Triathlon: um relato de uma experiência de intervenção psicológica |
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*Faculdade de Educação Física da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo. **Faculdades Hebraico Brasileira Renascença. Grupo de estudo e pesquisa em Psicologia do Esporte Universidade de São Paulo |
Profª. Ms. Silvia Regina Deschamps* Profª. Ms. Ana Maria Capitanio sdchamps@usp.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 106 - Marzo de 2007 |
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O relato a seguir diz respeito a um trabalho de preparação psicológica realizado por membros do Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicologia do Esporte da Universidade de São Paulo durante o segundo semestre de 2003.
As pessoas envolvidas com o esporte são unânimes em dizer que, aspectos psicológicos são tão importantes quanto os sociológicos, fisiológicos, anatômicos e mecânicos.
A psicologia do esporte diz respeito a razões psicológicas, compreendendo os processos envolvidos na atividade esportiva, colabora com seus praticantes e estuda o efeito do exercício sobre a área emocional do ser humano. Avalia e analisa os efeitos do esporte no indivíduo, contribui para que ele adquira melhores condições em suas habilidades, e possa alcançar seus objetivos (Silva, Machado, Antunes, Uehara & Pauli, 2000).
De acordo com Deschamps & De Rose Jr. (2000), aspectos psicológicos determinam diretamente ou indiretamente o comportamento de atletas de alto rendimento, por serem submetidos à constante pressão de uma competição.
A psicologia do esporte abrange duas variáveis com um mesmo denominador comum: o interesse específico focado no atleta e o esporte por ele praticado. Questões envolvendo o processo de aprendizagem, desenvolvimento, personalidade, memória, motivação, torna-se de suma importância para o trabalho psicológico. Cada modalidade esportiva tem sua especificidade, o psicólogo precisará se interar sobre a modalidade em questão, a fim de conhecer sua rotina de treinos, período de competição, pré-pós-competição.
De Rose Jr., Vasconcelos, Medalha & Simões (1999), citam que as ocorrências de alterações comportamentais em atletas influenciam o desempenho individual e do grupo, tornando a análise psicológica importante, na medida em que detecta estas mudanças.
O psicólogo do esporte tem o papel de agente transformador entre os aspectos negativos e positivos, aborda assuntos que podem auxiliar no desempenho esportivo e diminui o espaço e as divergências entre o técnico e o atleta. Quando em grupo, também visa desenvolver atitudes de cooperação e coesão, para que em sintonia, atinjam seus objetivos.
Atualmente, o esporte de alto nível está muito equilibrado no preparo físico, técnico e tático, podendo algumas questões psicológicas separar um vencedor de um perdedor, estabelecendo até quanto o atleta pode se aproximar de seus limites psicológicos, e porque não, superá-los.
Algumas técnicas
A preparação psicológica trabalha o desenvolvimento emocional do atleta, ajuda-o a estabelecer metas, a enfrentar situações de stress, tais como: relação com a torcida, dirigentes, técnicos, patrocinadores, adversários, situações próprias do jogo, mídia, materiais e instalações, visando otimizar o rendimento.
No treinamento psicológico há várias técnicas e instrumentos para auxiliar a melhoria do desempenho atlético, tais como técnicas de motivação, relaxamento, redução de ansiedade, treinamento de ativação, concentração, autoconfiança, gerenciamento de stress entre outros. Para que o atleta seja bem sucedido é necessário, também, que se desenvolvam atributos psicológicos de autoconfiança, liderança, adaptação social, controle emocional e psicomotor.
A automotivação é trabalhada em três tipos de técnicas: motora, cognitiva e emocional. E essas três técnicas englobam trabalho de determinação de metas, imaginação das próprias capacidades, auto-reforço verbal, exercícios motores e controle da respiração.
Na redução de ansiedade é comum o uso do relaxamento de Jacobson que consiste em tensionar e relaxar seguidamente determinados grupos musculares por um determinado tempo e, também o controle da respiração.
O treinamento de ativação é obtido pela inspiração e expiração mais forte e rápida, pela imaginação de movimentos dinâmicos e rápidos e formação de frases estimulantes.
Alguns estudos em neurologia demonstram que através da visualização e de uma alta concentração, repete-se as habilidades motoras e técnicas mentalmente originando micro contrações e em conseqüência a melhora na coordenação neuromuscular.
Na autoconfiança é trabalhada com o atleta a capacidade deste na realização e obtenção de suas metas, fazer com que ele acredite que pode e tem condições para concretizar aquilo que traçou como objetivo naquele momento.
Trabalhando em equipe
Para que a preparação psicológica seja realizada com sucesso, deve-se contar com uma parceria muito relevante com o técnico, pois é ele quem dita regras, táticas de jogo, e que possui um contato estreito e diário com o atleta, representa o papel de grande pai de todos. Por isso, é importante que o vínculo do técnico com o psicólogo esportivo seja bom para que o trabalho dê resultados.
As pessoas influenciam uma a outra em sociedade ou em família, assim também o é em uma equipe esportiva: técnico, preparador físico, psicólogo, fisioterapeuta e os atletas, possuem sentimentos, comportamentos e pensamentos que exercem influência entre si.
Parece ficar claro a importância e necessidade da preparação psicológica no meio esportivo, já que a Psicologia vem se aliar ao Esporte com a finalidade de melhorar o desempenho esportivo dos atletas de alto rendimento em que se visa a vitória.
O esporte tem uma enorme responsabilidade na organização e transmissão de conhecimento nos diferentes aspectos sociais. E o desempenho no esporte segundo Kiss & Böhme (1999), envolve diversas manifestações simultâneas, dependendo da relação direta com as normas sociais determinadas.
Para Malina, (1980, cit. por Kiss & Böhme, 1999), o desempenho pode ser considerado como uma modificação operada nas dimensões: cultural, motora e orgânica. Pode-se referir ao desempenho positivo ou negativo de um atleta. O desempenho pode ser considerado como uma somatória de conceitos vindos de algumas disciplinas, como a sociologia, a antropologia, pedagogia, fisiologia, e principalmente a psicologia.
Segundo Simões (1993), o comportamento de um atleta influencia os companheiros de equipe, em termos de rendimento. Nesse projeto coletivo, a participação de cada um torna-se estritamente necessária, para desenvolver as capacidades tanto físicas quanto técnicas e táticas.
As equipes esportivas de desempenho constituem o foco de atenção dos estudiosos da área do esporte, com o objetivo de identificar condições em que um pequeno grupo social esportivo funcionasse como um meio coletivo integrado caminhando na mesma direção.
O processo de desenvolvimento de qualidades físicas, técnicas e táticas, são exigidos no esporte, inclusive os fatores sociais e psicológicos determinantes no comportamento de atletas na equipe esportiva.
O triathlon
O triahtlon é uma modalidade esportiva olímpica que apresenta motivação e características peculiares. É composto pela combinação de natação, ciclismo e corrida. Além disso, é capaz de testar não somente limites físicos, mas também capacidades excedentes com relação à resistência mental, e sua prática podem envolver atividades de lazer, condicionamento e reabilitação (Domingues Filho, 2001).
"E um esporte alegre, desafiante, colorido e social, que envolve três modalidades esportivas conhecidas: natação, ciclismo e corrida, onde cada indivíduo busca de forma prazerosa e segura uma condição física adequada para suas necessidades competitivas ou não, levando em conta a sua vida social, vida familiar, objetivo e realizações que deseja alcançar praticando-o" (Domingues Filho, 2001, p.22).
É importante considerar, em relação ao treinamento de triathlon, que deve ser especialmente planejado, levando em conta a individualidade, incluindo a condição atual do atleta, a genética e a maturação sexual. Um outro fator importante é dar melhor atenção à modalidade desportiva mais fraca e fazer uma manutenção das mais fortes, pois para o atleta conseguir um destaque é necessário que obtenha regularidade nas três modalidades envolvidas (Domingues Filho, 2001).
Observa-se que a maioria dos praticantes de triathlon, não dispõe de recursos e condições adequadas de treinamento ou ainda possuem outras ocupações e/ou profissões. Estes fatores podem influenciar num comprometimento exigido no treino e nas competições.
Por reunir três modalidades cíclicas, caracterizadas pela repetição do gesto motor, o triathlon potencializa o desgaste mental que pode levar ao stress, e ainda diminuir o limiar de concentração. Isto evidencia a importância de incluir a preparação mental no planejamento do treinamento, em vista da estreita relação existente com as competências física, técnica e tática.
Características de cada modalidade
Natação - é a primeira parte do triathlon, normalmente percebe-se maior ansiedade na largada e isso vai interferir na área de transição e durante o percurso, pois a recuperação do ritmo pode ser mais difícil. Uma questão unânime com relação à natação, é o aumento da dificuldade da prova em função de se nadar em águas abertas, precisando o atleta estar mais focado na técnica;
Ciclismo - é a segunda modalidade apresentando um número grande de detalhes técnicos e é a responsável pela vantagem ou desvantagem do atleta sobre seus oponentes, já que tem a maior metragem do percurso e é a mais veloz. A liberação do vácuo nas bicicletas devido às regras estabelecidas pela International Triathlon Union - ITU, provocaram modificação nos treinos e na própria tática do ciclismo, incluindo a aprendizagem e adaptação em pedalar em equipe, nas curvas, subidas, "sprints" e outros.
Corrida - é considerada a parte mais importante do triathlon atual. A diferença existente entre o primeiro colocado e o décimo, em provas com distâncias olímpicas, é de segundos, portanto, os "sprints" na parte final são decisivos. Durante muito tempo, o treinamento de corrida enfatizou a melhora na capacidade aeróbia, com volume semanal grande e pouca ou nenhuma intensidade de esforço. Atualmente, o treinamento inclui a junção das quatro capacidades motoras que são: velocidade, força, técnica/coordenação e resistência. Esse trabalho acaba estimulando o aspecto psicológico do atleta que tem que enfrentar diversos momentos estressantes por causa do volume e intensidade do treino, com isso, ele desenvolve além da capacidade aeróbia, em nível cárdio-respiratório, também a anaeróbia, a nível muscular.
A preparação psicológica
A preparação psicológica para a o triathlon surgiu a partir das necessidades de um dos técnicos da equipe. Ao se aceitar a proposta de trabalhar, realizaram-se algumas reuniões a fim de coletar informações sobre a equipe, tais como: as expectativas do técnico em relação à psicologia e a preparação psicológica, o número, a idade e o sexo dos atletas, (14 atletas entre 13 e 28 anos, de ambos os sexos) entre outras informações.
Antes de ter o primeiro contato com a equipe, idealizou-se um plano de ação para o recebimento dos atletas, da seguinte forma:
Reuniões entre as psicólogas, antes de conhecer a equipe, a fim de programar, mesmo que provisório, os procedimentos que seriam tomados (quatro reuniões); Decidiu-se, por exemplo, que cada psicóloga/pesquisadora teria autonomia para trabalhar o que pensava ser necessário conforme cada caso. Desde a vida pessoal à esportiva, dependência/independência, motivação intrínseca e extrínseca, frustrações, objetivos: específicos, reais/irreais, auto-estima, podendo praticar e recomendar exercícios como: respiração, atenção, concentração, afirmações de auto-estima, técnicas visomotoras, diálogo interno, relaxamento de Jacobson.
Estabeleceram-se os horários priorizando, na medida do possível, as necessidades dos atletas, haja vista, a idade etária e os compromissos escolares (horários de escola, dependência dos pais para o transporte);
Combinaram-se, então, os horários de atendimentos entre as psicólogas.
Com o objetivo de se conhecer e levantar os aspectos psicológicos relevantes realizaram-se 4 encontros1 , 1 por semana, sendo somente o primeiro coletivo.
No primeiro encontro, foram aplicados dois testes, o IDATE e O POMS, com a finalidade de verificar os níveis de ansiedade, numa fase relativamente tranqüila, pelos atletas não estarem em período de competição. Os atletas se encontravam em período intermediário de treinamento antecessor ao período pré - competitivo.
A partir disso verificou-se a ansiedade-traço (A-traço), ansiedade-estado (A-estado) e avaliaram-se os estados de ânimo e afetivos, (tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão).
Para A-traço as categorias apontadas nos resultados foram: superior (2), médio superior (2), médio (2), médio inferior (4) e inferior (2). Para A-estado as categorias apontadas não atingiram a média: abaixo de inferior (3), inferior (6), médio inferior (3).
Em relação ao POMS, para as categorias tensão, depressão, raiva, fadiga e confusão a equipe apresentou percentil entre 40 e 50 (50=média), observando que depressão, raiva e confusão tiveram uma leve elevação; para a categoria vigor, o percentil apresentado foi de 60, sendo que, 70 é o esperado em períodos de competição.
A equipe apresentou resultados compatíveis com o período de treinamento em que se encontrava, confirmando que os testes aplicados são eminentemente situacionais, necessitando outras averiguações no processo diagnóstico, bem como durante o período pré-competitivo e competitivo (Capitanio, De Rose Jr., Deschamps, Fugiwara, Selingardi & Pitorri, 2003 a).
Na semana seguinte, o técnico ficou encarregado de aplicar um questionário com duas questões. Para a primeira, foi pedido ao atleta que enumerasse de 1 a 5, sendo (1) extremamente influente, (2) bastante influente, (3) mais ou menos influente, (4) pouco influente e (5) nenhuma influência, em relação às seguintes alternativas: influência dos pais, dos amigos, de outros profissionais/academia, do professor de educação física, mídia, por desejar status social, lazer, status financeiro e saúde/qualidade de vida. A segunda questão era: "Qual o seu objetivo no triathlon?" Os resultados apontaram para: saúde/qualidade de vida como extremamente influente; profissionais/academia e lazer como bastante influente; status social, como mais ou menos influente; e influência dos pais, dos amigos, do professor de educação física, da mídia e status financeiro como nenhuma influência para a prática do esporte.
Como objetivo principal foi encontrado: saúde/lazer/qualidade de vida seguida por competitividade e melhora de rendimento e auto-superação. Os resultados obtidos na primeira e segunda questão surpreenderam as pesquisadoras, pois o fator saúde/qualidade de vida aparece como o que mais influenciou os atletas a praticar o triathlon, sendo que competitividade e melhora de rendimento ficaram em segundo plano, mesmo se tratando de uma equipe competitiva. Percebeu-se que esses resultados viriam contra as expectativas do técnico, e que se precisaria definir e clarear conjuntamente os objetivos da equipe e do técnico.
Um outro aspecto importante a se considerar é a nenhuma influência atribuída a pessoas importantes (pais, amigos, professor de educação física e também a mídia, status financeiro). Isso poderia estar relacionado a pouca divulgação dada a esse esporte pela mídia? (Capitanio, De Rose Jr., Deschamps, Fugiwara, Selingardi & Pitorri, 2003 b)
Durante a primeira semana de agosto de 2003 aconteceu o 2º encontro entre cada atleta com a psicóloga que o atenderia. Nesta entrevista foram abordados aspectos gerais (pessoais, familiares e esportivos) e em seguida também se aplicou o QUATI - tipos psicológicos e no terceiro encontro, aplicamos o TPA - Teste da Pessoa Autônoma. O segundo e terceiro encontros aconteceu somente entre os seis atletas (o restante do grupo não participou dos atendimentos individuais devido a problemas com horários).
No decorrer do trabalho, foi de grande utilidade os dados colhidos no levantamento diagnóstico, por exemplo, um atleta, 17 anos, universitário, tendia a ser tipo sensação-extrovertida com sentimento-auxiliar, (QUATI), uma das características desse tipo psicológico é procurar se divertir com todas as coisas que faz. No questionário sobre objetivos, diz que quer se divertir, em primeiro momento. No decorrer desses dois, aconteceu de querer parar de treinar, por não achar "mais divertido" treinar e querer só competir.
Com os técnicos foram feitas orientações baseadas no questionário, entrevistas e testes. Nos questionários referentes aos objetivos, houve a prevalência da qualidade de vida sobre o esporte de competição, portanto, foi discutida a opinião dos técnicos a respeito disso. Além disso, os técnicos foram orientados em como lidar com alguns comportamentos dos atletas, Por exemplo, eles não sabiam que um dos fatores que desmotivava o treino da corrida pela manhã de um atleta de 14 anos, era a falta da companhia de outro corredor.
Um outro exemplo ocorreu nos primeiros encontros, o técnico trouxe a seguinte queixa: "O atleta é muito bom, mas não sei o que acontece que ele perde o ritmo de treino de natação, começa bem e depois desanima, não sei o que acontece..." Neste caso tratava-se de um atleta de pouca autonomia e dificuldade em estabelecer objetivos e cumpri-los, acreditou-se naquele momento, que poderia ser conseqüência da história familiar e de sua educação. Quando perguntado como que ele lidava com uma situação similar em sua casa ele disse "Só faço o que me mandam fazer".
A orientação dada ao técnico se referia a importância de sua figura, o fortalecimento da importância dos objetivos e firmeza nas ordens.
Ao final de Novembro de 2003 e próximo ao encerramento, realizamos uma avaliação dos atendimentos com um questionário, auto-avaliação das psicólogas e auto-avaliação dos atletas e entrevista final com os técnicos.
Foram levantadas algumas expectativas para o próximo ano (2004):
Outros atletas e profissionais;
Orientação aos pais;
Acompanhamento de treinos;
Adquirir outros testes psicológicos e materiais de apoio.
Nota
1. Foi solicitada uma autorização prévia aos pais.
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revista
digital · Año 11 · N° 106 | Buenos Aires,
Marzo 2007 |