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O lazer na pós-modernidade: a transformação dos usos do tempo livre no mundo contemporâneo
The leisure in after-modernity: the transformation of the uses of the free time in the world contemporary

   
*Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Educação Física da Unicamp. Bolsista CAPES.
**Prof. Livre Docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp.
***Mestrando do Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação Física da Unicamp.
(Brasil)
 
 
Marco Antonio Bettine de Almeida*
Gustavo Luis Gutierrez**
Renato Marques***

marcobettine@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este artigo discute as transformações nos usos do tempo livre com o advento da pós-modernidade. Para isso serão trabalhados alguns conceitos da pós-modernidade que mostram a influência desta tendência no lazer contemporâneo, como o simulacro e o pastiche. O simulacro é encontrado nos jogos, parques temáticos e filmes; o pastiche é encontrado nas músicas, nos filmes e na literatura. Conclui-se que as formas de lazer estão se transformando com as salas de bate-papo, blogs e orkut demonstrando que o lazer reflete uma condição pós-moderna de individualização e exaltação do virtual. E que o modelo de mundo defendido pelos pós-modernistas tem ampla relação com as novas formas de lazer.
    Unitermos: Usos do tempo livre. Pós-modernidade. Lazer.
 
Abstract
     This article will argue the transformations in the uses of the free time with the advent of after-modernity. For this some concepts of after-modernity that shows to the influence of this trend in the leisure contemporary, as simulacrum and pastiche will be worked. Simulacrum is found in the thematic games, parks and films; pastiche is found in music, the films and literature. One concludes that the leisure forms are if transforming with the chat rooms, personal sites and privacy sites demonstrating that the leisure reflects an after-modern condition of subject and dither of the virtual one. E that the model of world defended for the ones after-modernity has ample relation with the new forms of leisure.
    Keywords: Uses of the free time. After-modernity. Leisure.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 106 - Marzo de 2007

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Conceito de pós-modernidade

    A pós-modernidade é uma categoria utilizada por um grupo de teóricos, que se refere às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades desde 1960, quando o cotidiano foi invadido pela tecnologia eletrônica, visando saturações de informações, diversões e serviços que produziram um mundo de simulação.

    No trabalho intitulado "A Condição Pós-Moderna" Harvey (1998) aponta que a pós-modernidade é fruto dos avanços sociais, políticos e culturais da modernidade. Para Harvey a modernidade é condição para pós-modernidade. Esta condição não é interpretada como sucessão histórica, e sim pelos elementos do pós-moderno que já existiam na própria modernidade, eles foram acelerados pelos acontecimentos sociais das últimas décadas, como o fim do socialismo real, dos meta-relatos e da bipolarização mundial. Para Berman (1993) não existe necessariamente uma condição pós-moderna, mas uma transformação radical das bases da modernidade, como o fim da idéia do iluminismo e descrença na racionalidade. O autor exemplifica esta situação através dos contra-pontos entre viver em uma sociedade repleta de conquistas da modernidade, como celular, Internet, robôs, biomedicina, genética e ao mesmo tempo as guerras nucleares, biológicas ou lixos tóxicos. Em outras palavras, o mundo contemporâneo, por um lado nos promove poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo, por outro lado este mesmo mundo pode ser destruído.

    Este sentimento contemporâneo, de acordo com Berman (1993), mostra a crise da racionalidade, porque temos os melhores aparatos tecnológicos, possibilidade de longevidade, trabalhar menos e, ao mesmo tempo, a crise do petróleo no Oriente Médio, a AIDS na África, a bomba atômica nos países de primeiro mundo e a exploração do trabalho infantil na América do Sul.

    Anderson (1993, p. 93) caminha neste mesmo sentido ao declarar que o "ser pós-moderno é encontrar-se em um ambiente de aventuras, poder, alegria, desenvolvimento, sem transformação". Os ambientes e as experiências contemporâneas passam todas as fronteiras da geografia e das etnias, das classes e das nacionalidades, das religiões e das ideologias. Neste sentido se pode dizer que a pós-modernidade une toda a humanidade. Mas se trata de uma união paradoxal, uma união da desunião. Nos introduz a todos os redemoinhos de desintegração e renovação, de lutas e contradições, de ambigüidade e angustias perpétuas.

    Para Lyotard (1993, p. 166) o pós-moderno seria aquele que alega o que não existe na modernidade, aquele que nega a consolidação das formas belas, consumo da nostalgia e do impossível. Lyotard (1993) aponta que a beleza das artes e da estética, a busca da áurea nas obras de arte teve seu fim com o advento da pós-modernidade. Houve um exagero daquilo que Benjamin (1985) chamava de era da reprodutibilidade técnica, o pós-moderno é apenas simulação sem conteúdo histórico definido ou clareza nas intenções dos autores, o importante é a imagem pela imagem.

A visão de mundo na pós-modernidade

    Subirats (1993, p. 225) nos traz um exemplo interessante desta nova condição pós-moderna, discorre o autor sobre os punks, moda que exige os signos de identidade, um ascetismo militante, símbolos agressivos que flutuam na representação de poder, a expressão da opressão, tudo isso coroado com a cor negra da morte. O emblema ideal da pós-modernidade seria um homem vestido como punk e jogando ou trabalhando no computador. Uma imagem difundida na ciência e ficção que hoje pode ser encontrada facilmente na realidade.

    Para Anderson (1993, p. 317) a pós-modernidade seria uma modernidade sem lamentos, sem a ilusão de uma possível reconciliação entre jogos de linguagem, sem nostalgia da totalidade e nem da unidade, falta de reconciliação dos conceitos e perda da sensibilidade, falta de experiência transparente e comunicável, em uma palavra, uma modernidade que aceita a perda de sentido, de valores e realidade com uma jovial ousadia. "Na verdade a pós-modernidade é a modernidade sem utopias".

    Outros aspectos relevantes para entendermos os pós-modernos são a paixão pelo pastiche e simulacro. O pastiche é a colagem indiferenciada de referências estéticas de distintas origens. Isto fica evidente na arquitetura, onde um prédio possui arcos romanos, torres góticas, telhados chineses e concretos modernos. Simulacro seria a transformação de aparência formal numa espécie hiper-realidade, através da repetição e ampliação que só os recursos técnicos atualmente existentes tornam possíveis. "Por simulacro designa-se um estado de réplica tão próximo da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebido" (HARVEY, 1998, p.196).

    Para Gutierrez (1997) o sucesso que este padrão estético alcança pode ser interpretado como uma valorização do momento atual enquanto tentativa de viver um eterno presente frágil e efêmero, composto de citações de todos os tempos, onde o traço de unidade se dá pela celebração do dinamismo, da velocidade crescente dos acontecimentos. Para David Harvey (1998) este efêmero e frágil associa-se a uma dimensão esquizofrênica do indivíduo na pós-modernidade, colocando que as acelerações nos tempos de giro na produção, na troca e no consumo produzem, por assim dizer, a perda de um sentido futuro, na medida em que tornam difíceis manter qualquer sentido firme de continuidade.

As práticas de lazer no mundo contemporâneo: o cinema, a pintura, o museu e o teatro

    O movimento pós-moderno não apresenta propostas definidas, nem coerências, tampouco linhas evolutivas. Deste modo, diferentes estilos convivem sem choques formando ecletismos e pluralismos culturais. Segundo Sevcenko (1993) não há grupos ou movimentos unificados. Além disso, ele não se desfaz do passado que é agregado ao pós-moderno, apenas o tradicional foi eliminado.

    Um clima de incertezas e uma dificuldade de sentir ou representar o mundo são as condições do pós-moderno. Diante da sensação de irrealidade, da desordem e do vazio, a sociedade cada vez mais se individualiza e se torna apática. Ela não encontra valores e sentido para a vida, somente se entrega ao prazer imediato e ao consumismo. Portanto, ela não desenvolve pensamentos profundos ou existenciais, mas apenas repostas rápidas e adequadas à era do consumismo exacerbado (Almeida, 2005).

    Nas práticas de lazer circulam livremente apropriações de objetos comuns, tecnologias e sínteses com materiais industriais e naturais, a fim de despertarem efeitos perceptivos sensuais, irônicos, sensoriais e de antagonismo no público (Fernández; Montoya e Bedoya, 2006). Os materiais são dispostos de modo a experimentar o que eles possibilitam de potencialidades para expressividades. Alguns museus de São Paulo, como o da língua Portuguesa, utilizam-se desta forma de interação com o público, ele não vê passivamente as obras, participa, vezes até como cenário. Em algumas peças de teatro isso é bem claro quando o público entra no presídio, no rio, nas galerias de esgoto, este é o sentimento da arte desintegrada pós-moderna de vivência e simulação.

    O cinema gira em torno do indivíduo consumista, hedonista e narcisista, ele é encarregado de explorar as sensibilidades remanescentes da sociedade na era da globalização, reforçando o pastiche e o simulacro. O filme "Matriz" põe em dúvida a realidade a partir do limite do virtual e do real.

    A pintura acompanha este mesmo movimento passando a ser concebida a partir de novos pressupostos: uso abusivo das cores, grandes formatos, uso de objetos do cotidiano adotados como suporte pictórico da obra, gestualidade, figurativismo e expressionismo.

As tendências nas práticas de lazer

    O alto nível do progresso tecnológico tem como decorrência uma transformação de valores na sociedade, propiciando novos dilemas e embates culturais. As práticas de lazer pós-modernas propõem um novo modo de ver o mundo, ligando linguagens artísticas a um tipo de realidade multifacetada, fragmentada e híbrida. Buscam manifestar sentimentos emotivos numa sociedade acusada de ser fria, calculista, apressada e ambiciosa (Huyssen, 1990).

    Uma primeira tendência possível das atividades de lazer é o fortalecimento da mobilização da moda em mercados de massa altamente individualizantes de públicos específicos. Com um forte meio de acelerar o consumo de roupas, estilos de vida e atividades de recreação (Oliveira, 2006). Uma segunda tendência será a exploração cada vez maior de bens de serviços - não apenas serviços educacionais, pessoais, comerciais, como também de diversão, espetáculo, eventos, distrações. O tempo de vida deste consumo é bem menor do que dos bens duráveis, por isso precisam de forte apelo midiático e transformações constantes.

    Em curto espaço de tempo as atividades ou modismos tornam-se obsoletos para o mercado de imagens. Na educação física pode-se colocar a "aeróbica" que deu lugar aos "Body sistem, body combat", que deu lugar ao "personal training" e que dará lugar ao modismo de gêneros, como academias temáticas.

    A mídia e o virtual conquistam espaços nas atividades de lazer. Reforçando a tese pós-moderna que não existe inovação, rupturas, apenas reciclagem daquilo que já foi constituído. O virtual simula o real, fortalece a idéia de simulacro, e ao mesmo tempo não constrói nada de novo. Podemos viajar virtualmente, sentir prazer, vivenciar uma aventura fantástica, conhecer e ler nas bibliotecas de todo o mundo.

    No mundo contemporâneo abriu-se mão da originalidade, em todos os sentidos. Ainda que inserida num já instalado mercado da cultura de massa, o lazer pós-moderno utiliza-se da reprodução não só enquanto materialidade, mas como tema, experiência estética, homenagem ou, num último estágio, laboratório virtual.

    Além disso, a tecnologia virtual permite a realização de fenômenos incabíveis no real. Tal facilidade estimula as experiências de reciclagem artística, ou colagem. Estilos artísticos opostos, músicas de épocas distintas, personagens marcantes (ou não), referências a outras obras. A brincadeira virtual é infinita, o que confere ao lazer pós-moderno uma metalinguagem. Se tudo já foi feito durante todo o século da modernidade, o que se pode fazer é misturar as influências e citações, para verificar qual o efeito das possibilidades combinatórias. Quanto mais declaradamente virtual mais divertido.

    Um exemplo que fortalece as afirmações anteriores é justamente o sistema de compras pela Internet. O comprador vê, em seu monitor, todos os produtos alinhados como na realidade. Passeando com seu mouse ele escolhe seus preferidos, e em algumas horas os produtos como que se materializarão em sua casa, depois que ele usar seu dinheiro virtual para pagar as compras. Nesse caso, fica a forte impressão de que o virtual simplesmente virou real.

    Será que viveremos em um mundo onde cientistas desenvolverão experiências com a utilização de sensores para reproduzir integralmente vivências humanas. Colocam-se óculos tridimensionais, vestem-se luvas sensíveis e roupas especiais, cheias desses sensores. Sem sair do lugar, correndo numa esteira rolante, o indivíduo experimenta sensações como escapar de um tiroteio, jogar futebol ou fazer sexo. Esta poderá ser a grande tendência do lazer. A busca por emoções virtuais, sem sair de casa fechado no mundo hedonista micro-estruturado, a mesma busca pela emoção que coloca Elias e Dunning (Almeida e Gutierrez, 2005). A busca do prazer se dará mais rapidamente com a possibilidade de sensações e simulações bem próximas ou idênticas à realidade.

    A bem da verdade os parques temáticos já exploram estas sensações com os cinemas interativos e brinquedos virtuais, no qual se preocupam com as experiências sensoriais dos consumidores daquele lazer.

    Cada vez mais a comunicação se tornará fortalecida e tudo leva a crer que a Internet será o grande meio de comunicação deste século, o mundo inteiro pode assistir não somente aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo, à queda de um ditador, a uma reunião de cúpula política, a uma tragédia, mas também a vida de pessoas comuns nos chamados shows da realidade. O filme "Show de Truman" discute exatamente qual controle temos na nossa vida e qual o limite do livre arbítrio na sociedade contemporânea. Indaga se é melhor deixarmos nossos sonhos e viver bem, ou viver no mundo caótico e desordenado que é o real. Freud dizia que o ser humano é um animal com prótese, neste caso a prótese virtual poderá substituir a própria necessidade orgástica do indivíduo? Será que a busca do prazer no lazer será mais instantânea, rápida e fugaz?

    A Internet exerce um crescente fascínio sobre as pessoas. Ela representa uma importante inovação em relação à televisão pelo fato de permitir uma proliferação de produtores de mensagens. Enquanto os fatores da produção televisiva se agregam em um complexo financeiro e infra-estrutural que praticamente determina a natureza oligopolista da exploração econômica do meio, os fatores da produção de sites na Internet são infinitamente mais baratos e menos complexos, permitindo, portanto, uma ampliação estrondosa da capacidade de produção de mensagens na forma de sites por parte de indivíduos e pequenas corporações.

    As salas de bate-papo, os blogs e o Orkut entre outras maneiras de interagir na Internet demonstram que há uma forma virtual de se relacionar com o mundo. Lá é possível contar a sua vida, os internautas lêem seu diário. A comunidade Orkut que você cria amigos, praticamente uma vida social virtual.

    Na televisão os diferentes tipos de reality show reforçam a idéia deste mundo hedonista com a vontade única de ser reconhecido. É o mundo de imagens que coloca Harvey (1998), os indivíduos buscam ampliar sua imagem e criar um mundo fantástico incoerente com a realidade, apenas as imagens, naquilo que "tudo que é sólido desmancha no ar". Este desprendimento da realidade realmente é um fator importantíssimo para se analisar as atividades de lazer. Porque na sua forma genérica a imagem apenas reproduz aquilo que já foi analisado das ações vazias e sem conteúdo, tudo vira apenas diversão rápida.

    Fica claro, portanto, que a busca pelo prazer no lazer casa-se perfeitamente aos símbolos pós-moderno de consumo, hedonismo, velocidade, reprodução cultural e inovação tecnológica. O lazer cada vez mais se torna a busca por momentos instantâneos e este consumo efêmero leva a desintegração das relações sociais e das formas interativas entre as pessoas. As atividades virtuais no lazer provocam um distanciamento daquilo que já foi por demais discutido da relação lazer e cultura e cultura como forma de sociabilidade. Por isso, devemos estar atentos a este processo de simulação e pastiche da sociedade contemporânea.

Conclusão

    Nas práticas de lazer contemporâneas assistimos as manifestações que se caracterizam pelas categorias pós-modernas, como é o caso do pastiche e simulacro. O pastiche seria a colagem de diferentes situações históricas em um mesmo contexto, exemplo do cinema e da literatura. O simulacro é a replica do real, como no uso das salas de bate-papo, parques temáticos e simuladores eletrônicos.

    O lazer é um campo vasto de expressão das categorias pós-modernas pela facilidade das experiências do tempo livre. A brincadeira virtual é infinita, conferindo ao lazer pós-moderno uma expressão múltipla na sociedade. O lazer espelha alguns dos atributos da sociedade pós-moderna como o individualismo, hedonismo, consumismo, reprodução cultural e simulação do real. Por isso acredito que o lazer influencia e é influenciado pela sociedade pós-moderna. O lazer representa, ao meu ver, a máxima exaltação do simulacro. Por isso devemos estar atentos e críticos a estas novas formas de manifestação do lazer.

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  • HARVEY, David. A condição pós-moderna. Trad. Adail Sobral e Maria Gonçalves. 7 ed. São Paulo: Layola, 1998.

  • HUYSSEN, Andréas. Guia del posmodernismo. In: El debate modernidad e posmodernidad. Org. Nicolas Casullo. Buenos Aires, Argentina: El cielo por asalto, 1993.

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  • OLIVEIRA, Cristina. Sobre lazer, tempo e trabalho na sociedade de consumo. In: http://www.efdeportes.com Revista digital - Buenos Aires - Ano 11 - N° 97- Junho de 2006.

  • SEVCENKO, Nicolau. O enigma pós-moderno. Campinas: Unicamp, 1993.

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