A Educação Física escolar e as Inteligências Múltiplas | |||
Licenciada e Bacharel em Educação Física Pesquisadora da área de Educação Física Escolar Docente da Faculdade de Educação Física da UNICAMP |
Elaine Prodócimo elaine@fef.unicamp.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 105 - Febrero de 2007 |
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1. Diferentes olhares sobre a inteligência
INTELIGÊNCIA etimologicamente, esta palavra vem do latim e significa fazer escolhas - inter (entre) legere (escolha). Conceito amplo que nos faz pensar em várias questões como: que tipo de escolhas? Em que domínios? Com que base?
Na busca de compreender a inteligência, suas origens e formas de manifestação, muitos estudos foram feitos ao longo dos tempos, formando diferentes correntes que influenciaram de maneiras diversas nossa sociedade, sendo também, obviamente, influenciados por ela.
Uma delas foi denominada CRANIOMETRIA - medição do crânio- como o próprio nome revela. Um dos grandes estudiosos desta teoria foi Francis Galton (1822-1911), que defendia o caráter hereditário da inteligência e também que o tamanho do crânio demonstrava o "tamanho" da inteligência de uma pessoa - ou seja, quanto maior o crânio, mais inteligente seria a pessoa.
Outro autor que defendeu esta teoria foi Paul Broca (1824-1880), que também contribuiu com seus estudos sobre as especialidades de funções das diferentes partes do cérebro. Não é difícil de imaginar o quanto esta teoria estava pautada e colaborou para o preconceito de raça. Duas falas de Broca extraídas do livro A Falsa Medida do Homem de Stephen Jay Gould (1999, p.76) esboçam bem esta situação:
Em geral, o cérebro é maior nos adultos que nos anciões, no homem que na mulher, nos homens eminentes que nos homens medíocres, nas raças superiores que nas inferiores (1861)
O rosto prognático (projetado para frente), a cor de pele mais ou menos negra, o cabelo crespo e a inferioridade intelectual e social, estão freqüentemente associados, enquanto a pele mais ou menos branca, o cabelo liso e o rosto ortognático (reto) constituem os atributos normais dos grupos mais elevados na escala humana (...) Um grupo de pele negra, cabelo crespo e rosto prognático jamais foi capaz de ascender a civilização (1866)
Outra tendência de estudos que sucedeu a craniometria foi pautada em testes para avaliar a capacidade cognitiva. Dentre os testes, o QI (Quociente de Inteligência), certamente foi o mais difundido, e teve como precursor Alfred Binet (1857-1911), que iniciou seus estudos pela craniometria, mas abandonou-a ao suspeitar de sua validade.
Mas, justiça seja feita também com Binet, que não criou o QI, mas, em 1904, foi comissionado pelo Ministério da Educação para fazer um teste que avaliasse as crianças com possibilidade de fracassar na escolaridade regular na busca de oferecer alguma educação especial. Ele publicou diferentes versões do teste, na primeira, de 1905 ele colocava uma série de tarefas em ordem crescente de dificuldade, em outra, de 1908 ele atribuiu uma idade esperada para execução de cada tarefa, e foi esta característica que levou a criação da idéia de idade mental, que está relacionada com o QI. O termo QI foi criado pelo psicólogo alemão W. Stern, em 1912.
Mais uma vez, os estudos levaram a rotulação dos indivíduos em normais, retardados e superdotados. Diferentemente do que foi proposto por Binet, sobre o caráter do meio como influenciador das capacidades intelectuais, os psicometristas - indivíduos que se utilizavam dos testes-, propuseram também o caráter hereditário da inteligência.
Muitas medidas eugênicas foram tomadas com base também nos testes, como impedir reprodução entre aqueles que tivessem QI abaixo da média, que, coincidentemente constituíam-se em sua maioria em negros e índios ou estrangeiros, repetindo os "feitos" das tendências anteriores.
Dentre os colaboradores de Binet, em seu laboratório, trabalhava um jovem que não se preocupava com os resultados dos testes, mas em como a criança pensava, qual o raciocínio da criança quando ela buscava solucionar uma tarefa, seu nome era Jean Piaget (1896-1980), e, a partir de seus estudos e observações criou uma teoria que descreve a inteligência como fruto de adaptação do indivíduo com o meio ambiente, adaptação esta que é construída ao longo de suas interações com o ambiente por meio dos processos mentais de assimilação e acomodação.
Embora os testes de QI ainda sejam utilizados, e o construtivismo (nome dado a proposta pedagógica pautada na teoria de Piaget) cresce no meio educacional, os estudos sobre a inteligência não foram abandonados, interessa ainda a outros autores compreendê-la.Um destes autores é Howard Gardner.
Gardner (2000) buscou respaldo para seus estudos tanto na psicologia, quanto na neurociência e criou uma série de critérios sob os quais diferentes "habilidades" deveriam ser analisadas para verificar se constituíam ou não uma inteligência - vale ressaltar que ele chamou estas habilidades todas de inteligência, mas, ele mesmo destacou que poderia ser dado outro nome, como competência, habilidade, ou mesmo talento, mas que fosse dado o mesmo nome a todas elas.
Gardner (2000, p.47) buscou definir estas inteligências como:
um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura (2000).
2. A teoria das Inteligências Múltiplas
Até o momento são consideradas oito inteligências (GARDNER, 1994, 2000):
1. Verbal Lingüística, que tem como algumas de suas características:
- sensibilidade para a língua falada e escrita;
- habilidade para aprender línguas;
- capacidade de usar a linguagem para atingir certos objetivos.2. Lógico Matemática:
- capacidade de analisar os problemas com lógica;
- capacidade de realizar operações matemáticas;
- capacidade de investigar questões cientificamente.3. Musical, que consiste na:
- habilidade na atuação, na composição e na apreciação de padrões musicais.4. Espacial, definida como:
- potencial de reconhecer e manipular os padrões do espaço, bem como os padrões de áreas mais confinadas.5. Naturalista, compreendida como:
- potencial de reconhecer e classificar numerosas espécies - a flora e a fauna - do meio ambiente.6. Intrapessoal, considerada por Gardner como uma das mais relevantes, que consiste na:
- capacidade da pessoa de se conhecer, incluindo nesses conhecimentos os próprios desejos, medos e capacidades, e de usar estas informações com eficiência para regular a própria vida.7. Interpessoal, que, semelhante a anterior refere-se a:
- capacidade de entender as intenções, as motivações e os desejos do próximo e, conseqüentemente, de trabalhar de modo eficiente com terceiros.8. Corporal Cinestésica, definida como:
- potencial de se usar o corpo para resolver problemas ou fabricar produtos.Campbell (2000) contribuiu com os estudos de Gardner ao definir algumas características relacionadas com a manifestação da ICC:
- exploração o ambiente e os objetos através do toque e do movimento;
- boa coordenação e senso de ritmo;
- aprendizado se dá melhor através do envolvimento e da participação direta;
- demonstração de habilidade para representação, esportes, dança, costura, escultura, datilografia, etc.
- invenção de novas abordagens para as habilidades físicas;
- compreensão e vivência segundo padrões fisicamente saudáveis.Uma consideração importante a se fazer é que nenhuma inteligência se manifesta isoladamente, na solução de um problema ou criação de um produto, as manifestações ocorrem sempre em conjunto, podendo haver predominância de uma ou mais do que uma.
3. Implicações da teoria para a Educação Física escolar
Vale ressaltar que o objetivo de Gardner, ao estudar a inteligência, não foi voltado para educação, mas ainda assim, vem sendo adaptada aos meios educacionais. Alguns pontos merecem destaque neste sentido:
3.1. Todos somos diferentes
Embora esta informação seja conhecida de todos e discursada por muitos, em nossa educação o que vemos é o contrário, ensino que busca homogeneizar o grupo, formas iguais de ensinar pressupondo formas iguais de aprender.
Nossos potenciais cognitivos são variados, aprendemos de formas diferentes, temos interesse e isto precisa ser valorizado.
As múltiplas inteligências não trazem isto como novidade, mas ressaltam a importância deste ponto, que muitas vezes é esquecido.
Importante não apenas reconhecer a diferença, mas valoriza-la!!!! E mesmo deseja-la!!!!
3.2. Potencialidades x limitações
De acordo com a visão apresentada, o ensino deveria partir daquilo que é mais fácil, ou mais facilmente compreensível pelo aluno, acreditando em suas potencialidades e não enfatizando suas dificuldades. Nossa escola, muitas vezes faz o caminho oposto, quantos de nossos melhores alunos em Educação Física não têm dificuldade em matérias como língua portuguesa ou matemática, mas não com a matéria em si, mas como a forma como ela é ensinada?
Campbell (2000) relata um caso de uma aluna que tinha dificuldades na alfabetização, ela não conseguia aprender a ler e escrever, estava defasada na escola e já não desejava mais aprender. Um dia, uma nova professora percebeu a graciosidade de Paula ao mover-se e pediu a ela que representasse algumas letras corporalmente, o que ela fez com desenvoltura, a professora sugeriu então que ela produzisse o alfabeto corporalmente, na aula seguinte ela dançou o alfabeto para a classe, a professora então pediu que ela dançasse seu nome, e ela o fez-se, em pouco tempo estava alfabetizada.
Ao invés de valorizarmos o que o aluno tem facilidade e partir daí para estimular as outras potencialidades enfatizamos as dificuldades e ainda taxamos de "limitações" este estado, e assim, estabelecemos barreiras, limites para o desenvolvimento de nossos alunos.
3.3. Ensino por situações-problema
Nossa educação e também a Educação Física,trabalha muito com situações prontas, respostas dadas, não ensinando o aluno a fazer escolhas, a usar de seu potencial cognitivo. Como afirma Ruben Alves, Freqüentemente fracassamos no ensino da ciência porque apresentamos soluções perfeitas para problemas que nunca chegaram a ser formulados e compreendidos pelo aluno (2000, p.25), apesar do autor referir-se ao estudo de ciências, facilmente poderíamos adaptar essa fala a todas as outras matérias escolares
Ao utilizar-se de situações-problema em suas aulas o professor não proporciona a resposta, para tanto necessita de alguns ajustes, como adaptado de Mosston (1978) ao referir-se ao estilo de ensino pautado na descoberta orientada:
a. lingüísticos, ao invés de usar uma exclamação, usar frases interrogativas;
b. deve esperar que a contestação brote do aluno, para isto necessita de paciência;
c. deve ter claro que o estudante é o foco.Esta forma de atuar estimula os potencias cognitivos, e também lida com o SIGNIFICADO do conhecimento, o que é aprendido é aprendido por uma causa, que é reconhecível pelo aluno, em nosso caso específico, não ficamos na pura repetição mecânica e automática do movimento, pois, a essência do problema como afirma Saviani (1982), é a NECESSIDADE.
3.4. Papel do professor
O papel do professor é, então, o de mediador. É aquele que vai criar as situações propícias, ou possibilitar que a necessidade de aprender seja manifestada, e vai auxiliar os alunos, indagando, dando pistas, conduzindo o aluno, mediando o processo.
3.5. Valorização da área da Educação Física
Ao considerar o movimento como manifestação inteligente, ele eleva o status da área da Educação Física, pois rompe, ainda mais uma vez com a dicotomia mente e corpo.
3.6. Valorização das relações pessoais
Ao considerar o conhecimento de si e do outro também como inteligências, Gardner(1994) enfatiza a importância das relações pessoais para o desenvolvimento pleno do ser.
Estas duas áreas pouco valorizadas no meio educacional, que busca a imobilidade dos corpos como forma de disciplina e o individualismo como forma de conduta, tendem a ser revistas, são também potenciais cognitivos, que precisam ser trabalhados.
4. Considerações finais
Finalmente, importante reconhecer que a teoria proposta não sugere grandes revoluções na educação, e nem traz contribuições que se chocam com muitas outras propostas que tem como base a melhoria do sistema educacional. Ela vem colaborar dando respaldo teórico a muitas crenças ou certezas advindas da própria prática docente, ou também corroborar com outras teorias que já propuseram algo semelhante.
Desta forma, a teoria das múltiplas inteligências apresenta-se como mais uma colaboração na tentativa de melhorarmos nossa educação.
Referências bibliográficas
ALVES, R. Filosofia da Ciência: Introdução ao Jogo e a suas Regras. São Paulo: Edições Loyola, 2000. 2a edição.
CAMPBELL, L. Ensino e Aprendizagem por meio das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
GARDNER, H. Estruturas da Mente. A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994. ________ Inteligência. Um Conceito Reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
GOULD, S.J. A Falsa Medida do Homem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MOSSTON, M. La Enseñanza de la Educación Física. Del Comando al Descubrimiento. Buenos Aires: Paidos, 1978.
SAVIANI, D. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica. São Paulo: Cortez Editora: Autores Associados, 1982.
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