Infarto agudo do miocárdio em mulheres Women's myocardic sharp infarction |
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*Educadora física e mestre em Saúde Pública pela UFSC. **Doutora em filosofia da enfermagem e professora adjunta do Departamento de Saúde Pública - UFSC. ***Psicóloga, Especialista em Avaliação Psicológica, mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFSC). (Brasil) |
Rejane Varela* Elza Berger Salema** Carolina Bunn Bartilotti*** carol_bartilotti@floripa.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 110 - Julio de 2007 |
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Introdução
Segundo dados da Federação Mundial do Coração (WIELGOSZ, 2005), as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte entre as mulheres em todo o mundo. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde (2006), ocorrem três mortes por infarto do miocárdio1 para cada morte por câncer de mama.
Segundo Varela (2004), em países de primeiro mundo também se têm percebido um aumento na mortalidade de mulheres acometidas por infartos agudos do miocárdio. Estas mortes estão relacionadas principalmente às mudanças de comportamento e aos hábitos, tais como: fumar, alimentar-se inadequadamente, usar drogas e envolver-se mais no mercado de trabalho.
De maneira geral, entre pessoas com menos de 50 anos de idade que sofrem um infarto agudo do miocárdio, as mulheres têm duas vezes mais possibilidades de morte como conseqüência quando comparadas aos homens. Conti, Solimene, Luiz e Benjó (2002) avaliaram 384.878 pacientes entre 30 e 69 anos (155.565 mulheres e 229.313 homens) entre junho de 1994 e janeiro de 1998. A mortalidade global dos pacientes foi de quase 16,7% entre mulheres e 11,5% entre homens, e dentre os pacientes com menos de 50 anos, a mortalidade de mulheres foi o dobro da dos homens, corroborando com resultados de pesquisa realizada por Passos et al (1998).
Seria possível que outros fatores biológicos, psicossociais e comportamentais, pudessem também contribuir para as diferenças de mortalidade entre os sexos. Entre essas variáveis deveriam ser incluídas: índice de massa corpórea, nível socioeconômico, freqüência de detecção e tratamento de doenças associadas, estresse psicológico e o comportamento do paciente na busca de cuidados médicos. Num estudo comparativo entre grupos de mulheres na pré e pós menopausa, com idades entre 40 e 54 anos, pode-se observar que o grupo de mulheres na pós-menopausa apresenta pelo menos o dobro de incidência de doença cardiovascular em relação ao grupo da mesma idade na pré-menopausa. Portanto, segundo Albuquerque, Cecatti, Hardy e Fagundes (1998), as mulheres cujos ovários ainda apresentam produção adequada de estrogênio têm maior proteção para o infarto em relação às mulheres que já entraram na menopausa. Em outro estudo publicado pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO, 2002), sugere que a terapia de reposição hormonal, tanto na pós como na peri-menopausa, podem servir de proteção para doenças cardiovasculares.
Os fatores de risco para a ocorrência de um infarto agudo do miocárdio podem ser, segundo Guedes (1995), divididos em dois grupos: os fixos e os modificáveis. Os fatores fixos compreendem idade, sexo e historia médica familiar. Os modificáveis englobariam o fumo, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, intolerância à glicose, sedentarismo, hipertrigliceridemia, hiperuricemia, obesidade, isolamento social, estresse e comportamento do tipo "A". De acordo com Curt Metlin (1976), numa pesquisa sobre comportamento do tipo A, foi estabelecida uma relação de risco coronariano e organização social do trabalho. O autor afirma, ainda, que o padrão tipo A está inserido no contexto social da moderna carreira ocupacional.
Dantas et. al (1999), num estudo feito em dois hospitais universitários do Estado de São Paulo sobre os fatores de risco de infarto do miocárdio em mulheres, identificou que hipertensão arterial, obesidade, diabetes, estresse e sedentarismo como alguns dos fatores presentes. Numa pesquisa americana intitulada CARDIA (2004), os pesquisadores correlacionaram o risco de angina ou infarto a comportamentos competitivos, hostis e impacientes - todos característicos de comportamentos tipo "A",em jovens entre 18 e 30 anos. Os resultados apontaram que há 84% mais chances de uma pessoa desenvolver hipertensão arterial se vivenciar comportamentos hostis e impacientes.
Outro fator relacionado a problemas cardíacos, segundo Belkiss (1990), é a presença de angústia2, pois ela causa modificações corpóreas a nível físico de uma ou mais funções vegetativas. De acordo com Novaes (1975, p.109), "toda angústia implica em tensão que pode ser refletida na área corporal, trazendo comprometimento somático, muitas vezes localizado no sistema cardiovascular, já prejudicado pela própria doença". As modificações mais comuns são: aceleração do ritmo cardíaco; modificação da vasomotricidade cutânea; dispnéia ou taquipnéia; perturbação do trânsito intestinal; variações das secreções sudoríparas, salivares ou gástricas; surgimento de espasmos musculares lisos; modificações metabólicas (variações da glicemia, das taxas de colesterol, etc) dentre outras. Além da angústia, a DHHS (1998) apontou que, 66% dos pacientes com Infarto do Miocárdio, apresentam transtornos emocionais associados, principalmente depressão e ansiedade. Segundo Braunwald (1987) há diversas doenças "médicas" que têm, conhecidamente, relação com angústia e ansiedade, principalmente em se tratando da cardiologia: segundo o autor, o coração é um foco freqüente de queixas de fundo emocional porque, além de ter a função de resposta real ao estresse psicológico, carrega uma extensa carga de atributos simbólicos e psicológicos.
O estresse é composto de um conjunto de reações fisiológicas que se exageradas em intensidade ou duração podem levar a um desequilíbrio no organismo. A reação ao estresse é uma atitude biológica necessária para a adaptação a situações novas. Este fenômeno pode estar relacionado a diversos motivos, porém Rocha, Esther e Debert-Ribeiro (2001) relatam maior freqüência de sintomas de estresse em mulheres (em comparaçãoo aos homens) relacionados às exigências do mercado de trabalho e ao papel da mulher na sociedade. Partindo desse pressuposto, os autores afirmam que o trabalho pode gerar estresse e que esse fenômeno pode desencadear um processo patológico - como o infarto agudo do miocárdio, por exemplo.
A organização do mundo do trabalho vem, cada vez mais, exigindo que as mulheres desempenhem funções no espaço público e no privado (as responsabilidades pelo trabalho doméstico são atribuídos cultural e socialmente) o que implica, na maioria das vezes, em dupla jornada de trabalho. Durante a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (2002, p. 41) definiu-se por trabalho doméstico: "o rol de atividades realizadas no âmbito da moradia, referentes à manutenção do espaço físico e ao bem-estar de seus habitantes, podendo o mesmo ser desenvolvido profissionalmente ou não".
Segundo Ballone (2004), a ascensão da mulher brasileira no mercado de trabalho trouxe muitas conquistas. Porém o ritmo de vida, a transitoriedade das coisas, das pessoas e dos valores, a valorização do bem material, o individualismo crescente, a falta de solidariedade e a premência do tempo e do sucesso estão fazendo surgir novos tipos de doenças e, entre elas, se enquadra a doença coronariana. Essa pode ocorrer após períodos em que o indivíduo tenha passado por sérios problemas, que podem estar relacionados ao trabalho, preocupações financeiras, familiares, entre outros. Segundo Varela (2004), as mulheres entraram na lista das vítimas em potencial do coração desde que começaram a fazer parte do mercado de trabalho.
A inserção das mulheres no mundo do trabalho e o ritmo de vida (em sua maioria com jornadas duplas de trabalho) podem gerar estresse. Esse se caracteriza por um "conjunto de reações fisiológicas que preparam o organismo para a ação" (OMS, 2006).
O ônus do estresse é incalculável, tanto em termos humanos como econômicos. Os custos mais visíveis se revelam através de doenças (Cantos et al, 2004, apontam diversos trabalhos que sugerem relação entre estresse psicológico e desenvolvimento de doenças cardiovasculares), absenteísmo, acidentes; e quanto aos custos mais ocultos pode-se citar rompimento de relacionamentos, a diminuição da produtividade, dentre outros.
Segundo Lipp (1986, p.17), os agentes estressores são classificados em:
Biogênicos ou automaticamente estressantes: frio, fome, dor, etc.
Psicossociais: que adquire a capacidade de estressar uma pessoa em decorrência de sua história de vida.
Externos: que resultam de eventos onde condições externas afetam o organismo e independem, muitas vezes, do mundo interno de cada um.
Internos: que são determinados completamente pelo próprio indivíduo.O presente estudo trata da percepção de mulheres que tiveram infarto agudo do miocárdio e sua relação com o contexto social. Partiu-se do pressuposto de que pensar e investigar as características da relação entre mulher-doença, abordando as condições de vida dessas mulheres, poderia evidenciar o que o infarto pode significar para as mulheres participantes da pesquisa.
MétodoA pesquisa foi qualitativa do tipo descritiva. Para Chizzotti (1995, p.79), abordagem qualitativa é "a que parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito".
Local da pesquisaA pesquisa foi realizada no Centro de Educação Física e Desportos (CEFID - Florianópolis - SC - Brasil), no Programa de Reabilitação Cardíaca da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC. O Programa de Reabilitação desenvolve atividades desde 1993, embora constem nos arquivos somente os registros a partir de 1996. O desenvolvimento de suas atividades se baseia no "tripé": exercício físico programado individualmente; orientação nutricional; e técnicas de controle do estresse aos portadores de doença coronariana aterosclerótica, hipertensão arterial, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica e obesidade. Trata-se de um processo educativo que visa a promoção de hábitos que aprimorem a saúde e a qualidade de vida dos participantes. Inicialmente, a proposta era de avaliar e orientar indivíduos aparentemente saudáveis, com vistas à adoção de um estilo saudável, mas em função da demanda, hoje se restringe ao atendimento de pessoas com problemas coronarianos.
Participantes da pesquisaA investigação foi realizada inicialmente com os protocolos de 1.460 pacientes que foram atendidos no Programa de Reabilitação Cardíaca no período de 1996 a 2003; destes 616 eram mulheres (Quadro 1). A etapa posterior foi identificar quais mulheres haviam desenvolvido doenças coronarianas, mais especificamente infarto agudo do miocárdio. Foram localizadas 27 mulheres e 13 encontravam-se na faixa etária de até 56 anos, idade definida para esta pesquisa. No entanto, destas 13 mulheres, cinco foram entrevistadas e 08 não fizeram parte do estudo, uma vez que não foram encontrados dados suficientes nos arquivos, como endereço atualizado e/ou telefone para contato.
Desta maneira, as participantes da pesquisa foram: 5 mulheres idades entre 40 e 56 anos, atendidas no Programa de Reabilitação Cardíaca da UDESC, no período entre 1996 a 2003.
Das cinco mulheres que participaram da pesquisa, Azul, Magenta, e Rosa tinham ensino médio completo, Sépia ensino médio incompleto e Vermelho, ensino superior incompleto. Com relação à situação financeira, Rosa e Magenta recebem de 1 a 5 salários mínimos, Sépia de 5 a 10 e Azul e Vermelho de 10 a 15 salários.
No que se refere ao estado civil e filhos, Azul e Vermelho são separadas, e Sépia, Rosa e Magenta são casadas e todas as participantes têm filhos: Sépia, tem 3 filhos adotivos, Magenta, 2 filhos, sendo um adotivo; Vermelho tem 4 filhos, um portador de deficiência, Azul uma têm 1 e Rosa 2 filhos.
Quanto à profissão, Azul e Magenta são enfermeiras, Rosa é técnica em contabilidade, Sépia bordadeira e Vermelho secretária. Das cinco, Sépia, Magenta, Rosa e Vermelho estão afastadas de suas atividades devido o infarto do miocárdio, Azul continuou trabalhando, embora tenha ficado 1 ano afastada de suas funções devido ao infarto.
Azul e Vermelho provém o sustento da casa, contando como complemento financeiro a pensão dos ex-maridos. Sépia, Magenta e Rosa dependem do benefício que recebem do governo devido ao estado de saúde.
Procedimento de coleta de dadosFoi desenvolvida uma entrevista semi-estruturada baseada na literatura, com itens sócio-demográficos, questões relativas à saúde (principalmente relacionadas ao episódio de infarto agudo do miocárdio), fatores de risco, estresse, história médica familiar, convívio social e prática de atividade física. Optou-se pela entrevista semi-estruturada, pois ela possibilita ao participante da pesquisa abordar livremente o tema proposto, possibilitando interação entre o entrevistador e o entrevistado.
O contato inicial foi estabelecido por telefone para que a entrevista fosse marcada no lugar mais tranqüilo possível, para que não houvesse interferência externa nas respostas. Quatro mulheres decidiram responder às perguntas em sua própria casa pois, segundo elas, ficariam mais à vontade para responder. Apenas uma delas preferiu no seu local de trabalho, por ser mais central, uma vez que mora em bairro distante. As entrevistas duraram em torno de uma hora, e não houve nenhum tipo de interrupção.
Durante a coleta dos dados, as mulheres expressaram seus sentimentos, preocupações e expectativas. As entrevistas foram transcritas na íntegra e procurou-se respeitar os valores e a cultura das participantes, tentando estimular o fluxo natural das informações.
Para garantir o anonimato e privacidade das mulheres, foram utilizados codinomes nos relatos das entrevistas: azul, sépia, magenta, rosa e vermelho. As questões éticas foram consideradas em todas as etapas do estudo, especialmente na relação com os participantes. Após aprovação do projeto pela Comissão de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, iniciou-se a pesquisa de campo e foi solicitado a cada uma das cinco participantes, que assinasse o "consentimento livre e esclarecido". Foi solicitado também a aprovação da realização do projeto na UDESC.
Análise dos dadosA sistematização dos dados baseou-se na análise de conteúdo, proposta por Bardin (1979, p. 42), que a define como sendo:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não), que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas), destas mensagens.
Optou-se pela análise de conteúdo por ser este um conjunto de técnicas de análise das comunicações que apresenta certas características particulares. É válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais; por isso pode funcionar sobre "corpus reduzidos" e estabelecer categorias mais descriminantes. Como o objetivo da pesquisa é a percepção do infarto, para que as deduções não fujam ao tema proposto, o método foi adequado ao desenvolvimento da mesma.
Durante a exploração do material, e mesmo, na releitura das entrevistas, as questões relacionadas à definição da doença, trabalho e estresse foram destacadas.
Discussão e resultadosNum primeiro momento, durante a transcrição das entrevistas, foi feita uma "leitura flutuante" do material coletado (conforme propõe Bardin, 1979) e, a partir dela, começaram a emergir as categorias que convergiam com os objetivos da pesquisa. Para evidenciar uma categoria nos dados, é preciso comparar enunciados e ações entre si, para ver se existe um conceito que as unifique.
Durante a categorização dos conteúdos das entrevistas, as semelhanças foram se manifestando nos relatos, na medida em que as mulheres demonstraram os mesmos anseios e angústias sobre as categorias encontradas: trabalho, estresse e infarto. A presença da família foi também uma constante, embora não forte o suficiente para se tornar uma categoria.
As falas a seguir demonstram como as mulheres perceberam e descreveram os sintomas do infarto ocorrido:
Infarto pra mim, é uma dor aguda muito forte, intensa que eu sinto assim como se tivesse um engurgitamento nas veias, principalmente na parte do tórax (Azul).
Os sintomas percebidos por Azul, foram idênticos aos sintomas de Sépia, Magenta, Rosa, Vermelho; todas definiram o episódio como uma dor aguda muito forte. Ao analisar os depoimentos, percebeu-se que esta dor foi o único sintoma que as fez perceber que estavam infartando. Nenhuma das entrevistadas relatou algum tipo de sintoma anterior que pudesse levar a um diagnóstico precoce. Todas foram surpreendidas pelo infarto.
As expressões usadas para definir os sintomas variaram de acordo com o grau de conhecimento sobre a doença. Por exemplo, no relato das mulheres que tinham atividade na área da saúde (enfermeiras), a linguagem técnica se evidenciou, como no caso de Magenta:
Uma dor horrível, não sabe o que é, eu não sei como definir o infarto porque era uma dor do estômago, veio do estômago, ah... não sabia mesmo! Sabia que era uma dor diferente, que eu nunca tinha sentido; ah... eu fico assim porque eu me lembro do dia , e foi horrível (Magenta).
No relato de Sépia, notou-se uma influência do censo comum na sua definição sobre o coração e seus atributos simbólicos, pois na sua compreensão, antes de ter o infarto acreditava que o coração "não doía":
Ah! Pra mim foi assim, ele dava uma dor sufocante e tinha um ardume muito forte, e é um ardume com sufoco junto! E a dor não dava assim de saber o local certo, porque pegava, diz assim, que achava que coração não dói, mas não é! Mas é um ardume bem forte com a dor junto e uma falta de a" (Sépia).
Normalmente o Infarto Agudo do Miocárdio representa, conforme aponta Novaes (1975), uma séria ameaça de perda: perda da vida, da autonomia, dos familiares, do poder social e econômico. Não obstante, tais sentimentos são acompanhados de ansiedade, medo, culpa ou raiva, conforme a personalidade ou a história de vida. Nos relatos de Rosa e Vermelho percebeu-se o sentimento de medo de que ocorra novamente a doença e a constatação da dor acompanhada da descrição dos sintomas do infarto:
Ah, eu senti uma dor forte no peito... não gosto nem de me lembrar. Tenho maior medo de sentir esta dor de novo" (Rosa).
Quando se buscou investigar as razões que podem ter levado ao infarto, as mulheres revelaram que, em geral, tinham conhecimento sobre alguns fatores de risco, embora suas falas repetissem as explicações e orientações médicas, não sendo totalmente reconhecidos e aceitos por elas como a causa principal. Os relatos a seguir evidenciam esta afirmação.
[...] sei lá, ...alguém diz que é por causa do cigarro! Colesterol alto eu não tinha, mas tinha obesidade, bebia também, fumava bastante, o estresse, comia todo e qualquer tipo de comida, eu acho que contribuiu [....](Magenta).
[.....] Olha, eu até hoje,eu não consigo nem aceitar que tive infarto. Quanto mais assim um motivo né, o médico diz que é estresse, que foi estresse... que eu queria carregar o mundo nas costas, e aí acabou me sobrecarregando. É, eu acho que é né, é o que "ele" diz.[...] (Vermelho).
Os relatos de Magenta e Vermelho ilustram o que Dejours (1986) aponta: a instabilidade na saúde pode estar ligada a experiências que temos no dia-a-dia. Estas experiências podem ser fisiológicas, mentais, psíquicas e também sociais. Dentro dessas experiências fisiológicas, os fatores de risco como colesterol, diabetes, obesidade, entre outros, sem dúvida podem desencadear a doença, porém não se pode excluir os fatores psíquicos e sociais.
De acordo com Alfiere e Duarte (1993), há um aumento do risco para doenças cardiovasculares em indivíduos sedentários. Com relação ao exercício físico, percebemos que as mulheres entrevistadas não tinham por hábito a prática de exercícios; somente após o infarto é que passaram a dar importância à atividade física. Há algum tempo o sedentarismo vem sendo mencionado, por diversos autores, como um importante fator de risco para as doenças cardiovasculares (SANTOS, MARANHÃO e LUZ, 2001). O exercício físico é reconhecido na fala de Vermelho, quando ela percebe sua importância:
[...] na reabilitação cardíaca.... recomecei dando uns passos para depois caminhar, devagarzinho assim foi indo e foi um progresso muito grande depois de um ano, por exemplo, eu já dava troteadas... muitos remédios foram eliminados em função do coração ter melhorado e eu devo essa minha melhora exclusivamente ao programa de reabilitação...(Vermelho).
A importância da prática da atividade física, tanto na prevenção como na reabilitação de doenças cardiovasculares, é benéfica do ponto de vista fisiológico. De acordo com a literatura, a atividade física pode servir como fonte de prazer reduzindo os níveis de estresse, o que no caso de mulheres jovens, pode ser muito útil como intervenção terapêutica.
Analisando as categorias, percebeu-se que o estresse relacionado ao trabalho apresentou uma característica comum em todos os relatos. A jornada dupla, a falta de tempo para o lazer, a desmotivação frente às funções exercidas, foram as queixas mais evidenciadas neste processo. A categoria Estresse evidenciou-se como principal motivo percebido como desencadeador do infarto, pois além de estar de acordo com o referencial teórico, foi mencionado e caracterizado pelas mulheres entrevistadas, como coadjuvante no processo de adoecer, principalmente em relação ao estresse gerado pelo trabalho. De acordo com as análises desta pesquisa, o modo como cada indivíduo percebe as relações de trabalho podem se tornar fontes geradoras de estresse e conseqüentemente trazer danos à saúde. Quando indagadas sobre estresse, quatro das cinco participantes responderam estar submetidas a agentes estressores:
[...] que eu era assim...corre- corre diário, casa-comida-serviço, então eu era muito estressada (Azul).
[...] eu tava trabalhando, já me estressei; já parei, e não vou mais trabalhar (Magenta).
Eu sou estressada!! Eu me incomodo com qualquer coisa...daí ele sai, aí me deixa falando sozinha aí me deixa mais estressada ainda. Eu sou agitada(Magenta).
Agora eu considero, né?[estressada]. Eu achava que ia levando uma vida normal, porque eu corria muito, o dia inteiro! Dez onze horas da noite eu tava chegando em casa.O trânsito também me estressava muito (Rosa).
Me considero, porque estou divorciada há 3 anos e a 10 anos meu marido saiu de casa e estou carregando o piano sozinha. Cuido dos 4 filhos e um é excepcional, que me traz muita preocupação (Vermelho).
Com relação ao trabalho, Codo e Menezes (1999) afirmam que o trabalhador pode perder o sentido da sua relação com o trabalho em decorrência de estresse, síndrome de burnout, dentre outros. A manifestação desta desistência pode ser confirmada pela queda da auto-estima do trabalhador, esgotamento emocional, conduta inadequada frente à sua clientela (irritação, descaso, cinismo e distanciamento), diminuição da produtividade e da auto-realização no trabalho, problemas psicossomáticos e absenteísmo. O relato de Azul, vai ao encontro desta afirmação, uma vez que houve diminuição da produtividade e esgotamento emocional, o qual fez com que Azul mudasse de setor:
Tive que ficar mais no sedentarismo, tive que mudar de setor, pois não me sentia segura no que eu fazia. Fui pro almoxarifado por dois anos. Agora é que voltei pro meu setor. (Azul).
No relato das participantes sobre o trabalho antes do infarto, com exceção de Sépia, todas afirmaram que tinham um dia a dia estressante em função do trabalho e, após o infarto, o trabalho passou por uma ressignificação. Como descreve Vermelho e Azul:
[...] não me acho produtiva, nem ativa...eu não vou mais trabalhar!! Eu não vou!! Saio do emprego, mas não vou!! Só medo....medo..(..). O cotidiano, a multiplicidade de papéis, parece interferir fortemente na individualidade:[...]. Corria muito, o dia inteiro... tudo vai acumulando, acumulando, e, quando chega uma hora é como se fosse uma bomba!! Tu vai colocando, colocando e uma hora tu não agüenta mais...acaba teu coração não agüentando, eu acredito que é isso (Vermelho).
Depois do infarto, o trabalho transformou-se num grande obstáculo, quase intransponível: [...] Uma ocasião tentei voltar a trabalhar, mas não consegui porque os remédios acabam dando tontura...tive que me aposentar (Azul).
Ainda com relação ao trabalho, e a partir do relado das participantes em relação à atividade laboral e sua percepção sobre o infarto nos coloca uma indagação: o trabalho é mesmo uma conquista para as mulheres? Segundo os relatos de Azul, Sépia, Magenta, Rosa e Vermelho, o trabalho lhes causava angústia, estresse e sobrecarga de horário. O fato de trabalharem fora e ainda dar conta dos afazeres domésticos, as deixava com pouco tempo para o lazer, atividades físicas ou simplesmente um tempo só para elas. De acordo com os relatos, o trabalho foi percebido como um atalho para a doença, já que Sépia, Magenta, Rosa e Vermelho, depois da doença, não pensam em trabalhar e afirmam que o trabalho lhes causava transtornos pessoais.
Considerações finaisNão foi pretensão desta pesquisa definir todas as causas que levaram ao infarto agudo do miocárdio das cinco participantes investigadas; mas pretendeu-se expor a percepção do infarto em mulheres jovens e explicar algumas causas que não podem ser traduzidas apenas por exames laboratoriais. O estudo trouxe uma proposta de reflexão sobre o processo saúde-doença na sua contemporaneidade.
Ao descrever em quais circunstâncias o infarto acometeu as mulheres e como este evento foi vivenciado por cada uma delas, pôde-se refletir sobre as adaptações à nova condição de saúde das mulheres e percebeu-se que o infarto se tornou um divisor de águas na vida das participantes. De acordo com os relatos, as relações com o trabalho, família e amigos, sofreram mudanças significativas após o infarto.
O infarto está se manifestando numa população que está no auge de sua produtividade, o que traz preocupação para as questões de saúde pública. Sem dúvida, existem vários fatores que justificam este índice, principalmente os níveis de estresse na sociedade. As rápidas mudanças tecnológicas, inflação, crime, poluição e relacionamentos interpessoais são algumas das situações que requerem constantemente adaptação fisiológica e emocional.
As conseqüências à exposição permanente aos agentes estressores podem ser graves, pois aumentam consideravelmente o risco de ataque do coração, derrame, hipertensão, etc. Corroborando com a literatura pesquisada, esta investigação demonstrou que o estresse foi o principal preditor das causas relacionadas ao infarto. Pode-se dizer ainda que o estresse gerado por situações cotidianas, principalmente no trabalho, teve um papel determinante no processo de adoecer das mulheres pesquisadas.
Sendo assim, percebe-se que a investigação dos fatores de risco do infarto agudo do miocárdio deve ser feita de forma transdisciplinar, entendendo e mapeando os fatores biopsicossociais, e a importância dessa discussão está em perceber como o processo de saúde e de doença pode ser entendido nos dias de hoje, pela perspectiva de quem teve o infarto, e qual o impacto que isto pode ter nas questões de Saúde Pública.
Notas
A principal etiologia de um infarto agudo do miocárdio é a obstrução de uma artéria coronária por uma placa de aterosclerose ou por um coágulo de sangue. Essa obstrução impede a passagem de sangue para uma determinada área do coração tornando-a isquêmica, o que pode acarretar morte das células naquele local (necrose), tornando-a área não funcionante.
Esta se caracteriza pela presença de medo sem objeto, ou a um estado de excitação causado por antecipações, sinais ou representações de perigo físico ou ameaça psíquica (SILLAMY, 1998).
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revista
digital · Año 12
· N° 110 | Buenos Aires,
Julio 2007 |