendo o praticante permanecer nele pelo maior espaço de tempo possível. LIU (1995) sugere sessões matinais de meditação em pé, associadas aos exercícios respiratórios.
LEE, LEE & JOHNSTONE (1997) aconselham permanência mínima de 30 segundos. CHUEN (1999; 2000) faz prescrição múltipla, dependendo da variação da Posição Fundamental utilizada, podendo começar com 30 segundos, 1 minuto ou 2 minutos, devendo se prolongar para situações ideais de 3, 5, 9, 10 e até 15 minutos.
CHIA & LI (1997) afirmam que é importante reservar algum tempo para a prática da postura Wu Chi: de pé, imóvel, deixando o corpo relaxar por 20 minutos. Idêntica prescrição é feita por QING (1999) para série de variações da Postura Fundamental.
Em TUNG (1981) encontra-se que a prática deste exercício deve durar de 30 a 45 minutos, devendo ser repetida de 3 a 4 vezes por dia, com respiração profunda. Já LIN (1994) diz que o tempo de permanência deve ser prolongado, sendo que o Tai Chi em Pé, também denominado Zhan Zhuang Chi Kung (que consiste em Postura Fundamental e três variações: Treinamento Interior, Abraçar a Árvore e Abraço do Tai Chi) deve ser praticado diariamente por 30 a 60 minutos, sendo que seus resultados começam a fazer-se sentir após cem dias de prática.
4.3. Risco quanto às massagensA automassagem integra indissociavelmente a prática do TCC, com inúmeros benefícios advindos de sua prática (HUARD & WONG, 1977; TUNG, 1981; LIN, 1994; QING, 1999). Atualmente, seu entrelaçamento é tal que uma técnica derivada da automassagem, denominada Lian kung, é um dos exercícios mais praticados durante o aquecimento no TCC (MING, 2000a).
CHIA (1988) ilustra com exatidão os pontos do pescoço a serem massageados. QING (1999) sugere que se massageie a garganta nove vezes, enquanto TUNG (1981) afirma que se friccione, massageie e comprima a região dezenas de vezes. MING (2000a) diz que a manobra deve ser realizada na posição ortostática, com os dedos pressionando e empurrando os pontos localizados do lado da garganta, onde a artéria carótida é palpável, com uma pressão entre o suave e o forte, descrevendo como erro de execução o fato de os dedos não pressionarem de forma precisa os pontos da garganta.
Entretanto, algumas manobras devem ser evitadas em idosos devido ao seu potencial desencadeamento de hipotensão postural e síncope, com conseqüente risco de quedas. Uma dessas manobras é a massagem no pescoço envolvendo a compressão do seio carotídeo, que é um dos gatilhos para a síncope vasovagal. RICHARDSON et al. (2000) afirmam que a hipersensibilidade do seio carotídeo esteve presente entre 25% a 45% dos casos de síncope em idosos, com prevalência de 29% nos casos de queda não acidental. Segundo estes autores, metade dos idosos com essa hipersensibilidade apresentaram sérios ferimentos como conseqüência destes episódios, dos quais 25% foram fraturas. Nos casos de fratura do colo do fêmur, a hipersensibilidade do seio carotídeo esteve presente em 35% dos casos.
Outra manobra comum na automassagem, potencialmente perigosa como gatilho da síncope vasovagal, é a massagem do globo ocular. Esta manobra é executada em toda a circunferência do globo ocular, com ênfase na região superior. CHIA (1988) ilustra com exatidão os pontos a serem massageados, sugerindo que, com as pontas dos dedos, a manobra seja realizada de seis a nove vezes no sentido horário e de seis a nove vezes no sentido inverso. QING (1999) fixa em nove o número de vezes que a região deve ser pressionada.
4.4. Risco quanto às manobras respiratóriasOs exercícios respiratórios são um dos pilares da prática do TCC, sendo importantes tanto com relação à proficiência na prática quanto aos benefícios para a saúde (HUARD & WONG, 1996; QING, 1999; MING, 2000a). Entretanto, quanto ao risco de quedas, alguns exercícios deveriam ser evitados em idosos devido à presença da manobra de Valsalva, um potencial desencadeador de hipotensão postural e síncope. LIN (1994) contra-indica o exercício denominado "alongamento dos tendões" para pacientes cardíacos.
LIU (1995) aconselha que os exercícios respiratórios sejam realizados de pé e com retenção do ar com os pulmões cheios, contando-se até cinco nas fases de inspiração, retenção e expiração. QING (1999) sugere exercícios nos quais o praticante deve associar a inspiração profunda com contração ou sucção do abdômen e contração simultânea dos músculos do assoalho pélvico (esfíncteres).
Movimentos de flexão do tronco, de pé ou sentado, como "tartaruga", "grou", "colher a flor", "alongamento dos tendões", mesmo sendo realizados com respiração natural, podem induzir à manobra de Valsalva caso o praticante entenda como natural a realização de inspiração profunda durante a flexão.
4.5. Risco quanto ao alongamento passivoAlguns exercícios comuns a todas as práticas necessitam cuidados especiais em sua prescrição, principalmente em idosos obesos ou com hipersensibilidade do seio carotídeo: alongamentos passivos do pescoço (inclinação lateral, flexão, circundução) e do tronco (flexão de longa permanência com volta rápida à posição ortostática) podem disparar gatilhos hipotensores, aumentando o risco de síncope: o primeiro, por compressão do seio carotídeo; e o segundo, por manobra de Valsalva, durante a compressão abdominal na flexão, ou por hipovolemia central no retorno ao ortostatismo (LEE, 1995; MING, 2000a, b).
4.6. Risco quanto aos banhos friosDentre as orientações para a saúde, recomendações relativas à alimentação, exercício, repouso e à higiene pessoal fazem parte do trabalho educativo do TCC (KIT, 1996). Entretanto, dentre as práticas sugeridas, as dos banhos frios podem oferecer risco de queda principalmente para o idoso, pois o reflexo de mergulho pode ser ativado com a imersão em água fria, duchas frias, etc., podendo ser gatilho para a síncope vasovagal.
TUNG (1981) recomenda o banho frio profilático em diversas versões: banho para os pés, duchas frias, banho de rosto (com imersão do rosto em uma tina) e até o banho de imersão completo. A temperatura sugerida para a água varia entre 4oC e 16 o C, podendo durar de 30 segundos a 3 minutos. CHIA (1988) sugere o mergulho do rosto em tina de água fria, enquanto o praticante aspira um pouco da água pelas narinas, expelindo-a, em seguida, pelo nariz ou pela boca.
4.7. Risco quanto à interpretação errônea da pré-síncopeOs sintomas premonitórios da síncope (pré-síncope), tais como diminuição da consciência, perturbações visuais, diminuição do tônus muscular, náuseas, perturbações gástricas, bradicardia e sudorese, são, em alguns casos, interpretados como sinal de sucesso na prática do TCC, sendo sintomas da mobilização da "energia Chi" (CHUEN,1999).
CHUEN (2000) afirma que a sensação de peso nos pés é sinal de contato com a "energia da terra", enquanto a sensação de leveza na cabeça é conseqüente ao contato com a "energia do espaço". Taquicardia, sudorese, formigamento nos dedos e na pele, agitação e tremores durante o TCC, segundo este autor, são sinais da onda de Chi (energia) percorrendo o corpo.
LEE, LEE & JOHNSTONE (1997) descrevem o fluxo de Chi percorrendo o corpo como uma sensação de bem-estar geral e redução da tensão, acompanhada de onda de calor fluindo da cabeça aos pés, formigamento na palma das mãos e "coluna de ar quente" no peito.
De acordo com LIN (1994), os tremores, que ocorrem durante a permanência na Posição de Abraçar a Árvore e suas variações, são sinais da "eletricidade" percorrendo o corpo. LIU (1995) afirma que, durante a meditação, o Chi percorre o corpo como se fosse "eletricidade" e, se associada à respiração, poderá produzir bastante calor e intensa sudorese, sendo considerada sinal de progresso na prática.
A interpretação distorcida dos sintomas de pré-síncope contribui para risco aumentado de hipotensão, síncope e quedas durante a prática do TCC, bem como para a subvalorização de sintomas importantes que ajudariam no ajuste e adequação da metodologia de trabalho do professor às necessidades e limitações do aluno idoso.
5. Programa de TCC seguro para idososDe acordo com PEREIRA & SAFONS (2003), programa seguro de TCC para idosos consiste em práticas desenvolvidas na forma clássica das aulas de educação física, de 50 minutos de duração, com freqüência de 2 a 3 encontros semanais, com séries curtas e com alto estímulo psíquico, intelectual e afetivo, seguindo a seguinte estrutura:
aquecimento (15 min.): alongamento integrado com exercícios respiratórios - Baduanjin, Yijinjing, Wuqinxi e Lian Kung;
treinamento específico (20 min.): coreografias, individuais e em grupo - Tai Chi Simplificado de 24 movimentos e Tai Chi Tuishou; e
relaxamento (15 min.): descontração psíquica e muscular, meditação - Tao Yin e Tui-Ná.
Segundo estes mesmos autores, os exercícios planejados desta forma e com base nos guias oficiais de exercícios profiláticos, publicados pelo Comitê Esportivo Nacional Chinês e compilados por TUNG (1981), foram os que obtiveram melhores resultados em idosos, oferecendo menores riscos de síncope por hipotensão postural, quando comparados às técnicas utilizadas seguindo metodologias propostas pelos Mestres Tradicionais não baseadas na Fisiologia do Exercício.
ConclusãoEsta revisão mostrou que, desde sua origem como arte marcial, o TCC evoluiu lentamente ao longo dos séculos, até tornar-se atividade física capaz de responder às necessidades da população idosa.
Entretanto, a presença de vários fatores de risco para o desenvolvimento de hipotensão e síncope durante a prática do TCC, faz de sua prescrição para os idosos, tanto preventiva quanto terapêutica, atividade que necessita da supervisão do professor de educação física, pois a segurança desta prática para essa faixa etária envolve conhecimentos específicos da fisiologia do exercício que extrapolam as competências dos mestres tradicionais.
Respeitadas as características de lentidão e fluidez da modalidade, é recomendável que as práticas do TCC pelos idosos sejam realizadas de forma mais dinâmica, evitando-se: a permanência prolongada em exercícios na posição ortostática, em exercícios com compressão do pescoço e em exercícios que comprimam a região abdominal.
Adotar coreografias que permitam ao sistema cardiovascular adaptações progressivas também pode ajudar a diminuir o estresse sobre os mecanismos reguladores da pressão arterial: sugere-se que se evitem seqüências em que o aluno necessite passar bruscamente de flexões profundas das pernas ou do tronco para a posição ortostática.
Quanto à duração da prática, a sugestão é evitar práticas prolongadas, principalmente nas primeiras horas após o acordar: a literatura pesquisada não fornece nenhuma razão objetiva para uma duração superior aos 50 minutos da aula tradicional de educação física para as práticas do TCC.
Os riscos relacionados aos exercícios respiratórios podem ser minimizados se, ao invés de realizados em uma única sessão, adotarem-se séries curtas de exercícios respiratórios nos momentos de transição das coreografias. Manobras forçadas, suspensão dos movimentos respiratórios, hiperventilação e Manobra de Valsalva devem ser evitadas.
As massagens durante a aula devem se restringir a promover aquecimento e relaxamento de grupamentos musculares específicos, bem como a consciência corporal do praticante. Manobras terapêuticas sobre pontos de acupuntura extrapolam os objetivos da aula de TCC e aumentam o risco para eventos de hipotensão e síncope.
Finalmente, fatores de risco para síncope tais como alterações nos hábitos da vida cotidiana (temperatura da água do banho e alimentação) e diagnóstico de sintomas apresentados durante a aula extrapolam o papel do Educador Físico e as demandas devem ser encaminhadas aos profissionais competentes das diversas áreas da saúde responsáveis pelos demais cuidados do aluno idoso.
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revista
digital · Año 12
· N° 112 | Buenos Aires,
Septiembre 2007 |