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Treino da força em crianças e jovens praticantes de jogos desportivos: um imperativo para o rendimento e para a saúde

   
*Universidade do Porto.
Faculdade de Desporto.
(Portugal)
 
 
José Afonso  
Júlio Garganta
jafonsovolei@hotmail.com
 

 

 

 

 
Resumo
     O treino de força é fundamental na formação da pessoa e do atleta, seja qual for a modalidade de eleição. Porém, alguns mitos teimam em persistir, com prejuízo para o desenvolvimento do atleta (do ponto de vista do rendimento, mas também da saúde). Neste artigo, propomo-nos fazer a apologia do treino de força, justificando a sua pertinência e abordando questões sensíveis como a sua aplicação a crianças e jovens, bem como as questões da sua utilização em atletas do sexo feminino.
    Unitermos: Treino de força. Crianças e jovens. Treinabilidade da força. A força em raparigas.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 111 - Agosto de 2007

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Introdução

    A Força, entendida como capacidade condicional (e, ousamos dizê-lo, coordenativa) indispensável à realização dos movimentos produzidos pelo ser humano, é essencial ao desenvolvimento motor, aspecto central na obtenção de elevadas performances desportivas. É, igualmente, uma capacidade essencial à saúde e ao bem-estar, particularmente com o sedentarismo que se instalou na sociedade actual (Carvalho, 1996). Sobre este aspecto, mencionar que os factores gerais de saúde e bem-estar podem interferir sobremaneira na longevidade desportiva do atleta.

    Neste âmbito, a Força deverá ser alvo de preocupação particular no treino de crianças e jovens (Vasconcelos Raposo, 2005). Pese embora as pesquisas realizadas nos últimos anos, ainda persistem mal-entendidos nas práticas em escolas e em clubes. Como sempre, os resultados das investigações demoram o seu tempo a encontrarem repercussão no pensamento quotidiano e a superarem os preconceitos de cada um.

    Este artigo pretende contribuir para um esclarecimento de algumas questões que, sendo pacíficas para os investigadores, ainda não o são para o cidadão. Ora, a expressiva maioria dos treinadores de jovens são cidadãos com frágil formação específica e com difícil acesso às investigações mais recentes sobre as mais diversas temáticas, uma delas a Força. Assim sendo, são permeáveis a preconceitos que teimam em persistir, mas que importa debater e esclarecer.


A força na perspectiva do rendimento desportivo

    Relações da Força com outras capacidades

    A Força é a capacidade de superar ou sustentar uma resistência exterior, sendo a causa do movimento e não existindo isolada das outras capacidades, estando intimamente ligada à técnica e à velocidade (Barros, 2003), factores de enorme importância quando se trata de jogos desportivos. De facto, já Mahlo (1986) havia afirmado que os aspectos físicos e técnico-coordenativos constituem uma unidade dialéctica, e Carvalho (1996) refere que a Força está ligada a todas as capacidades condicionais e coordenativas. Garcia Manso et al. (1996) vão mais longe, afirmando que a Força é a base de todas as capacidades condicionais e coordenativas.

    Luís (1982) afirma mesmo que a evolução das capacidades físicas dos jogadores deve ser utilizada para introduzir novas habilidades técnico-tácticas e para melhorar outras.

    É sabido que a coordenação intra e intermuscular interferem decisivamente na coordenação motora, na velocidade de execução, na agilidade, na elasticidade, no timing, no equilíbrio corporal e na capacidade proprioceptiva (Platonov & Bulatova, 2003).

    Vigora uma opinião de que a Força prejudica o desenvolvimento da flexibilidade. Isto só sucederá se se alcançarem volumes musculares exagerados (pelas limitações anatómicas que provocam) e/ou se o trabalho de Força não se fizer acompanhar de um correcto trabalho de flexibilidade (Garganta et al., 2003). Um caso paradigmático de atletas com níveis elevadíssimos de Força e de flexibilidade são os ginastas.

    O treino tradicional de musculação, devido à inerente baixa complexidade coordenativa, não melhora expressivamente a coordenação (Garganta et al., 2003). No entanto, segundo os mesmos autores, se o treino de Força for complementado com treino coordenativo, a coordenação vai-se ajustando aos novos índices de Força, devido ao aprimoramento do denominado esteriótipo dinâmico motor. Este facto reveste-se de importância capital nos jogos desportivos nos quais o treino específico é marcadamente coordenativo.

    Acresce que o treino tradicional a que aludem os autores se reporta àquele realizado em ginásios por parte de não atletas ou de atletas de culturismo. O facto é que existem exercícios de Força que apelam, significativamente, à coordenação intra e intermuscular, de que os levantamentos olímpicos são exemplo. Há mesmo autores que aconselham a sua inclusão em programas de treino avançados, com praticantes de jogos desportivos (Emma, 2003; Fleck, 2004; Hasegawa et al 2004; Kraemer, 2004; Pyka, 1996).


    Treino da região central do corpo

    É fundamental, desde cedo, o treino de toda a região do tronco, com ênfase nas zonas abdominal, lombar e pélvica (Weineck, 2005). Este investimento afigura-se decisivo em três âmbitos, todos de grande importância:

  • Correcção postural, nomeadamente ao nível de desvios da coluna (Vasconcelos Raposo, 2005), de que um caso comum é a hiperlordose lombar.

  • Apenas com estas regiões fortalecidas poderá haver um aproveitamento maximal das cadeias cinéticas geradas pelos movimentos, transferindo as Forças eficientemente entre os membros inferiores e os membros superiores (Carvalho, 1996; Emma, 2003), o que se torna fundamental para a explosividade, economia do movimento e timing das acções.

  • Com o evoluir do treino de Força, exige-se que esta musculatura suporte grandes cargas. Se não o fizer, o atleta incorrerá em compensações posturais, das quais poderão resultar lesões e/ou desequilíbrios musculares a curto e/ou a longo prazo.


    Limites do princípio da especificidade

    Em qualquer jogo desportivo, é importante compatibilizar a carga física com a carga táctica e técnica (dentro do possível), respeitando o princípio da especificidade (Kraemer, 2004; Ribeiro, 2004). Pyka (1996) entende que o treino físico deve ser específico para a modalidade e para o atleta, recorrendo a movimentos semelhantes aos exigidos pelo jogo. Sale & MacDougall (1981) propõem que o treino de força seja específico no seu padrão de movimento, velocidade de execução, tipo e força de contracção.

    As acções desportivas comuns são complexas (corrida, saltos, batimentos,…), apresentando um ciclo de alongamento e encurtamento muscular (CAE), que é relativamente independente das outras manifestações de Força (excêntrica, isométrica, concêntrica), sendo regulado, fundamentalmente, pelo padrão de activação nervoso dos músculos envolvidos, ou seja, pelo balanço entre os factores nervosos facilitadores e inibidores da contracção muscular (Bartlett, 1999; Carvalho, 1996; Castelo et al., 1998; Fry & Newton, 2004; Hãkkinen, 2004).

    Poder-se-ia, numa análise simplista, afirmar, pois, que todo o trabalho de Força para jogos desportivos deverá consistir em treino pliométrico. Todavia, tal não corresponde a uma posição equilibrada e global acerca do treino. Se é verdade que os jogos desportivos solicitam diversos movimentos que apelam ao ciclo de alongamento e encurtamento muscular, também é verdade que exigem a adopção de uma série de posturas e de movimentos que requerem contracção do tipo isométrico por parte da musculatura sinergista e estabilizadora (Gomes & Filho, 1995). Por outro lado, o treino específico, porque se circunscreve a determinados movimentos e cadeias cinéticas e porque se confina a regimes de contracção análogos aos solicitados pelas competições, tende a criar desequilíbrios que importa compensar, pensamento cujo embrião já estava em Sale & MacDougall (1981).

    Numa análise biomecânica, é de realçar que os exercícios pliométricos são aqueles que maior carga mecânica impõem aos ossos e articulações. Somando um treino exclusivamente pliométrico ao treino táctico-técnico (no qual as acções pliométricas estarão, necessariamente, contidas), obteremos um volume de carga demasiado elevado, com consequências a curto ou longo prazo, nomeadamente nas designadas fracturas de fadiga ou de stresse. Por isso, importa treinar a Força recorrendo a outros meios que não os específicos da respectiva modalidade desportiva. Isto, obviamente, não dispensa os métodos pliométricos, apenas os relativiza.

    Para a transferência de aprendizagem contribuem, ainda, as acelerações e a obtenção de velocidades angulares elevadas que estas resistências permitem, bem como a participação dos antagonistas, sinergistas e estabilizadores, aumentando a coordenação do movimento (Castelo et al., 1998; Fry & Newton, 2004; Kraemer, 2004). Sobre este ponto, a utilização do peso corporal e dos pesos livres é claramente superior à utilização de máquinas de musculação.


    Imprescindibilidade da periodização

    Os programas de Força serão tanto mais eficazes quanto mais parcimoniosa for a sua disposição ao longo do tempo. Chegando a determinado momento, o atleta adapta-se e melhorias posteriores serão lentas e de reduzida magnitude. Como tal, impõe-se periodizar o treino de Força, introduzindo neste a variação sistematizada, factor que impele o organismo a constantes adaptações, readaptações e à solicitação de uma gama mais completa de rendimento, no que respeita à expressão da Força (Hasegawa et al., 2004; Fleck, 2004). Este conceito é tão mais importante quanto os jogos desportivos exigem, fundamentalmente, capacidade de adaptação, uma vez que cada situação comporta sempre algo de novo.

    A periodização deve envolver variação dos exercícios, ângulos articulares, amplitudes de movimento, velocidade de execução, grupos musculares, regime de contracção muscular, número de séries e de exercícios, carga relativa, entre outros, combinando o maior número de métodos e meios possível para maximizar os processos de adaptação e potenciar o desenvolvimento da Força (Hãkkinen, 2004; Kraemer, 2004).

    Garganta et al. (2003), numa perspectiva de treino de Força orientado para a saúde e bem-estar, preconizam uma alteração das rotinas de treino a cada 2-3 meses. Numa perspectiva de rendimento, Fleck (2004) aponta para valores semelhantes. Entretanto, este autor postula que uma periodização em ondas possa ser mais favorável, sobretudo quando se pretende manter um rendimento elevado ao longo de épocas competitivas longas, o que implica variar o treino a cada semana, em ciclos de cerca de quatro semanas.

    Com crianças e jovens, nas fases iniciais de treino de Força, será importante, sobretudo, variar os exercícios e os métodos de execução destes, periodizando não em função dos ganhos efectivos de Força, mas das aquisições relacionadas com a aprendizagem.


    Apologia dos pesos livres e progressão para estes

    A coordenação intermuscular (essencial para acções técnicas explosivas) surge, sobretudo, devido a um processo mais económico na relação agonista/antagonista, bem como a uma acção mais racional de sinergistas e estabilizadores do movimento, o que depende fortemente da qualidade técnica de execução do exercício (Castelo et al., 1998). Esta capacidade é tão mais solicitada quanto maior for a massa muscular envolvida e os graus de liberdade do movimento, ou seja, quanto maior for a sua complexidade (Platonov & Bulatova, 2003).

    Os pesos livres constituem (a par da utilização do peso corporal) o melhor meio de que os dispomos para desenvolver a coordenação intermuscular, além de serem baratos e permitirem facilmente variar a velocidade de execução, o ângulo de exercitação e a amplitude do movimento (Garganta et al., 2003).

    A utilização de pesos livres deve ser suportada por apropriada técnica de execução, sobretudo quando as cargas se pretendem elevadas. Contudo, muitos treinadores descuram o ensino da técnica, preferindo utilizar cargas de magnitude superior, mas recorrendo a máquinas de musculação (Castelo et al., 1998). Na nossa perspectiva, esta não se afigura uma solução ajustada.

    Embora as máquinas de musculação sejam mais seguras e ergonómicas do que os pesos livres, requerendo escassa aprendizagem e economizando o processo de mudança de carga (Garganta et al., 2003), a sua utilização com atletas deve ser criteriosa, pois a transferência de aprendizagem é muito inferior à observada quando se utilizam pesos livres (Castelo et al., 1998).

    As máquinas são úteis para isolar o músculo ou grupo muscular que pretendemos trabalhar (Garganta et al., 2003), o que é importante na recuperação de lesões. No entanto, são dispendiosas e apresentam menor adaptabilidade às dimensões do atleta, além de limitarem os ângulos de exercitação (Garganta et al., 2003).

    Os pesos livres permitem corrigir deficiências de Força (por exemplo, um braço claramente mais forte do que o outro) que, quando ocorrem, desvirtuam o movimento, tornando-o incorrecto.

    Com Castelo et al. (1998) partilhamos o entendimento que quanto mais elevado for o nível do atleta, mais se deverá privilegiar a utilização de pesos livres.


A força na perspectiva da saúde e da qualidade de vida

    Força e indicadores de saúde

    O treino da Força induz aumentos na densidade mineral óssea, funcionado como excelente meio preventivo e remediativo da osteoporose (Garganta et al., 2003).

    Ao contribuir para o aumento do metabolismo basal (Garganta et al., 2003), o treino de Força ajuda a manter um baixo percentual de gordura corporal. Contudo, importa perceber que o tecido adiposo e o tecido muscular esquelético são distintos, pelo que não se transformam um no outro; o que sucede é uma perda de massa gorda (via aumento do metabolismo basal) e um aumento da massa muscular esquelética (Garganta et al., 2003). O resultado final pode, até, passar pelo aumento do peso.

    Realce-se, ainda, que a perda de gordura não é local, depende de factores gerais, ou seja, não se perde gordura, necessariamente, no local onde mais se trabalha Força (mito relacionado com o trabalho abdominal e a perda da "barriga") (Garganta et al., 2003).

    Para aqueles atletas que já têm excesso de peso e/ou que não podem aumentar o peso, refira-se que o treino de Força pode ter orientações diferenciadas, nomeadamente uma acção mais neural, aumentando-se a potência e/ou a Força relativa sem que haja um aumento desmesurado de peso corporal (Carvalho, 1996; Castelo et al., 1998; Fry & Newton, 2004; Hãkkinen, 2004; Hasegawa et al, 2004).

    No seguimento, o treino de Força reduz a insulino-dependência (em diabéticos) e o risco de obesidade (Garganta et al., 2003).

    Reduz, ainda, o efeito da gravidade, devido ao aumento da Força absoluta e relativa, o que induz leveza e recuperação facilitada da actividade física (Garganta et al., 2003), quotidiana e desportiva.

    Existe uma preocupação de que o treino intenso e regular de Força possa, de alguma forma, prejudicar o crescimento estatural do jovem atleta. Diga-se que não existem estudos que comprovem esta situação, bem pelo contrário (Borms, 1985; Naughton et al., 2000). De facto, a prática regular de Força, se correctamente orientada, estimula o crescimento e a maturação biológica (Barros, 2003). Se algumas modalidades apresentam atletas que, por norma, são mais baixos do que a média da população, isso dever-se-á a factores de selecção próprios de cada modalidade. No outro extremo, não há evidência de que, por exemplo, a prática do Voleibol e do Basquetebol induza o crescimento dos atletas.

    A única ressalva poderá relacionar-se com cargas verticais exageradas sobre as cartilagens de conjugação (particularmente as cargas axiais sobre os ossos longos e sobre a coluna vertebral), que poderá limitar o crescimento (Garganta et al., 2003). Note-se, porém, na expressão "cargas exageradas"; como diz o povo, "a dose faz o veneno". O problema não está na sua utilização, mas no respectivo uso desmesurado. Alerta-nos Carvalho (1996) de que não devemos recorrer a cargas singulares maximais, levantamentos acima da cabeça e esforços balísticos contra altas inércias, no treino com crianças e jovens. Novamente, coloca-se um problema que é mais de índole qualitativa e quantitativa do que de princípio.


    Força, prevenção e recuperação de lesões

    É já lugar-comum afirmar que o treino de Força ajuda na prevenção de lesões e na correcção postural (Barros; 2003; Saraiva & Carvalho, 2003), desde que estejam assegurados uma correcta execução técnica, supervisão adequada e carga ajustada (Carvalho, 1996). Rians et al. (1987) demonstraram, num estudo que submeteu rapazes pré-pubescentes a um programa de curto prazo de treino concêntrico de força, que o crescimento, desenvolvimento motor, flexibilidade e performance motora não foram negativamente afectados.

    O treino de Força da região lombar e abdominal previne e remedeia lowback pain e lombalgias (Garganta et al., 2003), lesões que acometem atletas de distintas modalidades e que limitam severamente o treino. Este aspecto torna-se mais relevante na sociedade actual, cuja inactividade e abuso da posição de sentado (muitas vezes em posições pouco adequadas) enfraqueceu a musculatura do tronco. Por outro lado, as erróneas posturas quando sentados tem levado as pessoas a desenvolverem enorme tensão sobre a musculatura da região lombar, mas apenas num ângulo de flexão específico e em isometria, não numa gama variada de amplitudes e solicitações de contracção que pudessem beneficiar as actividades quotidianas (que não o estar sentado). Todas estas considerações apelam a um maior desenvolvimento destas regiões nos nossos atletas, para que possam suportar adequadamente os grandes volumes e intensidades de treino necessários à obtenção de elevadas performances desportivas.

    O treino de Força pode ser utilizado para compensar a musculatura desenvolvida pela modalidade (Bayer, 1994), que muitas vezes é unilateral e/ou acentua o desequilíbrio entre agonistas e antagonistas. Um programa equilibrado de treino de Força permite um desenvolvimento mais harmonioso de toda a musculatura, minorando os desequilíbrios gerados pela especificidade da modalidade. Com isto pretende-se prevenir lesões e aumentar a cargabilidade, a treinabilidade e a longevidade desportivas do atleta.

    Alerte-se, todavia, para o facto de que uma execução técnica incorrecta e/ou Força deficiente são motivos que geram elevado risco de lesão nos atletas (Garganta et al., 2003). Portanto, o atleta deverá dominar a técnica antes de recorrer a cargas intensas. Deve, ainda, fortalecer a musculatura postural (essencialmente tronco e anca) antes de procurar realizar exercícios de grande complexidade e potência (p. ex., arranques, arremessos e agachamentos). Estes exercícios são de interessante aplicação com jovens que já possuam um considerável background de treino, integrando-os em programas avançados de treino de força (Emma, 2003; Fleck, 2004; Hasegawa et al 2004; Kraemer, 2004; Pyka, 1996).

    Muitos autores preconizam que se comece por utilizar o peso do próprio corpo, só depois recorrendo a pesos ou máquinas. Devemos, porém, ser prudentes em tal análise: embora os exercícios com o próprio corpo sejam de grande utilidade, nem sempre podem ser encarados como um nível de progressão abaixo do treino com materiais auxiliares. Primeiramente, em algumas situações o peso corporal será mais difícil de suportar do que o peso de alguns halteres ou barras. Acrescente-se que exigem uma maior coordenação intermuscular do que, por exemplo, exercícios monoarticulares em máquinas de musculação, ou seja, requerendo uma aprendizagem mais complexa. Se, do ponto de vista da transferência de aprendizagem, isto é benéfico, do ponto de vista da segurança obriga a maiores cautelas. A título ilustrativo, é comum, na realização de exercícios simples e banais como as flexões de braços, os atletas não saberem como solicitar a musculatura da região abdominal, compensando o movimento com uma hiperlordose lombar.

    Então, a lesão não irá ocorrer com maior ou menor probabilidade pelo facto de se mobilizar apenas o peso corporal ou os pesos livres e máquinas: tal dependerá sempre da relação entre as capacidades efectivas do praticante (de Força e de técnica) e das exigências colocadas pelo exercício. Os mitos devem ser analisados friamente, não julgando os exercícios pelo meio que utilizam, mas pelo seu ajuste pedagógico momentâneo.

    Reflicta-se, ainda, acerca da inevitabilidade dos impactos mecânicos decorrentes dos gestos desportivos (quedas dos saltos, em Basquetebol, em Andebol e em Voleibol; remate no Futebol e no Futsal; pancada na bola, no Ténis), que são manifestamente superiores aos impactos gerados pela maioria dos exercícios de Força. Para que o corpo esteja preparado para suportar estes impactos, a musculatura deve estar preparada, nomeadamente no que respeita à possibilidade de absorver as cargas, de forma a proteger ossos e articulações.

    A utilização de treino pliométrico também contribui, pois, para a prevenção de lesões. A sua acção desenvolve a resistência específica aquando da execução dos movimentos típicos do desporto, preparando o atleta para suportar as expressivas cargas requeridas pela competição. Além disso, desenvolvem potência, agilidade, elasticidade e outras duas capacidades fundamentais na prevenção de lesões: proprioceptividade e melhoramento do reflexo de inibição dos Orgãos Tendinosos de Golgi (Fry & Newton, 2004).

    Além dos métodos pliométricos, o treino de potência, quando introduzido de forma adequada e quando o atleta tem os pré-requisitos para realizar tais movimentos, assume-se como excelente preventor de lesões, por desenvolver eficazmente a musculatura estabilizadora das articulações e a acção dos músculos antagonistas (Leenders, 1999).

    O treino de Força também permite acelerar a recuperação de lesões. Além das questões óbvias (recuperação dos níveis de Força, equilíbrios bilaterais e agonistas/antagonistas, melhoria da proprioceptividade), é possível beneficiar do fenómeno de transferência cruzada, já bem demonstrado (Enoka, 1988; Fry & Newton, 2004; Lazcorreta & Moreno, 2003). Numa fase de recuperação na qual ainda seja prematuro realizar certos exercícios de Força com um membro, realizá-los com o outro membro irá induzir melhorias de índole neural na produção de Força do membro não solicitado. Esta é apenas uma das muitas questões que deveriam fazer repensar seriamente a adopção restrita e restritiva do princípio da especificidade.


Treinabilidade da força em crianças e jovens

    No quadro das ciências do desporto, por vezes persiste ainda o mito de que só se pode treinar Força a partir dos 16 anos. Sobre isto, primeiramente há que pensar que cada pessoa pode ter uma idade biológica entre +6 e -6 anos relativamente à respectiva idade cronológia (Horta, 2003), o que implica que o corpo pode ter um desenvolvimento de 10 ou de 22 anos! O limiar de 16 anos é, no mínimo, duvidoso.

    É possível, efectivamente, obter resultados com o treino de Força, mesmo em idades pré-pubertárias, embora o período pubertário pareça ser mais propenso a aumentos mais consideráveis de Força, sobretudo pela maior produção de hormonas anabólicas (Carvalho, 1996; Hãkkinen et al., 1989; Fry et al., 2004). Isto é válido para todas as manifestações de Força, incluindo a Força máxima (Sailors & Berg, 1987; Vasconcelos Raposo, 2005). Importa dizer que o treino crónico estimula uma maior produção anabólica (Hãkkinen et al., 1988), pelo que um atleta só obterá níveis de força de elite caso seja treinado para tal desde cedo.

    Embora nem sempre acompanhada de hipertrofia, a Força desenvolve-se antes e durante a puberdade (Barros, 2003). Numa extensa revisão dos estudos realizados, Carvalho (1996) verificou que quando o volume e intensidade das cargas foi mais elevado e a duração do programa mais prolongada, se registaram aumentos na área de secção transversal dos músculos treinados, o que evidencia que a hipertrofia ocorre mesmo em pré-púberes. Fry et al. (2004), numa revisão mais recente, chegaram a conclusões semelhantes. Também Docherty et al. (1987) afirmam que a falta de resultados observáveis em pré-pubescentes se deve a programas de treino de duração e/ou carga insuficientes. Aliás, os ginastas há vários anos nos dão disso indicações convincentes. Não se discute se esse desenvolvimento precoce dos ginastas é ou não saudável, apenas que a hipertrofia é possível em idades pré-púberes.

    Apesar de tudo isto, Garganta et al. (2003), num contexto de actividade física para a saúde, entendem que não se justifica o treino da Força em crianças e jovens, devido à sua baixa treinabilidade, relacionado com os reduzidos níveis circulantes de hormonas anabólicas, embora não considerem esse treino nefasto. O argumento da reduzida treinabilidade parece-nos incoerente com os resultados provindos da investigação científica e da prática, conforme analisado previamente. Posicionamo-nos, pois, em concordância com Barros (2003), que se manifestando totalmente a favor do treino de Força em crianças e jovens.

    Gostaríamos, contudo, de terminar com um alerta ao facto de o desenvolvimento do sistema esquelético e tendinoso não ser exactamente paralelo ao do sistema muscular. Como tal, a criança ou o jovem poderão estar preparados para suportar determinadas cargas, dum ponto de vista muscular, mas com isso incorrerem em lesões ósseas ou tendinosas. Para evitar estas situações, importa proceder a aumentos graduais na carga de treino, dando tempo para que as estruturas de suporte se desenvolvam, além de se exigir um exímio domínio da técnica de execução dos exercícios (Hedegus & Almeida, 1986; Poliquin, 1985; Rians et al., 1987).


Treino da força em jovens do sexo feminino: um imperativo

    De uma forma geral, as mulheres apresentam menos Força absoluta e relativa do que os homens (Garganta et al., 2003). As diferenças de Força entre homens e mulheres tornam-se significativas durante a puberdade, devido a questões hormonais (Luís, 1982), mas não só: também há questões culturais profundas envolvidas. Aliás, Carvalho (1996) e Fry et al. (2004) remetem justamente para as questões relacionadas com os papéis sociais, ao encontrar que a Força das mulheres, quando relativizada ao peso e às proporções corporais, é praticamente idêntica à dos homens para os membros inferiores, mas fica aquém destes no que diz respeito aos membros superiores.

    A hipertrofia parece ser afectada pelos níveis de hormona de crescimento (aumentada após o treino), níveis de testosterona (particularmente no homem), no tipo de nutrição e no descanso (Garganta et al., 2003). A circulação hormonal influencia, portanto, a produção de Força. No entanto, atendamos a que as mulheres têm uma produção negligenciável de testosterona após o treino (Garganta et al., 2003) e, não obstante, também conseguem elevar bastante os seus níveis de Força.

    Carvalho (1996) aponta, igualmente, para as maiores concentrações de androstenediona e de estradiol nas mulheres, a partir da adolescência, hormonas também anabólicas, embora menos potentes do que a testosterona. Mas, de facto, se em programas de curto prazo as mulheres hipertrofiam com a mesma magnitude que os homens, em programas de longo prazo elas têm menor tendência para a hipertrofia muscular (Carvalho, 1996; Fry et al., 2004; Garganta et al., 2003; Hãkkinen, 2004).

    Porém, isto não deve limitar o treino de força que estas realizam, até porque, nos jogos desportivos, o equilíbrio do desenvolvimento das cadeias cinéticas e o desenvolvimento de manifestações de força associadas à reactividade, velocidade e agilidade são mais importantes do que a questão da hipertrofia muscular.

    As raparigas têm uma maturação biológica mais precoce do que os rapazes, em média dois anos (Sobral, 1994), o que lhes permitirá, se devidamente treinadas, suportarem cargas fortes mais cedo do que estes. Além disso, não está comprovado que a prática física intensa provoque alterações na maturação biológica das raparigas (Broms, 1985).


Reflexões finais

    A Força pode e deve ser treinada em qualquer idade, embora com distintas orientações metodológicas. Os seus benefícios situam-se em diversos planos: aumento da qualidade de vida por melhoria dos parâmetros relacionados com a saúde e maior disponibilidade motora para as acções do quotidiano, prevenção de lesões, aumento do rendimento desportivo e factores psicossociais associados, tais como melhorar a auto-estima e a imagem corporal, bem como facilitar a sociabilização facilitada (ver Carvalho, 1996).

    Nas primeiras etapas de treino de Força, mais importante do que os meios e métodos utilizados, importa realizar um trabalho consistente (Barros, 2003), ou seja, recorrendo a uma planificação e supervisão adequadas e coerentes. As crianças e os jovens, pelo seu baixo nível de preparação desportiva, nomeadamente no treino de Força, tendem a reagir com adaptações maximais mesmo a programas altamente gerais e sem qualquer direcção preferencial de desenvolvimento (Carvalho, 1996; Fry & Newton, 2004). Isto é tão mais válido quanto menor for o background de treino e, concretamente, de treino de força da criança ou jovem em questão.

    O treino de Força, incluindo o treino de Força com pesos, é, em múltiplos níveis, benéfico às crianças e aos jovens, desde que esta prática seja adequadamente supervisionada (Naughton et al., 2000).

    Aconselha-se vivamente a que os treinadores não subestimem o potencial de crianças e jovens, no que se refere às respostas, agudas e crónicas, relativas ao treino da Força. Se a especialização precoce e o excesso de treino podem ser nefastos, não é menos verdade que, na maioria dos jogos desportivos, se peca (bastante!) por defeito. Tal deve-se, em grande parte, à falta de formação dos treinadores, apelando-se ao desenvolvimento destes nestas competências, para que desenvolvam harmoniosamente uma valência que nos parece ser central no processo de treino desportivo.


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revista digital · Año 12 · N° 111 | Buenos Aires, Agosto 2007  
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