Esporte, educação e inclusão social: reflexões sobre a prática pedagógica em Educação Física |
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*Professor, Licenciado em EF pelo IPA; mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS. **Professor, Licenciado em EF pelo IPA; especialista em Musculação e Treinamento de Força pela Universidade Gama Filho - UGF/RJ. (Brasil) |
José Florentino* jose.a.florentino@gmail.com Ricardo Pedrozo Saldanha** ricardopsaldanha@yahoo.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 112 - Septiembre de 2007 |
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Introdução
A simples escolha do tema educação e esporte nos possibilitariam dissertar inúmeras teses. Isto porque a educação e o esporte são temas amplos que abrangem diferentes campos do conhecimento e, ainda, pouco discutidos por parte de educadores e profissionais. Assim, procuramos tratar neste trabalho questões relativas à pedagogia do esporte, voltando o nosso olhar para a formação do professor de Educação Física.
É sabido que vivemos numa sociedade complexa. A instituição família encontra-se, hoje, de "mãos atadas" que, somado ao desaparecimento da socialização primária, mergulha numa profunda crise de valores sociais. É neste ponto que entendemos o papel decisivo do esporte, juntamente com a educação, na busca por princípios e valores sociais, morais e éticos. É necessário, portanto, buscarmos uma nova orientação a qual os valores do esporte, do jogo e da brincadeira, não permaneçam apenas dentro das escolas ou dos clubes, mas que transitem para além. Dessa forma, cabe ao professor de Educação Física criar condições para que o esporte seja assumido como um valor de referência na inclusão e no bem-estar, não apenas de crianças e jovens, como também de adultos e idosos.
Sendo assim, este trabalho está organizado em quatro momentos, quais sejam: inicialmente buscamos discutir a pedagogia e a pedagogia do esporte, procurando entender que a pedagogia é uma reflexão sobre o contexto, o todo, que envolve a ação educativa e formativa, contribuindo para uma prática pedagógica - nesse caso, a Educação Física - mais inclusiva; posteriormente, num segundo momento, de modo mais reflexivo, buscamos problematizar a questão da diversidade, da desigualdade e da inclusão no contexto escolar e na prática pedagógica do professor de Educação Física; no terceiro momento, procuramos apontar, de maneira sucinta, os motivos que levam crianças e jovens a praticarem uma modalidade esportiva, bem como o papel do esporte como meio de sociabilização para muitos jovens; e, por fim, apontamos para a necessidade de se repensar os valores do esporte e o papel do professor enquanto agente transformador da realidade de seus alunos e da própria sociedade.
A pedagogia e o esporte: primeiras impressõesPrimeiramente, antes de refletirmos sobre as questões concernentes à pedagogia do esporte e sua implicação para a prática pedagógica em Educação Física, é preciso refletir sobre o conceito de pedagogia, substrato para pensarmos e trabalharmos pedagogicamente o esporte. De um modo geral, a pedagogia não se refere unicamente ao modo como vamos ensinar nossos alunos - seja no âmbito escolar ou acadêmico - mas, poderíamos dizer que:
A pedagogia seria uma reflexão sobre todo o contexto que envolve a ação educativa, coadunando numa efetiva prática de intervenção. Uma intervenção comprometida, intencional, dirigida, organizada e ciente de suas responsabilidades educacionais (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2004, p. 9).
O professor de Educação Física pode ser visto como um pedagogo e, como tal, este possui algumas responsabilidades no que tange a transmissão de conhecimentos, dando um tratamento, uma direção pedagógica que pode ser intencional, consciente ou organizada. Com efeito, é correto afirmar que para se ensinar um determinado conteúdo não basta que o professor seja um especialista em determinada área do conhecimento. Nas palavras de Libâneo (2002, p. 35):
[...] para ensinar matemática não basta ser um bom especialista em matemática. É preciso que o professor agregue o pedagógico-didático, ou seja: que conteúdos da matemática-ciência devem constituir-se na matemática-matéria de ensino visando à formação dos alunos? A que objetivos sociopolíticos serve o conhecimento escolar da matemática? Que representações, atitudes, convicções são formadas em cima do conhecimento matemático? [...] que seqüência de conteúdos é mais adequada à aprendizagem dos alunos, considerando sua idade, nível de escolarização, conceitos já disponíveis dos alunos, etc.?
Portanto, não basta apenas conduzir ao saber, ao conhecimento; o professor deve ir além e pensar no "como ensinar", "para quem ensinar" e "por que ensinar". Devemos buscar novos métodos, novas formas em nossas aulas para atingirmos o objetivo proposto, qual seja: um ensino de qualidade.
Para Roitman (2001, p. 146), a educação visa fundamentalmente preparar o homem (crianças, jovens e adultos) para a vida, construindo o seu tempo e o seu lugar no mundo, procurando "inculcar os valores vigentes, o modo de viver do grupo, seu sistema de crenças e convicções, seu saber e suas técnicas, bem como, de sua perspectiva libertária, assegurar o pleno exercício da cidadania".
Realizado esta pequena reflexão sobre o conceito de pedagogia, passamos agora a pensar no conceito de pedagogia do esporte.
Não há dúvidas de que o esporte é um fenômeno sócio-cultural de grande relevância em nossa sociedade; cada vez mais, diferentes grupos sociais praticam esporte, nos parques, nas ruas, como forma de lazer, distração e integração. Tal é a sua importância, enquanto fenômeno social e cultural que o esporte hoje é praticado no mundo todo (FLORENTINO, 2006b).
O esporte contemporâneo passa por um processo complexo e permanente de metamorfose. Podemos dizer que não há mais um estatuto de verdade absoluta, isto é, não há mais fronteiras bem delimitadas entre os saberes. Isto porque, hoje, várias são as áreas do conhecimento que contribuem para que o esporte cresça em sua cientificidade. Segundo Paes (2006), entre as áreas de conhecimento podemos citar: a Engenharia com a construção de aparelhos esportivos e espaços físicos que proporcionam uma prática perfeita da Educação Física e do esporte; a Medicina por meio das intervenções; a Psicologia que contribui e muito com pesquisas para a Ciência do Esporte; a Sociologia, mais especificamente a sociologia do esporte, que volta seu "olhar", por meio de suas teorias sociológicas, para o fenômeno esporte.
Desse modo, não seria errado afirmarmos, tendo em vista seu processo evolutivo, que "o esporte assim como outras áreas do conhecimento, integra-se às ciências. Entre os vários ramos da ciência que estudam o fenômeno esporte encontra-se a pedagogia" (PAES, 2006, p. 171 [grifo nosso]).
De acordo com Libâneo, a pedagogia:
[...] é um campo de conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. O pedagógico refere-se a finalidades da ação educativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa (LIBÂNEO, 2002, p. 30 [grifo nosso]).
Neste sentido, a pedagogia do esporte tem o compromisso de "analisar, interpretar e compreender as diferentes formas esportivas à luz de perspectivas pedagógicas. Obriga-se, de certa forma, a refletir sobre o sentido do esporte como prática de formação e educação, de realização da humanidade e da condição humana no homem" (BENTO, 2006, p. 26). O esporte é pedagógico e, por conseguinte, educativo, tendo em vista a sua possibilidade de proporcionar obstáculos e desafios, fazendo com que o aluno experimente as regras e aprenda a lidar com o próximo e, porque não dizer, o esporte torna-se educativo quando a sua prática não for uma obrigação, mas um prazer para o aluno. O educador físico, portanto, deve estar atento às novas exigências, pois...
A modernidade exige que o profissional de Educação Física compreenda o esporte e a pedagogia de forma mais ampla, transformando-se em facilitador no processo de educação de crianças e jovens. Nesse contexto, é preciso ir além da técnica e promover a integração dos personagens, o que só será possível se essa proposta pedagógica estiver embasada também por uma filosofia norteada por princípios essenciais para a educação dos alunos (PAES, 2002, p. 91 [grifo nosso]).
Assim, devemos ter em mente que, quando uma prática pedagógica estiver promovendo o desenvolvimento esportivo o qual contemple a generosidade e o respeito às regras e aos adversários, a noção de consciência sobre a prática esportiva e sua ideologia, aí o esporte irá se mostrar educativo. Por outro lado, "uma prática excludente e seletiva, que impede crianças, adolescentes e jovens de serem livres e de desenvolverem sua autonomia e criticidade, contradiz os atributos educativos [...]" (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2004, p. 11).
Diversidade e inclusão na prática pedagógicaNo exercício da prática docente, podemos perceber algumas dificuldades, por parte de muitas escolas e educadores, em entenderem os conceitos de diferença e desigualdade. Ao consultarmos o dicionário podemos perceber que diversidade significa variedade, multiplicidade, podendo inclusive ser entendida no âmbito das diferenças (FERREIRA, 2004). E é justamente das diferenças, da diversidade que pretendemos lidar.
Tomamos como exemplo o professor de Educação Física e seus alunos. Podemos dizer que jamais poderiam existir indivíduos idênticos, uma vez que cada ser humano, isto é, cada criança ou adolescente, possui características singulares que as fazem únicas, especiais. No entanto, por mais que reconheçamos que as diferenças são inerentes à condição humana, somos levados a admitir e a presenciar que muitas escolas e todos aqueles que formam o "sistema-escola" (professores, pedagogos e alunos) não vêm avançando no sentido de melhor lidar com a diversidade, tão rica e tão importante para o desenvolvimento do respeito, da convivialidade, da compreensão e da solidariedade (FLORENTINO, 2007a).
Na maioria das vezes o professor confunde diferença com desigualdade. E o não discernimento entre estes dois conceitos podem trazer conseqüências sérias as nossas crianças e jovens - dizemos isto porque a desigualdade é algo construído socialmente o que, de certo modo, acaba produzindo sentimentos de inferioridade. Dessa forma, o educador e a escola devem estar preparados para considerar as características próprias de seus alunos e que tais características não podem servir de condição para possível hierarquização dos indivíduos (FLORENTINO, 2007a).
Sendo assim, como poderíamos "semear" a inclusão em nossas escolas? De um modo geral, ao pensarmos em inclusão não basta criarmos vagas (ou para usar uma palavra que está em voga atualmente, não basta criarmos "cotas"), é preciso, sim, pensarmos em uma escola que atenda a todos de forma igual, com profissionais e professores aptos a trabalharem com a diferença, não havendo espaço para a criação e conservação de valores segregacionistas.
E qual seria o compromisso do professor de Educação Física? Podemos dizer que seu compromisso está na transmissão de valores morais e éticos por meio do esporte ou fazendo uso das palavras de Libâneo (s/d, p. 47), em seu livro O Essencial e a Didática e o Trabalho de Professor:
O sinal mais indicativo da responsabilidade profissional do professor é seu permanente empenho na instrução e educação dos seus alunos, dirigindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes dominem os conhecimentos básicos e as habilidades [...] tendo em vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas sociais pela democratização da sociedade.
Diante dos fatos, o professor, tendo consciência da ferramenta valiosa (esporte) que possui em suas mãos, deve aprofundar o desenvolvimento de atitudes afetivas e coletivas, fazendo com que seus alunos (não importando a raça, o credo, o gênero) reconheçam e respeitem sem discriminação, as características pessoais, físicas, sexuais e sociais do próximo. Em outros termos, uma prática educativa que negue as desigualdades que acabam inviabilizando o trabalho do professor com seus alunos.
O esporte como meio de sociabilizaçãoOs motivos que levam crianças e adolescentes a praticarem uma determinada atividade física e desportiva são muitos e a sociabilidade pode estar associada a esta escolha. A necessidade de pertencer a um grupo é muito forte na adolescência e isto pode ser um dos fatores primordiais para os jovens se envolverem com o esporte. Segundo Weinberg e Gould (2001), as crianças apreciam o esporte devido às oportunidades que o mesmo proporciona de estar com os amigos e fazer novas amizades. Para Tubino (2005), não há menor dúvida de que as atividades físicas e principalmente esportivas constituem-se num dos melhores meios de convivência humana.
É por meio dessa convivência que as muitas oportunidades de contato social são proporcionadas à criança, contribuindo para o seu desenvolvimento moral (FARINATTI, 1995; FONSECA, 2000). Portanto, estar com amigos, fazer parte de um grupo ou fazer novas amizades, tem um papel importante no desenvolvimento, tanto psicológico quanto moral e ético de crianças e jovens.
A amizade, a sociabilidade e a competência constituem normas que regulam a aceitação social e, constituem fatores para o desenvolvimento de competências fundamentais para que a criança e o adolescente possam ser oportunizados a um bom crescimento e adaptação à vida adulta. Segundo Papalia e Olds (2000), os motivos dos adolescentes parecem estar associados à melhora da saúde e à performance física, característicos da fase de busca de uma identidade e de uma afirmação nos grupos.
Em estudo realizado por Paim e Pereira (2004) com adolescentes de 11 a 18 anos de idade, participantes de clubes escolares de capoeira em escolas públicas de Santa Maria/RS verificou-se, através da análise de três categorias (competência desportiva, saúde e amizade/lazer) os motivos para a prática deste esporte. Para os autores, os motivos relacionam-se, primeiramente, à saúde; em segundo lugar, amizade/lazer e, em terceiro lugar, à competência desportiva. Em outro estudo, realizado por Juchem (2006) com tenistas brasileiros infanto-juvenis, constatou que na categoria "até 16 anos", a dimensão sociabilidade obteve valores significativos para que estes praticassem atividade física regular.
É preciso que professores e/ou treinadores tenham uma atenção especial a esta dimensão, pois é possível perceber, por meio de resultados de pesquisas, que o fato de estar com amigos, de fazer novas amizades, de participar de novos grupos sociais, pode ser associado a um dos motivos que levam os jovens à prática regular de atividade física e, também, pela busca de novos valores, tais como: o exercício da disciplina; agir seguindo regras, ter respeito e ética; ser responsável (SALDANHA, 2007).
A respeito do que foi dito, Bento (2004, p. 49) afirma que os valores do jogo não são apenas ensinados para terem "valimento no esporte, mas sim e essencialmente para vigorarem na vida, para lhe traçarem rumos, alargarem os horizontes e acrescentarem metas e meios de alcançá-las". Em outras palavras, podemos dizer que tais valores tomam a direção da concretização dos princípios que devem reger a educação de nossas crianças e jovens.
Segundo Juchem (2006), proporcionar a estas crianças e adolescentes um ambiente (escolar ou "clubístico") em que os contatos e os valores afetivos e sociais sejam oportunizados é de suma importância, podendo assim auxiliar na diminuição da pressão por resultados e pela competição exacerbada.
A questão do ensinar na Educação Física e no esporteNão raro, ainda nos deparamos nas escolas com métodos de ensino tecnicistas, mecanicistas1 e, mesmo, biologistas da Educação Física. Tais discursos e métodos, de um modo geral, caracterizam-se por uma preocupação excessiva no desenvolvimento das habilidades físicas e motoras dos alunos - na busca pelos mais "aptos" ao esporte. Em outras palavras, uma visão positivista de que o movimento nada mais é que um comportamento, um gesto motor, onde o corpo é tido apenas como uma "máquina perfeita", constituído por músculos, ossos, órgãos e tecidos.
O movimento deve ser compreendido, acima de tudo, como humano. O homem deve ser encarado como um ser social. Sabendo disso (pelo menos deveria saber), o professor de Educação Física tem a responsabilidade de preparar seus alunos para a cidadania. Neste sentido, um desafio que se impõe ao professor e ao futuro profissional da área está na superação da visão de desenvolvimento (do aluno) que enfatiza simplesmente o mecânico, o rendimento, o alto nível (FLORENTINO, 2007b).
Não estamos querendo, com isso, abolir a competição entre os que praticam esporte. Pelo contrário, sabendo dosar, a competição é extremamente sadia entre as crianças e jovens. Gostaríamos apenas que o educador físico ciente de seu compromisso social - pois, a Educação Física também contribui para a formação cultural e moral - pensasse, em primeiro lugar, no seu aluno e não nos recordes, nos rendimentos, nas vitórias. Que o futuro profissional da área pensasse na criança e no jovem como um todo, como um ser em formação e não mais um corpo a ser trabalhado.
Com relação a isso Roitman (2001, p. 150) afirma que:
O ensino é um processo complexo: abrange uma situação interativa, na qual professores estão envolvidos em relações interpessoais e na interpretação de comunicações não-verbais. As aulas de Educação Física constituem-se em locais privilegiados, para o professor desenvolver hábitos, atitudes e valores - objetivos da área afetiva - que contribuem para a formação de um cidadão. Ao professor de Educação Física, dadas as características das atividades que desenvolve, é facilitado atender às diferenças individuais dos alunos e oferecer uma atmosfera social que estimule a cooperação, a segurança, a criatividade e a auto-estima.
Segundo Bento (1991), o ensinar na Educação Física e no esporte, não deve se caracterizar numa simples transmissão de conhecimento ou imitação de gestos, mas, sim, deve ser entendido como uma prática pedagógica que leve em conta o sujeito, o seu contexto. O educando deve ser instigado a aprender esportes, por meio de uma pedagogia desafiante, que possibilite uma busca pelo superar-se; o esporte há de ser uma atividade instauradora e promotora de valores.
Hoje, há uma nova orientação, por assim dizer, na qual as áreas que se relacionam com o movimento humano - incluindo o esporte - não podem estar isoladas de seu contexto social, cultural e humanístico. De acordo com Queirós (2004), não se pode mais ignorar as mudanças que ocorrem no sistema social e no sistema tradicional do esporte, tendo em vista que o mesmo está inserido em uma mudança de valores, tal como outros sistemas parciais da sociedade contemporânea. Para tanto, devemos buscar compreender quais os valores que regem o desenvolvimento do esporte na atual conjuntura social; qual o seu paradigma norteador no processo de mudanças axiológicas as quais estamos vivendo contemporaneamente.
Os sistemas sociais, como um todo, e os diferentes sistemas sociais em particular, desenvolvem-se a partir de uma ordem dominante de valores ou de diferentes valores ao longo de nossas vidas; valores, estes, que derivam do tipo e das características comunicacionais de cada agrupamento pertinente ao "sistema-mundo". Portanto, podemos pensar que se todo e qualquer processo de formação do ser humano visa o aperfeiçoamento ou o desenvolvimento pleno, não somente das crianças e jovens, mas do grupo e da sociedade como um todo, então, o esporte enquanto atividade social, desenvolvido à luz de princípios e referenciado por objetivos, também se vê pautado por um quadro de valores, de mensagens e de comunicações que serão importantes para a prática pedagógica (QUEIRÓS, 2004).
Para Bento (2004), o esporte apresenta um caráter normativo e prescritivo em suas práticas, onde existam responsabilidades e direitos, quer tratamos do esporte no setor da educação, da saúde, do lazer, da cultura ou do rendimento. O autor complementa que o esporte comporta e deve assumir seu estatuto cultural e as obrigações que esta circunstância lhe impõe, incluindo sua dimensão de tempo e espaço.
Se considerarmos que estamos perante uma sociedade em que há uma crise dos valores morais e sociais, os quais nos conduzem muitas vezes a uma situação de incerteza e insegurança, especialmente, segundo Queirós (2004), entre grupos de jovens que necessitam, por assim dizer, de um novo rumo no caminho da valorização, das certezas e da inclusão social, é neste sentido o papel que o esporte deve representar, o de agente, um meio ambiente ou entorno, possibilitador de novas mensagens e de comunicações que venham alterar, "irritar" a construção de um novo enquadramento axiológico nos diferentes grupos ou sistemas sociais.
ConsideraçõesPodemos perceber que no esporte, assim como na educação em geral, o desenvolvimento dos valores (sociais, morais e éticos) também se faz importante e necessário quando o que está em jogo é a formação humana. Numa época de profundas mudanças, em que há um pluralismo de idéias e de culturas, as crianças e os jovens carecem de encontrar na prática esportiva, um modelo de esporte que respeite a sua identidade, suas diferenças e seus limites.
Portanto, uma das formas de se alcançar este objetivo é pensarmos numa prática educativa do esporte orientada por um viés inclusivo, que vise a promoção de atividades recreativas, formativas e sociais. Uma prática que (re)construa valores, tais como: responsabilidade, respeito ao próximo, respeito às regras, desenvolvimento da personalidade, da tolerância, da integração e convivialidade. E para que isso ocorra é preciso que o professor acredite na mudança, zele por uma coerência total entre suas idéias e suas ações na prática educacional; busque conteúdos e uma metodologia de ensino dinâmica. Em suma, uma aprendizagem formativa que faça do seu aluno um ser pensante, autônomo, criativo e crítico.
Nota
O paradigma/método mecanicista foi criado pelo filósofo e pensador René Descartes; seu método consistia no uso da razão e somente por meio da razão chegaria a verdades indubitáveis. Para Descartes, o Universo - aqui se inclui os seres vivos (sistemas vivos) - era como uma máquina. A natureza funcionava de acordo com leis mecânicas e tudo no mundo material podia ser explicado em função da organização e através da análise de suas partes. Com efeito, este modo de pensar mecânico da natureza tornou-se o paradigma dominante da ciência no período que se sucedeu a Descartes, passando a orientar a observação científica e a formulação de todas as teorias dos fenômenos naturais. Assim, no que tange à educação, e porque não dizer à educação corporal, essa passou a se pautar nos pressupostos do racionalismo moderno, o qual instituía códigos morais que ditavam as condutas, reprimindo as diversas manifestações (expressivas) do corpo humano (FLORENTINO, 2006a; FLORENTINO; FLORENTINO; FAVIEIRO, 2007).
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revista
digital · Año 12
· N° 112 | Buenos Aires,
Septiembre 2007 |