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Educação Física adaptada para pessoas
portadoras de necessidades visuais especiais

   
Graduada em Licenciatura plena em Educação Física - UFRJ.
Professora de Educação Física do CEINC - RJ (escola especial).
 
 
Profª Michele Pereira de Souza
michelepereira22@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Esse artigo visa mostrar que é possível que pessoas portadoras de necessidades visuais especiais participem das aulas de educação física, ressaltando sua importância e seus benefícios, principalmente com relação à construção de seu esquema corporal, organização espaço-temporal e conhecimento de seu corpo. Além disso, reforça a relevância da inclusão e do grande ganho que crianças especiais e as ditas "normais" tem na convivência diária e na troca de experiências.
    Unitermos: Necessidades visuais especiais. Inclusão. Educação Física adaptada/especial.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 111 - Agosto de 2007

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Introdução

    Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cegueira é:

"Uma acuidade visual inferior a 3/60 (0.05) é considerado como cegueira ou uma perda equivalente do campo de vista no melhor olho com a melhor correção possível (categorias da deficiência visual 3.4 e 5 do CIE-10). Consiste na perda da visão dos arredores em que a pessoa se move".

    As pessoas portadoras de cegueira precisam utilizar o Sistema Braile como principal meio de comunicação, pois só assim podem estar inseridas no processo ensino-aprendizagem e adquirir conhecimentos. Ainda de acordo com a OMS, "considera-se como uma visão subnormal uma acuidade visual inferior a 6/18 (0,3), mas igual ou melhor que 3/60 (0,05) no melhor olho com a melhor correção possível (categorias de deficiência visual 1 e 2 da CIE-10)". Algumas pessoas com visão subnormal necessitam de iluminação apropriada, auxílios ópticos, textos com letras ampliadas ou complementam as atividades com o alfabeto Braile. Uma estimativa da OMS em 1993 mostra que 10% da população brasileira é portadora de deficiência, sendo 0,5% portadores de deficiência visual, num total aproximado de 700 mil cidadãos.

    Através da visão, o ser humano pode identificar e distinguir objetos, cores, formas, tamanhos e distâncias. Esse é um sentido de grande valor na captação de estímulos e projeções espaciais, facilitando o relacionamento do homem com o meio em que ele vive; exatamente por isso, na maioria das vezes, os cegos têm as suas relações pessoais comprometidas através da exclusão social, pois fogem do padrão de normalidade estabelecido. Obviamente essas pessoas poderiam ocupar um lugar digno na sociedade, uma vez que toda ação individual deve ser valorizada independente de raça, cor, credo ou necessidade especial.


Esquema corporal

    Esquema corporal é o conhecimento que a criança tem do próprio corpo. A construção mental desse esquema corporal é ligada à história de vida de cada indivíduo, respeitando as influências culturais e individuais.Tanto as pessoas cegas como as ditas normais não constroem sozinhas o esquema corporal. Principalmente nos cegos congênitos, além da necessidade do toque corporal, há também a necessidade de diálogo verbal com os pais, sobre o esquema corporal e a imagem do seu corpo. No entanto, se este diálogo verbal não for bem esclarecido, devido à perda de elementos da comunicação não-verbal (posturas, gestos e expressões faciais), a imagem do corpo do cego congênito poderá ficar deturpada, influenciando no seu movimento. (TELFORD & SAWREY, 1988).

    O simples fato do individuo cego exercer seu direito de ir e vir estimula a memória, a organização espaço-temporal e certamente contribui para a interação com a sociedade, porém freqüentemente notamos alguns problemas que impedem essa "autonomia" como, por exemplo: restrição da mobilidade independente em ambientes não familiares, limitação da percepção de objetos grandes demais para serem percebidos pelo tato, dentre outros. O corpo precisa passar por essas experiências para se construir um ser social.

    É necessário evitar a mecanização das expressões do corpo no espaço, proporcionando mobilidade e possibilidades de diversas vivências corporais. Isso é importante para que a pessoa cega sinta seu corpo no espaço usando a locomoção e a orientação, adquirindo consciência da existência de objetos e de seu próprio corpo. Segundo Junior e Santos (2001):

Deve-se entender orientação e mobilidade como um conjunto de técnicas que visam organizar as noções de espaço, tempo, movimento e distancia. O portador de deficiência visual, através de um treinamento senso-perceptivo, buscará desenvolver uma locomoção mais desembaraçada e uma inter-relação entre seu corpo e os objetos circundantes, que permitam orientar-se com segurança. (s/p).

    A ocupação de espaços se dá através do estado ou da mobilidade de um corpo e se solidifica pela manutenção dessa mobilidade ou desse estado. Por causa disso, há uma grande preocupação com a orientação e mobilidade do cego, que se inicia na adequada estruturação espaço-temporal. Assim, o cego tem condições de usufruir e exercer o direito de ir e vir com independência.

    A preocupação com a orientação, locomoção e independência das pessoas cegas vêm sendo motivo de interesse há muito tempo. Esse assunto surgiu em 1929, com o uso de cães-guias, nos EUA. Após a II Guerra Mundial, a orientação foi sistematizada para atender ao número elevado de soldados que ficaram cegos, com o objetivo de torná los o mais independente possível. Mais tarde, o médico Richard Hoover, preocupado com o aspecto funcional das bengalas de madeira, que possuíam muito peso, desenvolveu uma bengala mais leve e com técnica adequada, que passou a chamar-se bengala longa ou Hoover, funcionando como extensão do corpo. A bengala possui tanta importância que, no dia 15 de outubro, festeja-se o Dia Internacional da Bengala Branca (desde 1980). A data foi eleita na França, durante o encontro da União Mundial de Cegos (UMC), que vê na bengala o símbolo da integração na sociedade das pessoas cegas. Organización Nacional de Ciegos, (1938)


A vez dos cegos na escola

    Segundo Junior & Santos (2001) nos anos 60 houve expansão do ensino integrado, que aconteceu por ter sido incluída na Legislação de Ensino pela primeira vez no Brasil, um dispositivo referente à educação de Excepcionais - Lei de Diretrizes e Bases, 1971: "Artigo 88 - A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no Sistema Geral de Educação, a fim de integrá-los na comunidade". Esse foi um grande passo para que acontecesse uma maior integração entre as pessoas ditas normais e as cegas, proporcionando a merecida igualdade de direitos e tentando findar o preconceito. Hoje em dia, há um grande apelo pela educação inclusiva; esperamos que esse movimento cresça e realmente "inclua" todas as pessoas portadoras de necessidades especiais.


A importância da Educação Física

    A educação física enfatiza o conhecimento e domínio corporal e busca, através de atividades lúdicas e esportivas, servir como importante elemento de desenvolvimento geral, aumentando o potencial de experimentação corporal de situações de aprendizagem e de aquisição de conceitos básicos. Desenvolve a auto-confiança, a auto-iniciativa e a auto-estima, além de atuar como elemento facilitador de um desenvolvimento motor adequado e propiciador de situações de interação social.

    Há algumas atividades comumente praticadas pelos deficientes visuais como: natação, judô, musculação, dança, recreação, atletismo, futebol, futebol de salão, xadrez, além de thorball e o goalball (modalidades esportivas que foram inventadas e desenvolvidas especificamente para pessoas portadoras de necessidades visuais especiais).

    As pessoas cegas, especialmente as crianças, geralmente apresentam desempenhos inferiores nas áreas motora, cognitiva e afetivo-social. A defasagem apresentada não é própria da condição de cego, mas sim em função de um relacionamento familiar inadequado e, principalmente, é causado pela própria problemática da realização motora. A família, muitas vezes super protege a criança cega e isso dificulta seu desenvolvimento motor geral. Como já foi dito antes, quanto menos a criança cega interage fisicamente no ambiente, menos ela experimenta situações de aprendizagem, menos oportunidades ela tem de formar conceitos básicos, menos ela relaciona-se com o ambiente e com as pessoas e mais ela se fecha dentro do seu mundo particular e restrito pela falta de informações visuais.

    Com relação ao domínio sócio-afetivo, freqüentemente apresentam medo de situações e ambientes desconhecidos, dependência, dificuldade de relacionamento e integração, insegurança, baixa auto-estima e auto-confiança. Já no campo cognitivo podemos observar limitação na captação de estímulos e dificuldade na formação de conceitos. Ainda tem um grande comprometimento na área psicomotora, principalmente pela impossibilidade de imitação que dificulta a aprendizagem e diferentes vivências motoras e sensoriais.

    Sem dúvida a educação física é um importante aliado na interação social, no incremento das funções da inteligência e principalmente no desenvolvimento das condições motoras dos indivíduos cegos. Através de atividades lúdicas, podemos alcançar os 3 domínios e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. As defasagens no desenvolvimento geral da criança cega, que se apresentam como estatisticamente relevantes, são mais acentuados na área motora. Estas se dão, não por um déficit anátomo-fisiológico inerente à criança congenitamente cega, mas sim pela limitação de experiências motoras em diversos níveis.

    Os estágios de desenvolvimento motor da criança cega apresentam-se com freqüência as seguintes defasagens:

    A chamada educação física adaptada ou especial consegue minimizar e otimizar esses problemas, se o trabalho for realizado por um profissional competente e habilitado. Ela utiliza o corpo da criança cega como instrumento. Partindo do conhecimento e domínio deste corpo, ela usa o movimento controlado como meio, o respeito absoluto a individualidade do aluno como estratégia básica, o prazer da descoberta de poder fazer como reforço, tendo como fins o embasamento e a potencialidade de seu desenvolvimento geral, buscando propiciar condições favoráveis à sua trajetória acadêmica e, futuramente, à sua emancipação social.

    A criança portadora de necessidades visuais especiais tem absoluta necessidade de descobrir, conhecer, dominar e relacionar o seu próprio corpo com o ambiente e com as pessoas. Somente assim ela se identificará como ser inédito, formando o seu "EU", interagindo no ambiente e em seu grupo social, é uma etapa de seu desenvolvimento que não pode ser queimada. Essa criança necessita de ações que permitam construir uma nova postura em relação a sua realidade, superando os comprometimentos físicos e estabelecendo um comportamento de interação e integração com as pessoas e o mundo a sua volta.


Conclusão

    É importante ressaltar o grande valor que a educação física adaptada ou especial tem, pois proporciona as pessoas portadoras de necessidade visuais especiais uma melhor qualidade de vida, socialização, bem-estar, treinamento dos sentidos, conhecimento do esquema corporal, além de outros estímulos e vivências que em outras atividades não seria possível.

    Utilizar a educação física para promover e despertar as potencialidades de uma pessoa cega é muito mais do que gratificante, é um dever muito prazeroso.


Referências bibliográficas

  • BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDB), artigo 88. Lei Nº 5692, de 11 de agosto de 1971.

  • JUNIOR, W, R. & SANTOS, L, J. M. O Judô como atividade pedagógica desportiva complementar, em um processo de orientação e mobilidade para portadores de deficiência visual. En Revista Digital, Lecturas: Educacion Física y Deportes. http://www.efdeportes.com. Buenos Aires: abril, 2001

  • LE BOULCH, J. Educação psicomotora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987

  • Portal SEESP. Disponível em: http://www.mec.gov.br/seesp

  • TELFORD, C. W. & SAWREY, J. M. O indivíduo excepcional. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1988.

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