efdeportes.com
Mulheres faveladas: corpos e argumentos

   
*Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em EF da Universidade Gama Filho
**Professor doutor do Programa de Pós-Graduação
em EF da Universidade Gama Filho.
***Professor doutor do Programa de Pós-Graduação
em EF da Universidade Gama Filho.
 
 
Mestranda Joana Angélica Vigne*  
Prof. Dr. Hugo Rodolfo Lovisolo**  
Prof. Dr. Sebastião Josué Votre
sebastianovotre@yahoo.com
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Neste estudo sobre sete mulheres que realizam atividade física em uma academia localizada na favela-bairro Rocinha, no Rio de Janeiro, lançamos mão de procedimentos retóricos e lingüísticos para a análise e interpretação das falas das informantes, sobre as relações entre beleza e trabalho. Com base na interpretação dos discursos do grupo amostral, constatamos que a beleza é relativizada pelo contrapeso de outros valores importantes, porém, não menos sociais, como: estudo, educação, competência, responsabilidade, dentre outros.
    Unitermos: Mulheres. Beleza. Mercado de trabalho. Meio social.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 106 - Marzo de 2007

1 / 1

Introdução

    O interesse em valorizar o corpo e a aparência física está muito presente na sociedade atual. Imputa-se à tradição a valorização, mediante artifícios, da beleza da mulher. A característica principal da atualidade talvez seja a da expansão desse interesse tanto em termos de idade quanto de gênero. A obesidade, um traço negativo, se tornou alvo de crítica ainda no caso das crianças. No outro extremo, os idosos são convocados pela pastoral da atividade física e dos cuidados do corpo (Alves Junior, 2004). Cada dia aumenta o número de publicações especificamente dirigidas aos homens que lidam com os cuidados do corpo. Assim, os discursos sobre os cuidados do corpo - segundo parece - orientam-se crescentemente para persuadir e criar adesões práticas em todas as pessoas razoáveis, sem levar em consideração idade, gênero, raça ou classe social; portanto, o auditório para os argumentos parece ser universal. Estamos diante de uma poderosa retórica, dialética ou argumentação, sobre o corpo (Lovisolo, 2006).

    Três tipos de motivos baseiam os argumentos sobre os cuidados do corpo: estéticos, utilitários e morais. Os mesmos tipos de argumentos se reiteram na avaliação das condutas dos atores, quer assumindo valores positivos, quer negativos. Esta é uma hipótese heurística que permite organizar o ponto de vista dos atores. De forma mais concreta, pressupõe-se que juventude, beleza e saúde corporal são valores majoritariamente aceitos, que se transformam ou operam como motivos para a ação que pretende alcançar objetivos, isto é, o valor transformado em orientação prática da ação1. Os três valores aparecem como um metadiscurso que apresenta alta confluência de interesses materiais do Estado, das indústrias, do comércio e profissionais, dentre outros. Mais ainda, eles parecem definir-se por relações de transformação recíproca e, assim, saúde é beleza, beleza é saúde, juventude é saúde, saúde é juventude, beleza é juventude e juventude é beleza. Estamos diante de uma realidade de três dimensões e não podemos determinar onde começa e onde termina cada uma delas (Lovisolo, 2006).

    Embora a ação argumentativa sobre a beleza tenha tido -durante muito tempo no Ocidente- como principal auditório específico as mulheres, hoje nos defrontamos com um aumento poderoso de sua abrangência, o que nos leva a ter como referente um auditório pensado como universal. Temos, então, uma tendência que se perde na história, poderíamos dizer de longa duração, que valoriza os cuidados, especialmente estéticos, com o corpo, o rosto, a pele, o cabelo, dentre outros aspectos, da mulher. Essa tendência abandonou seu auditório específico e ora se dirige a um auditório universal2. Esta mudança cria um sério problema: parece difícil operar apenas com uma perspectiva de gênero que atribui, de modo bastante geral e recorrente, o discurso sobre a beleza a uma estratégia, consciente ou inconsciente, de dominação simbólica dos homens sobre as mulheres (Bourdieu, 2003).

    Uma questão importante é se a valorização -aqui entendida como crença posta em prática, coisa que nem sempre ocorre- vigora com maior força em certas categorias ocupacionais, especialmente dentre aquelas do setor de serviços, que impliquem relações face a face com os clientes. Algumas dessas ocupações pareceriam estar diretamente relacionadas com a aparência, por operar no campo amplo da estética pessoal. Uma dimensão da construção da aparência implica o trabalho sobre o corpo mediante exercícios físicos, controle e renúncia alimentar. O corpo tem um papel tão importante na sociedade que grande parte dos apelos da mídia está a ele relacionada, destacando a valorização, a busca e os cuidados com a moda, a estética e a juventude.

    Determinados bens de consumo, como atividades físicas, alimentos balanceados e intervenções estéticas, próteses de silicone, dietas milagrosas, incluindo-se aí também os corpos belos e esculpidos, são expostos pela mídia e veiculados pelo senso comum3 como alternativas de modificar o que não é aceitável em si e resgatar ou conseguir aquilo que agrade. Lovisolo (2006) ressalta a relação dominante e hegemônica da idéia da juventude, beleza e saúde -- sintetizada na sigla JUBESA -- que predomina no discurso do cotidiano. Diversas cifras atestam a abrangência dos negócios no campo da aparência pessoal. Retenhamos apenas que a Cidade do Rio de Janeiro conta com 1.700 estabelecimentos de atividade física, academias, com cerca de 680.000 participantes, e que continua com perspectiva de crescimento4.

    Este estudo baseia-se na observação participante e nos dados de entrevistas de mulheres de uma favela-bairro do Rio de Janeiro, a Rocinha, que realizam atividade física em uma academia local. Para as informantes deste estudo, os corpos que possuem e as roupas que vestem são símbolos de comunicação instantâneos, que podem mesmo prescindir da linguagem verbal para serem compreendidos. Conforme o corpo e as roupas usadas é possível ao indivíduo, num primeiro momento, inserir-se ou não em determinados grupos sociais. Segundo Lovisolo (1999) as avaliações de tipo utilitária, estética e moral são dominantes no campo das atividades relacionadas ao corpo.

    Para Stöer e seus colegas, o corpo transmite ideais, valores e interesses com os quais os indivíduos se identificam:

Existem diferentes fatores de inclusão / exclusão social do corpo. Uns podem ser, em grande parte, desencadeados e controlados pela pessoa, tais como: o uso do vestuário, o cuidado do corpo, a impressão de identidades corporais como os piercings e as tatuagens [...] (Stöer et al, 2004, p. 42).

    Estas são possibilidades crescentes da dita pós-modernidade em que a tecnologia e a ciência estão cada vez mais acessíveis, produzindo incessantes desejos e expectativas, valorizando a imagem e os símbolos. As crescentes possibilidades de modificar a aparência corporal deram lugar a debates críticos -- no campo das ciências sociais e humanas e na própria mídia. Não raro, os debates têm como eixo questões morais e efeitos psicológicos considerados como não desejáveis. Por exemplo, afirma Santos (2000, p. 13): "Com isso, somos levados a exagerar nossas expectativas e modelamos nossa sensibilidade por imagens sedutoras". De fato, poderíamos nos perguntar se seria possível formar nossa sensibilidade por imagens não sedutoras que, quase necessariamente, são construções retóricas e, por vezes, sofísticas, isto é, suas conclusões estão muito além de suas premissas explícitas.

    Uma parte das mulheres da Rocinha, cujo perfil é delimitado neste estudo, dedica-se aos cuidados estéticos: por meio de exercícios físicos em academia particular, pelo uso de cosméticos, de roupas na moda e de controle alimentar, com objetivo de aproximar-se crescentemente dos padrões corporais desejados e que, conforme foi relatado e observado ao longo do desenvolvimento deste estudo, estão presentes na mídia, sem ser específicos das camadas populares.

    Contudo, é possível postular uma aliança entre a razão estética e a razão prática ou utilitária. Em outros termos, a aparência, baseada em motivos estéticos, pode funcionar como passaporte para a obtenção de determinadas ocupações, tais como vendedoras, atendentes e garçonetes. A aliança entre o estético e o utilitário não pode, entretanto, ser generalizada, nem mesmo temos intenção de considerá-la enquanto dominante. Ela possui apenas um lugar na sociedade e no mercado.

    A aparência está também estreitamente relacionada ao campo da sedução. O corpo atraente pode funcionar como um instrumento ou arma de sedução, que atinge o desejo dos homens e os obriga a provar sua "virilidade". Cumpre-lhes demonstrar que merecem a beleza da mulher. Acredita-se que as mulheres, ao utilizarem seus corpos como arma de sedução, ao se tornarem poderosas mediante o corpo, também se tornam presa do esforçado trabalho de construir e manter o corpo sedutor: um arranjo de expectativas heteronomamente construídas. Poder-se-ia argüir que, em todos os campos, a maiores expectativas correspondem maiores sacrifícios. Arte, ciência, esporte, dança -e balé especialmente-, dentre outros campos de atividades, não escapariam ao ditado espanhol: "al que quiere celeste que le cueste". Aqui também é inútil generalizar e pensar que todas as mulheres pretendem atingir o poder da sedução corporal e que, ao mesmo tempo, ficam presas do trabalho de sua construção e manutenção. Há mulheres que escolhem outras vias de investimento e relacionamento. Entretanto, conforme o relato das mulheres entrevistadas, a manutenção e a busca de corpos enquadrados nos padrões vigentes são escolhas pessoais. Mais ainda, elas declaram que ao se adequarem ao padrão, obtêm vantagens profissionais e sociais. Estariam, em outros termos, ganhando poder, empoderando-se, no sentido de contar com mais e melhores recursos para atingirem seus objetivos? Um dos objetivos seria a denominada "liberdade negativa", no estar livre do controle de outros?

    O corpus do estudo são falas e atos de trabalhadoras, praticantes de musculação em uma academia de ginástica, localizada na favela-bairro Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, no período de fevereiro de 2005 até maio de 2006, moradoras do mesmo local, com idades variando entre 21 e 29 anos e com freqüência de 2 a 5 vezes por semana. A questão a investigar foi: em que termos o mercado de trabalho incentiva as mulheres que nele atuam a buscarem um corpo de acordo com padrões corporais vigentes? Procurou-se investigar: em que termos as mulheres verbalizam a relação entre o mercado de trabalho e aa busca de um corpo de acordo com padrões corporais vigentes.


Metodologia

    Este estudo tem como característica ser qualitativo5, utilizando procedimentos retóricos e lingüísticos (Votre, Lovisolo et al. 2006) como subsídio para a análise e interpretação das falas e informações das colaboradoras do estudo, praticantes de musculação em uma academia particular na favela - bairro Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro. Na análise privilegiamos a mensagem verbal, que expressa significados vinculados ao contexto de seus emissores, sendo a relevância empírica estabelecida pelo critério de saturação lingüística e retórica (Votre e Lovisolo, 2006).

    No processo de observação participante estabeleceram-se relações cordiais entre a pesquisadora, que atuou como estagiária, e as informantes, que foram selecionadas a partir da faixa etária, pois nem todas se encaixavam no pressuposto geral de pesquisa: o das relações entre a razão estética e utilitária. Após a realização das entrevistas, os textos foram transcritos; alguns excertos foram selecionados e analisados dentro da base metodológica acolhida.


As informantes

    Ao começar a freqüentar a academia, as características das alunas que mais despertaram a atenção foram a preocupação e os cuidados com a aparência nesse ambiente. Grande parte das alunas se produzia para ir à academia, usando roupas esportivas e tênis de marcas conhecidas e dispendiosas, como Nike, Adidas, Puma, Mizuno e outras da moda. Além desses artifícios, elas demonstravam preocupar-se com os cabelos, o uso de maquiagem apropriada, como gloss e batons de diversas cores e o uso de cosméticos e perfumes. Ostentavam enfeites do tipo brinco, colares, anéis e prendedores de cabelo, que valorizam e realçam sua beleza e charme, ora estando os cabelos presos, ora soltos, embora sempre usados com o fim de aliar a funcionalidade e o realce da beleza, assim como a valorização da sensualidade. O modo de se comportarem condiz com o ideal de feminilidade6 e manifesta-se como charme, cuidado, vaidade e delicadeza.

    Outra característica marcante apresentada pelo grupo foi a presença no mercado de trabalho nas áreas de serviços, comércio e interação com o público. A entrada e a permanência no mercado de trabalho permitem que estas mulheres se tornem economicamente independentes, total ou parcialmente, o que gera uma nova relação de ambos os sexos com o dinheiro e o poder simbólico e econômico. Lypovetsky (2000, p. 225) confirma: "[...] o que domina a nossa época é o investimento feminino na vida profissional [...]".


Academia

    A academia situa-se na parte baixa da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, local de muito movimento e fácil acesso para moradores e visitantes. Ocupa um prédio, no qual as atividades distribuem-se da seguinte maneira: no primeiro andar está a sala de ginástica, no segundo encontram-se os aparelhos de musculação para o desenvolvimento dos membros inferiores, e é onde prevalece a presença feminina. No último andar fica a aparelhagem de exercícios aeróbicos e desenvolvimento da parte superior.


Análise preliminar das entrevistas-piloto

    As entrevistas pilotos foram realizadas com dez mulheres praticantes de musculação com idades variando entre dezesseis e trinta e quatro anos.

    Os principais objetivos almejados com a atividade física apresentados pelas informantes são a estética e a saúde, sendo que algumas vezes a primeira opção vem seguida das opções antiestresse, preparação física e saúde. Assim, diante da primeira questão a resposta, como enfatiza Lovisolo já está codificada, isto é, as informantes declaram aquilo que está na mídia. Entretanto, ao longo das entrevistas, outros motivos se revelam, como a adequação ao mercado de trabalho e o desenvolvimento da auto-estima.

    Corpo bonito é citado como "nada exagerado", "nem gordo nem magro", "definido e magro", "é estar com tudo combinando, pernas, bumbum, braços e barriga". Grande parte dessas mulheres diz ter um corpo normal. Outras mulheres usam características negativas para se definirem: "gorda, com barriga, flácida, mais ou menos, triste ou insatisfeita".

    Os cuidados realizados no corpo são variados e os cremes para pele aparecem como os mais citados. Os cuidados com os cabelos, com a boa alimentação, evitando o consumo de refrigerantes, doces, frituras e massas, bem como a preocupação com a ingestão de bebidas alcoólicas, também foram destacados. Assim, estamos diante de recomendações popularizadas pela mídia. O tema central é o dos "cuidados de si".

    O grau de satisfação com o corpo é variado: quatro informantes se dizem "satisfeitas", quatro "insatisfeitas" e duas se sentem "mais ou menos" satisfeitas. Contudo, a maioria das entrevistadas, que responderam positivamente em relação ao grau de satisfação, declarou nunca estar totalmente satisfeita e sempre querer mudar alguma coisa, mencionando, por exemplo, o implante de silicone nos seios e a eliminação da barriga. Preocupações com a pele, altura e culote, são relatadas minoritariamente. Ou seja, mesmo entre aquelas que declararam estar satisfeitas, a vontade de aperfeiçoamento permanece viva e seus detalhes desejados são mencionados. Além dos "cuidados de si" temos o "aperfeiçoamento de si". Não parece oportuno reunir ambas as atitudes sob o mesmo denominador. Cuidar-se para não engordar não é a mesma coisa que aumentar o tamanho dos seios utilizando implante de silicone. Podemos intuir que o cuidar-se depende da atitude e ação do ator; como a higiene para os gregos. Entretanto, o aperfeiçoamento parece depender da ação de profissionais.

    As entrevistadas responderam de forma ampla, por vezes contraditória, à questão sobre a ajuda do corpo em situações específicas. A beleza corpórea feminina é dita como naturalmente bela, conforme o poetiza Molière. O corpo das entrevistadas lhes favorece vestirem determinado traje, e esse "ficar legal", para sua auto-estima, além de ajudar na hora de "procurar emprego". A respeito das situações em que o corpo as atrapalha, a maioria acredita que isso não ocorre; somente uma das alunas respondeu que se incomoda ao perceber que os homens se aproximam dela devido ao seu corpo.

    A musculação é considerada pela maioria como prazerosa; apenas duas informantes confessaram ser um "sacrifício" a que se submetem. As intervenções estéticas são bem aceitas por quase todas as alunas. Somente uma delas disse que jamais se sujeitaria a tais procedimentos, mas não soube explicar o motivo. Outras duas, que disseram ter medo de plástica, gostariam de fazer alguma coisa para melhorar. As intervenções estéticas mais escolhidas são a lipoaspiração e o implante de silicone, seguido de drenagem linfática e cirurgia plástica.


Análise preliminar das entrevistas definitivas

    A análise que se segue reúne as respostas selecionadas, de sete informantes que, de alguma forma, consideramos relacionadas à questão a investigar. Para cada uma das questões, listamos primeiro, as respostas positivas das informantes e, em seguida, as que qualificam, mudam ou negam a expectativa da pergunta. Fazemos uma paráfrase sintética das respostas do conjunto das sete informantes a cada questão. Por fim, tomamos as informantes como ponto de referência e verificamos as convergências e oposições nas respostas e os argumentos mais reiterados.

Primeira questão a investigar

    Em que termos o mercado de trabalho incentiva as mulheres que nele atuam a buscarem um corpo de acordo com os modelos de beleza da atualidade?

- Porque aparência hoje em dia é fundamental, não é pra outras coisas, é pra arrumar emprego..., pra... Acho que hoje aparência é tudo, principalmente pra arrumar emprego. (...) depende mesmo da capacidade do trabalho, responsabilidade que a gente tiver dentro do local.
- Vantagens, digamos... se eu de repente, for fazer uma entrevista como no meu trabalho eles dão privilégios para as pessoas magras, as gordinhas eles já descartam. Eu conheço também pessoas que já sofreram com isso. Até por ter o corpo mais gordinho perderam emprego. Na hora de executar, dependendo do que, acho que não influencia em nada não.
- Ah, isso com certeza. Sem dúvida nenhuma. Porque eu já trabalhei em shopping durante muito tempo, e você quando vai dar um currículo... acontecia na loja. Eles vão dar sempre preferência pra quem tem um corpo bonito, malhado, que uma roupa da loja cai melhor. Com certeza, aparência conta muito.
- Não. Acho que não tem nada a ver. À primeira vista, existe sim esse lado de olhar a estética da pessoa, pra empresa manter o padrão de pessoas bonitas. Mas em termos de capacidade no trabalho, não tem nada a ver.
- A capacidade, com certeza. Não adianta nada ter um corpo bonito e não ter nada na cabeça, não ser um bom funcionário. Só que para primeira impressão, acho que a pessoa ter uma aparência conta bastante.
- Ajuda. Porque a gente tem que ter aparência pra conseguir emprego, né?
- Acho que tudo. Todos os trabalhos precisam de uma boa aparência.
- O corpo ajuda, mas sendo que o estudo, a escolaridade também, né?
- Pro trabalho. É. Porque ter corpo bonito e não ter cabeça e não ser inteligente não adianta de nada, né?
- Ah, com certeza, como eu falei, pra arrumar um emprego, por exemplo, numa loja de roupa feminina. Se você for concorrer com uma menina um pouco mais gordinha, vamos supor, não é preconceito, mas com certeza a pessoal vai escolher uma pessoa que tenha um corpo mais legal, pra aquele estilo de roupa. Vai ser muito difícil arrumar um emprego com corpo fora do padrão.
- Acho que depende muito do trabalho, se você trabalhar com o público com certeza vai ajudar.
- Eu acho. Ah, pra tudo. Pra arrumar emprego, aparência ajuda bastante.
- Depende do que você vai fazer. Depende muito, porque se você for trabalhar do jeito que eu trabalho, você tem que ter um corpo legal e ter um pique porque eu trabalho em pé o dia inteiro, subo e desço escada o tempo todo, abaixo, levanto, pego tênis. Então, eu acho que se uma pessoa não tiver uma boa forma ela não consegue não. Ajuda bastante.
- A capacidade. O corpo. Pelo menos os meus patrões, eles vão mais pela capacidade e pelo seu talento.
- Ajuda, também. Pô. Eu nunca precisei arrumar emprego, mas, pô. Não sei nem o que responder. A capacidade.

    Os depoimentos são altamente convergentes. O mercado prefere e acena para as mulheres com corpo bonito dentro dos padrões estéticos vigentes. O corpo em forma, por outro lado, também é associado com a funcionalidade ou utilidade do trabalhador, principalmente com a velha conhecida resistência, já presente nas referências entre atividade física e trabalho no século XIX. Entretanto, o corpo passaporte, e em algum sentido certificado de funcionalidade, demanda a demonstração da existência do capital para efetuar o trabalho ou serviço: responsabilidade, capacidade, talento, cabeça, inteligência, estudo, escolaridade, dentre outras características. As entrevistadas listam tópicos importantes das fichas de avaliação de desempenho habitualmente usadas nas gerências de recursos humanos. As informantes concordam com o pressuposto da questão ao admitirem, em unanimidade, que a boa aparência é valorizada e utilizada como um dos requisitos exigidos pelo mercado de trabalho no momento da seleção. Ratificam a idéia de Dweek (2005) sobre beleza no trabalho como uma variável importante, podendo o corpo se tornar objeto de discriminação no mercado quando não satisfaz as exigências estéticas. Contudo, a beleza deve ir acompanhada pela capacidade, que é uma das características importantes para o mercado de trabalho, juntamente com a escolaridade, o talento e a funcionalidade. A boa aparência foi relatada como importante apenas no momento da seleção, como forma de se manter o padrão de pessoas bonitas na empresa. Entretanto, as informantes relatam que a capacidade de desenvolver um bom trabalho se sobressai à aparência, sendo fundamental para se manterem no mercado de trabalho. Parece que as informantes afirmam: a estética abre as portas, a capacidade as mantém abertas.


Segunda questão a investigar

    Até que ponto o meio social valoriza as mulheres que possuem os corpos que se assemelham aos modelos desejados pelo senso comum?

- Porque hoje em dia, infelizmente o pessoal visa muito isso: corpo, aparência, a educação. Tudo isso. São mais, como assim eu vou falar... São mais visadas, mais cativadas.
- Pra mim não tem importância nenhuma, é porque eu gosto de me cuidar mesmo.
- Não. Isso é relativo, dependendo da pessoa.
- Depende da educação, né? As pessoas que forem falar com uma pessoa que tem um corpo mais "avançado" do que uma com corpo bonito, vão mais pela educação.
- Até para me sentir bem. Me sentir bem, assim aonde eu chego... É para me sentir bem mesmo.
- Tem, tem sim. São mais faladas, mais admiradas, mais comentadas. Com certeza, tem.
- Como eu falei, para me sentir melhor, bem comigo mesma. Não assim pra mostrar pra alguém, não. Mais por mim mesmo, me sentir bem. Isso também depende muito do que a gente está falando, sabe? Se for numa amizade acho que não. Se for, digamos para executar um trabalho, pra arrumar um trabalho, acho que sim.
- Com certeza. Assim, se você está na rua ou em algum lugar, com certeza se você estiver bem fisicamente, bem vestida, bem... Com certeza, você vai ser mais cobiçada, do que uma mulher que não se cuida, que não liga pro corpo. Então, conta muito.
- Infelizmente é horrível de falar, mas existe. Se você chega em um lugar, e você for a gostosa, entre aspas, as pessoas, os homens com certeza vão vir mais até você do que uma pessoa que chegaria gordinha, entendeu?
- A importância, principalmente é para a minha saúde, né? É estar bem, colocar uma roupa e se sentir bem. Eu gosto muito de malhar. Eu malho há dez anos, eu gosto muito.
- Acho. Porque vai sentir ciúme, né? Porque é bonita, aí ele vai ficar com ciúme da mulher. Aí eles tratam ela melhor. Bem melhor com medo de perder também. Porque tem muitas festas que eu vou, eventos, que a gente vê um grupo de amigos juntos, aí chega uma mulher bonita, às vezes só tem tu de mulher e aí vai pro lado da menina, pra "tocar" a menina, pra "desenrolar" com ela.
- É, porque vamos supor em escola, quando a pessoa é mais gordinha sempre tem apelido, né? Quando é magro demais também tem, agora quem tem corpo normal, "saradinho" eles nem fala nada.
- Eu não tô aqui na academia pra ter um corpo bonito. Eu tô aqui pra perder peso, entrar em forma, Porque a gente aqui na academia não quer só ficar em forma, como amanhã ou depois não ter pressão alta diabetes, essas coisas assim.
- Porque eu acho que é a primeira impressão que fica quando a gente olha pra gente, vê que a gente tá bem, né? É a primeira impressão que fica, se você passar uma aparência cansada, mal tratada as pessoas vão te olhar de forma diferente do que se você tivesse uma aparência legal um corpo legal. O cartão de visita é a aparência.
- Se você está acima do peso é muito complicado de conseguir um emprego, até mesmo pelo preconceito das pessoas, às vezes tem uma pessoa gorda e as pessoas ficam comentando: Ah, olha o botijão de gás, baleia, não sei quê. Eu acho muito complicado isso porque as pessoas criticam muito, vê muito por esse lado de... O padrão de beleza tem que ser aquela estética mesmo, aquele padrão magra, sarada, e isso se complica muito, faz muito a cabeça das pessoas, principalmente da mulher. O psicológico da mulher fica muito... Com muita cobrança, eu tenho que estar legal, tenho que malhar, tenho que me cuidar, não posso ter estrias, ter celulite, isso tudo.
- Com certeza. Você sente a diferença. Os homens tratam bem melhor, as meninas que chamam mais atenção, que estão com o corpo mais em forma. Eles com certeza tratam melhor são muito mais gentis, isso aí sem dúvida.
- Primeiro: é você se sentir bem consigo mesmo. Você se olhar no espelho e falar: "caraca"! Eu tô bem pra "caramba". Ou então eu preciso melhorar. A importância pra mim, na minha opinião é... Primeiro lugar, sou eu. Eu me olhar e me sentir bem, é a primeira coisa que me vem à mente.
- Bom, o que eu já falei. Primeiro estar bem comigo mesma, me olhar no espelho e falar: Poxa, eu tô legal. Me sentir bem , ter uma auto-estima pra cima mesmo, poder ir à praia, poder pôr um biquíni legal, poder me olhar e falar eu tô bacana. Eu acho que primeiro de tudo você tem que se sentir bem com você. Também não adianta nada você estar com um corpo legal e ficar naquela paranóia de que eu tô gordinha, tô com celulite, tô com estria. Você tem que estar bem consigo mesmo. Eu acho que o primordial é isso. Eu tento o máximo possível, me olhar no espelho e pensar: Tô melhorando, tô legal. É isso.
- Eu acho que sim. Não todos. Existe exceção, mas a maioria deles vai muito pelo corpo.
- Ter um corpo legal leva bastante vantagem. Eu conheço um monte de gente que ganha a vida com o corpo. Tem um corpo bonito, tem um rosto bonito, tem um, cabelo bonito. Eu acho que ajuda bastante.
- Eu acho que mais pela saúde. Eu não vou muito pelo ser sarada pra mostrar pros outros. Eu acho que você tem que malhar mais pela sua saúde, porque às vezes as pessoas acha que academia é pra ficar bonita, sarada. Eu não acho que é só pra isso, muitas gente tá aqui é mais pela saúde, eu acho que é assim.
- É, mas eu conheço um monte de colegas minha que malha não pra ficar sarada, é mais por causa da saúde mesmo.
- Existe. Acho que a fora de forma, não sei. Eu acho que não. Nada a ver uma pessoa fora de forma ser mal tratada. Não, nunca vi não.
- Ah, não sei nem o que explicar... Ah, eu acho que a gente tem que preocupar com a aparência, né? Porque a aparência, pô!
- Também. Acho que pode sim. Hoje em dia, né? Todo mundo tem preconceito com alguma coisa com o corpo, com essas coisas assim. (breve silêncio) Eu acho que sim
- Ah, porque esses homens hoje em dia só querem mulher bonita. Eu conheço homem assim.
- Ah, eu acho que é tudo. O corpo é o corpo. O corpo sarado é tudo, eu acho.
- Acho que tem.... Pó, nem sei, sei lá. Essas garotas tudo querem ser melhor do que as outras...

    A confirmação sobre a valorização das mulheres bonitas pelos homens e as vantagens por elas obtidas estão presentes nas falas das entrevistadas. O corpo bonito desperta admiração, atrai, a ponto de existirem as que ganham a vida por terem um corpo, um rosto e um cabelo bonito. O leque de respostas ao reconhecimento, no entanto, é amplo e vai da crítica até a aceitação do reconhecimento dos outros, dos homens e do mercado de trabalho. Sob o pano de fundo da valorização do corpo pela sociedade, ergue-se um conjunto de modalizações, de "poréns", quase sempre de tipo moral ou baseados na recusa à descriminação das "feias" ou "gordinhas", sob o argumento de que não deveria ser assim. Se a sociedade valoriza tanto o corpo bonito, as saídas -à identificação com essa valorização- são as afirmações individuais da atividade com objetivos múltiplos: de saúde, de emagrecer, de se sentir bem, de fazer por elas mesmas e não pela admiração dos outros. A multiplicidade dos objetivos "moraliza" a busca da beleza e devolve ao ator autonomia sobre seus fazeres (liberdade negativa, liberdade da coerção externa ou social). O espelho, entretanto, parece ocupar o lugar do outro, pois elas declaram que gostam de si e se sentem bem quando se olham ao espelho. Malhar por saúde é moral, malhar apenas pela beleza deixa a desejar. Ou seja, o corpo bonito deixa de ser um meio para atingir uma finalidade (admiração, sedução, ganhar a vida) e se torna um fim para a própria pessoa. Neste sentido, a atividade se moraliza. Cuidar-se é cuidar do corpo e, cuidar de si, deve ser uma opção individual, pessoal. Embora exista pressão social para atingir padrões corporais, também existe a liberdade dos indivíduos, que podem ou não acatar as pressões. Mas, há o reconhecimento de que as garotas disputam entre si com seus corpos sarados. Qual é o sentido da disputa?. A darmos crédito a Bourdieu,

Incessantemente sob o olhar dos outros, elas se vêem obrigadas a experimentar constantemente a distância entre o corpo real, a que estão presas, e o corpo ideal, do qual procuram infatigavelmente se aproximar. Tendo necessidade do olhar do outro para se constituírem, elas estão continuamente orientadas em sua prática pela avaliação antecipada do apreço que sua aparência corporal e sua maneira de portar o corpo e exibi-lo poderão receber [...]. (Bourdieu, 2003, p. 83)

    Como vimos, as reações são variadas, nem unitárias, nem homogêneas. O mais fácil seria pensar que competem entre si pelo sexo masculino e, daí, derivar a relação com a dominação masculina simbólica. Como os homens também competem entre si, em vários planos, Bourdieu, por exemplo, no intelectual com outros intelectuais, podemos concluir que o fazem pelo apreço das mulheres e, então, pensarmos na dominação simbólica feminina mediada pelo desejo masculino das mulheres bonitas, atraentes, sedutoras. Tudo indica que nos deslizamos para o território da circularidade, onde a dominação simbólica aparece como um lugar comum da explicação sociológica determinista, embora não possamos enunciar as evidências de afirmação tão comum e, ao mesmo tempo, tão pesada para o futuro das mulheres, mais ainda, se considerarmos que o senso comum reflete o pensamento da dominação simbólica masculina, ao esperar que as mulheres cumpram seus papéis socialmente aprendidos de sedução, atração e beleza e que os homens cumpram os seus de responsabilidade, proteção e aprovisionamento. Assim, se os homens preferem as mulheres bonitas e sedutoras, as mulheres preferem os homens fortes, másculos, provedores, autônomos etc. No fundo, estamos em uma velha história na qual, e apesar das mudanças no campo do trabalho e do estudo, da participação crescente das mulheres neles, nem homens nem mulheres pareceriam poder se distanciar dos papéis tradicionais, como se constata na citação a seguir:

[...] o corpo feminino, ao mesmo tempo oferecido e recusado, manifesta a disponibilidade simbólica que, como demonstraram inúmeros trabalhos feministas, convém à mulher, e que combina um poder de atração e de sedução conhecido e reconhecido por todos, homens e mulheres, e adequado a honrar os homens de quem ela depende ou aos quais está ligada, com um dever de recusa seletiva que acrescenta, ao efeito de "consumo ostentatório", o preço da exclusividade. (Bourdieu, 2003, p. 40).

    Bourdieu se trai, pois se o que afirma é reconhecido por todos, se estamos diante de lugares comuns, para que escrever sobre isso? Se pouco muda nos relacionamentos entre os desejos de homens e mulheres -- apesar da mudança econômica, ocupacional, educacional, cultural e social -- não deveria Bourdieu se inclinar por uma hipótese biológica, ao invés de reiterar o determinismo social e simbólico, para explicar a permanência das condutas que inúmeros trabalhos feministas descrevem? Talvez, apenas estejamos em um tempo no qual o aprendizado cultural dos valores de juventude, beleza e saúde, tem maior poder de explicação (Lovisolo, 2006) do que a dominação simbólica masculina. Mais ainda, quando a procura desses valores se espraia por pelos gêneros e pelas idades.


Terceira questão a investigar

    Quais são as estratégias e táticas utilizadas por essas mulheres, para partilhar o poder?

- Eu acho que eu não vou conseguir mais nada. O que eu tinha que conseguir, eu já consegui, um trabalho, uma pessoa legal que vive comigo. Consegue, isso conseguem.
- Eu não conto com isso não. Eu me cuido por me cuidar mesmo, mas não é pra me prevalecer do meu corpo não.
- Pra mim eu acho errado da parte dela, né? Porque não tem capacidade de correr atrás de trabalho e ter um objetivo na vida, mas infelizmente nosso mundo é assim. Tem muitas que usam o corpo pra se prevalecer e ter as coisas.
- Conseguem. Conseguem, sim. Claro, pra aquelas que o objetivo seja esse, né? Mas conseguem.
- Eu acho que elas estão certíssimas. Se elas estão se cuidando pra isso, se elas até sofrem pra isso, em relação ao que comer, ao que não comer. Eu acho que elas estão certas. Com certeza elas estão certas.
- Bom, no meu caso eu quero ter o corpo bonito para me sentir bem. Mas eu não espero nada, além de me sentir bem, mas não espero nada dos outros além de me sentir bem, que venha dos outros, nada.
- Eu não acho que é um meio legal, mas eu não sei, não vou julgar. Acho que cada um, com seu cada um. Eu acho que se for sem passar por cima de ninguém, ou ser uma coisa ruim, ou uma coisa que possa fazer mal a outra pessoa. Não sei.
- Que o que ela tem de mais bonito. Se ela não fosse bonita ela não iria usar a "boniteza" dela. A vantagem que ela ia ter, se fosse inteligente também, é arrumar um trabalho, se envolver com uma pessoa que tenha um padrão mais evoluído do que o dela. É isso.
- Ah, com certeza. Uma mulher com corpo legal, uma mulher atraente, uma mulher bonita consegue muita mais vantagens, empregos, em tudo onde ela entrar, em qualquer lugar que ela entrar ela vai ser muito melhor tratada do que outra pessoa, do que uma menina que não é tão bonita, que não chame tanta atenção.
- E é óbvio se você tem um corpo legal, porquê não usar também esse artifício? Acho que é legal você se cuidar e usar também a beleza pra conseguir algumas coisas também. Eu acho que é válido, com certeza. É com certeza mais uma vantagem que você vai ter em cima da outra pessoa, com certeza.
- Tem, tem bastante. Se você for à praia então você vê que elas têm bastante. Ah, não sei, eu acho estranho. As mulheres aqui que têm um corpo bonito, são todas "saradinhas", todas bonitinhas os homens olham muito mais. Eu queria entender o porquê disso, mas existe.
- Eu não sei. Pra mim eu acho que elas não são inteligentes, porque ela usa o corpo pra conseguir as coisas, eu não acho que isso é uma pessoa inteligente. Na minha opinião não é. Acho que, poderia existir outros tipos de coisas do que mostrar o corpo. Na minha opinião isso pra mim... Na minha opinião eu não usaria meu corpo pra...
- Elas usam de sua beleza e seu charme. Ah, elas têm o charme delas, lógico, mas elas usam muito mais o corpo, né? Apesar, de hoje em dia as mulheres estão muito preocupadas com isso, com a aparência, com o corpo. Não sei. Eu acho que elas deveriam estudar, correr atrás de outro tipo de coisas. Eu acho que nenhuma delas pensa em estudar, fazer curso, aprender pra que ela possam ganhar a vida de outra maneira ou ajudando as pessoas. Eu vejo que é muito pelo corpo, pela aparência, sabe? Acho que não é bem assim, né?
- Sinceramente, eu acho que é válido. Mas não assim levar isso ao pé da letra, como a única coisa que você tem de legal. Usar só o seu corpo como se fosse a única coisa que você tivesse, mesmo porque aquela beleza não vai durar para sempre. Eu acho que você tem que trabalhar muito mais o psicológico, muito mais a sua cabeça.
- Quando eu tô a fim eu vou. Se for o que eu quero, eu vou, jogo o meu charme e consigo. Nem sempre eu consigo, mas algumas coisas eu consigo. Eu acho que tá. Se ela consegue o que ela quer, eu acho que tá.
- Não consegue tudo, não. Mas se consegue alguma coisa. Nem tudo se consegue, só porque se tem um corpo bonito. O que adianta ter um corpo bonito e não saber nada das coisas, né?

    Obter vantagens com a aparência é um recurso utilizado pelas mulheres bonitas. Mas o ato de se cuidar apenas para este fim é criticado. As informantes admitem que as mulheres bonitas possam ter vantagens em algumas situações como, por exemplo, a realização de uma entrevista de trabalho, onde as "gordinhas" são descartadas e as "magrinhas" obtêm privilégios. As informantes defendem as vantagens para justificar tais benefícios; podem, então, sacrificar-se para serem bonitas. Há uma idéia que parece ser aceita: a beleza não é gratuita, dependente de sacrifícios. A idéia de sacrifício é poderosa. E esses sacrifícios são realizados para se obterem vantagens, sejam elas espirituais, materiais ou simbólicas. Uma forma de moralizar é entender a melhoria do corpo como opção própria, sem esperar nada dos outros, demonstrando que se aceita a idéia das vantagens, mas a mesma não é compartilhada como base moral da escolha pessoal. As mulheres bonitas são bem tratadas pelos homens, mas nem sempre se concorda com essas atitudes, pois se acredita que a aparência toma muito espaço na vida das mulheres e estas deveriam se preocupar mais em estudar e trabalhar. Nem sempre se consegue apenas com a beleza e o charme, embora se admita utilizar seus recursos.

    Resumindo: para as informantes, as mulheres bonitas valem-se de artifícios para conseguir vantagens ou se sobressaírem entre as demais. Entre os benefícios estão: emprego, melhor tratamento e aceitação por pessoas de ambos os sexos. Algumas ressaltam que as mulheres, ao agirem dessa forma, estão certas, pois se sacrificam para se manterem belas utilizando-se de recursos próprios e não envolvendo terceiros.

    O caminho da beleza parece ser uma estratégia válida de obtenção de relacionamentos, de bens; talvez, de poder. Neste estudo, os padrões corpóreos vigentes de sedução e atração são citados como posses valiosas, patrimônio, passaporte. Entretanto, mesmo afirmando a possibilidade da utilização dos recursos estéticos, algumas informantes não são favoráveis às atitudes de usá-los como meios para obterem benefícios. Algumas dizem que não esperam nada de outros, afirmando que as mulheres deveriam ter outros objetivos na vida, ou seja, estudar e trabalhar, aumentando autonomia do si mesmo ou, em outros termos, a liberdade negativa, o estar livre da opressão.


Conclusões preliminares

    A idéia inicial deste estudo sobre o mercado de trabalho como um dos fatores incentivadores pra a busca e manutenção de corpos, conforme os padrões corporais vigentes em nossa sociedade, foi confirmada. Entretanto, pudemos perceber que a preferência pela aparência corpórea ocorre prioritariamente no momento da seleção. Nos momentos posteriores, no trabalho, outros atributos têm preferência, tais como a capacidade e a escolaridade.

    O meio social valoriza as mulheres que possuem corpos de acordo com os padrões estéticos, embora seja difícil sustentar que estamos apenas diante da perpetuação dos ideais da dominação simbólica masculina, que valorizaria e melhor trataria as mulheres sedutoras e atraentes. As idéias de juventude, beleza e saúde aparecem como escolha pessoal e não como imposições, no caminho de se sentir bem consigo mesmas. Sentir-se bela, jovem e saudável parece configurar o se sentir bem consigo mesma. Ao mesmo tempo não se ignora a pressão dos valores sociais. Tudo indica que estamos no território dos dilemas: como se sacrificar pela beleza sem sentir que apenas se está seguindo um mandato social que, por vezes, é até injusto? A beleza, então, é relativizada pelo contrapeso de outros valores importantes, porém, não menos sociais: estudo, educação, competência, responsabilidade, dentre outros. A absolutização do valor da beleza parece ser rejeitada.

    Estamos no mundo agostiniano descrito por Hirschman: as paixões, as libidos, deviam ser compensadas para Santo Agostinho; nossas mulheres faveladas pretendem compensar os valores orientadores da ação.


Notas:

  1. Cf. Lovisolo (1995).

  2. Usamos como referência as elaborações sobre a teoria da argumentação, com destaque em particular para a obra de Chaim Perelman (PERELMAN E TYTECA, 2005; PERELMAN, 1993) em sua definição e conceituação da “nova retórica”. Uma boa introdução ao tema é a de Reboul (1998).

  3. Entendemos por senso comum o conjunto de opiniões geralmente aceitas pela maioria, em determinada época. As opiniões contrárias podem ser vistas como extravagâncias individuais e, de modo extremado, como aberrações.

  4. Estes dados foram fornecidos pela Associação Brasileira de Academias ao relatar o faturamento em torno de R$375,00 milhões anuais, estando o setor em crescimento. Estas informações foram obtidas via e-mail. Não fazem parte da estatística da ACAD, as academias localizadas em favelas.

  5. Os métodos qualitativos têm como finalidade interpretar as particularidades de um fenômeno (fato, evento acontecimento, processo, sentimento, ocorrência, entre outros) a partir do seu significado para um determinado grupo social a ser pesquisado (Goldenberg, 2000).

  6. Partimos da idéia de que os sexos têm características e atitudes socialmente aprendidas, cultivadas e esperadas. Para as mulheres cabe atitude delicada, sensual e discreta, enquanto que para os homens as expectativas apontam a força e a virilidade.


Referências bibliográficas

  • ALVES JR, Edmundo de Drummond. A pastoral do envelhecimento ativo. Tese de doutorado em Educação Física, UGF, 2004.

  • BADINTER, Elisabeth. Rumo Equivocado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

  • BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

  • DWECK, Ruth H. O impacto socioeconômico da Beleza-1995-2004. Atualização do estudo intitulado: serviços de higiene pessoal: a beleza como variável econômica - reflexo nos mercados de bens e serviços. Niterói, 2005, inédito

  • GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

  • LYPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

  • LOVISOLO, Hugo. "Personal Training": estética, utilidade e moralidade, vol. 19, n. 1, dezembro de 1999, Revista Artus, 1999.

  • LOVISOLO, Hugo. Em defesa do modelo JUBESA. In: BAGRICHEVSKI et al. (Org.). A saúde em debate na educação física. Blumenau, Nova Letra, p.157-178, 2006.

  • PERELMAN, Chaim e Tyteca, Lucie Olbrechts, Tratado da Argumentação. São Paulo. Martins Fontes, 2005.

  • PERELMAN, Chaim. O império da retórica. Portugal. Ediçõs ASA, 1993.

  • REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. São Paulo. Martins Fontes, 1998.

  • SANTOS, Jair F. O que é pós-modernismo? São Paulo: Brasiliense (Coleção Primeiros Passos), 2000.

  • STOER, Stephen R.; MAGALHÃES, Antônio M.; RODRIGUES, David. Os lugares da exclusão social: um dispositivo de diferenciação pedagógica. São Paulo, 2004.

  • VOTRE, Sebastião e LOVISOLO, Hugo. Resenha de Manual de análise do discurso em ciências sociais. Rio de Janeiro: UGF/PPGEF, 2006, inédito.

  • VOTRE, Sebastião; LOVISOLO, Hugo et al. Princípios e procedimentos para análise e interpretação de texto. Rio de Janeiro: UGF/PPGEF, 2006, inédito.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Google
Web EFDeportes.com

revista digital · Año 11 · N° 106 | Buenos Aires, Marzo 2007  
© 1997-2007 Derechos reservados