A trajetória esportiva de dois ex-atletas iniciados precocemente
na modalidade de basquetebol: da iniciação ao abandono
Sporting course of two ex-athletes who precociously started on basketball event: from starting to abandonment |
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*Graduado em Educação Física - UNIVATES/RS/BR. **Mestre em Ciência do Movimento Humano. Prof. do Curso de Educação Física da UNIVATES - RS. (Brasil) |
Luiz Gustavo Hansel* Derli Juliano Neuenfeldt** derlijul@univates.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 108 - Mayo de 2007 |
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Introdução
Este estudo nasceu de inquietações dos pesquisadores a partir de suas vivências como professores de educação física, pais de jovens atletas e de leituras realizadas em livros e periódicos que abordam a iniciação esportiva e o treinamento esportivo precoces, a relação que se constrói entre atleta, treinadores, familiares e as exigências do ambiente competitivo.
Muito tem se questionado sobre as conseqüências do treinamento esportivo precoce e o processo de iniciação esportiva com crianças. O treinamento esportivo precoce ocorre, segundo Kunz (1994), quando crianças são introduzidas antes da puberdade a um processo de treinamento planejado e organizado a longo prazo, que se efetiva em um mínimo de três sessões semanais, com o objetivo do gradual aumento do rendimento, além de participação periódica em competições esportivas. Quando se fala em treino precoce, de acordo com Todt (2004), significa que este acontece antes do tempo próprio, por isso de forma prematura.
Por iniciação esportiva precoce entende-se a introdução de crianças aos esportes competitivos estruturados da mesma forma que os programas de adulto. "Hoje, mais que em outros tempos, existe uma tendência a se avaliar os efeitos da especialização esportiva precoce sob o enfoque sociocultural, muito mais que psicomotor" (MACHADO e PRESOTO, 2001, p. 34).
Cabe destacar, neste momento, as palavras de Natália Eidt, atleta da ginástica rítmica desportiva, medalhista de ouro nos jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003, que em entrevista ao jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, destaca as consequëncias da especialização esportiva precoce e do treinamento para a sua vida:
Irei deixar o palco em 2004. Preciso recuperar o tempo perdido ao lado da família. No ano que vem estarei com 18 anos e a nossa carreira dura no máximo até os 20. Nosso corpo sofre muito e temos constantes lesões. O novo código da GRD nos obrigou a movimentos que exigem muita flexibilidade e tive que ficar muito tempo me recuperando de um problema na coluna (p.32).
Diante desse contexto, questiona-se em relação as conseqüências que a especialização esportiva precoce e a submissão de crianças e adolescentes a um sistema de treinamento desportivo podem acarretar durante a vida de atleta e após este período. Indaga-se sobre a influência dos pais e treinadores na construção do significado do esporte de rendimento para as crianças e adolescentes iniciados precocemente. Quais aspectos marcam a vida esportiva dos jovens atletas? Que lembranças possuem do período no qual foram atletas? E, que razões podem levar e justificar o abandono do esporte de rendimento?
Este estudo tem por objetivo compreender a trajetória da vida esportiva de dois atletas iniciados precocemente nas categorias de base da modalidade de basquetebol, destacando-se os aspectos referentes ao processo de iniciação esportiva, a vida de atleta e a relação com familiares, técnicos e ambiente de treinamento, e os motivos do abandono das equipes esportivas.
MetodologiaEsta pesquisa tem em seu delineamento a abordagem qualitativa que, de acordo com Minayo (2004), responde a questões muito particulares e trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que se refere a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, os quais não podem se limitar à operacionalização de variáveis.
Optou-se pelo estudo de casos pois, conforme Trivinos (1987), é uma modalidade de pesquisa cujo objeto investigado é uma unidade que se analisa de maneira aprofundada. Os sujeitos do estudo de casos são dois irmãos, introduzidos no esporte pela família, na modalidade do basquetebol, em períodos diferentes. A escolha deve-se ao fato da proximidade, do conhecimento e acompanhamento dos pesquisadores no desenvolvimento da vida esportiva dos sujeitos do estudo.
As informações foram coletadas via entrevistas semi-estruturadas, devidamente autorizadas pelos participantes, e análise de documentos, principalmente reportagens jornalísticas, às quais se teve acesso por meio do arquivo que os pais dos atletas fizeram da caminhada esportiva de seus filhos.
As entrevistas, após serem gravadas e transcritas, foram devolvidas aos participantes para que comprovassem o dito e o transcrito, e então autorizadas a serem usadas no estudo. Entrevistou-se dois treinadores de basquetebol, os atletas que representam o estudo e a mãe deles. Todos participantes receberam informações sobre a finalidade do estudo e preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os entrevistados foram representados pelos nomes fictícios: Diones e Rubens, visando a garantir o sigilo de suas identidades. Em relação aos técnicos, os estes são identificados com as letras do alfabeto A e E.
Outros técnicos que aparecem nas falas dos atletas foram identificados pelas iniciais C, D, F e G.
Para a análise e a interpretação dos dados utilizou-se a técnica de triangulação de informações (TRIVIÑOS, 1987) e a elaboração de categorias de análise (GOMES, 2004). A triangulação das informações, conforme Triviños (1987), "tem por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo" (p. 138), para isso buscou-se cruzar as informações obtidas nas entrevistas e documentos com o referencial teórico.
A partir dos objetivos traçados foram elaboradas as categorias de análises que, conforme Gomes (2004), significa agrupar elementos, idéias e expressões em torno de um conceito com características comuns, ou que se relacionam entre si. As categorias estabelecidas foram: o processo de iniciação esportiva dos casos em estudo; ser atleta e a relação com a família, técnico e ambiente de treinamento; e a decisão de abandonar o esporte de rendimento.
O processo de iniciação esportiva dos casos em estudoDiones, atualmente com 23 anos, formado em Odontologia, iniciou no basquete no ano de 1989 com a idade de sete anos. Jogou em três equipes: Associação Recreativa de Venâncio Aires (ARVA), Corinthians Sport Club de Santa Cruz do Sul e Ceat/Ubirajá de Lajeado. Teve atuações destacadas em todas, recebendo distinção e premiação por conquistas, publicadas em jornais da região (Gazeta do Sul, 1997; Folha do Mate, 1996, 1998). Jogou até ingressar na universidade, aos 18 anos.
O ex-atleta destaca que a motivação para o início na escolinha de basquete deve-se à influência do treinador e a sua permanência se deu ao bom desempenho que teve nas equipes. Isso se confirma na fala abaixo:
"A motivação foi o fato do treinador ter falado com meu pai que eu tinha potencial, também tinha amigos que participavam e porque com o tempo fui me destacando, era titular, era cestinha. Se fosse reserva teria desistido. O apoio dos treinadores foi muito importante principalmente do A do B e do C, com os quais além de treinadores eram amigos e confiavam no meu jogo" (Entrevista, Diones, 04/09/2005).
A mãe viu a participação de Diones no esporte como uma forma de ele "ter uma ocupação, jogar com os amigos, fazer uma atividade saudável" (Entrevista, mãe, 18/09/2005). Ainda, em relação à família, o ex-atleta acrescenta que o apoio cresceu "após verem que eu me destacava. A motivação era para agradar meu pai que sempre quis que eu jogasse futebol, assim dei uma resposta em outro esporte" (Entrevista, Diones, 04/09/2005).
No período da iniciação Diones participou de diversos encontros esportivos que não tinham como objetivo exclusivo apenas o rendimento, recebendo pequenos incentivos como medalhas de participação ou certificados. Antunes (2005) afirma que na iniciação do ensino do esporte deve-se priorizar a oportunidade de jogar, que o jogador possa divertir-se. A referência para a melhora deve ser a própria criança. As técnicas devem ser o ponto de chegada do processo de aprendizagem, e não o seu ponto de partida. Contribuindo, Todt (2004) escreve que a iniciação dos jovens atletas é uma etapa muito complexa. As relações interpessoais estabelecidas neste período são importantíssimas para as crianças, principalmente sob o ponto de vista psicológico, a comunicação que se firma no grupo e os tipos de vínculos que se estabelecem entre jogadores, técnicos, dirigentes, familiares e torcedores.
Por sua vez, Rubens, atualmente com 16 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio, iniciou no basquete em 1996, também aos sete anos, na escolinha da ARVA. Neste ano participou do Encontro Estadual de Mini-basquete em Lajeado. Em 1997, participou de um Encontro de Mini-basquete na Argentina (FOLHA DO MATE, 1997). Após esse evento a ARVA pára suas atividades e, em 2000, Rubens começa a jogar pelo CEAT/Ubirajá de Lajeado. Em 2001, no Campeonato Estadual/RS, terminou o ano como Vice-Campeão de Mini (JORNAL INFORMATIVO, 2001). No ano seguinte, repetindo a boa campanha de 2001, terminou o ano conseguindo, novamente, a segunda colocação no campeonato gaúcho de basquete na categoria mirim, mas, aos 14 anos, desiste dos treinamentos e encerra sua carreira esportiva.
O processo de iniciação esportiva dele também foi incentivado pela família, principalmente pelo pai que tinha interesse que seguisse os passos do irmão, uma vez que este estava tendo êxito. Comenta que "a motivação e o incentivo para jogar vinham do meu pai que queria que eu jogasse. Meu pai queria que eu emagrecesse, eu era alto" (Entrevista, Rubens, 04/09/2005).
Aqui cabe lembrar Götze e Becker Júnior (2004) que, ao realizar pesquisa na Escolinha Esportiva de Basquete da Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre, verificaram que os pais escolheram essa modalidade esportiva para seus filhos como forma de satisfazer seus desejos pessoais. Além desse, aparecem como motivos a ocupação do tempo livre; o esporte como alternativa de atividade motora para crianças que moram em apartamento; a preocupação com a obesidade infantil e a vontade da criança.
No período da iniciação, Rubens declara que:
"Eu não gostava de jogar porque meus amigos não jogavam. Não gostava de treinar, não podia fazer o que eu queria. Por exemplo, se não passasse a bola, era xingado. Até mesmo quando fazia a cesta era xingado porque teria que ter passado a bola conforme o treinador queria. Joguei para agradar o meu pai" (Entrevista, Rubens, 04/09/2005).
Tal afirmação vai ao encontro do posto por Scalon (2004) que afirma que as crianças, ao ingressarem num programa de iniciação, esportiva almejam o divertimento, alegria, prazer, saúde, aprimoramento das suas habilidades esportivas, reencontrar amigos, relacionar-se com novas amizades, participando de um grupo esportivo.
Rubens, no entanto, comenta que "adorava as viagens, os treinos e os encontros". Ao relatar sobre sua viagem para a Argentina, onde participou de um Encontro Sul-Americano de Mini-basquete, disse: "Me hospedei em casa de uma família Argentina. Era difícil entender o que eles falavam, mas foi muito legal" (Entrevista, Rubens, 04/09/2005).
Pode-se perceber o valor dado pelo atleta às oportunidades sociais que o esporte proporcionou, tanto que permanecem na sua lembrança. Isso deveria acontecer na prática diária do esporte. Para Becker Júnior (2000), o esporte converte-se em uma experiência enriquecedora e positiva quando se apóia com entusiasmo, quando se oferece uma atitude compreensiva, quando se valoriza o esforço, quando se felicita de forma sincera ou se evita o sarcasmo já que no esporte as crianças experimentam situações tanto de êxito como de frustração, daí faz-se necessária uma boa dose de apoio, amor e ajuda.
Ser atleta e a relação com a família, técnico e ambiente de treinamentoMuitos fatos interferiram na vida cotidiana dos ex-atletas participantes deste estudo. Ambos jogaram em clubes de outras cidades, isso exigiu que se locomovessem quase que diariamente. Conseqüentemente, eles tiveram que se afastar ou se privar da companhia de seus colegas, amigos e familiares, de sua cidade. Contudo, esses fatores exerceram influências diferentes na vida dos esportistas.
Diones não demonstra, na sua fala, dificuldades em lidar com o ambiente de treinamento e suas exigências. Na entrevista, salienta a importância do vínculo com o técnico, da confiança e do crédito que recebia e também do apoio da família como fatores para continuar no esporte. No entanto, várias passagens são relevantes em relação a sua vida esportiva. Destacam-se as relações que são construídas entre atleta e técnico:
"O A me ensinava ganchos, passadas, fintas. Depois, com o B me dava bem, ele era amigo do meu pai, era camarada, me incentivava, acreditava, dava treinos extras. C também era muito camarada, (...). Com o D (...) quando fui treinado por ele, vi que era muito fechado e que não consegui fazer nenhum vínculo com ele. Jogava, treinava e só. Sempre fui titular, mas não era como com os outros treinadores que acreditavam muito em mim. Com o C não gostava dele porque só gritava, não concordava com a filosofia de jogo dele e porque dava preferência por outros jogadores. Não sei se tinha algo contra mim. Sei que nunca fomos amigos, conversava numa boa, mas só o essencial". (Entrevista, Diones, 04/09/2005).
Com relação aos pais, Diones achava legal eles assistirem aos jogos. "Mas meu pai exagerava na cobrança pelos resultados. Isto era chato (sempre reclamava e cobrava se não era o cestinha). Sempre falava algumas coisas, às vezes me elogiava" (Entrevista, Diones, 04/09/2005). Também Rubens comenta sobre a cobrança do pai: "Meu pai me pressionava muito, sempre queria saber quantos pontos tinha feito. Minha mãe gostava que eu jogasse, mas nunca me cobrava" (Entrevista, 04/09).
A vida de atleta requer sacrifícios. Além dos treinos, muitas vezes, eles têm que se privar de pessoas queridas. Essa realidade ficou evidente na seguinte fala de Diones: "Quando tinha namorada, ela reclamava que eu não ficava fim de semana, que tinha que treinar todas as tardes, que não tinha tempo para ela. Mas isto nunca interferiu, nunca deixei de treinar ou jogar por causa disto" (Entrevista, 04/09/2005).
Em relação à escola, Diones destaca que:
"Fiz muitos amigos, sempre me dava bem com os colegas do grupo. Os colegas da escola não jogavam, mas me apoiavam, me cumprimentavam pelo sucesso quando viam no jornal; as gurias vinham falar e perguntar o que eu estava fazendo. Quando era menor, não me importava com os treinos e as viagens. Era legal jogar, conhecer novas cidades" (Entrevista, Diones, 04/09/2005).
Para Rubens, contudo, foi diferente. Ele não conseguia estabelecer vínculos de amizade com os colegas da equipe, além de sofrer pressão dos pais. Comenta que "Amigos era difícil, pois chegava na hora do treino e quando acabava tinha que sair correndo para pegar o ônibus. Ainda os meus colegas de aula eram de Venâncio. Além de que eu tirava o lugar no time de alguém que era amigo dele" (Rubens, 04/09/2005).
Em relação aos técnicos, Rubens também estabeleceu relações diferentes, que vão da amizade ao repúdio:
"Com o B. e o F foi muito legal, eram amigos da família e com isso foi fácil a adaptação. O B me ensinou os fundamentos, ou seja, arremessar, quicar, driblar, passar etc. O F me levou para a Argentina, não era treinar e sim recreação, a gente brincava de basquete. Com o G minha relação no principio foi conturbada, pois ele me colocava numa posição que eu não gostava de jogar, por necessidade do time e provavelmente pela discussão que tivemos em POA, pegava no meu pé. Depois de um ano, colocado na minha posição, lateral destruindo em quadra, conquistei o respeito e a amizade do treinador. Também conheci o H, técnico de atletismo, e ele era legal. Com o E mal trabalhei" (Entrevista, Rubens, 04/09/2005).
Diones e Rubens, no entanto, apesar de serem atletas com grande potencial, vencedores de competições ambos abandonam os treinos e as equipes de basquetebol. Que razões podem ter levado a isso se eram excelentes atletas?
A decisão de abandonar o esporte de rendimentoEm relação ao abandono da vida de atleta, perceberam-se razões diferentes nas falas de Diones e Rubens. Todavia, ambos foram bem sucedidos no basquetebol, ou seja, a desistência do esporte de rendimento dá-se por escolha própria, e não por serem cortados da equipe devido ao baixo rendimento.
Diones apresenta como razão para o abandono da vida de atleta a decisão que tomou de vir a ter uma formação superior e uma outra profissão, apesar de ainda gostar do basquetebol e jogá-lo sempre que possível:
"No ano de 2000, fui campeão estadual juvenil, fui convocado para a seleção estadual para o brasileiro de seleções. Em 2001, fiz vestibular para odontologia passei, parei de joga. Até tentei conciliar os estudos com o esporte, mas os horários não eram compatíveis com o curso. No período acadêmico, um amigo me convidou para jogar os Jogos Universitários do Rio Grande do Sul pela ULBRA e ficamos campeões. O título permitia que participássemos dos Jogos Universitários Brasileiros em São Paulo. Não fomos porque os estudos e o trabalho estavam em 1º lugar. Agora o basquete é só uma diversa;, continuo jogando com os amigos nas horas de lazer" (Entrevista, Diones, 04/09/2006).
Em relação aos estudos escolares, o esporte praticado precocemente não prejudicou os atletas participantes desta pesquisa pois a família sempre se preocupou com esta questão. Esta é uma evidência que foge à regra, pois conforme Kunz (1994, p. 46), um dos problemas que o treinamento especializado precoce provoca sobre a vida da criança e especialmente no seu futuro, após encerrar a carreira esportiva, é a "formação escolar deficiente, devido a grande exigência em acompanhar com êxito a carreira esportiva".
Rubens, por sua vez, abandona o basquetebol mais cedo, aos 14 anos. Ainda, hoje, não gosta de falar do assunto. Contudo, comentou que tomou tal decisão por dificuldades de relacionamento com o treinador e de adaptação à nova cidade. Isso se evidencia na fala abaixo:
"Com catorze anos parei de jogar porque não tinha ajuda financeira para o transporte. Com quinze anos recebi proposta para estudar no Ceat e morar em Lajeado. Treinei alguns dia Não gostei da fala do treinador ao grupo, e como não estava me adaptando a morar fora, resolvi desistir" (Entrevista, Rubens, 04/05/2005).
A conduta do treinador, conforme Garcia (2000), é um motivo que pode levar o atleta a abandonar o esporte. Ele é apontado como um dos causadores de estresse esportivo por manter o esportista no banco, realizar treinamentos aborrecidos, não motivar e nem estimular o suficiente. O autor considera que "o treinador é a peça-chave na motivação do jovem e no sucesso esportivo" (Garcia, 200, p. 64).
Além da influência do treinador, Rubens comenta sobre a dificuldade de estabelecer laços afetivos com os demais atletas devido à existência de disputa por posição no time e pela própria falta de acolhimento do grupo de atletas, uma vez que ao chegar para treinar não conhecia ninguém. Diz que:
"Amigos era difícil, pois chegava na hora do treino e quando acabava tinha que sair correndo para pegar o ônibus. Ainda os meus colegas de aula eram de Venâncio. Além de que eu tirava o lugar no time de alguém que era amigo deles" (Entrevista, Rubens, 04/05/2005).
Scalon (2004, p. 182) cita que o abandono, normalmente, acontece entre os 12 e 17 anos de idade em ambos os sexos e destaca como um elemento importante para o controle do burnout (estresse esportivo, esgotamento) "amenizar um pouco o controle que se faz em relação a sua vida, dentro e fora do esporte, não os obrigando a levar um estilo de vida diferente dos demais jovens". Outra razão que pode gerar estresse na criança, que podemos relacionar com a fala acima, de acordo com Garcia (2000), está relacionada aos companheiros da criança. A criança quer estar entre amigos e, quando não obtém aprovação social de seus companheiros, tem seu nível de ansiedade aumentado.
Quanto ao abandono do esporte pelos atletas do estudo, conversou-se com dois técnicos que foram treinadores deles, questionado-os sobre as causas que justificariam tal decisão. Um deles afirma que:
"Uma das causas do abandono de crianças talentosas das equipes de rendimento é a falta de conhecimentos em psicologia da parte dos técnicos e diretores das equipes. Precisa conhecer a adolescência, saber relacionar-se com eles, criar vínculos. Fazer que se sintam protegidos e ajudar os jovens a solucionar seus problemas na escola, na família, namoradas, etc." (Entrevista, técnico A, 26/09/2005).
As relações entre técnico e atleta são determinantes para a continuidade da vida esportiva. Silva (2003) comenta que é preciso que o jovem atleta inicie a separação do modelo das relações que tinha com os seus familiares das que vai estabelecer com o técnico. Este momento de desconstrução revela-se ao atleta como sentimento de perda e pode comprometer ou estagnar a aprendizagem.
O outro técnico entrevistado elenca uma série de fatores que podem contribuir para o abandono, destacando-se a iniciação precoce, a cobrança de resultados muito cedo pelos treinadores e pela família, a mudança de foco em relação aos grupos de amigos e conflito entre atleta e treinadores. Além disso, destaca as exigências dos treinos:
"Seleção natural, conforme as exigências vão aumentando por mudança de categoria, alguns não acompanham o rendimento do grupo e, como o objetivo do trabalho é resultado, vitórias, estes alunos param de jogar naturalmente. Treinam pouco e não são relacionados para os jogos e viagens" (Entrevista, técnico E, 13/09/2006).
Acrescentando, segundo Becker Júnior (2000), as situações que mais geram conflitos entre os treinadores e as crianças, geralmente ocorrem após as competições com derrotas e fracassos individuais entre os membros da equipe. Nesse aspecto, concordamos com o autor que destaca que "o treinador deveria ser aquela pessoa com equilíbrio para providenciar apoio aos seus atletas derrotados, vários perdem o equilíbrio emocional e agridem verbalmente seus comandados ou ainda o árbitro" (Becker Júnior, 2000; p. 28).
Considerações finaisCom este estudo pode-se perceber que Diones e Rubens construíram significados diferentes para o esporte no período que foram atletas. Cabe destacar que ambos são irmãos, foram incentivados e apoiados pela família, treinaram nos mesmos clubes, mas possuem histórias de vida diferentes.
Diones recorda dos campeonatos nos quais participou, destaca que o êxito esportivo foi importante para a continuidade e, que, apesar de ter que ir treinar em outras cidades, de nem sempre ter uma boa relação com seu técnico, de ser pressionado pela família em relação aos resultados, conseguiu assimilar as privações que o esporte de rendimento exige e as cobranças que lhe são feitas. A escolha por abandonar o esporte, aos 18 anos, parece ser consciente, uma escolha profissional, decide ter outra profissão ao invés de assumir a de atleta, que poderia ser gloriosa, mas que, normalmente, é insegura e bastante curta.
Rubens recorda do período de iniciação, dos momentos em que os treinos possibilitavam "o brincar de basquetebol" e das viagens que fez, das pessoas e lugares que conheceu. Apesar de ter recebido apoio da família, não conseguiu assimilar as cobranças que lhe foram feitas, pois o controle dos treinos, em relação à forma de jogar, não lhe satisfazia o desejo de jogar. Também teve dificuldade de relacionamento com alguns treinadores e a mudança de cidade para treinar dificultou o estabelecimento de novos amigos. Frente a essa situação decidiu parar de jogar aos 14 anos de idades e, ainda hoje, anos depois, não gosta de falar do assunto. Essas atitudes caracterizam-se como a síndrome do esgotamento, um caso de burnout.
Analisando os dois casos que considerações podem ser feitas? Cabe destacar que as pessoas são diferentes e singulares. Apesar de os ex-atletas serem irmãos, construíram compreensões diferentes em relação à vida esportiva. Outra questão que é importante destacar é o apoio da família em relação aos seus filhos, que, apesar de querer vê-los tendo sucesso no basquete, não deixam de investir na educação formal, preparando-os, também, para poderem vir a assumir uma outra profissão. Contudo, acredita-se que a preparação dos familiares e técnicos em relação à psicologia do esporte pode contribuir para evitar que jovens atletas o abandone, assim como uma pedagogia do esporte que leve em consideração que crianças e adolescentes são diferentes de adultos e, conseqüentemente, possuem interesses e necessidades diferentes.
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