O lazer na pós-modernidade: a transformação dos usos do tempo livre no mundo contemporâneo The leisure in after-modernity: the transformation of the uses of the free time in the world contemporary |
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*Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp. Bolsista CAPES. **Prof. Livre Docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp. ***Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp. (Brasil) |
Marco Antonio Bettine de Almeida* Gustavo Luis Gutierrez** Renato Marques*** marcobettine@yahoo.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 106 - Marzo de 2007 |
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Conceito de pós-modernidade
A pós-modernidade é uma categoria utilizada por um grupo de teóricos, que se refere às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades desde 1960, quando o cotidiano foi invadido pela tecnologia eletrônica, visando saturações de informações, diversões e serviços que produziram um mundo de simulação.
No trabalho intitulado "A Condição Pós-Moderna" Harvey (1998) aponta que a pós-modernidade é fruto dos avanços sociais, políticos e culturais da modernidade. Para Harvey a modernidade é condição para pós-modernidade. Esta condição não é interpretada como sucessão histórica, e sim pelos elementos do pós-moderno que já existiam na própria modernidade, eles foram acelerados pelos acontecimentos sociais das últimas décadas, como o fim do socialismo real, dos meta-relatos e da bipolarização mundial. Para Berman (1993) não existe necessariamente uma condição pós-moderna, mas uma transformação radical das bases da modernidade, como o fim da idéia do iluminismo e descrença na racionalidade. O autor exemplifica esta situação através dos contra-pontos entre viver em uma sociedade repleta de conquistas da modernidade, como celular, Internet, robôs, biomedicina, genética e ao mesmo tempo as guerras nucleares, biológicas ou lixos tóxicos. Em outras palavras, o mundo contemporâneo, por um lado nos promove poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo, por outro lado este mesmo mundo pode ser destruído.
Este sentimento contemporâneo, de acordo com Berman (1993), mostra a crise da racionalidade, porque temos os melhores aparatos tecnológicos, possibilidade de longevidade, trabalhar menos e, ao mesmo tempo, a crise do petróleo no Oriente Médio, a AIDS na África, a bomba atômica nos países de primeiro mundo e a exploração do trabalho infantil na América do Sul.
Anderson (1993, p. 93) caminha neste mesmo sentido ao declarar que o "ser pós-moderno é encontrar-se em um ambiente de aventuras, poder, alegria, desenvolvimento, sem transformação". Os ambientes e as experiências contemporâneas passam todas as fronteiras da geografia e das etnias, das classes e das nacionalidades, das religiões e das ideologias. Neste sentido se pode dizer que a pós-modernidade une toda a humanidade. Mas se trata de uma união paradoxal, uma união da desunião. Nos introduz a todos os redemoinhos de desintegração e renovação, de lutas e contradições, de ambigüidade e angustias perpétuas.
Para Lyotard (1993, p. 166) o pós-moderno seria aquele que alega o que não existe na modernidade, aquele que nega a consolidação das formas belas, consumo da nostalgia e do impossível. Lyotard (1993) aponta que a beleza das artes e da estética, a busca da áurea nas obras de arte teve seu fim com o advento da pós-modernidade. Houve um exagero daquilo que Benjamin (1985) chamava de era da reprodutibilidade técnica, o pós-moderno é apenas simulação sem conteúdo histórico definido ou clareza nas intenções dos autores, o importante é a imagem pela imagem.
A visão de mundo na pós-modernidade
Subirats (1993, p. 225) nos traz um exemplo interessante desta nova condição pós-moderna, discorre o autor sobre os punks, moda que exige os signos de identidade, um ascetismo militante, símbolos agressivos que flutuam na representação de poder, a expressão da opressão, tudo isso coroado com a cor negra da morte. O emblema ideal da pós-modernidade seria um homem vestido como punk e jogando ou trabalhando no computador. Uma imagem difundida na ciência e ficção que hoje pode ser encontrada facilmente na realidade.
Para Anderson (1993, p. 317) a pós-modernidade seria uma modernidade sem lamentos, sem a ilusão de uma possível reconciliação entre jogos de linguagem, sem nostalgia da totalidade e nem da unidade, falta de reconciliação dos conceitos e perda da sensibilidade, falta de experiência transparente e comunicável, em uma palavra, uma modernidade que aceita a perda de sentido, de valores e realidade com uma jovial ousadia. "Na verdade a pós-modernidade é a modernidade sem utopias".
Outros aspectos relevantes para entendermos os pós-modernos são a paixão pelo pastiche e simulacro. O pastiche é a colagem indiferenciada de referências estéticas de distintas origens. Isto fica evidente na arquitetura, onde um prédio possui arcos romanos, torres góticas, telhados chineses e concretos modernos. Simulacro seria a transformação de aparência formal numa espécie hiper-realidade, através da repetição e ampliação que só os recursos técnicos atualmente existentes tornam possíveis. "Por simulacro designa-se um estado de réplica tão próximo da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebido" (HARVEY, 1998, p.196).
Para Gutierrez (1997) o sucesso que este padrão estético alcança pode ser interpretado como uma valorização do momento atual enquanto tentativa de viver um eterno presente frágil e efêmero, composto de citações de todos os tempos, onde o traço de unidade se dá pela celebração do dinamismo, da velocidade crescente dos acontecimentos. Para David Harvey (1998) este efêmero e frágil associa-se a uma dimensão esquizofrênica do indivíduo na pós-modernidade, colocando que as acelerações nos tempos de giro na produção, na troca e no consumo produzem, por assim dizer, a perda de um sentido futuro, na medida em que tornam difíceis manter qualquer sentido firme de continuidade.
As práticas de lazer no mundo contemporâneo: o cinema, a pintura, o museu e o teatro
O movimento pós-moderno não apresenta propostas definidas, nem coerências, tampouco linhas evolutivas. Deste modo, diferentes estilos convivem sem choques formando ecletismos e pluralismos culturais. Segundo Sevcenko (1993) não há grupos ou movimentos unificados. Além disso, ele não se desfaz do passado que é agregado ao pós-moderno, apenas o tradicional foi eliminado.
Um clima de incertezas e uma dificuldade de sentir ou representar o mundo são as condições do pós-moderno. Diante da sensação de irrealidade, da desordem e do vazio, a sociedade cada vez mais se individualiza e se torna apática. Ela não encontra valores e sentido para a vida, somente se entrega ao prazer imediato e ao consumismo. Portanto, ela não desenvolve pensamentos profundos ou existenciais, mas apenas repostas rápidas e adequadas à era do consumismo exacerbado (Almeida, 2005).
Nas práticas de lazer circulam livremente apropriações de objetos comuns, tecnologias e sínteses com materiais industriais e naturais, a fim de despertarem efeitos perceptivos sensuais, irônicos, sensoriais e de antagonismo no público (Fernández; Montoya e Bedoya, 2006). Os materiais são dispostos de modo a experimentar o que eles possibilitam de potencialidades para expressividades. Alguns museus de São Paulo, como o da língua Portuguesa, utilizam-se desta forma de interação com o público, ele não vê passivamente as obras, participa, vezes até como cenário. Em algumas peças de teatro isso é bem claro quando o público entra no presídio, no rio, nas galerias de esgoto, este é o sentimento da arte desintegrada pós-moderna de vivência e simulação.
O cinema gira em torno do indivíduo consumista, hedonista e narcisista, ele é encarregado de explorar as sensibilidades remanescentes da sociedade na era da globalização, reforçando o pastiche e o simulacro. O filme "Matriz" põe em dúvida a realidade a partir do limite do virtual e do real.
A pintura acompanha este mesmo movimento passando a ser concebida a partir de novos pressupostos: uso abusivo das cores, grandes formatos, uso de objetos do cotidiano adotados como suporte pictórico da obra, gestualidade, figurativismo e expressionismo.
As tendências nas práticas de lazer
O alto nível do progresso tecnológico tem como decorrência uma transformação de valores na sociedade, propiciando novos dilemas e embates culturais. As práticas de lazer pós-modernas propõem um novo modo de ver o mundo, ligando linguagens artísticas a um tipo de realidade multifacetada, fragmentada e híbrida. Buscam manifestar sentimentos emotivos numa sociedade acusada de ser fria, calculista, apressada e ambiciosa (Huyssen, 1990).
Uma primeira tendência possível das atividades de lazer é o fortalecimento da mobilização da moda em mercados de massa altamente individualizantes de públicos específicos. Com um forte meio de acelerar o consumo de roupas, estilos de vida e atividades de recreação (Oliveira, 2006). Uma segunda tendência será a exploração cada vez maior de bens de serviços - não apenas serviços educacionais, pessoais, comerciais, como também de diversão, espetáculo, eventos, distrações. O tempo de vida deste consumo é bem menor do que dos bens duráveis, por isso precisam de forte apelo midiático e transformações constantes.
Em curto espaço de tempo as atividades ou modismos tornam-se obsoletos para o mercado de imagens. Na educação física pode-se colocar a "aeróbica" que deu lugar aos "Body sistem, body combat", que deu lugar ao "personal training" e que dará lugar ao modismo de gêneros, como academias temáticas.
A mídia e o virtual conquistam espaços nas atividades de lazer. Reforçando a tese pós-moderna que não existe inovação, rupturas, apenas reciclagem daquilo que já foi constituído. O virtual simula o real, fortalece a idéia de simulacro, e ao mesmo tempo não constrói nada de novo. Podemos viajar virtualmente, sentir prazer, vivenciar uma aventura fantástica, conhecer e ler nas bibliotecas de todo o mundo.
No mundo contemporâneo abriu-se mão da originalidade, em todos os sentidos. Ainda que inserida num já instalado mercado da cultura de massa, o lazer pós-moderno utiliza-se da reprodução não só enquanto materialidade, mas como tema, experiência estética, homenagem ou, num último estágio, laboratório virtual.
Além disso, a tecnologia virtual permite a realização de fenômenos incabíveis no real. Tal facilidade estimula as experiências de reciclagem artística, ou colagem. Estilos artísticos opostos, músicas de épocas distintas, personagens marcantes (ou não), referências a outras obras. A brincadeira virtual é infinita, o que confere ao lazer pós-moderno uma metalinguagem. Se tudo já foi feito durante todo o século da modernidade, o que se pode fazer é misturar as influências e citações, para verificar qual o efeito das possibilidades combinatórias. Quanto mais declaradamente virtual mais divertido.
Um exemplo que fortalece as afirmações anteriores é justamente o sistema de compras pela Internet. O comprador vê, em seu monitor, todos os produtos alinhados como na realidade. Passeando com seu mouse ele escolhe seus preferidos, e em algumas horas os produtos como que se materializarão em sua casa, depois que ele usar seu dinheiro virtual para pagar as compras. Nesse caso, fica a forte impressão de que o virtual simplesmente virou real.
Será que viveremos em um mundo onde cientistas desenvolverão experiências com a utilização de sensores para reproduzir integralmente vivências humanas. Colocam-se óculos tridimensionais, vestem-se luvas sensíveis e roupas especiais, cheias desses sensores. Sem sair do lugar, correndo numa esteira rolante, o indivíduo experimenta sensações como escapar de um tiroteio, jogar futebol ou fazer sexo. Esta poderá ser a grande tendência do lazer. A busca por emoções virtuais, sem sair de casa fechado no mundo hedonista micro-estruturado, a mesma busca pela emoção que coloca Elias e Dunning (Almeida e Gutierrez, 2005). A busca do prazer se dará mais rapidamente com a possibilidade de sensações e simulações bem próximas ou idênticas à realidade.
A bem da verdade os parques temáticos já exploram estas sensações com os cinemas interativos e brinquedos virtuais, no qual se preocupam com as experiências sensoriais dos consumidores daquele lazer.
Cada vez mais a comunicação se tornará fortalecida e tudo leva a crer que a Internet será o grande meio de comunicação deste século, o mundo inteiro pode assistir não somente aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo, à queda de um ditador, a uma reunião de cúpula política, a uma tragédia, mas também a vida de pessoas comuns nos chamados shows da realidade. O filme "Show de Truman" discute exatamente qual controle temos na nossa vida e qual o limite do livre arbítrio na sociedade contemporânea. Indaga se é melhor deixarmos nossos sonhos e viver bem, ou viver no mundo caótico e desordenado que é o real. Freud dizia que o ser humano é um animal com prótese, neste caso a prótese virtual poderá substituir a própria necessidade orgástica do indivíduo? Será que a busca do prazer no lazer será mais instantânea, rápida e fugaz?
A Internet exerce um crescente fascínio sobre as pessoas. Ela representa uma importante inovação em relação à televisão pelo fato de permitir uma proliferação de produtores de mensagens. Enquanto os fatores da produção televisiva se agregam em um complexo financeiro e infra-estrutural que praticamente determina a natureza oligopolista da exploração econômica do meio, os fatores da produção de sites na Internet são infinitamente mais baratos e menos complexos, permitindo, portanto, uma ampliação estrondosa da capacidade de produção de mensagens na forma de sites por parte de indivíduos e pequenas corporações.
As salas de bate-papo, os blogs e o Orkut entre outras maneiras de interagir na Internet demonstram que há uma forma virtual de se relacionar com o mundo. Lá é possível contar a sua vida, os internautas lêem seu diário. A comunidade Orkut que você cria amigos, praticamente uma vida social virtual.
Na televisão os diferentes tipos de reality show reforçam a idéia deste mundo hedonista com a vontade única de ser reconhecido. É o mundo de imagens que coloca Harvey (1998), os indivíduos buscam ampliar sua imagem e criar um mundo fantástico incoerente com a realidade, apenas as imagens, naquilo que "tudo que é sólido desmancha no ar". Este desprendimento da realidade realmente é um fator importantíssimo para se analisar as atividades de lazer. Porque na sua forma genérica a imagem apenas reproduz aquilo que já foi analisado das ações vazias e sem conteúdo, tudo vira apenas diversão rápida.
Fica claro, portanto, que a busca pelo prazer no lazer casa-se perfeitamente aos símbolos pós-moderno de consumo, hedonismo, velocidade, reprodução cultural e inovação tecnológica. O lazer cada vez mais se torna a busca por momentos instantâneos e este consumo efêmero leva a desintegração das relações sociais e das formas interativas entre as pessoas. As atividades virtuais no lazer provocam um distanciamento daquilo que já foi por demais discutido da relação lazer e cultura e cultura como forma de sociabilidade. Por isso, devemos estar atentos a este processo de simulação e pastiche da sociedade contemporânea.
Conclusão
Nas práticas de lazer contemporâneas assistimos as manifestações que se caracterizam pelas categorias pós-modernas, como é o caso do pastiche e simulacro. O pastiche seria a colagem de diferentes situações históricas em um mesmo contexto, exemplo do cinema e da literatura. O simulacro é a replica do real, como no uso das salas de bate-papo, parques temáticos e simuladores eletrônicos.
O lazer é um campo vasto de expressão das categorias pós-modernas pela facilidade das experiências do tempo livre. A brincadeira virtual é infinita, conferindo ao lazer pós-moderno uma expressão múltipla na sociedade. O lazer espelha alguns dos atributos da sociedade pós-moderna como o individualismo, hedonismo, consumismo, reprodução cultural e simulação do real. Por isso acredito que o lazer influencia e é influenciado pela sociedade pós-moderna. O lazer representa, ao meu ver, a máxima exaltação do simulacro. Por isso devemos estar atentos e críticos a estas novas formas de manifestação do lazer.
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digital · Año 11 · N° 106 | Buenos Aires,
Marzo 2007 |