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O lazer na pós-modernidade

   
Doutorando do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Educação Física da Unicamp
(Brasil)
 
 
Marco Antonio Bettine de Almeida
marcobettine@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo é parte da discussão da tese de doutorado "Lazer no Brasil do nacional-desenvolvimentismo à globalização", que tem como foco as discussões da pós-modernidade e algumas interpretações das atividades de lazer ultra-contemporâneas. Primeiramente discutir-se-á as teorias e conceitos pós-modernos, posteriormente interpretar-se-á as transformações artísticas e culturais, para finalmente colocar as tendências do lazer no mundo contemporâneo.
    Unitermos: Lazer. Pós-modernidade. Brazil
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 105 - Febrero de 2007

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1. Conceitos teóricos

    Pós-modernidade é uma categoria utilizada por um grupo de teóricos, que se refere às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades desde 1960, quando o cotidiano foi invadido pela tecnologia eletrônica, visando saturações de informações, diversões e serviços que produziram um mundo de simulação (ZAJDSNAJDER, 1992).

    Um dos autores que discutem o tema é David Harvey (1998). No trabalho intitulado "A Condição Pós-Moderna" o pesquisador aponta que a pós-modernidade é fruto dos avanços sociais, políticos e culturais da modernidade. A pós-modernidade nasce da modernidade, na verdade a modernidade era o período de "gestação da pós-modernidade", colocando que os avanços tecnológicos, como a microeletrônica, a Internet, a robótica, que hoje permitem uma nova forma de vivenciar o contemporâneo, são, na realidade, frutos da própria modernidade. Para Harvey a modernidade é condição para pós-modernidade. Esta condição não é interpretada como sucessão histórica, e sim pelos elementos do pós-moderno que já existiam na própria modernidade, eles foram acelerados pelos acontecimentos sociais das últimas décadas, como o fim do socialismo real e da bipolarização mundial, o fim dos meta-relatos e dos sonhos de transformação, a decadência da organicidade e funcionalidade do modernismo.

    Para Berman (1993) não existe necessariamente uma condição pós-moderna, mas uma transformação radical das bases da modernidade, como o fim da idéia do iluminismo e descrença na racionalidade. O autor exemplifica esta situação através dos contra-pontos entre viver em uma sociedade repleta de conquistas da modernidade, como celular, Internet, robôs, biomedicina, genética e ao mesmo tempo as guerras nucleares, biológicas ou lixos tóxicos. Em outras palavras, o mundo contemporâneo, por um lado nos promove poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo, por outro lado este mesmo mundo pode ser destruído. Este sentimento contemporâneo, de acordo com Berman (1986), mostra a crise da racionalidade, porque temos os melhores aparatos, podemos viver até os 100 anos, podemos trabalhar menos e ao mesmo tempo temos a crise nuclear no Oriente Médio, a AIDS na África e a exploração do trabalho infantil na América do Sul.

    A união contemporânea do mundo pela eletrônica também nos leva a desunião, vivemos desintegrados em conflitos e contradições de ambigüidade e angustia. "Viver no mundo contemporâneo, para Berman (1993, p.67), é parte de um universo, como falou Marx 'tudo que é sólido desmancha no ar'".

    Berman (1986) complementa as discussões de Harvey (1998) ao colocar que o modernismo tinha visões de transformação do mundo. Estas visões foram orientações ativas da história, para ajudar o homem a viver mais comodamente. Todos as iniciativas, segundo o autor, fracassaram, mas surgiu uma vontade de imaginar e vivenciar o dia. Esta falta de vontade de pensar no futuro marca a esterilidade da modernidade, o fim do seu projeto racional de viver melhor, marca a decadência do iluminismo.

    Anderson (1993, p.93) caminha neste mesmo sentido ao declarar que o "ser pós-moderno é encontrar-se em um ambiente de aventuras, poder, alegria, desenvolvimento, sem transformação". Os ambientes e as experiências contemporâneas passam todas as fronteiras da geografia e das etnias, das classes e das nacionalidades, das religiões e das ideologias. Neste sentido se pode dizer que a pós-modernidade une toda a humanidade. Mas se trata de uma união paradoxal, uma união da desunião. Nos introduz a todos os redemoinhos de desintegração e renovação, de lutas e contradições, de ambigüidade e angustias perpétuas.

    Para Lyotard (1993, p.166) o pós-moderno seria aquele que alega o que não existe na modernidade, aquele que nega a consolidação das formas belas, consumo da nostalgia e do impossível. Lyotard (1993) aponta que a beleza das artes e da estética, a busca da áurea nas obras, com o advento da pós-modernidade chegou a um exagero daquilo que Benjamin (1985) chamava de era da reprodutibilidade técnica, o pós-moderno é apenas simulação sem conteúdo histórico definido ou clareza nas intenções dos autores, o importante é a imagem pela imagem.

    Harvey (1998) recupera alguns estudos de Benjamin para mostrar a perda da áurea que ocorre com a modernidade e que ganha sentido na pós-modernidade. Na modernidade ainda se faz à crítica a este tipo de arte, o pós-moderno, diferentemente, assume a simulação como arte. A reprodutibilidade técnica torna-se uma forma de arte no pós-moderno.

    O movimento pós-moderno aparece num nível como sendo o último modismo, isto é, a obra de arte defendida por Benjamin é destituída de significação e no seu lugar entra a "arte" publicitária. Nela encontramos um espetáculo vazio sem conteúdo ou sentido de arte como obra, ela é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, ocorrendo uma mudança da sensibilidade nas formas de integração e relação social. Exemplo disso são as músicas de protesto ou poemas dos concretistas utilizados em propagandas de veículos ou perfumes.

    O termo pós-moderno, para Harvey (1998), significa exatamente esta transformação. Segundo os autores que defendem a pós-modernidade como Jameson (1996), Subirats (1993), Eagleton (1990) e Huyssen (1993) em qualquer dos aspectos institucionais ou tecnológicos, frente ao progresso do nosso tempo, nos chocamos com o mesmo fenômeno cultural de desintegração. Primeiramente com a crise da idéia do sujeito pessoal, liquidação das concepções históricas, filosóficas e religiosas, que mantinham a idéia de dignidade humana, liberdade, integridade física, moralidade ou gosto estético; posteriormente ocorreram os fenômenos sociais de flagrante dissolução social e com desesperada desintegração, como a onda terrorista, os conflitos urbanos e os crimes organizados, todos estes acontecimentos participam do progresso desordenado e caótico.

    Os textos consultados apontam para seguinte afirmação, a própria tecnologia que facilitaria a vida pode destruir a existência humana. Este é o grande paradoxo e conflito dos pós-modernos, avançar com as técnicas pela racionalidade instrumental e viver melhor, mas ter a preocupação que estes avanços também podem servir para extermínio do homem.

    Não existe, portanto, uma ideologia racional da tecnologia, ela é algo sem identidade dependentes da vontade dos homens. O sonho de modernidade de limpeza que assistimos no filme Metrópolis acabou. A condição pós-moderna, por sua vez, surge da encruzilhada entre uma crítica social e uma expectativa de esquerda que se sentem obsoletas, tanto teórica como politicamente, frente às novas tecnologias. Nesta encruzilhada o primeiro que se encontra é o vazio.

    Subirats (1993, p.225) nos traz um exemplo interessante desta nova condição pós-moderna, discorre o autor sobre os punks, moda que exige os signos de identidade, um ascetismo militante, símbolos agressivos que flutuam na representação de poder, a expressão da opressão (ferro, ombreira, espinhos), tudo isso coroado com a cor negra da morte. O emblema ideal da pós-modernidade seria um homem vestido como punk e jogando ou trabalhando no computador. Uma imagem difundida na ciência e ficção que hoje pode ser encontrada facilmente na realidade.

    Para Wellmer (1993, p.317) a pós-modernidade seria uma modernidade sem lamentos, sem a ilusão de uma possível reconciliação entre jogos de linguagem, sem nostalgia da totalidade e nem da unidade, falta de reconciliação dos conceitos e perda da sensibilidade, falta de experiência transparente e comunicável, em uma palavra, uma modernidade que aceita a perda de sentido, de valores e realidade com uma jovial ousadia. "Na verdade a pós-modernidade é a modernidade sem utopias".

    Os autores que defendem a pós-modernidade colocam que as transformações da sociedade não ocorreram somente na forma de vestir, falar, vivenciar o contemporâneo, ou nas artes, existem elementos objetivos como a economia e a organização do trabalho produtivo como fortes indícios de construção de uma nova forma de ver o mundo.

    Na modernidade havia concentração e centralização do capital industrial, bancário e comercial em mercados nacionais; ocorria o desenvolvimento de organizações coletivas e negociações em regiões e nações-Estado; havia a estreita articulação entre os interesses do Estado e os do capital dos grandes monopólios e aumento do Estado de bem-estar-social de base classista; tinha a expansão de impérios econômicos e controle da produção e de mercados no exterior; ocorria a hegemonia da racionalidade técnico-científica; as indústrias extrativo-manufatueiras eram as grandes fontes de emprego.

    Já na Pós-modernidade há na verdade a desconcentração do poder corporativo em rápido crescimento com relação aos mercados nacionais; crescente internacionalização do capital e, em alguns casos, separação entre capital industrial e capital bancário; declínio relativo/absoluto da classe trabalhadora e da eficácia da negociação coletiva; ocorre a industrialização de países do Terceiro Mundo e desindustrialização de países centrais, que se voltam para a especialização em serviços; ocorre a fragmentação cultural e pluralismos, aliados ao solapamento das identidades tradicionais ou de classe; sentimos o declínio da dimensão da fábrica propiciado pela dispersão geográfica, pelo aumento da sub-contratação e por sistema de produção global (HARVEY, 1998, p.165, 166).

    A aceleração do tempo de giro na produção envolve acelerações paralelas na troca e no consumo. Sistemas aperfeiçoados de comunicação e de fluxo de informações, associados com racionalizações nas técnicas de distribuição (empacotamento, controle de estoques, retorno ao mercado), possibilitaram a circulação de mercadorias no mercado a uma velocidade maior. Os bancos eletrônicos e o dinheiro de plástico foram algumas inovações que aumentaram a rapidez do fluxo de dinheiro inverso. Serviços e mercados financeiros também foram acelerados, caso dos mercados globais de ações (HARVEY, 1998, p. 257).

    Antes de interpretarmos as atividades de lazer contemporâneas à luz das discussões colocadas convém inicialmente ponderar que a idéia de um mundo pós-moderno pressupõe a ruptura com a modernidade. Segundo Gutierrez (1997) neste momento surge a primeira dificuldade teórica, uma vez que a ruptura em si não especifica um tempo pós-moderno, pelo contrário, afirma a continuidade de uma modernidade marcada por revoluções e transformações. Os exemplos mais claros destas transformações deram-se na arquitetura, música, dança e pintura. "Sua forma de se apresentar na sociedade se dá pela aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. O profundo caos da vida moderna e a impossibilidade de lidar com ele utilizando o pensamento racional" (HARVEY, 1998 p. 49). Para Gutierrez estes acontecimentos existem, mas são partes de um aprofundamento do mundo moderno.

    O caminho possível para mudança de visão do mundo utilizada pelos pós-modernos seria a do esgotamento do projeto iluminista fundamentado em relação renovada com os clássicos e numa confiança infinita na evolução da ciência, do conhecimento e em permanente melhoria das condições políticas e morais da sociedade. Projeto este que acabara a partir da existência de um mundo kafkaniano, assolado pelos fantasmas de Auschwitz e Hiroshima (GUTIERREZ, 1997).

    A interpretação habermasiana sobre os pós-modernos vai no mesmo sentido que Gutierrez ao afirmar que o projeto da modernidade ainda está incompleto. Para Habermas (1993, p. 112): "a marca distintiva do moderno é o novo, que é superado e condenado a ser obsoleto". Continua Habermas afirmando que a cultura moderna penetrou na vida cotidiana e hoje nos vemos infestados de modernismos. A vontade de auto-realizações ilimitadas, a vontade de vivenciar novas experiências, a confiança na ciência e a possibilidade de comunicação são fortes indícios de que o moderno ainda não terminou.

    Mesmo com as críticas ao projeto pós-moderno, os autores que defendem o novo conceito colocam que há a renovação de projetos para a humanidade, e que ocorreram as falências das teorias de grande alcance explicativo, do relato científico, da síntese da crença na racionalidade, tornando-se meros relatos especulativos (CASULLO, 1993, p. 60). A crítica feita à ciência deu-se principalmente por Lyotard (1986) no livro "O pós-moderno" que coloca a dinâmica da ciência presa aos jogos de linguagem, defendendo que a ciência é mera especulação e arremedo de teorias, que se reproduz na linguagem com uma dinâmica própria que se distancia cada vez mais da realidade.

    Este relativismo é pernicioso, justamente por tornar a discussão vazia de sentido. Se cada qual tem sua verdade, não há necessidade de levar a sério os argumentos de outrem ou de justificar as nossas próprias idéias, que também seriam apenas pontos de vista. Um desleixo intelectual que é problemático, pois se todos os discursos se equivalem como meras "narrativas", então somos levados a admitir que mesmo os preconceitos racistas, sexistas e toda forma de fundamentalismos religiosos são igualmente legítimos.

    Outros aspectos relevantes para entendermos os pós-modernos são a paixão pelo pastiche e simulacro. O pastiche é a colagem indiferenciada de referências estéticas de distintas origens. Isto fica evidente na arquitetura, onde um prédio possui arcos romanos, torres góticas, telhados chineses e concretos modernos. Simulacro seria a transformação de aparência formal numa espécie hiper-realidade, através da repetição e ampliação que só os recursos técnicos atualmente existentes tornam possíveis. "Por simulacro designa-se um estado de réplica tão próximo da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebido" (HARVEY, 1998, p.196).

    Para Gutierrez (1997) o sucesso que este padrão estético alcança pode ser interpretado como uma valorização do momento atual enquanto tentativa de viver um eterno presente frágil e efêmero, composto de citações de todos os tempos, onde o traço de unidade se dá pela celebração do dinamismo, da velocidade crescente dos acontecimentos. Para David Harvey (1998) este efêmero e frágil associa-se a uma dimensão esquizofrênica do indivíduo na pós-modernidade, colocando que as acelerações nos tempos de giro na produção, na troca e no consumo produzem, por assim dizer, a perda de um sentido futuro, na medida em que tornam difíceis manter qualquer sentido firme de continuidade. O exemplo que é utilizado por Gutierrez (1997) refere-se a sub-contratação como tendência da flexibilização dos mercados, pensa-se em contratar pautado em algo impalpável como as condições dos mercados futuros. Trata-se de perceber a sociedade por uma "colcha de retalhos composta de diferentes situações, em que o ritmo acelerado inspira a nostalgia de um presente constante e imaculado" (GUTIERREZ, 1997, p.124).

2. As produções artísticas no mundo contemporâneo

    Desde a época de Walter Benjamin muita história moderna se passou, de modo que o que ele estudou como reprodutibilidade técnica ganhou um novo sentido quando da crise do moderno. Trata-se, mais uma vez, da diferença entre os meios técnicos da produção artística e do conteúdo do produto cultural em si. Benjamin (1995) descreveu a reprodutibilidade como um recurso de produção material da arte moderna - inserida num mercado de cultura de massa -, o que destituiria a obra de arte de sua aura: a originalidade. O que não impediu que os movimentos e vanguardas modernistas tivessem como orientação justamente a originalidade temática ou estética de sua produção artística.

    Na pós-modernidade o desejo de algo inovador não existe, assim louva-se a própria reprodução.

    Heloísa Buarque de Hollanda (1990) coloca que a cultura pós-moderna chegou ao Brasil nos finais dos anos 1980. As análises da autora das edições da Bienal de São Paulo de 1983 e de 1985 mostram justamente a tendência ao pós-moderno, estas mostras serviram para propagar na órbita do mercado de arte e do mecenato institucional do país a "pirâmide da felicidade" em que havia se transformado mundialmente o fenômeno.

    Segundo a autora as transformações seguiram a agenda de críticos de jornais que plantaram as idéias. O pós-moderno serviu para ocupar o vazio cultural da época da ditadura, absorvendo novos elementos sem a crítica dos anos de 1960, como a poesia de Goulart.

    A explosão de vitalidade artística observada nos anos 80 foi, desde o início, agenciada ideologicamente por um pequeno grupo de jornalistas cariocas e paulistas com tradição no circuito de arte. Apresentando os jovens artistas ao público como representantes de uma 'nova geração' que surgia para ocupar o Vazio Cultural da década anterior, eles aproveitaram dois grandes impulsos ideológicos oriundos de campos distintos, mas convergentes quanto aos seus objetivos estratégicos. De um lado, no campo estético, a onda revivalista (nostálgica) que varria a arte européia e norte-americana desde meados dos anos 70, se oferecia, convenientemente, como uma 'novidade'para um mercado de arte estagnado como o nosso, além de servir para afastar o risco da transformação radical que a arte, desde o movimento neoconcreto, vinha provocando no circuito. De outro lado, no campo político, o plano externo já havia absorvido o neoliberalismo da era Thatcher-Reagan, acelerando as mudanças estruturais que já vinham ocorrendo no mundo capitalista desde o fim da II Guerra (como o processo de globalização da economia de mercado), e no plano interno, o longo processo de abertura "lenta e gradual" provocava um inevitável desgaste das esquerdas, levando boa parte dos formadores de opinião a adotarem a causa do cineasta Cacá Diegues, contra o "patrulhamento ideológico" (HOLLANDA, 1990, p.12).

    Geração punk, dark, yuppie, mercenária; geração neo-qualquer coisa, apocalíptica. Para a imprensa era importante associar a imagem dos jovens artistas com os paradigmas do pós-modernismo conservador (ARGAN, 1990).

    O movimento pós-moderno não apresenta propostas definidas, nem coerências, tampouco linhas evolutivas. Deste modo, diferentes estilos convivem sem choques formando ecletismos e pluralismos culturais. Segundo Sevcenko (1993) não há grupos ou movimentos unificados. Além disso, ele não se desfaz do passado que é agregado ao pós-moderno, apenas o tradicional foi eliminado.

    Um clima de incertezas e uma dificuldade de sentir ou representar o mundo são as condições do pós-moderno. Diante da sensação de irrealidade, da desordem e do vazio, a sociedade cada vez mais se individualiza e se torna apática. Ela não encontra valores e sentido para a vida, somente se entrega ao prazer imediato e ao consumismo. Portanto, ela não desenvolve pensamentos profundos ou existenciais, mas apenas repostas rápidas e adequadas à era do consumismo exacerbado.

    É o indivíduo pós-moderno, símbolo maior e centro da decadência de valores humanos, que será atingido e tematizado pela arte contemporânea. A arte atual, para Oiticica (1981), ao criticar a tecno-ciência aliada ao poder político e econômico desconstrói o mundo para revelar o que está por trás do sistema, buscar liberação individual e aumentar a percepção do mundo em que se vive. Para tanto, o público passa a ser a chave central da realização da arte. O espectador entra e faz intervenções na obra. Em uma manobra onde artista é suprimido, o observador pode recompor a obra em qualquer ordem que faça sentido para si próprio.

    A desordem é fértil no campo artístico, afirma Hutcheon (1991). Ela propicia multiplicidade nas expressões artísticas através de infinitas técnicas sobre os mais variados materiais e suportes como pintura, escultura, desenho, cinema, artes gráficas, arte corporal, vídeo e música, isto é, infinidades de possibilidades construtivas na materialização de um sentido que procura impactar o público. É um movimento que não finda e que vive em constante reorganização.

    Neste cenário circulam livremente apropriações de objetos comuns, tecnologias e sínteses com materiais industriais e naturais, a fim de despertarem efeitos perceptivos sensuais, irônicos, sensoriais e de antagonismo no público. Os materiais são dispostos de modo a experimentar o que eles possibilitam de potencialidades para expressividades. Alguns museus de São Paulo, como o da língua Portuguesa, utilizam-se desta forma de interação com o público, ele não vê passivamente as obras, ele participa, vezes até como cenário. Em algumas peças de teatro isso é bem claro quando o público entra no presídio, no rio Tietê, nas galerias de esgoto, este é o sentimento da arte desintegrada pós-moderno de vivência e simulação. A simulação da prisão em uma peça de teatro dá-se na própria prisão, é a preocupação dos pós-moderno com a hiper-realidade. Fica evidente que estes acontecimentos ocorrem somente nos grandes centros, o fenômeno pós-moderno hoje está restrito a São Paulo, Rio de Janeiro e talvez Porto Alegre.

    O cinema gira em torno do indivíduo consumista, hedonista e narcisista, ele é encarregado de explorar as sensibilidades remanescentes da sociedade na era da globalização, reforçando o pastiche e o simulacro. O filme "Matriz" põe em dúvida a realidade a partir do limite do virtual e do real. Filmes de época utilizam a mentalidade contemporânea encarnada no período retratado. São formas de arte que identificam com o pós-moderno.

    A pintura acompanha este mesmo movimento (BRITO, 1981) passando a ser concebida a partir de novos pressupostos: uso abusivo das cores, grandes formatos, uso de objetos do cotidiano adotados como suporte pictórico da obra, gestualidade, figurativismo e expressionismo. Jovens pintores transitam constantemente entre a tradição da história da arte e os fragmentos do mundo atual, realizando uma pintura híbrida e contínua.

3. Análise e possibilidades das práticas de lazer contemporâneas

    O alto nível do progresso tecnológico, nunca antes visto na história da humanidade, tem como decorrência uma transformação de valores na sociedade, propiciando novos dilemas e embates culturais. Os artistas pós-modernos propuseram um novo modo de ver o mundo, ligando linguagens artísticas a um tipo de realidade multifacetada, fragmentada e híbrida. Buscam manifestar sentimentos emotivos numa sociedade acusada por eles de ser fria, calculista, apressada e ambiciosa (HUYSSEN, 1990).

    Uma primeira tendência possível das atividades de lazer é o fortalecimento da mobilização da moda em mercados de massa altamente individualizantes de públicos específicos. Com um forte meio de acelerar o consumo de roupas, estilos de vida e atividades de recreação. Uma segunda tendência será a exploração cada vez maior de bens serviços - não apenas serviços educacionais, pessoais, comerciais, como também de diversão, espetáculo, eventos, distrações. O tempo de vida deste consumo é bem menor do que dos bens duráveis, por isso precisam de forte apelo midiático e transformações constantes. Em curto espaço de tempo a atividade ou modismo torna-se obsoleto para o mercado de imagens, afirma Pereira (1986). Na educação física pode-se colocar a "aeróbica" que deu lugar aos "Body sistem, body combat", que deu lugar ao "personal training", que deu lugar ao "pilates" e que dará lugar ao modismo de gêneros, como academias temáticas. Logo teremos acadêmicos que atendem só mulheres, homossexuais ou metrossexuais.

    A mídia e o virtual ganharão grande presença nas atividades de lazer. Reforça a tese pós-moderna que não existe inovação, rupturas, apenas reciclagem daquilo que já foi constituído. O virtual simula o real, fortalece a idéia de simulacro, e ao mesmo tempo não constrói nada de novo. Podemos viajar virtualmente, sentir prazer, vivenciar uma aventura fantástica, conhecer e ler nas bibliotecas de todo o mundo. Mas na verdade o sentimento o que esta simulação promove é apenas uma reprodução do sonho existente na modernidade, de conhecer o mundo, as pessoas, as bibliotecas. Ao mesmo tempo o virtual também se caracteriza pelo pastiche, porque podemos ir à Grécia, Nova York Pequim e, posteriormente, construirmos virtualmente uma casa a partir dos elementos visitados. Enfim, no mundo contemporâneo me parece que se abriu mão da originalidade, em todos os sentidos. Ainda que inserida num já instalado mercado da cultura de massa, a arte pós-moderna utiliza-se da reprodução não só enquanto materialidade, mas como tema, experiência estética, homenagem ou, num último estágio, laboratório virtual.

    Além disso, a tecnologia virtual permite a realização de fenômenos incabíveis no real. Tal facilidade estimula as experiências de reciclagem artística, ou colagem. Estilos artísticos opostos, músicas de épocas distintas, personagens marcantes (ou não), referências a outras obras. A brincadeira virtual é infinita, o que confere à arte pós-moderna uma quase obrigatória metalinguagem. Se tudo já foi feito durante todo o século da modernidade, o que se pode fazer é misturar as influências e citações, para verificar qual o efeito das possibilidades combinatórias. Quanto mais declaradamente virtual, mais divertido.

    Um exemplo que fortalece as afirmações anteriores é justamente o sistema de compras pela Internet. O comprador vê, em seu monitor, todos os produtos alinhados como na realidade. Passeando com seu mouse ele escolhe seus preferidos, e em algumas horas os produtos como que se materializarão em sua casa, depois que ele usar seu dinheiro virtual para pagar as compras. Nesse caso, fica a forte impressão de que o virtual simplesmente virou real.

    A idéia que o virtual substitua o real não é de toda descabida, já que no mundo virtual não existe falha, são os homens na sua total incapacidade que degenera o virtual, como os hackers, o entregador que demora, o erro do devedor. Já que as desilusões sobre os sonhos modernos de construção de um mundo ideal não se concretizaram, resta para a humanidade projetar a "Metrópolis"no virtual.

    Viveremos em um mundo onde cientistas desenvolvem experiências com a utilização de sensores para reproduzir integralmente vivências humanas. Coloca-se óculos tridimensionais, veste-se luvas sensíveis e uma roupa especial, cheia desses sensores. Sem sair do lugar, correndo numa esteira rolante, o indivíduo experimenta sensações como escapar de um tiroteio, jogar futebol ou fazer sexo.

    Cada vez mais a comunicação se tornará fortalecida, a Internet será o grande meio de comunicação deste século, o mundo inteiro pode assistir não somente aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo, à queda de um ditador, a uma reunião de cúpula política, a uma tragédia mortal, o cidadão poderá vivenciar virtualmente as sensações daquele momento. Freud dizia que o ser humano é um animal com prótese, neste caso a prótese virtual poderá substituir a própria necessidade orgástica do indivíduo, a busca do prazer no lazer será mais instantânea, rápida e fugaz.

    As atividades de lazer têm grande possibilidade de ser o carro chefe do investimento em serviços. Promovendo tanto atividades no virtual, como aqueles "retrógrados" que ainda preferem o bom e velho real.

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