Escola e cultura(s): repercussões e possibilidades para uma prática pedagógica intercultural |
|||
Licenciada em Educação Física. Universidade do Oeste de Santa Catarina, SC. Especializanda Educação Física Escolar. |
Andréia Paula Basei andreiabasei@yahoo.com.br (Brasil) |
|
|
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 111 - Agosto de 2007 |
1 / 1
Introdução
Vivemos em um mundo globalizado, mas altamente diversificado culturalmente. Este fato apresenta-se como um desafio para a sociedade atual, pois as grandes transformações ocorridas estão a toda hora desafiando os cidadãos a uma nova situação de vida, atingindo diretamente as tradições mais cristalizadas de nossa sociedade. Isso provoca um processo de desenvolvimento social que, na maioria das vezes, é carente de uma reflexão crítica, pois os sujeitos encontram-se subordinados a uma macroestrutura de mercado que os impõe determinados 'produtos' e concepções impostos pela cultural hegemônica.
Esta situação determinou, e esta determinando, as transformações e revoluções da humanidade, em alguns casos com mais intensidade que outros. Sendo assim, é necessário refletirmos sobre o momento histórico pelo qual estamos passando, onde não é mais possível tratar de fatos isolados, de contextos fechados, mas há que se considerar toda a complexidade que se criou como resultado de uma construção histórico-cultural do homem em seu contexto, da existência do ser-no-mundo.
Neste sentido, acreditamos que a escola é de fundamental importância, visto que, ela pode desenvolver em seus alunos, esta capacidade de análise e reflexão crítica. Para isso, a escola deve ser compreendida como integrante do processo de formação do cidadão e da sociedade e não apenas, como uma mera reprodutora de conhecimentos, mas como uma produtora de conhecimentos comprometida socialmente.
No entanto, o que observamos em nossa realidade, muitas vezes, é uma escola que ainda está esperando que digam qual o caminho a seguir, o que ensinar e qual projeto cultural e social a ser desenvolvido. Assim, acreditamos que é de fundamental importância nas discussões e práticas educacionais a ampliação e radicalização das questões culturais, onde percebemos um forte componente de intervenção e transformação de situações características em nossa sociedade, tais como: a injustiça social, a exclusão, racismo, entre outras.
Dentro desse contexto, o presente estudo teve como objetivo refletir sobre a escola enquanto um espaço permeado pela diversidade cultural e nesse espaço, as repercussões desse cruzamento de culturas e as possibilidades de se desenvolver uma prática pedagógica visando entender e atender as diferentes necessidades a partir de uma perspectiva intercultural.
Escola como um espaço de cruzamento de cultura(s)Diante da complexidade que se estabelece ao relacionarmos educação/escola e cultura(s), o debate que deve nortear essa preocupação é como deve se dar essa relação, sob quais orientações. Para isso, acreditamos na necessidade de pontuar algumas concepções que servem de sustentação para nossa reflexão.
Num primeiro momento, buscamos uma fundamentação de cultura trazendo as contribuições de Pérez Gómez (2001, p. 17), ao escrever que assume
[...] cultura como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos compartilhados por um determinado grupo social, o qual facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um marco espacial e temporal determinado. A cultura, portanto, é o resultado da construção social, contingente às condições materiais, sociais e espirituais que dominam um espaço e um tempo.
O conceito de cultura, portanto, denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos. Sendo assim, acreditamos que conforme aponta Candau (2002) o grande desafio sobre a questão cultural é lidar com a diversidade, com a multiplicidade de tendências em relação a questão da(s) cultura(s).
Nesse sentido, percebemos que a escola seria um espaço importante para as discussões que envolvem tal questão e suas representações na sociedade. Contudo, da forma como a escola está organizada difundindo, pelo que observamos na maior parte das realidades educacionais, um projeto cultural dominante, imposto, este espaço encontra-se fechado. Para tanto, concordamos com Pérez Gómez (2001, p.17) ao afirmar que, é necessário que se passe a
[...] considerar a escola como um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica, [...] é a mediação reflexiva daqueles influxos plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações.
Partindo dessa compreensão, a educação escolar ao contrário do observamos atualmente, não pode se limitar a transmitir os conhecimentos disponíveis em um dado momento e o pior, visando justificar a ideologia dominante em detrimento as classes populares e grupos culturalmente marginalizados. Por isso, defendemos que a educação deve pautar-se por uma perspectiva intercultural. É importante salientar que existem outros termos usados para se definir tal perspectiva, tais como multiculturalismo, multiculturalismo crítico e o próprio interculturalismo, o qual definimos como termo a ser utilizado, por compartilhar da idéia dos autores que o utilizam e que conforme eles proporciona uma maior comodidade léxica.
A perspectiva intercultural surge em contraposição a visão essencialista e reducionista proposta pelo monoculturalismo e multiculturalismo. Segundo Forquin (1993), enquanto o multiculturalismo se satisfaz com uma composição cultural mosaica, o interculturalismo define a diferença como uma relação dinâmica entre duas entidades que se dão mutuamente um sentido.
De acordo com Fleuri (1999), a estratégia intercultural consiste antes de tudo em promover a relação entre as pessoas, enquanto membros de sociedades históricas e culturalmente muito diversificadas. Através desse contato dialógico, é possível a construção de cidadãos emancipados e de uma sociedade democrática, mais justa e igualitária em sua diversidade.
Sob esta perspectiva, acreditamos que o objetivo da escola, está relacionado com as idéias apresentadas na visão gramsciana, onde é necessário que nela,
[...] seja dada a criança a possibilidade de formar-se, de tornar-se um homem, de adquirir os critérios gerais que sirvam ao desenvolvimento do caráter. Uma escola que não hipoteque o futuro da criança e constranja a sua vontade, sua inteligência, sua consciência em formação a mover-se dentro de uma bitola. Uma escola de liberdade e de livre iniciativa e não uma escola de escravidão e mecanicidade (GRAMSCI apud BARBOSA, 2001, p. 23).
Princípios norteadores da prática educativa em direção a educação intercultural e a emancipação humanaUma das condições fundamentais para práticas educativas interculturais e para a promoção da emancipação humana é a necessidade de uma reestruturação cultural das formas de agir, sentir e pensar o mundo, e portanto, a educação. No entanto, essa reestruturação, de nada servirá se não implementarmos mudanças em aspectos culturais enraizados em nossas escolas. Uma unidade dialética deverá ser a base das estruturas de pensamento para as ações que se desenvolvem no âmbito escolar, relacionando teoria e prática, objetividade e subjetividade, o local e o global.
Nesse sentido, consideramos as idéias pedagógicas de Freire (1983) e sua visão de liberdade. Para ele, a liberdade é a matriz que dá sentido à prática educativa, que só pode ser efetiva e eficaz à medida que haja a participação livre e crítica dos educandos. Educar significa, ser uma crítica à opressão real, na qual os homens vivem, e, ao mesmo tempo, uma expressão de luta por sua libertação. O aprendizado aqui é visto como um modo de tomar consciência do real e só pode acontecer dentro dessa tomada de consciência. Dessa forma, a prática educativa é uma prática social porque é uma atividade humana distinta do comportamento espontâneo, e a teoria pedagógica compreende que,a educação, inserida num projeto histórico-social da emancipação humana, tem por tarefa desenvolver competências para o Agir (conhecimentos, habilidades, estruturas de pensamento e condições de lidar com afetividade, capacidades de fazer), de forma a propiciar aos indivíduos recursos para participarem da vida social.
Sendo assim, acreditamos na necessidade de desenvolvermos nos educandos as competências sociais necessárias para emancipar os sujeitos, levando em conta a diversidade na qual estão inseridos. Para isso, apontamos a seguir alguns princípios e eixos norteadores para as práticas educativas, não como um modelo a ser seguido, uma receita pronta que emprega perspectivas didáticas infalíveis e inquestionáveis para solucionar problemas, mas como uma proposta para o desenvolvimento das competências sociais1 necessárias para emancipar os sujeitos e promover diálogos que façam surgir novas sugestões.
Um dos princípios que adotamos é a consideração dos sujeitos como o eixo principal, ou seja, tudo gira em torno dos sujeitos, sejam eles professores, alunos ou pessoas da comunidade externa, todos são considerados sujeitos históricos, culturais e sociais que convivem em um determinado contexto e possuem as representações simbólicas deste meio que criaram, do qual usufruem e modificam suas ações, modelando sua identidade.
Considerando que cada sujeito é portador de uma identidade, que regula suas ações, vamos ao encontro de outro princípio que deve ser adotado: cada sujeito deve ter o direito de expressar-se e expressar os conteúdos próprios de cultura. Este é um ponto interessante, haja visto que o fato de uma proposta intercultural não se trata, conforme nos afirma Jordan (1996 apud CANDAU, 1998, p. 56-57), simplesmente de trazer determinadas atividades, eventualmente para dentro da escola, mas sim, de deixar que essas atividades apareçam durante a aula, e os "donos" da idéia possam se expressar livremente.
E ainda, outro princípio que se propõe é que a estrutura curricular, a divisão dos conteúdos deve ser considerada em sua totalidade, entendida como um todo organizado de modo a distribuir os conteúdos buscando integrar os aspectos sócio-culturais às expectativas dos alunos. Sendo assim, os conteúdos trabalhados devem atender as necessidades dos alunos, de modo a não tornarem-se abstratos, pois mesmo buscando uma educação intercultural estes conteúdos devem estar relacionados com as vivências e conhecimentos que os alunos tem destes e da realidade que observam fora do ambiente escolar.
A fundamentação desta proposta com estes princípios aparecem, para nós vinculados a alguns eixos norteadores. Sendo assim, o primeiro a considerar-mos é que não existe superioridade cultural, mas sim, diversidade cultural. Através do reconhecimento dessa diversidade que forma um todo organizado, será possível a compreensão das diferenças dentro da aula, como por exemplo, o entendimento dos motivos que unem esses sujeitos, essas culturas, em torno dos esportes normatizados e faz deles esse grande espetáculo no mundo todo.
Outro eixo norteador é o fato de todas as culturas possuírem sua escala de valores, ou seja, o que pode ser extremamente significativo para alguns, para outros não tem sentido, como no caso da dança, por exemplo, a qual está perdendo cada vez mais seu espaço em nossa região, já em outros lugares, é considerada um espetáculo comparado ao futebol. Partindo desse entendimento vamos ao encontro de outra questão importante, ou seja, respeitar e conhecer os valores de outras culturas não implica necessariamente em adotá-los, e aí esta a função da escola de transmissão cultural, e da Educação Física de tratar da cultura de movimento, pois ela deve, ao invés de priorizar determinadas manifestações, tratar da maior diversidade possível, possibilitar uma gama muito variada de experiências.
E, por último e um dos fatores de grande relevância de promover-se uma educação intercultural, é que é justamente a diversidade cultural que enriquece os indivíduos, possibilita que os sujeitos construam suas ações e transformam-se de acordo com as experiências dos outros sujeitos, já que, como considera Geertz (1989), somos seres inacabados, que nos completamos através da cultura em constante transformação.
Contudo, a estrutura e desenvolvimento de uma proposta com base na interculturalidade é complexa e exige uma boa base, ou seja, conhecimento dos professores atuantes, para que estes possam realizar seu trabalho e alcançar seus objetivos num processo onde os alunos envolvidos compreendam o que e porque estão agindo de uma forma e não de outra. E este, é um processo a longo prazo que exige interesse, dedicação e planejamento.
Considerações finaisEducação e cultura(s), em nosso entendimento são questões a ser discutidas e ressignificadas no espaço escolar, haja visto que, com a incorporação de um currículo monocultural, transmitindo/impondo valores de uma cultura hegemônica, os alunos estão perdendo cada vez mais sua criatividade e criticidade.
Havendo a necessidade de um planejamento e uma reestruturação das formas de agir na educação, onde os conteúdos estejam adequados a realidade vivida pelos alunos e os objetivos de formação estejam conectados com a necessidade de formar sujeitos capazes de entender e viver num mundo marcado pela diversidade, é que acreditamos na necessidade de buscar subsídios na perspectiva intercultural para orientação das práticas educativas.
Através dessa perspectiva, a qual está embasada nos princípios e eixos norteadores apresentados, acreditamos na possibilidade de contribuir na formação dos alunos e suas possibilidades de agir no mundo como sujeitos emancipados. Contudo, este é um processo a longo prazo que deve ser incorporado desde a formação de professores, pois não se trata de incluir mais uma disciplina no currículo, ou organizar programas eventuais dentro do espaço escolar. E isso, exige conhecimento, interesse, dedicação e planejamento por parte dos professores, saindo da limitação das práticas tradicionais, descontextualizadas, sem sentido e significado para uma formação autônoma, critica e criativa, uma efetiva formação cidadã.
Nota
Utilizamos o termo competência social aqui referindo-se às condições necessárias para o sujeito agir no seu mundo de forma autônoma, crítica e efetiva, buscando a superação do dado e das estruturas conservadoras que o mantém num estado passivo de contemplador das situações desiguais de vida.
Referências
BARBOSA, C. L. A. Educação Física Escolar: as representações sociais. Rio de Janeiro: Shape, 2001.
CANDAU, V. M. (Org). Reinventar a escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
______ (Org.). Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
FLEURI, R. M. Desafios a educação intercultural no Brasil. Florianópolis, 1999. Lecturas Educación Física y Deportes, Revista Digital. Disponível em: http://www.efdeportes.com. Acesso em 27 fev. 2005.
______. Intercultura e Educação. Revista Brasileira de Educação, nº 23, maio/ago, p. 16-35, 2003.
FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
______. Pedagogia do Oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
PÉREZ GÓMEZ, A. I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Poro Alegre: Artmed, 2000.
revista
digital · Año 12
· N° 111 | Buenos Aires,
Agosto 2007 |