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Jogos Pan-Americanos Rio de Janeiro 2007:
por trás das cortinas do grande espetáculo

   
*Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense.
Professor Adjunto do Departamento de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
**Doutoranda no Prog. de Pós-Graduação da Fac. de Serviço Social, UERJ.
Professora da Rede Pública Estadual do Rio de Janeiro e
da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
 
 
Hajime Takeuchi Nozaki*
hajimenozaki@uol.com.br  
Adriana Machado Penna**
adriana_penna@oi.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     O presente texto foi elaborado especificamente para a Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital (http://www.efdeportes.com), tendo em vista a importância da extensão do debate para os companheiros latino-americanos. Utilizou-se como base do texto a apresentação dos autores em dois eventos distintos: a) Semana Acadêmica do Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Pará, em Belém, no dia 23 de abril de 2007; b) Encontro Regional dos Estudantes de Educação Física, Regional 2, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 29 de abril de 2007.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 110 - Julio de 2007

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    Nos dias 13 a 29 de julho de 2007 ocorrerão os XV Jogos Pan-Americanos, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil e, na seqüência, o III Jogos Parapan-americanos, de 12 a 19 de agosto. Trata-se de dois eventos, sobretudo o Pan-Americano, que chamarão a atenção do mundo esportivo, principalmente dos países do continente americano.

    Não obstante ao caráter de espetáculo assumido pelos Jogos, existem elementos da política esportiva, no Brasil e no mundo, aos quais devem ser levados em consideração para uma análise crítica destes eventos. Assim, o objetivo desta análise é apontar elementos do papel político do fenômeno esportivo, no mundo e no Brasil, e os Jogos Pan-Americanos neste contexto.

1. O novo papel do esporte no mundo e no Brasil

    As competições esportivas internacionais do pós 1989 assumem papéis diferenciados daqueles que normalmente costumou-se caracterizar no período do pós II Guerra Mundial, marcados pela guerra fria e políticas de desenvolvimento econômico dos países, escoados nas disputas entre os países do bloco capitalista e do assim chamado bloco socialista. No final do século XX e início do XXI, é possível identificar o predomínio de dimensões do esporte adaptadas à economia de mercado capitalista, entre elas:

    a. A espetacularização, ligada ao âmbito da mercadorização, no contexto de um sistema que se colapsa pela superprodução de mercadorias;

    b. A fabricação do esporte pelas grandes corporações, adaptada ao mais alto grau da exploração capitalista para a maximização dos lucros: na Indonésia, a Nike chegou a pagar 0,40 centavos de dólar a hora, utilizando trabalho infantil (adolescentes de 14 anos de idade) para montar seus tênis, os quais não são fabricados em lugar nenhum dos EUA onde esta empresa tem sede. Outro exemplo de modalidade de exploração que vem se disseminando é a utilização de presidiários, por parte das grandes empresas nos EUA, em troca de um pequeno salário (de US$ 0,02 a 2,00 a hora) e/ou de uma redução de sua pena. Empresas como a Spalding utilizam-se deste tipo de trabalho para empacotar suas bolas de golfe, desobrigando-se das leis trabalhistas ao utilizar os presos para a execução de trabalhos.

    No entanto, é possível identificar outro papel do esporte, onde podemos situar boa parte da discussão dos Jogos Pan-Americanos, para as análises que queremos empreender aqui. Trata-se do novo papel do esporte nos marcos da recomposição capitalista do século XXI, ou seja, o esporte para a tolerância e para o alívio da pobreza.

    A última década do século XX foi marcada pela dita inserção dos países na economia de mercado global. Da mesma forma, foi caracterizada por crises as quais repercutiram por várias partes do globo terrestre, sobretudo, em alguns casos, manifestadas na volatilidade do capital financeiro, fenômeno este caracterizado por François Chesnais (1996) como mundialização do capital.

    As várias dimensões de tentativa de recomposição do capital não têm conseguido evitar uma dramática acentuação da crise internacional, refletida no fenômeno da desigualdade social e visualizada pelos índices de pobreza, cada vez maiores em todo globo terrestre. Neste contexto, seja nos países de capitalismo central, ou periférico, aumenta-se a violência, gerando insegurança para a população de um modo geral e a preocupação, para as classes dominantes, que a instabilidade social se reverta em algum tipo de revolta ou mesmo em insurreição.

    A entrada para o século XXI não trouxe mudanças significativas quanto a este quadro de crise e de medo da violência e da instabilidade social. Um episódio emblemático foi o ataque às torres gêmeas norte-americana em 11 de setembro de 2001. Se tal ataque gerou, por um lado, o medo da intolerância, por outro, reafirmou o discurso da tolerância entre os povos, as culturas, as raças e as religiões. Obviamente esta tolerância vem marcada também pela preocupação de se manter a estabilidade social em um contexto de crise econômica, levando-se em conta, por exemplo, que a economia norte-americana e, portanto, a mundial capitalista, não se mostrava em prosperidade. Pelo contrário, o quadro era de uma crise internacionalizada, na qual, obviamente, os trabalhadores dos países do capitalismo periférico são os mais explorados e expropriados, como é o caso da economia da Argentina. O Brasil, mesmo sob o discurso da classe dominante de que este não amargaria com os acontecimentos dos EUA e da Argentina, na verdade vivenciou, desde abril daquele ano, uma crise energética como epifenômeno de sua inserção subordinada ao capital globalizado.

    É justamente neste contexto de medo e de reafirmação do discurso da tolerância, sob a égide da tentativa de recomposição do capital em crise, que podemos situar o novo papel atribuído para o esporte, qual seja, o de compor ideologicamente os discursos da tolerância e de alívio à pobreza. Como exemplo, apontamos os esforços internacionais, organizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), no intuito de estabelecer consensos para o alívio da pobreza e promoção da assim chamada paz entre os povos. Desde setembro de 2000, reuniram-se em Nova York, líderes de 191 países, membros da ONU, na intenção de definir estratégias até 2015, denominadas Metas do Milênio, para garantir a qualidade de vida e a diminuição da pobreza em todo mundo. Como parte deste mesmo projeto, em 2002, o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, reuniu uma Força Tarefa com intuito de envolver o esporte no sistema das Nações Unidas. Tal esforço foi registrado em um documento denominado "Relatório da Força Tarefa entre Agências das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz: em direção à realização das metas de desenvolvimento do milênio" (ONU, 2003).

    O esporte, neste contexto, assume o papel da construção de consensos e tolerância entre diferenças de todos os tipos, sobretudo as étnicas e raciais, tendo em vista a cultura do medo e da intolerância retroalimentada a partir dos acontecimentos de 11 de setembro. Nesse sentido, o esporte é tratado como um instrumento compensatório capaz de - desligado da totalidade das relações sociais - facilitar a inclusão, sobretudo, dos pobres, mulheres, crianças e todos aqueles considerados incapazes, portanto, à margem da sociedade. O esporte é perspectivado enquanto um agente do desenvolvimento - capitalista - porquanto é promotor da paz.

    "O esporte pode atravessar as barreiras que dividem as sociedades, tornando-o assim uma poderosa ferramenta para apoiar esforços de prevenção de conflitos e de construção da paz, tanto simbolicamente no nível global, quanto de maneira bastante prática dentro das comunidades. Quando aplicados eficazmente, os programas de esportes promovem a integração social e fomentam a tolerância, ajudando reduzir a tensão e gerar diálogo. O poder de organização e reunião do esporte o torna uma ferramenta ainda mais eficaz para a comunicação e a conscientização" (ibid.).

    Tal política de inclusão social por meio do esporte, por sua vez, encontra-se em íntima relação com as políticas para o esporte executadas no Brasil, pelo governo Lula da Silva. Um exemplo disso pode ser encontrado em um documento oficial sobre as ações que deveriam compor a política nacional do esporte (BRASÍLIA, 2004a). No documento, ressalta-se a sintonia entre as políticas esportivas brasileiras e as proposições da ONU, destacando-se que o desenvolvimento desta política pode vir a incluir socialmente até 32 milhões de crianças.

    Neste mesmo empenho, é possível destacar o objetivo da 1ª Conferência Nacional do Esporte, realizada em junho de 2004, que era "debater o esporte como política pública de inclusão social" (BRASÍLIA, 2004b), aprovando as bases para a construção da Política Nacional do Esporte, aprovada pelo Conselho Nacional do Esporte em junho de 2005, com forte ênfase na inclusão social e a indicação da necessidade de criação do Sistema Nacional de Esporte e Lazer, temática da 2ª Conferência.

    Assim, o esporte, enquanto política governamental brasileira, tem sido guiado pelo discurso do acesso à cidadania, direito de todos e responsabilidade empresarial. Nas declarações deste governo, o esporte é um eficiente instrumento para a inclusão de crianças e jovens em situação de risco e que, portanto, efetivar tal política representa dar oportunidade a uma parcela da população brasileira para se sentirem verdadeiros cidadãos. Programas tais como o Segundo Tempo e o Esporte e Lazer nas Cidades confirmam o enfoque dos assim denominados Projetos Esportivos Sociais.

    Assim, pode-se afirmar que a utilização do esporte como instrumento capaz de, por si só, superar as desigualdades e promover a inclusão, caracteriza a intimidade com as orientações que incentivam as políticas de tolerância e de alívio à pobreza. Essas políticas são fomentadas por organismos internacionais que propagam pelo mundo a necessidade da estabilidade econômica e social como indispensável ao desenvolvimento e sustentabilidade dos países de um modo geral. Ao que tudo indica, essas políticas encontram um terreno muito fértil no atual governo Lula.

    No que diz respeito ainda ao Brasil, país do capitalismo periférico, as políticas esportivas são voltadas para o assim chamado fator de desenvolvimento econômico (BRASÍLIA, 2004a). Nesta perspectiva, os setores ligados às atividades esportivas, considerando-se também o turismo, funcionam como uma dinâmica econômica com a capacidade de gerar emprego e renda, direta ou indiretamente. Nesta perspectiva que podemos situar a importância dada para a realização de eventos esportivos no país, como, por exemplo, os Jogos Pan-Americanos, já que "movimentam vultosas somas em obras físicas (...) para cumprir exigências internacionais" (ibid.), além de abrir milhares de vagas de empregos temporários.

2. Os Jogos Pan-Americanos

    Centraremos nossa análise sobre os Jogos Pan-Americanos em dois pontos: a) o enfoque dos jogos enquanto um negócio entre Estado brasileiro e iniciativa privada e suas conexões com o trabalho contemporâneo; b) os bastidores dos Jogos Pan-Americanos, sob o ponto de vista dos trabalhadores que ergueram sua estrutura e o sustentam; c) o que realmente os jogos trarão de benefícios no campo esportivo brasileiro e para a cidade sede.

    Os Jogos Pan-Americanos estão sendo projetados para serem, antes de tudo, uma mega estrutura envolvendo francamente o investimento privado e externo, por meio da estratégia de Parceria Público-Privada (PPP) com o governo federal brasileiro.

    O governo Lula, desde seu primeiro mandato, tem caracterizado o esporte como um grande mercado em expansão. Neste empenho, realizou duas versões da Conferência Nacional do Esporte, nos anos de 2004 e 2006, enfatizando o discurso de que para o desenvolvimento do esporte no país seria fundamental a captação de recursos, tanto de origem pública, como de origem privada.

    Em 21/12/2006, foi divulgada uma nota oficial, na página do Ministério do Esporte, comemorando a Lei de Incentivo ao Esporte. A idéia era "criar canais para atrair empresas e pessoas físicas para investir em esporte por meio de renúncia fiscal" (BRASÍLIA, 2006). Pessoas físicas poderiam doar ou usar, como patrocínio, até 6% do imposto devido e as pessoas jurídicas, empresas, clubes sociais, entre outros, até 4%. Na concepção do Ministério:

    [...] a lei torna-se mais um instrumento para garantir o direito constitucional ao esporte e lazer a todos os cidadãos brasileiros. O Ministério do Esporte parabeniza os atletas, ex-atletas e dirigentes esportivos brasileiros pelo comprometimento com a aprovação da lei (ibid.).

    A política de mercadorização do setor esportivo canaliza-se, portanto, nos Jogos Pan-Americanos. É possível elencar, a partir de fontes do próprio Ministério do Esporte (www.esporte.gov.br), várias empresas, públicas e privadas, com a predominância destas últimas, as quais mantêm empenho em patrocinar o evento:

    a. Patrocinadores Públicos: Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Correios.

    b. Programa de Parceiros Olímpicos (TOP - The Olimpic Parther Programme), criado em 1985 e gerenciado pelo COI, é a única modalidade de patrocínio com direitos exclusivos dos Jogos de Verão e Inverno. Os parceiros TOP apóiam a organização dos Jogos e o movimento olímpico em geral. São eles: Coca-Cola; Mac Donald; Atos Origin; Omege; GE; Panasonic; Johnson-Jhonson; Kodak; Lenovo; VISA; Sansung; Manulife.

    c. Patrocinadores Oficiais dos Jogos Pan Americanos: Olympikus; Oi; Caixa; Sol (cerveja Pilsen); Petrobrás, Sadia.

    d. Parceiros: Golden Cross; Bob's.

    e. Fornecedores: Odonto Prev - Planos odontológico do Brasil.

    Ainda, ao acessarmos a página do Ministério do Esporte (ibid.) poderemos encontrar uma série de vídeos, campanhas publicitárias, que deverão em breve estar na grande mídia. A campanha leva a seguinte mensagem: "Investir no Pan é investir no Brasil". Segundo o Ministério, este slogan tem por objetivo mostrar que as ações do governo em vários setores, e também no que se refere aos esportes, "[...] são investimentos de forte impacto e de longo prazo" (grifos nossos).

    O processo de mercadorização do esporte evidencia-se não apenas pela entrada do capital privado para o seu financiamento, mas pela criação de um mercado próprio dos Jogos. Ou seja, os Jogos são, ao mesmo tempo, a mercadoria a ser negociada, como, também, geram mercadorias a serem vendidas. Por exemplo, no mês de março de 2007, a Olympikus, empresa de artigos esportivos, fez uma grande campanha no Hotel Copacabana Palace, na cidade do Rio de Janeiro, na qual realizou um desfile, tendo como instrumentos de propaganda os atletas brasileiros que irão participar dos Jogos Pan-Americanos. Os atletas exibiam, ao seleto público convidado, os diversos modelos de modernos uniformes, tênis, agasalhos e toda sorte de acessórios que serão utilizados durante as provas e fornecidos a eles por aquela empresa. Evidencia-se, assim, o mundo da moda-fitness dos Jogos Pan-Americanos.

    No entanto, nem tudo são flores. A iniciativa privada tem estado atenta para a onda de violência que assola a cidade do Rio de Janeiro. Esse fenômeno, inclusive, tem gerado instabilidade no setor de turismo, um outro setor importante da economia carioca. No último 9 de abril, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, solicitou, formalmente, ajuda às forças armadas ao governo federal de Lula, argumentando ser caso de segurança nacional. Paira, neste ponto, a suspeita de que este pedido, feito neste momento, ressalta a importância dos jogos Pan-Americanos para a imagem do país, pois, trata-se de um momento onde há a chegada de investimentos externos.

    Um segundo ponto crítico é a crise da aviação, que vem se arrastando desde o final de 2006, a qual, sem uma solução estrutural, que envolva a melhoria de condições dos trabalhadores deste setor, corre o risco de se tornar um problema crônico no Brasil e possui implicações diretas para o sucesso dos jogos e, portanto, a estabilidade tão procurada pela burguesia internacional que pode vir a investir no país.

    Sob o ponto de vista dos trabalhadores, é possível afirmar que o trabalho que gera e subsidia e estrutura dos jogos Pan e Parapan-americanos está acomodada à maximização das explorações do capitalismo contemporâneo. O mote central é o trabalho voluntário, como nova forma, consentida, de exploração do trabalho para o aumento dos lucros privados, seja a partir do discurso ideológico atrelado ao ganho de experiência, à valorização ao altruísmo, seja pelo simples fato de que é a única forma em que o trabalhador pode ficar mais próximo deste evento. A expectativa é de 15 mil voluntários, o que seria mais que o dobro dos que trabalharam no Pan de 2003, em Santo Domingo, na República Domenicana, o qual envolveu 7 mil trabalhadores (OPINIÃO E NOTÍCIA, p. 2, 2007). Ainda, foi necessária a abertura de um processo seletivo, pois a procura foi enorme, envolvendo muitas vezes os estudantes dos cursos de educação física do Rio de Janeiro, estimulados pelas suas escolas de formação.

    Por outro lado, no que diz respeito aos trabalhadores envolvidos com as obras do Pan, pode-se perceber claramente o descontentamento por conta de suas condições de trabalho. Até o dia 23 de março, foram contabilizadas três paralisações dos trabalhadores das obras do Pan: no Estádio Olímpico João Havelange - Engenho de Dentro -, no Parque Aquático Maria Lenk - em Jacarepaguá - envolvendo cerca de 800 operários e no Complexo Esportivo do Autódromo - também em Jacarepaguá - envolvendo cerca de 150 trabalhadores. Eles reivindicavam, centralmente, o aumento salarial e melhores condições de trabalho, seguindo a cartilha do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada. No que diz respeito aos salários e rendimentos, reivindicaram adicionais de horas extras e vales-refeição. Entre as reivindicações das condições de trabalho configuram itens básicos tais como a melhoria da limpeza e higiene dos banheiros e dos refeitórios, água suficiente para banho e melhoria das refeições servidas (JC ONLINE, 2007).

    A preocupação dos empresários em entregar as obras a menos de um mês dos jogos faz com que haja possibilidades de negociação das reivindicações destes trabalhadores. Trata-se de uma corrida contra o tempo, posto que alguns locais tenham sido impedidos de continuar suas obras, por ações do Ministério Público, a partir da alegação de que as obras são ilegais e que oferecem riscos ao meio ambiente.

    Neste particular, vários jornais de grande circulação no país, além da própria mídia de massa, têm levantado e dado destaque às polêmicas sobre: desvios de recursos que deveriam ter como destino a organização dos Jogos Pan-Americanos, além de locais que estão sendo impedidos de dar continuidade a suas obras e reformas, para que sirvam como sede às futuras instalações do Pan. As denúncias são de que as obras, além de apresentarem aspectos claros de ilegalidade, podem oferecem riscos ao meio ambiente. Um exemplo dessa polêmica é abordado pelo jornal Gazeta Esportiva (1º de dezembro de 2006, ao mostrar que as obras da Mariana da Glória foram, mais uma vez, embargadas.

    De qualquer modo, os recursos federais para a promoção do Pan-Americano não param de chegar. Conforme dados do próprio Ministério do Esporte (2007), o governo brasileiro, através de Medida Provisória, liberou mais R$ 475 milhões para o governo do estado para aquele fim. O montante de recursos chegou à soma de R$ 1,284 bilhão, quase 10 vezes mais que o previsto inicialmente, recursos esses que provavelmente propiciarão o ganho privado a partir do financiamento público. Ainda assim, no mesmo portal do Ministério (ibid.), encontramos o dado de que o governo federal teria responsabilidade de apenas cerca de 50% dos custos de obras e dos investimentos envolvidos nos jogos, o que nos faz inferir que com o restante, proveniente da iniciativa privada, a quantia gasta para os jogos chegaria ao dobro da soma gasta pelo governo brasileiro.

    Este item nos leva ao terceiro ponto de nossa análise. A questão seria: com todo o capital externo sendo investido na realização dos jogos Pan e Parapan-americanos, qual seria a proporção que ficaria para a cidade sede e para o desenvolvimento do esporte nacional, considerando-se que boa parte deste capital tem a clara intenção de se reproduzir em solo brasileiro para posteriormente se descomprometer, tal como manda a lógica dos investimentos na atual fase capitalista (CHESNAIS, 1996)?

    Para iniciar a reflexão neste campo, é necessário lembrar que não há dados concretos que evidenciem que um país sede, seja dos Jogos Olímpicos, ou da Copa do Mundo de Futebol, tenha dado um salto esportivo pelo único fato de ter sediado um evento desta natureza. Os países que já eram potências esportivas, e que sediaram esses eventos, continuaram mantendo sua hegemonia, porém, no caso inverso, os países com pouca ou nenhuma expressão esportiva continuaram no mesmo patamar. Portanto, não existem provas de eventos desta natureza impulsionam o esporte local.

    Por outro lado, é necessário salientar que não é segredo para ninguém, que o discurso comum ao governo federal e aos órgãos ligados à organização do Pan é o da necessidade do sucesso de sua organização e sua realização para que este seja uma porta para eventos de maior porte, posto os anseios de sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014. Ou seja, a realização do Pan se justifica, para estes casos, na busca de realização de eventos maiores, portanto, abre-se a necessidade infindável da realização destes eventos como forma impulsionadora da economia e do desenvolvimento do próprio esporte.

    Mas, retomando a questão, o que ficará de legado para a cidade do Rio de Janeiro, para os seus moradores e para o desenvolvimento do esporte nacional? Se, por um lado o portal do Ministério (op. cit.) declara que:

    [...] Entre os destaques das ações do governo federal estão as obras no Complexo Esportivo Deodoro. Localizado na Vila Militar, zona Oeste do Rio de Janeiro, o Complexo vai abrigar o Centro Nacional de Hipismo e o Centro Nacional de Tiro, instalações sem similar na América Latina. No Complexo, serão realizadas as provas de Hipismo, Hóquei sobre Grama, Tiro Esportivo, Tiro com Arco e Pentatlon Moderno - que reúne competições de tiro, esgrima, natação, hipismo e corrida. Após os Jogos, o local será um centro de excelência para o desenvolvimento do esporte, que vai servir para treinamento de atletas, descobertas de novos talentos e formação de corpo técnico.

    Por outro lado, também nos lembra que "[...] Outro grande investimento do Governo Federal é a Vila Pan-americana, local de alojamento de atletas e oficiais dos Jogos". Não obstante às declarações oficiais, já é fato que a Vila Pan-americana, posteriormente ao evento, não será utilizada para fins esportivos, pois, já caiu na especulação imobiliária, outro negócio das arábias se considerando o bairro da Barra da Tijuca, local bem conhecido pelos cariocas como aquele em que proliferam, a cada dia, os condomínios de luxo dos novos ricos do Rio de Janeiro. Nesta direção, chamamos a atenção para alguns comentários, bastante entusiasmados, feitos por proprietários de grandes empresas, tanto do ramo da construção civil, quanto às ligadas ao mercado imobiliário e da publicidade e marketing:

    Mil trezentos e cinqüenta apartamentos (91% do total), de um, dois, três e quatro quartos, vendidos em dez horas. Ou seja, quase dois imóveis negociados por minuto. O sucesso de vendas da Vila Pan-Americana, em construção pela Agenco, na Barra da Tijuca, pode ganhar a chancela de recorde mundial. Com direito a publicação no Guinness, o livro dos recordes. Ao menos essa é a intenção da W/Brasil, agência de propaganda que assina a campanha de lançamento da Vila, e da Patrimóvel, imobiliária responsável pela venda de 75% das unidades. Em categorias diferentes e separadamente, as duas empresas inscreveram a Vila Pan-Americana no Guiness e estão em fase de comprovação do recorde. (Jornal O Globo, 05 de fevereiro de 2006).

    Segundo àquele grupo de empresários, estar na linha de frente de um evento do porte do Pan, indica que: "É uma forma de fazer história. E ainda reforçar a marca de todos os envolvidos num projeto que é um sucesso. Afinal, para tudo dar certo foi preciso um bom projeto, uma boa campanha publicitária e uma boa equipe de vendas." (ibid., grifo nosso)

3. Conclusão

    De todos os recursos dirigidos à organização dos Jogos Pan-Americanos, é bastante difícil identificar o que é, de fato, recurso público e o que é capital privado. Se considerarmos que, atualmente, ao vivermos sob "a hegemonia do capital financeiro na mundialização contemporânea" (CHESNAIS, op. cit.), não se configura como uma tarefa simples a identificação das origens de tais recursos financeiros. As questões são: será que já estamos vivendo a efetiva fusão do Público com o Privado? Ou, estamos vivendo o mais amplo, profundo e ameaçador domínio, em todas as esferas da vida, dos interesses privados?

    O esporte, compreendido como forma cultural historicamente produzida, deve ser socializado para todos, sobretudo para aqueles que a ele não têm acesso, seja em sua forma competitiva, seja na forma do lazer, vale ressaltar, para os trabalhadores do mundo inteiro como prática cultural e não como forma de trabalho aviltado. No Brasil, já basta o exemplo daqueles que só podem entrar na passarela do samba se for empurrando os carros alegóricos.

    Neste contexto, não é difícil perceber que o empenho para realizar os Jogos Pan e Parapan-americanos no país tem muito mais relação com o desenvolvimento das forças produtivas atreladas à maximização do lucro da classe burguesa. Pouco ou nada tem com a possibilidade de socialização do seu objeto, o esporte, à população brasileira em geral, portanto, pouco ou nada tem com o próprio desenvolvimento do esporte no país.

    Assim, nossa posição é de que o esporte deveria ser desenvolvido em um país, em suas múltiplas determinações, a despeito da sua participação em jogos competitivos internacionais e das suas possibilidades de se tornar hegemônico neste contexto.

Referências bibliográficas

  • BRASÍLIA. Ministério do Esporte. Uma política Nacional de Esporte. Brasília, 2004a. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/boletim_email/ boletim_politica_nacional.asp, Acesso em: 5 dez. 2004.

  • ____________ Ministério do Esporte. Notícias: Eixo central da política de esporte é a escola, afirma Agnelo Queiroz. Brasília, 2004b. Disponível em: http://portal.esporte.gov.br/ ascom/noticia_detalhe.jsp, Acesso em: 17 jun. 2004.

  • ____________ Ministério do Esporte. Ministério do Esporte comemora aprovação da Lei de Incentivo. Brasília, 2006. Disponível em: http://portal.esporte.gov.br/ascom/noticia_detalhe.jsp?idnoticia=3877, Aces-so em: 2 jan. 2007.

  • ____________ Ministério do Esporte. Pan 2007 é divulgado em feira internacional na Colômbia. Brasília, 2007. Disponível em: http://portal.esporte.gov.br/ascom/noticia_detalhe.jsp?idnoticia=3983, Aces-so em: 5 mar. 2007.

  • CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

  • GAZETA ESPORTIVA NET. Obras na Marina da Glória são embargadas novamente. 2006. Disponível em: http://www.gazetaesportiva.net/ panamericano/2007/notas, Acesso em: 2 jan. 2007.

  • JORNAL DO COMÉRCIO (JC. On Line): Paralisação em obras para o Pan. Disponível em: http://jc.uol.com.br/2007/03/23/ not_135270.php, Acesso em: 3 abr. 2007.

  • JORNAL O GLOBO - Caderno Morar bem. Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 2006. Vila do Pan tenta o Guinness. Disponível em: www.marc-apoio.com.br/biblioteca/documentos/vila_do_pan_tenta_o_guiness.doc Aces-so: 08/08/07.

  • ONU. Relatório da Força Tarefa entre Agências das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz: Em direção às Metas de Desenvolvimento do Milênio. 2003. Disponível em: http://wwwesporte.gov.br, Acesso em: 15 nov. 2004.

  • OPINIÃO E NOTÍCIA. Jogos Pan-Americanos: empregos, voluntariado e muitas críticas. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br. Acesso em: 28/04/2007.

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