Dinâmica competitiva no futebol de alta competição a teoria da periodização do treino Dinámica competitiva en el fútbol de alta competencia y la teoría de la periodización del entrenamiento Competitive dynamics in high competition soccer and the theory of training periodization |
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*CREF 09-G/PB. Doutor em Ciências do Desporto - FADE. **CREF 00500 - G/PB. Faculdade de Desportos (Porto - Portugal). ***CREF 0863 - G/PB. Universidade Federal de Santa Catarina. (Brasil) |
Dr. Francisco Martins da Silva* Ms. Clarice Maria de Lucena Martins** Esp. Kelly Samara Silva*** fmsilva@pos.ucb.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 107 - Abril de 2007 |
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Introdução
Igualmente ao que ocorre em outras áreas do conhecimento, as Ciências do Desporto, na especialidade do treinamento de atletas para o alto rendimento, tem apresentado, nos últimos tempos, uma série de modificações tanto nas suas bases teóricas quanto nos seus procedimentos metodológicos na tentativa de se ajustar às profundas e freqüentes modificações sofridas pela Prática Desportiva.
O treinamento desportivo, no que pese os grandes avanços vivenciados nos últimos tempos, ainda apresenta um descompasso entre o conhecimento elaborado e a sua aplicação prática. Por essa razão, impõe-se a necessidade de atualizações periódicas na teoria e metodologia do treino, principalmente, no que se refere aos processos de preparação dos atletas de alto nível em razão da elevada gama de influências a que estão submetidos e pelas grandes e freqüentes transformações por que tem passado a Prática Desportiva.
Para ARAÚJO (2002) o modo como as competições são organizadas e distribuídas ao longo de cada época desportiva, constitui fator decisivo para a obtenção e manutenção de um elevado nível de resultados. Entretanto observa-se, na atualidade, um número considerável de competições distribuídas com intervalos de tempo muito curtos colocando dificuldades e novos desafios ao processo de organização e estruturação do treino. Nesse sentido, OLIVEIRA (1999) ao discorrer sobre a notável evolução dos sistemas de treino e de competições dos jogos desportivos alerta que: "...são exatamente as alterações dos sistemas de competição que vêm determinando novas orientações nas concepções da programação do treino" (p. 19).
Inúmeras tentativas de sistematização do Treinamento Desportivo surgiram sempre na perspectiva de adequar seus fundamentos teóricos às exigências impostas pela realidade do desporto. Dentre essas tentativas a que atingiu maior destaque foi a Teoria da Periodização do Treino, também conhecida como teoria clássica do treinamento, elaborada pelo russo Lév Matvéiev (1986, 1990, 1994) entre as décadas de 60 e 70.
Contudo, verifica-se que essa teoria, até hoje seguida e defendida por um grande número de estudiosos e treinadores, em alguns pontos não atende às exigências e necessidades do desporto moderno, haja vista que aspectos como: crescimento dos resultados desportivos, alargamento dos calendários competitivos, maior número de concorrentes com bons resultados, alto nível de especialização dos atletas, dentre outros, são fatores que dificultam o planejamento com base nas idéias emanadas da teoria clássica do treinamento.
A tradicional teoria da periodização do treino, direcionada para um quadro competitivo restrito e concentrado, por vezes, não encontra respaldo na realidade do desporto moderno e nem responde às exigências do seu quadro competitivo devido às várias competições importantes que acontecem no decorrer de toda a temporada desportiva (SILVA, FM 1995).
Diante da realidade desportiva atual cada dia evidencia-se a necessidade de atualização dos processos de treinamento na perspectiva de suprir as lacunas deixadas pela teoria clássica em razão das significativas modificações sofridas ao longo das últimas décadas, notadamente a sistemática das competições.
Tendo em conta que o objetivo fundamental do treino deve ser o de preparar o atleta de para o elevado número de competições de alto nível que tem de realizar ano após ano, (GAMBETTA, 1993) assinala que a periodização torna-se uma estratégia bastante difícil de se concretizar, nos moldes propostos pela Teoria Clássica (MATVÉIEV, 1980).
Tendo como referencial a teoria clássica proposta por MATVÉIEV, 1980, 1986) e realidade acima descrita, considera-se que a importância de estudar a problemática da periodização do treinamento, frente às exigências competitivas do desporto moderno, reside na possibilidade de apontar subsídios capazes de contribuir para a construção de novos modelos para preparação dos atletas de alto nível (FORTEZZA, 2000).
Sem desconsiderar a teoria da periodização do treino, mas no sentido de alertar para a necessidade de adaptá-la e atualizá-la frente à realidade do treinamento dos atletas de elite, fornecendo subsídios para a construção de uma nova teoria, talvez mais adequada e aplicável à realidade atual, o Laboratório de Estudos e Pesquisa do Treinamento - LEPET, através do projeto "Alternativas Teórico-metodológicas para Estruturação do Treinamento Desportivo" pretende contribuir para a discussão de questões específicas entre a relação do número de participações competitivas e os resultados desportivos obtidos ao longo de uma temporada de treino.
Estes questionamentos são fundamentais para o entendimento e compreensão do Treinamento Desportivo, na especificidade da dinâmica que deve se estabelecer entre preparação, competição e resultados.
Em razão do exposto e considerando o significado e importância do futebol no contexto do desporto moderno, o trabalho aqui apresentado objetivou reconstruir a dinâmica competitiva e os resultados obtidos em competições por quatro grandes equipes do futebol nacional e internacional, no sentido de relacioná-los com a Teoria da Periodização do Treino.
A pertinência do trabalho situa-se tanto na importância da temática abordada, quanto no significado de se analisar o futebol à luz dos procedimentos científicos, buscando alternativas e fundamentos que possam contribuir para referendar ou refutar os princípios da teoria clássica do treinamento (VERCHOSHANSKY, 1998b).
Os indicadores abordados neste estudo fundamentaram-se no pressuposto de que, o calendário competitivo como fator decisivo a ser considerado no processo de periodização do treino (MANNO, R 1991; MANSO et al 1996) deve e precisa ser constantemente estudado, em razão das grandes evoluções e modificações sofridas pelo sistema de competições.
MetodologiaEste estudo, desenvolvido numa abordagem empírico-analítica preocupou-se em estabelecer relações entre variáveis distintas. Podendo, dessa forma, ser classificado de conformidade com THOMAS E NELSON (2002); TRIVIÑOS (1992) como um estudo de natureza correlacional.
A realização do trabalho exigiu a reconstrução de toda uma temporada competitiva das equipes estudadas. Para obtenção desses dados recorreu-se à técnica da análise documental na perspectiva de identificar em fontes primárias (súmulas, relatórios e imagens de jogos) e secundárias (periódicos especializados, jornais e bancos de dados eletrônicos) informações precisas sobre: número de jogos realizados, seus resultados e localização temporal desses jogos.
A amostra do trabalho foi constituída por quatro equipes do futebol de alta competição, sendo duas nacionais e duas internacionais. Para escolha das equipes considerou-se a possibilidade de acesso às informações necessárias ao estudo e os bons resultados das equipes nacionais e internacionais, com colocações destacadas nos campeonatos brasileiro e europeu da temporada 2000/2001.
As informações referentes aos indicadores número de gols marcados e sofridos, e resultados (número de vitórias, empates e derrotas) obtidos pelas equipes estudadas, foram analisadas estatisticamente através da Análise de Variância de Pareto (PARK SH, 1996), permitindo assim uma fiel comparação dos dados relativos aos parâmetros acima referenciados.
A ANOVA de Pareto, que tem como orientações básicas avaliar, em termos percentuais, a variabilidade dos fatores, pode ser adaptada para se constituir numa medida da eficiência de uma equipe. Esta eficiência é interpretada como a contribuição percentual do quadrado das diferenças entre as dimensões: rendimento, desperdício e neutralidade da equipe, calculadas através dos seguintes recursos:
Rendimento = (Número de vitórias/ Número de Jogos) x 100 = R
Desperdício = (Número de derrotas / Número de Jogos) x 100 = D
Neutralidade = (Número de empates / Número de Jogos) x 100 = N
Quadrado da diferença = (D - R)2
Quadrado médio = Quadrado da diferença / Período de avaliação.
Eficiência total = Soma do quadrado médio das equipes
Eficiência percentual = (Quadrado médio da equipe / Eficiência total) x 100A eficiência percentual é uma medida relativa que permite comparar a performance de uma equipe, permitindo dessa forma, comparar os resultados de equipes que atuaram em torneios de períodos diferentes ou ainda equipes em intervalos de tempo diferenciados.
Após obter valores estatísticos acerca do rendimento, desperdício, neutralidade e grau de eficiência de cada equipe, tais valores foram ainda analisados qualitativamente à luz dos postulados básicos da teoria da periodização do treinamento para destacar pontos fundamentais que possam influenciar os resultados.
Apresentação e discussõesOs dados que serão apresentados referem-se à análise dos resultados de uma temporada de competição obtidos por quatro equipes de futebol de alto rendimento, sendo duas equipes do futebol nacional (1 e 2) e duas do futebol internacional (3 e 4) na temporada 2000/2001.
Com base nos resultados foi construído o gráfico 1, no qual são ilustrados o número de jogos, o número de vitórias e o rendimento apresentado pelas equipes ao longo da temporada estudada.
Conforme ilustrado no gráfico 1, observa-se que há diferenças nos valores referentes ao número de jogos disputados pelas equipes analisadas, com destaque para as equipes nacionais em relação às internacionais.
Ao considerar apenas as equipes nacionais, observa-se uma proximidade nos valores referentes ao indicador rendimento [(nº de vitórias / nº de jogos) x 100] das equipes 1 e 2, sendo estes valores situados na ordem de 43,7 e 53% respectivamente.
Com relação às duas equipes internacionais (equipes 3 e 4), que apresentaram um número de jogos menor que as equipes nacionais constatou-se que as mesmas obtiveram índices de rendimento superiores aos obtidos pelas equipes nacionais, com seus valores situados entre 60 e 60,4% respectivamente.
Para um melhor esclarecimento acerca da dinâmica de resultados apresentados pelas equipes, construiu-se o gráfico 2, que ilustra o desempenho geral não só do rendimento, calculado a partir do número de vitórias, como também do desperdício e da neutralidade, calculados com base no número de derrotas e empates registrados pelas equipes.
Entendendo por rendimento uma avaliação mais qualitativa relativamente aos dados coletados, verificou-se que as equipes internacionais (3 e 4) apresentaram um melhor rendimento em relação às nacionais. Tal fato pode ser explicado pelo menor número de jogos disputados durante a temporada.
Ao analisar o indicador desperdício (nº de jogos / nº de derrotas), verifica-se que as equipes apresentaram valores percentuais bastante aproximados, com pequenas oscilações, mesmo considerando diferentes valores absolutos.
Considerando o índice de neutralidade, que reflete a relação entre o número de jogos disputados e o número de empates obtidos, observa-se que as equipes nacionais obtiveram valores neutros acentuados em relação às equipes internacionais: 26,4% para a equipe 1 e 26,5% para a equipe 2; enquanto que, às equipes internacionais, apresentaram valores na ordem de 20% para a equipe 3 e 16,6% para a equipe 4.
Entendendo que o total de jogos é um fator preponderante e que exerce uma influência direta sobre o rendimento das equipes o Gráfico 3 apresenta a dinâmica competitiva das equipes com relação à média mensal de jogos disputados e o aproveitamento obtido.
Através dos valores ilustrados no gráfico acima, observou-se que as equipes estudadas (1, 2, 3 e 4) apresentaram médias mensais de jogos relativamente próximas (4,6 e 4,4 e 3,0 e 3,2 respectivamente). No entanto, em relação ao aproveitamento mensal verificou-se um equilíbrio entre as equipes internacionais (3 e 4) e oscilações entre as equipes nacionais (1 e 2).
O gráfico 4 destaca o grau de eficiência apresentado pelas equipes nacionais e internacionais, com valores expostos em termos relativos.
Considerando que estão sendo comparadas às performances esportivas de quatro equipes que atuaram em condições distintas, com número de competições, períodos de preparação, intervalos de descanso, dentre outros indicadores, significativamente diferenciados, buscou-se, a partir do grau de eficiência percentual, atingir valores os mais próximos possíveis da realidade, reduzindo a influência direta dos indicadores anteriormente referidos.
Todavia, observando-se o gráfico 4, torna-se possível afirmar que as equipes internacionais (3 e 4), apresentaram grau de eficiência superiores aos apresentados pelas equipes nacionais (1 e 2) com valores entre 42%, 47%, 15,6% e 27%, respectivamente. Ou seja, as equipes com menor número de jogos apresentam melhor desempenho ao longo da temporada, sugerindo a idéia de uma relação direta entre o número de jogos e o desempenho.
Neste sentido, supõe-se que se faz necessário um maior tempo de recuperação entre os jogos, ou uma melhor distribuição temporal destes, a fim de que se possa favorecer a recomposição parcial ou total das condições físicas dos atletas. Tal suposição encontra respaldo na posição defendida por SOARES et al (1998) de que situações de sobretreino podem se apresentar tanto em decorrência do tipo de treino quanto pelas elevadas cargas de competição e, até certo ponto, corroboram as afirmações defendidas pela teoria clássica de periodização do treinamento, no tocante a preocupação com a estrutura das competições e a distribuição dos períodos de treino.
Outro indicador a ser considerado são os resultados neutros (empates), que podem ser entendidos como uma condição de performance estável comprometendo o desempenho das equipes, uma vez que indicam uma condição desfavorável na otimização da forma para os períodos finais de competição. A obtenção de muitos empates entre equipes com padrões de qualidade equivalentes pode resultar num índice elevado de neutralidade comprometendo o desempenho final das mesmas.
Tal constatação reforça a idéia de que um calendário competitivo mesmo extenso, mas com uma distribuição menos freqüente, favorecendo a preparação e o descanso das equipes, contribui para uma maior eficiência dos resultados. Por outro lado, equipes com calendários extensos e com freqüência elevada de jogos, compromete a eficiência das equipes.
Finalmente, após analisar a dinâmica dos resultados apresentados pelas quatro equipes em estudo, foi possível concluir que as equipes que apresentaram um menor número de jogos durante a temporada atingiram um grau de eficiência mais elevado em relação às equipes com maior número de jogos ao longo da temporada.
Tal constatação se por um lado reforça a idéia de um menor número de competições, defendida pelos idealizadores da Teoria Clássica, por outro lado evidencia a importância de um calendário mais alargado e menos freqüente em oposição a tese das competições concentradas defendidas pela mesma teoria.
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