A influência de patologias odontológicas em atletas de canoagem e handebol |
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*Acadêmica do curso de Odontologia. **Acadêmico do curso de Educação Física. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. (Brasil) |
Renata Schlesner de Oliveira* re.odonto.ufsm@hotmail.com Luiz Fernando Cuozzo Lemos** luizcanoagem@yahoo.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 107 - Abril de 2007 |
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Introdução
O município de Santa Maria no interior do estado do Rio Grande do Sul é referência nacional como elite dos esportes canoagem e handebol, os quais tradicionalmente têm uma história de sucesso e de bons resultados competitivos (Lemos, Teixeira & Matheus, 2007). Na cidade, atualmente, existem dois times apoiados por universidades locais que desenvolvem o handebol de alto rendimento. Já com relação à canoagem existem duas associações que mantêm projetos esportivos e sociais, levando a descoberta de novos talentos no esporte ano após ano.
Esses esportes difundidos em Santa Maria têm características muito diferenciadas, tanto nos métodos de treinamento, quanto na prática competitiva. Os atletas do handebol praticam uma atividade coletiva, com confronto direto e muito contato corporal entre os jogadores (Sanchez, 1992). Já os canoístas desenvolvem suas atividades de treinamento e de competição em barcos individuais ou coletivos (CBCa, 2006), porém sem contato com os adversários e sem nenhum risco de serem atingidos por algum objeto como, por exemplo, a bola, no caso do handebol, que poderia vir a acarretar alguma lesão ou ferimento.
Lesões e patologias no esporte são temáticas bastante estudas, pois, quando diagnosticadas, pode-se amenizar os seus efeitos, descobrindo suas possíveis causas e formas de atenuar essas ocorrências (Pastre, 2005). Já estudos relacionados à saúde bucal não são muito comuns, mesmo esta estando diretamente envolvida no desempenho atlético. Esse envolvimento é percebido no estudo de Dias (2003), que afirma que com uma saúde bucal adequada o organismo do atleta funcionará melhor e com mais eficácia, pois as condições bucais têm repercussões sistêmicas.
Em muitas atividades físicas, utiliza-se a respiração bucal, que, por sua vez, segundo Balshi (1991), provoca alterações significantes nos atletas baixando sua capacidade aeróbica em atividades físicas, os dentes impactados deixam a mandíbula mais susceptível a traumas, os processos infecciosos da cavidade bucal podem disseminar para o restante do organismo.
Com isso, nesse estudo, buscou-se fazer um paralelo entre os atletas de canoagem e os de handebol de alto nível competitivo e o efeito de patologias bucais ao longo da vida esportiva dos mesmos, apontando as conseqüências e o quanto esses problemas odontológicos foram intervenientes no esporte.
MetodologiaOs atletas foram convidados a fazer parte do estudo e aqueles que concordaram em participar da coleta, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme resolução 196/1996 do Conselho Nacional da Saúde, do Ministério da Saúde. Todos os indivíduos preencheram o questionário fornecido pelos pesquisadores individualmente, sendo garantido total sigilo da confidencialidade dos sujeitos.
Nesse questionário haviam cinco questões fechadas relacionadas à vida esportiva e a ocorrência de problemas bucais. As respostas foram coletadas de forma que não houvesse intervenção dos pesquisadores, para que assim os resultados obtidos demonstrem a maior fidedignidade e veracidade possível. Somadas a essas questões, coletou-se a idades dos indivíduos do grupo de estudo e o tempo de prática esportiva de cada atleta participante deste trabalho.
Fizeram parte do grupo de estudo vinte atletas de handebol de alto rendimento pertencentes à equipe de uma universidade de Santa Maria, com idade média de 22,66 anos e tempo de prática média de 9,53 anos e dezessete atletas da canoagem descobertos e pertencentes ao projeto social de um clube de canoagem de Santa Maria, porém já fazendo parte da equipe competitiva desta entidade, com idade média de 18,07 anos e tempo de prática média de 6,73 anos.
Após essa fase de coleta de dados, foram analisadas todas as respostas expressas nos questionários, subdividindo os dois grupos e realizando uma comparação das mesmas.
Apresentação dos resultadosA Tabela 1 ilustra as questões que fizeram parte do questionário e o percentual das respostas obtidas por cada grupo de esportistas. A questão número 1 (um) foi respondida por todos os participantes do grupo de estudo, já as demais foram respondidas apenas pelos atletas que afirmaram positivamente a número 1 (um), ou seja, tiveram problemas bucais ao longo da vida esportiva.
Dos 37 atletas que compuseram os grupos de estudo, apenas 17 afirmaram ter tido alguma patologia bucal ao longo da vida esportiva, sendo eles 8 do handebol e 9 da canoagem. Em resposta a 2º questão que perguntava se o problema bucal prejudicou seu rendimento esportivo, destes 8 handebolistas e 9 canoístas que haviam respondido que tiveram problemas, afirmaram que sim, respectivamente, 7 e 3. Na 3º questão responderam que já haviam deixado de treinar em decorrência desta anomalia bucal 5 atletas do handebol e 2 da canoagem e quando se falou em competir, a resposta da 4º questão foi diferente, onde apenas 2 do handebol e 1 da canoagem deixaram de participar de algum jogo ou competição.
DiscussãoAo analisar os resultados obtidos entre os dois grupos foi possível constatar que existem muitas diferenças entre eles. Conforme a Tabela 1, os canoístas apresentaram um maior índice de patologias bucais ao longo da vida esportiva comparados com os atletas do handebol. Em um primeiro momento, isso pode até mesmo parecer estranho, pois o tempo de prática dos atletas do handebol era maior que o dos canoístas, porém, existem fatos relevantes que podem estar envolvidos nos resultados obtidos nesse estudo.
Entre esses fatores, pode-se destacar o quanto interveniente foi essa patologia na vida esportiva desses atletas. Com isso, através dos resultados, percebe-se que os canoístas tiveram maiores incidências de problemas bucais, mas que a intervenção nas práticas de treinos e competições demonstrou ter sido menor. Isso, talvez, esteja relacionado com a modalidade e suas especificidades, como, por exemplo, a ausência do contato corporal na canoagem, evitando choques na boca debilitada.
O maior número de evidências de patologias bucais nos canoístas também pode estar relacionado à origem desses atletas, visto que a grande maioria é proveniente de vilas e vilarejos das proximidades da barragem do Departamento Nacional de Obras em Saneamento e que não recebia atendimento odontológico regularmente em decorrência de condições financeiras desfavoráveis e com nível escolar bem baixo. Isso se confirma no estudo de Berkowitz (2003), quando o autor relata que doenças bucais acometem crianças de todas as raças e classes sociais, apresentando, entretanto, uma prevalência maior nas populações de baixa renda.
Já o grupo do handebol, na sua maioria é composto de estudantes universitários e até mesmo professores, indicando, assim, possuir um melhor nível de informação e, possivelmente, que tenham tido melhores acessos a tratamentos odontológicos preventivos, porém, segundo Canto et al (1999), enquanto há um forte enfoque na odontologia preventiva quando o assunto é cárie, somente poucos indivíduos parecem preocupados em evitar traumas que podem ocorrer nos dentes e/ou estruturas de suportes devido aos impactos, principalmente, nos esportes.
Após o aparecimento dessas patologias nos atletas de handebol, demonstrou-se, de acordo com as respostas expressas nos questionários, que a intervenção no jogo handebol foi mais significativa comparada aos canoístas. Isso pode estar relacionado ao estudo publicado pela revista especializada International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery (2005), a qual avaliou o espectro de lesões maxilofaciais ocorridas em atletas durante a prática de esportes. De acordo com o essa revista, a maioria das fraturas maxilofaciais relacionadas ao esporte ocorre durante a prática de esportes coletivos com grande contato interpessoal, sendo o handebol um deles.
Quando perguntados sobre a ausência de treinamentos em decorrência deste problema, percebeu-se que apenas 22,22% dos canoístas disseram sim e que 62,5% handebolistas responderam positivamente a esta afirmação, demonstrando grande diferença entre as modalidades. Entretanto, quando esses dois grupos são comparados na questão que perguntava sobre a não participação em alguma competição, as respostas foram que apenas 11,11% dos canoístas e 25% dos atletas de handebol afirmam ter deixado de competir por razões de problemas odontológicos e a grande maioria participou do evento esportivo se considerando apto e avaliando a patologia não interveniente na sua prática esportiva. Isso mostra a dedicação e garra desses atletas no seu ideal de vida, competindo debilitados em prol de seus clubes e equipes.
Porém, alguns estudos sobre autopercepção mostram que a maioria das pessoas vê sua condição bucal de maneira favorável, mesmo em condições clínicas não satisfatórias, provavelmente porque as medidas clínicas de saúde utilizadas pelo profissional são preditores relativamente fracos da percepção de saúde bucal das pessoas (Jokovic & Locker, 1997; Matthias et al., 1995). De acordo com Jokovic & Locker (1997), uma das razões para a fraca associação entre as variáveis clínicas e a auto-avaliação deve-se ao fato de que muitas doenças detectadas no exame clínico são assintomáticas e provavelmente desconhecidas pelos indivíduos. Segundo Sane e Ylipaavalniemi (1988) os traumatismos ocasionados na prática esportiva representam uma parcela importante, de 14 a 39%, entre as etiologias do traumatismo dentário. Os autores também afirmam que com o aumento do número de praticantes de esportes de contato e aumento da competitividade, a tendência é de aumento substancial nas estatísticas envolvendo acidentes traumatológicos no esporte.
De acordo com as respostas expressas na questão cinco, na qual estava sendo solicitado aos atletas que expusessem a sua auto-análise dos efeitos de quando afetados e o seu rendimento na prática esportiva, os canoístas mostraram-se menos prejudicados pelos problemas odontológicos que quando comparados com os atletas de handebol. Os canoístas tiveram um índice duas vezes menor, ou seja, mostrando que a interferência no esporte canoagem foi menor do que no handebol, mas que também ocorreu.
Considerações finaisConclui-se que a interferência de patologias bucais nas atividades esportivas de atletas de handebol e canoagem causa grandes alterações na vida esportiva, as quais afetam diretamente o rendimento competitivo. Porém, atletas do handebol têm maiores interferências em decorrência do jogo ter mais confronto direto entre adversários e, portanto, maiores possibilidades de impacto e lesões.
A canoagem, por não ser um esporte em que o confronto é direto, ou seja, não implica em contato corporal, faz com que os canoístas tenham menores índices de prejuízo esportivo em decorrência dos problemas bucais, porém é importante que não se pense que por esse motivo não se deva buscar tratamento e em muitos casos evitar a prática enquanto afetado.
Com isso, acredita-se que um tratamento preventivo bucal pode ser útil numa equipe de alto rendimento de qualquer modalidade esportiva, possibilitando aos atletas evitarem perda de treinos ou rendimento em decorrência desses problemas e quando ocorrer alguma patologia, realizar o tratamento o mais rápido possível.
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