efdeportes.com
Caracterização e representação dos treinadores acerca
da formação de treinadores de voleibol em Portugal

   
*Instituto Superior da Maia (Portugal)
**Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (Portugal)
***INEF - Galicia Universidade da Coruña (España)

 
 
Rui Resende*  
Isabel Mesquita**  
Juan Fernández Romero***
imesquita@fade.up.pt
 

 

 

 

 
Resumo
     O estudo teve com objectivo caracterizar o perfil do treinador de Voleibol em Portugal e indagar sobre os processos relacionados com a sua formação através da aplicação de um questionário a 231 treinadores. Para a sua elaboração teve-se em conta o questionário aplicado por Simão (1998) a treinadores de Futebol e os itens considerados tiveram como referencial a bibliografia da especialidade. Recorreu-se à sua validação, pelo método de peritagem. Os resultados evidenciam que o treinador é prioritariamente jovem, com formação específica, passado alargado na modalidade como atleta e poucos anos de experiência como treinador, auferindo um vencimento, que se revela entre o escasso e o regular. Na formação contínua registam uma preferência por cursos breves e consideram a parte prática insuficiente. O trabalho com treinadores experientes e a própria experiência são os factores mais valorizados.
    Unitermos: Formação de treinadores. Voleibol.
 
Resumen
     El propósito de este estudio fue caracterizar el perfil del entrenador de voleibol en Portugal e investigar sobre los procesos relacionados con su formación por medio de la aplicación de un cuestionario a 231 entrenadores. Para su elaboración se tuvo en cuenta el cuestionario aplicado por Simão (1998) a los entrenadores del fútbol y los ítems considerados tuvieron como referencial a la bibliografía de la especialidad. Para su validación se recurrió al método del examen. Los resultados evidencian que el entrenador prioritariamente es una persona joven, con formación específica, que ha pasado por la modalidad como atleta y con pocos años de experiencia como entrenador, gana un salario entre escaso y regular. En su formación continua registra una preferencia por los cursos breves y considera a la parte práctica como insuficiente. El trabajo con los entrenadores experimentados y la experiencia propia son los factores más valorados.
    Palabras clave: Formación de entrenadores. Voleibol.
 
Abstract
     The purpose of this study it was characterizing the profile of the trainer of Volleyball in Portugal and to inquire on the processes related with its coach education through the application of a questionnaire to 231 trainers. For its elaboration the questionnaire applied for Simão (1998) to Soccer coaches was considered and as referential, the bibliography of the specialty. Its validation was appealed to the examination method. The results evidence that the coaches are with priority young, with specific formation, passed widened in the modality as athlete and few years of experience as trainer, gaining an amount, that it discloses between scarce and regulating. In the continuous formation they register a preference for brief courses and consider the practical part insufficient. The work with experienced coaches and the proper experience are the more valued factors.
    Keywords: Coach education. Voleyball.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 112 - Septiembre de 2007

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Introdução

    A importância do desporto tem vindo a crescer na sociedade actual, porquanto a qualidade dos agentes desportivos envolvidos neste fenómeno deve acompanhar este desenvolvimento. Surge assim, como essencial, a investigação realizada na actividade destes agentes, nomeadamente, o estudo sobre o treinador e a sua formação, para que com este conhecimento, se possa contribuir para melhorar a sua própria formação e, por inerência, a qualidade do processo de treino.

    Neste sentido, este estudo procura caracterizar o treinador de voleibol em actividade e indagar sobre os aspectos relacionados com a sua formação no intuito de, através das percepções manifestadas, melhorar os processos ligados à organização da formação de treinadores.


Objectivos do estudo

    O presente estudo é de natureza exploratória e divide-se em três pontos. No primeiro, efectua-se a caracterização biográfica do treinador de voleibol em exercício em Portugal, se tem algum tipo de remuneração e qual a sua percepção sobre a quantidade auferida. O segundo ponto incide na formação de treinadores em relação às condições de acesso, formação específica, estratégias de formação e entidade responsável. No terceiro ponto questiona-se os treinadores sobre quais as suas necessidades de formação e quais os factores de desempenho mais relevantes para exercer a sua actividade.


Metodologia, instrumento e procedimentos estatísticos

    Da amostra deste estudo faziam parte 231 treinadores que exerceram a sua actividade durante as épocas de 2003/2004 e 2004/2005. Os 231 questionários recolhidos correspondem a 47,7 % dos treinadores de Portugal (continente e ilhas dos Açores e Madeira), provenientes de um universo de 484 treinadores activos em Portugal (fonte da FPV, 2004). Os treinadores são formados ou equiparados pelos cursos de treinadores da Federação Portuguesa de Voleibol, os quais permitem exercer a actividade de treinador de Voleibol em Portugal.

    O questionário de Simão (1998), aplicado a treinadores de futebol, foi adaptado à modalidade de Voleibol. Para o efeito recorreu-se à validação, pelo método de peritagem, tendo sido consultados quatro experts: dois com conhecimentos específicos elevados da modalidade, enquanto treinadores, e os outros dois com formação académica superior no domínio da investigação científica, à qual se associa uma vasta experiência no domínio da prática.

    Após esta apreciação, o questionário foi objecto de aplicação piloto onde foram discutidos e analisados os procedimentos de preenchimento e o conteúdo das respostas. Aplicou-se o questionário a quinze treinadores com diferentes formações académicas e graus de treinador. O objectivo deste procedimento foi a verificação da sua aplicabilidade, da existência de dúvidas quanto à interpretação, clareza e objectividade das questões. Pediu-se, igualmente, aos treinadores que comentassem e questionassem a clareza e intenção das perguntas formuladas.

    Após as alterações julgadas pertinentes decidiu-se adoptar o questionário como definitivo pois, verificou-se que este continha relevância, clareza e compreensão nas perguntas aplicadas (validade de construto).

    Procedeu-se à análise estatística descritiva com recurso a frequências, percentagens, valores médios respectivos e desvios padrão.


Resultados e discussão

1. Identificação biográfica do treinador de Voleibol e percepção sobre a sua remuneração

    1.1. Identificação biográfica dos treinadores de voleibol

    Para identificar e caracterizar os treinadores de Voleibol foram incluídas as seguintes questões: idade, género, escolaridade, formação técnica, anos de prática como atleta, anos de prática como treinador, profissão que desempenha, se é remunerado e qual a sua percepção acerca dessa remuneração.

    Responderam a este questionário 176 treinadores do sexo masculino e 55 do sexo feminino. Confirma-se, neste estudo, que a profissão de treinador é um domínio predominantemente masculino, sendo 76% treinadores do sexo masculino e apenas 24% do sexo masculino (Simão, 1998; Weiss & Stevens, 1993). Estes resultados confirmam a ideia prevalecente de que a actividade de treinador é tradicionalmente masculina (Chelladurai et al., 1999), o que não deixa de ter uma explicação vincadamente sócio-cultural. A propósito da desigualdade, quanto ao género, Potrac & Jones, (1999) notam que o recrutamento é influenciado pela cultura prevalecente construída sobre a posição do homem e da mulher na sociedade.

    No presente estudo regista-se, contudo, um maior número de treinadoras comparado com o registado por Almeida (2001), que, num estudo elaborado com o objectivo de traçar o perfil do treinador Português, aplicou um questionário a 2910 treinadores de 41 modalidades desportivas, registando 89,2% de treinadores e 10,5% de treinadoras. Igualmente, em Espanha, Fajardo del Castillo (2002) num estudo aplicado a treinadores de voleibol verificou que, em 153 respostas, o número de treinadores foi substancialmente superior (82,4%) ao das treinadoras (17,6%). Estes resultados mostram que o Voleibol é uma modalidade, onde tendencialmente as mulheres têm mais espaço para exercerem a função de treinador, sendo que em Portugal essa tendência é mais vincada do que em Espanha.

    Os resultados do presente estudo, indicam que a maioria dos treinadores é jovem e inexperiente. A idade dos inquiridos varia entre os 16 e os 59 anos (média de 29,3 e dp de 8,9). Destes, 63,6% têm idade inferior a 31 anos. Estes resultados evidenciam a elevada heterogeneidade nas idades, já confirmada noutros estudos (Almeida, 2002; Costa, 2005).

    No que diz respeito à experiência como treinador, verifica-se que 57,1% têm até 5 anos de prática, contabilizando-se um total de 74,9% com experiência até aos 10 anos e 25% com uma experiência de treino superior a 10 anos.

    A bibliografia não é consensual em torno da idade de corte para se considerar um treinador experiente. No entanto, estudos efectuados por vários autores com treinadores experts (Côté et al., 1995; Horton et al., 2005; Saury & Durand, 1998) apontam 10 anos de actividade na função de treinador como critério balizador de experiência profissional. Bruden (1990), por seu lado, aponta 3 fases caracterizadoras da experiência profissional: fase de iniciação entre 2 a 4 anos de experiência, fase de ajustamento entre 3 a 4 anos de experiência e fase de estabilização entre 5 ou mais anos de experiência.

    A experiência efectiva como treinador é referenciada como factor determinante de conhecimento e, consequentemente, de sucesso estando presente nos treinadores experts (Bloom et al., 1998; Salmela, 1996; Salmela et al., 1993). Também Gould et al., (1990) numa questão a 130 treinadores experts americanos sobre os factores que mais influenciam a sua actividade os inquiridos, referiram a experiência como o factor mais importante. No entanto, Fleurence & Cotteaux (1999) e Gilbert & Trudel (1999) realçam que a investigação ainda tem que estudar como é que a experiência é transformada em conhecimento, pois para se ser expert é necessário ter experiência; todavia, o inverso pode não ser verdadeiro.

    No presente estudo, as habilitações académicas revelam uma qualificação ao nível da licenciatura ou em via de a obter (69,7%) e neste contexto regista-se que 15% dos inquiridos possuem estudos de âmbito superior à licenciatura (mestrado ou doutoramento). Estes resultados apontam que na modalidade de Voleibol em Portugal, os treinadores possuem uma formação académica superior à verificada em outras modalidades (Almeida, 2001; Simão, 1998) ou noutros países (Fajardo del Castillo, 2002).

    Os níveis dos cursos ministrados ou reconhecidos pela Federação Portuguesa de Voleibol (FPV) vão desde o nível I até ao nível III. O nível I permite treinar até juvenis, o II até seniores na divisão A2 e o nível III permite treinar todas as categorias. Em Portugal, existe um total de 2547 treinadores formados (FPV, 2005). De acordo com a mesma fonte, na época de 2004/2005 estiveram activos 484 treinadores dos quais, 181 (37%) com o curso de nível I, 247 (51%) com o nível II e 56 (12%) com o nível III. Os resultados do presente estudo evidenciam que 42,4% dos treinadores possuem o nível I; 36,8% o nível II; e 20,8% o nível III.

    A maioria dos treinadores (79,7%) tem mais de 6 anos de experiência como atleta, evidenciando-se com mais de 10 anos, 48,5%. Estes resultados reforçam a ideia expressa por Lyle (2002) que, referenciando uma investigação efectuada pelo English Sports Coucil em 1997 com uma amostra de 1500 treinadores, apontou a natural progressão da carreira de atleta para treinador como a principal razão para o ingresso na actividade de treinador (39%). Salmela (1996), num estudo aplicado a 22 treinadores experts, evidencia a importância conferida ao passado desportivo alargado enquanto factor de filiação ao desporto, nomeadamente no prolongamento da carreira de atleta para treinador.

    Na profissão exercida pelos treinadores do presente estudo, constata-se que o grupo constituído por professores, ou estudantes de Educação Física, é maioritário com uma frequência de 146 (63,3%) em relação ao grupo de treinadores que exerce outro tipo de profissões 85 (36,7%). Os resultados deste estudo reflectem maior preponderância de professores de Educação Física no exercício da função de treinador na modalidade de Voleibol, em relação aos valores (20,3%) encontrados por Almeida (2001) nas modalidades em geral.


    1.2. Representação dos treinadores em relação à sua remuneração

    De forma a alargar a caracterização do treinador de Voleibol, procurou-se conhecer melhor as circunstâncias económicas relacionadas com o exercício da função de treinador de Voleibol em Portugal. Assim, inquiriu-se acerca da existência ou não de remuneração no desempenho desta actividade. Em caso afirmativo, procurámos saber, numa escala de 5 itens, como o treinador considera essa compensação económica (Quadro 2).

    No presente estudo, constata-se que grande percentagem de treinadores não tem benefício económico (26,4%) e que a maioria (73,6%) daqueles que a têm, consideram-na muito escassa ou escassa (44,1%); 33,5% considera ser a quantidade auferida regular, enquanto que somente 22,4% revelam estar satisfeitos com os proventos obtidos. No estudo de Almeida (2001) encontram-se resultados similares, pois 30% afirmam não receber qualquer tipo de compensação financeira enquanto 70% recebe. Do mesmo modo, Fajardo del Castillo (2002) num estudo efectuado em Espanha a 214 treinadores de Voleibol, o autor registou que 94,8% dos inquiridos, numa escala de 5 itens que varia entre totalmente de acordo e totalmente em desacordo, afirmaram estar em desacordo ou totalmente em desacordo, concluindo que "está claro que quem escolhe a actividade de treinador de voleibol não o faz por ser uma profissão bem paga..." (p. 263). Yagüe (2002) num questionário a 59 treinadores de futebol de Castilha y Léon revela que, apesar dos treinadores receberem uma compensação económica insuficiente, continuam a treinar. Almeida (2001) também sustenta que perante os números auferidos a "actividade de treinador não será a principal fonte de rendimento dos inquiridos, e daí a sua percepção como não sendo a profissão principal" (p.52).

    Esta constatação sugere que ainda não estamos no caminho para uma profissionalização da actividade do treinador, tal como o indicado por Duffy (2005), com base numa análise de vários países da Comunidade Europeia, ao referir a emergência de uma estrutura de qualificação profissional dos treinadores a este nível.

    Podemos então, de acordo com os resultados deste estudo, indicar que o perfil encontrado do treinador de voleibol é o seguinte: Jovem, com estudos superiores e curso federativo ou equivalência ao nível I ou II, com um passado alargado na modalidade como atleta e poucos anos de experiência como treinador, auferindo um vencimento pela sua actividade que se revela entre o escasso e o regular. Tendencialmente os dados encontrados mostram que o treinador de Voleibol em Portugal possui uma formação qualificada, com um conhecimento prático alargado proporcionado pela condição de ex-atleta e com pouca experiência. Este quadro é positivo, na medida em que mostra margem de desenvolvimento alargada para os treinadores portugueses de Voleibol, já que as fontes de conhecimento basilares estão garantidas (conhecimento e ligação à prática), sendo a experiência um requisito a adquirir progressivamente e a remuneração uma necessidade prioritária de reconhecimento social da profissão.


2. Representação dos treinadores em relação às condições de acesso, formação específica, estratégias de formação, entidade responsável e factores de desempenho

    2.1. Valorização da experiência como atletas, escolaridad, formação específica e idade mínima de acesso. Condições de acesso à formação de treinadores

    A familiaridade com um desporto particular, enquanto atleta, parece ser um factor determinante para uma relação posterior como treinador, como sugerem os resultados do nosso estudo. Todavia, os treinadores ressalvam que o acesso à formação não deve estar condicionado a este factor (84% afirmam que todos os indivíduos podem ter acesso à carreira de treinador) o que não deixa de ser compreensivo já que, sem deixar de ser importante, não pode ser um critério de acesso à carreira de treinador.

    No entanto, vários autores (Lyle, 2002; Salmela, 1996; Schinke et al., 1995) apontam a variável experiência como atleta como característica determinante, constituindo uma mais valia no caminho para a mestria como treinador. Acrescentando um dado relevante, Lyle (2002) sugere que está difundido na percepção do público (seguido pela exposição mediática) que um factor chave no treinador é a sua experiência prévia como atleta, em vez da educação, treino e aprendizagem.

    A escolaridade com a evolução do processo de treino, tem sido cada vez mais valorizada e actualmente o Decreto de Lei 407/99 de 15 de Outubro em Portugal, estabelece o regime jurídico da formação desportiva, indicando que a escolaridade mínima, para aceder à carreira de treinador, deverá ser a escolaridade mínima obrigatória (em breve o 12º ano).

    Colocou-se, então, a questão aos treinadores sobre qual a sua percepção em relação ao acesso à formação no que concerne à escolaridade.

    Os resultados evidenciam uma dispersão percentual, já que 25,5% é favor da actual escolaridade mínima obrigatória (9º ano), 30,7%, aponta o final do ensino secundário (12º ano) e, com menor expressão, estão aqueles que pensam que só deve ter acesso à formação de treinador os que possuem formação universitária. Verifica-se, ainda, uma percentagem assinalável (24,2%) de treinadores que indicam que o acesso à formação não deve ser condicionada pela escolaridade.

    A preocupação assinalada com a escolaridade e a melhor formação dos treinadores (Moreira, 2005) prende-se com o facto de surgir uma consciencialização, cada vez maior, da necessidade do treino ser fundamentado cientificamente e menos baseado no empirismo. Como advoga Mesquita (1997), "o desenvolvimento do processo de treino de qualquer modalidade desportiva reclama o conhecimento das evidências empíricas constatadas no terreno pelo treinador mas também, e cada vez mais, do suporte teórico proveniente da investigação nos diferentes domínios das ciências do desporto" (p7).

    Cassidy et al. (2004) adiantam que, se a comunidade dos treinadores deseja que a sua profissão seja reconhecida, então esta necessita também de reconhecer que a mestria técnica de um profissional assenta nas competências adquiridas num período extenso de educação, onde a aquisição de conhecimento possui um ênfase particular.

    O treinador deve ter um profundo conhecimento do desporto que vai ensinar em todas as suas vertentes sendo o conhecimento específico determinante (Gilbert & Trudel, 1999; Potrac et al. 2000).


    2.2. Representação dos treinadores sobre a entidade responsável pela formação inicial e estratégias na formação contínua

    O entendimento de que a formação inicial do treinador deve ser efectuada conjuntamente pelo sistema desportivo e pelo ensino superior é partilhado pela maioria dos treinadores (58,4%), sendo corroborado por Perla & Del Villar (2004) quando referem que as duas vias se podem complementar e colaborar entre si, não se devendo opor nem confrontar. Simão (1998), num estudo com 102 treinadores de diversas modalidades em que analisou a representação dos treinadores em relação à sua própria formação, refere que não é consensual, entre os treinadores, se a formação especializada deve ser efectuada no sistema desportivo, na universidade ou de forma integrada entre o sistema desportivo e a universidade.

    Todavia, 40,3% refere que esta formação deve ser da responsabilidade exclusiva do sistema desportivo, confirmando a ideia da pouca relevância que os inquiridos conferem à formação exclusiva efectuada pelo ensino superior (1,3%). A proliferação de escolas de formação superior, de há uns anos a esta parte, e a falta da qualidade de ensino em muitas delas, com pouca relevância conferida aos conteúdos específicos das modalidades desportivas, pode explicar, com as devidas reservas a posição assumida pelos treinadores no presente estudo. Para além disso, devido a tradicionalmente a formação de treinadores estar a cargo das federações, sendo o conhecimento adquirido portador de uma componente empírica substancial, influencia sobremaneira o entendimento perfilhado pela generalidade dos treinadores.

    No que diz respeito à formação contínua do treinador colocou-se um conjunto de afirmações sobre as estratégias para essa formação. Foi aplicada uma escala de Likert, com 5 níveis, para que os treinadores indicassem o nível de importância percepcionado.

    Dos resultados obtidos, verifica-se que os treinadores consideram de grande importância (3,88) a formação contínua através de seminários breves, com convidados especialistas, devendo esta ser de carácter obrigatória (3,87). Também com expressão de grande importância, atribuída pelos treinadores (3,73), vem que a formação deve ser efectuada através de cursos com exigência de avaliação final e através da supervisão no terreno, por parte de treinadores experientes, em regime de estágios (3,71). O facto de as acções de formação serem dirigidas para treinadores habilitados com o mesmo nível revela uma importância grande mas já muito próximo da razoável (3,52). Com importância razoável surge o "Mentoring" (3,40) e o "Couseling" (3,22), talvez devido a serem estratégias inovadoras e, ainda, sem comprovação prática da sua necessidade.

    Bloom et al. (1995), numa investigação com 21 treinadores experts de várias modalidades e utilizando entrevistas semi-estruturadas, verificaram que os treinadores advogam que é necessário dar maior ênfase aos clinics, seminários e simpósios, experiência prática, observação não interveniente de outros treinadores e, como prioritário, um programa estruturado de mentoring. Mais especificamente, os treinadores realçam os benefícios do conhecimento teórico adquirido através dos seminários e o conhecimento prático, pela experiência e pela observação. Também Gould et al. (1990), com base num estudo aplicado a 130 treinadores de elite participantes nos Jogos Pan Americanos celebrados em 1987, afirmam que devem ser desenvolvidos programas de mentores, de uma forma sistemática, para facilitar e monitorizar a educação experimental dos treinadores de elite Salmela et al. (1993), por seu turno, comentam que muitos treinadores experts acreditam que uma educação formal, combinada de várias formas com um programa de mentores, deve ser usada para melhorar o processo de formação de treinadores.


    2.3. Percepção dos treinadores sobre a formação obrigatória

    De forma a caracterizar a representação dos treinadores acerca da formação obrigatória e não obrigatória, consideramos a avaliação dos cursos efectuados nos últimos cinco anos, através de uma escala Likert, com 4 níveis, de insuficiente a muito bom.

    Do total da amostra regista-se que 84% dos inquiridos afirma ter frequentado cursos de formação obrigatória de treinadores.

    Regista-se que a percepção dos treinadores sobre o nível de conhecimentos dos formadores é próximo do muito bom (3,44). Já o nível pedagógico apesar de ser considerado bom não atinge a mesma expressão (3,30). Com avaliação suficiente regista-se a duração da componente teórica (2,72), os recursos pedagógico-didácticos (2,67), os conteúdos programáticos (2,59), a duração total do curso (2,57), as metodologias utilizadas (2,56), assim como a forma de avaliar os formandos (2,51). A duração da componente prática é considerada insuficiente (2,29) reforçando a ideia que os treinadores consideram que a componente prática é pouco valorizada nos cursos de formação. Todavia, diversos autores (Malete & Feltz, 2000; Rodrigues et al., 2003) têm vindo a realçar a importância atribuída à vivência prática de situações de aprendizagem nos cursos de formação, na medida em que permitem uma melhor compreensão e assimilação dos conteúdos abordados.

    No que respeita aos cursos de formação não obrigatória, o Quadro 8 apresenta os resultados relativos à representação dos treinadores no acesso aos cursos de formação não obrigatórios, frequentados nos últimos cinco anos.

    Do total da amostra verifica-se que 53% frequentaram cursos de formação não obrigatória de treinadores.

    A apreciação do nível de conhecimentos dos formadores assim como o seu nível pedagógico é considerado muito bom (3,66 e 3,61) destacando-se estas avaliações das restantes que foram consideradas boas (2,96 até 2,75). A prática é avaliada com menor expressão entre o bom e o suficiente (2,57). O modelo de avaliação surge, aqui, como o item menos considerado (2,26), o que poderá estar relacionado com o facto de habitualmente não se efectuarem avaliações finais, neste tipo de formações.

    Numa reflexão crítica sobre esta problemática, no estudo realizado por Salmela (1996), alguns treinadores experientes consideraram que o conteúdo, não raramente, é apresentado de forma excessivamente teórica e descontextualizado. Todavia convém referir que não são os conteúdos que devem ser questionados, na medida em que a evolução do desporto requer, cada vez mais, uma abordagem científica, mas sim a sua contextualização, relevância e especificidade face à modalidade em questão.


Necessidades de formação para o desempenho da função de treinador e factores relevantes para o seu conhecimento como treinador

    Procurando indagar sobre quais as necessidades que os treinadores mais consideravam pertinentes na sua formação colocou-se questões em 18 áreas inerentes ao exercício da função de treinador, construído com base numa escala de Likert, com 4 níveis, balizadas desde 'nenhuma necessidade' até 'muita necessidade'.

    Os treinadores reconhecem ter muita necessidade (3,50) nos aspectos específicos da modalidade como a técnica e a táctica. Como refere Mesquita (1997), o domínio do conteúdo específico da modalidade que se treina é condição prioritária para a obtenção de sucesso por parte do treinador, porquanto, por melhor gestor que o treinador seja, e por mais conhecimento que possua no domínio das Ciências do Desporto, só terá sucesso se souber ensinar, efectivamente, os conteúdos da modalidade em questão. Demonstram, igualmente, necessidade de formação nos aspectos relacionados com a metodologia e controlo de treino dos seus atletas (Barbanti et al., 2004; Bompa, 1983).

    O último grupo de questões refere-se às fontes de conhecimento profissional, sendo composto por um conjunto de nove afirmações, avaliadas numa escala Likert, com 4 níveis, de 'insuficiente' a 'muito bom'.

    A maior importância demonstrada pelos treinadores incide no trabalho com treinadores experientes (3,69) logo seguido da valorização da sua experiência no terreno (3,58). Importantes são todos os restantes factores, destacando-se, nesta categoria, as características pessoais/personalidade como a mais valorizada (3,42). A experiência, como praticante, também é considerada importante constituindo, o nível atingido, um factor importante mas menos valorizado (3,18).

    Numa análise de estudos realizados acerca desta temática evidencia-se a não existência de consenso, por parte dos treinadores, já que a heterogeneidade na valorização dos factores de desempenho é grande. Costa (2005), abordando um estudo efectuado pelo departamento de Ciências do Desporto da Faculdade de Motricidade Humana realizado em 1992, refere a valorização da formação específica, os aspectos relativos à especialização e o exercício da profissão a tempo inteiro. De forma mediana foi valorizado o facto do treinador ter sido um bom praticante da modalidade. O estudo mostrou ainda que os treinadores esperavam que a formação específica se efectuasse no seio do sistema desportivo.

    Simão (1998), por seu turno, num estudo com treinadores de várias modalidades em que indagou sobre a representação dos treinadores em relação à sua própria formação, indica que estes valorizaram a necessidade da especialização da profissão, defendendo que a formação inicial deve ser específica e realizada em cursos teórico-práticos com prelectores especialistas atribuindo pouca importância à necessidade de um passado desportivo. Fuentes et al. (2003), ao analisarem a formação de treinadores de ténis de alta competição, referenciam índices muito baixos de participação em actividades de formação permanente e evidenciam a importância conferida pelos treinadores refenciados, à assistência de jogos ao vivo, discussões com outros treinadores e observações de jogadores em competição, conjuntamente com a reflexão sobre a sua própria experiência nomeadamente o seu processo de formação permanente.


Conclusões

    De acordo com os resultados deste estudo, pode indicar-se que o perfil do treinador as de Voleibol Português é prioritariamente jovem, com formação específica na modalidade, com um passado alargado na modalidade como atleta e poucos anos de experiência como treinador, auferindo um vencimento, pela sua actividade, que se revela entre o escasso e o regular. Tendencialmente os dados encontrados mostram que o treinador de Voleibol, em Portugal, possui uma formação qualificada, com um conhecimento prático alargado proporcionado pela condição de ex-atleta e com pouca experiência como treinador.

    Relacionando o acesso à formação com a experiência desportiva, verifica-se que a maioria dos treinadores indica que esta não deve ser condicionado a ex-atletas.

    A idade de acesso é muito consensual situando-se na maioridade. Quanto à escolaridade mínima não se verifica consenso, sendo que o 12º ano é referido como primeiro critério logo seguido do 9º ano. Curiosamente, com uma percentagem considerável os treinadores deste estudo consideram que a escolaridade não constitui um critério para aceder à formação. No que diz respeito aos conteúdos específicos da modalidade, a opinião maioritária é que todos podem ter acesso à função de treinador desde que efectuem uma formação específica independentemente da instituição de formação. Quando se questiona sobre qual deve ser a entidade responsável pela formação, a maioria das opiniões (58,4%) indica que esta deve ser realizada pelo sistema desportivo e pelo sistema educativo de nível superior. Não deixa, contudo, de ser relevante que 40,3% dos inquiridos manifeste que esta formação só deveria ser efectuada pelo sistema desportivo. Acerca da formação contínua, verifica-se uma preferência pelos cursos breves, com especialistas convidados e de carácter obrigatório. A percepção dos treinadores sobre a formação obrigatória que efectuaram, acerca do nível de conhecimento e pedagógico dos formadores é boa, avaliando como insuficiente a duração da componente prática. Na formação não obrigatória, a apreciação é identica com um reforço ainda mais positivo dos conhecimentos e nível pedagógico dos formadores.

    Os teinadores indicam, como a maior necessidade de formação, os conhecimentos específicos da modalidade e o controlo e avaliação do treino. O trabalho com treinadores experientes e a sua própria experiência no terreno são os factores mais valorizados para o desempenho da sua actividade.


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revista digital · Año 12 · N° 112 | Buenos Aires, Septiembre 2007  
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