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Lazer como fator de desenvolvimento regional:
condicionantes e possibilidades no atual contexto amapaense

   
Licenciado em Educação Física. Mestre em Ciências
e Jogos Esportivos-UMCC/Cuba.
Professor da Universidade Federal do Amapá-UNIFAP.
 
 
Álvaro Adolfo Duarte Alberto
alvarod@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este texto traz algumas reflexões e inquietações, as quais, embora de forma muito sintetizada, motivam-me a permanecer interessado cada vez mais pelo tema. As discussões apresentadas destacam o modelo de desenvolvimento para o Estado do Amapá que sempre priorizou o interesse do mercado e da acumulação de capital. Atualmente uns defendem o desenvolvimento local através do "agronegócio", e outros, propõem o "desenvolvimento sustentável". E por último apresentamos alguns pontos para reflexões quanto ao fatores determinante para a universalização do acesso aos serviços de lazer à toda a população amapaense.
    Unitermos: Lazer. Desenvolvimento regional. Amapá.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 104 - Enero de 2007

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Introdução

Começando a navegar pelo rio

    Este texto traz algumas reflexões e inquietações, as quais, embora de forma muito sintetizada, motivam-me a permanecer interessado cada vez mais pelo tema. As discussões apresentadas são frutos de leituras, participações em palestras, congressos, cursos, tanto quanto minhas origens de caboclo amazônida nascido no arquipélago do Marajó-PA e que atravessou o Rio Amazonas para viver em Macapá-AP.

    Destacamos os dilemas enfrentados pelo Estado do Amapá de inserir-se nas regras gerais do desenvolvimento da sociedade atual, que sempre priorizou o interesse do mercado e da acumulação de capital, concepção esta social e ambientalmente destrutiva para o povo da Amazônia.

    Num outro momento mencionaremos que o Amapá, por seus recursos naturais, por sua localização geográfica, vem despertando a atenção de distintos grupos econômicos. Uns defendem o desenvolvimento local através do "agronegócio", e outros, que se dizem preocupados com as questões ambientais, propõem o "desenvolvimento sustentável". Dentre os que defendem o "desenvolvimento sustentável", citamos o ecoturismo ou turismo natureza que conceitualizam o desenvolvimento como processo "ecologicamente viável e socialmente justo", mas que acabam vinculando o lazer na natureza, o entretenimento, a felicidade aos valores de mercadoria e consumo.

    E por último apresentaremos alguns pontos na definição de prioridades no ecoturismo e o gerenciamento dos atrativos bem como os fatores determinantes para a universalização do acesso aos serviços de lazer de toda a população amapaense.


Desenvolvimento, pra quem?

    O Estado do Amapá possui uma superfície territorial de 140.276 km2, que corresponde a 1,6 % do território brasileiro e a 3,6% da Região Norte. Faz fronteira com o Estado do Pará, Suriname e Guiana Francesa. Sua capital é Macapá que está na parte Sul do Estado, banhada pelo Oceano Atlântico e pelo Rio Amazonas.

    Sua história iniciou-se em 1637, com a doação das terras dessa região a um português chamado de Bento Manuel Parente. No século XVII a região foi invadida pelos ingleses e holandeses, logo expulsos pelos portugueses. No século XVIII, os franceses reivindicarão a possessão da área. Em 1713, o Tratado de Utrecht estabeleceu as fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa, mas os franceses não honraram esta decisão. Em 01 de janeiro de 1900, a Comissão de Arbitragem, em Genebra, deu possessão da região ao Brasil e o território foi incorporado ao Estado do Pará, sob o nome de Amapá.

    Em 1943, essa região passou a condição de Território Federal, para atender dois objetivos do então Governo Getúlio Vargas. O primeiro de natureza estratégica e geopolítica, visava garantir a soberania brasileira sobre uma área de fronteira. O segundo correspondia à intenção de fomentar um foco de desenvolvimento regional com vistas para a criação de um futuro Estado. O Amapá tornou-se Estado através da constituição de 05 de outubro de 1988.

    Atualmente o Amapá enfrenta também os dilemas colocados pela necessidade de inserir-se nas regras gerais do desenvolvimento da sociedade contemporânea. Nesse jogo de relações culturais, econômicas e políticas podemos destacar duas formas bem distintas de ver o mundo: uma que vê o desenvolvimento para uma nação, região ou lugar o interesse do mercado e da acumulação de capital, e outra, que vê a defesa da vida.

    O modelo de desenvolvimento imposto à Amazônia, sempre priorizou os interesses do mercado. Este modelo tradicional baseado numa concepção neoliberal, tem sido social e ambientalmente destrutivo, defende a concentração de recursos em áreas básicas que possibilitem impulsos apenas ao crescimento econômico. Isto deixa claro a concepção dos organismos gestores e até mesmo de profissionais da própria área social na efetivação de ações em setores que interessa apenas a uma pequena minoria da população, pregando o desenvolvimento com a valorização setorial economicista, como nos relata Bonalume (2002 pg. 190):

"O projeto neoliberal relegou o social a um plano secundário e residual, introduzindo mecanismos privatizações na condução da política social, eliminando direitos e quebrando o principio da universalização dos mesmos e mantendo índices inaceitáveis de pobreza e desigualdade da distribuição da renda e da riqueza."

    O avanço técnico-científico, ditado pelo projeto neoliberal, impõe um novo ritmo de desenvolvimento local, considera as cidades como reféns de grandes grupos econômicos que tendem a impor as regras e até mesmo o modelo de vida do planeta, substituindo o conceito de estado e cidadão por sociedade de mercado e consumidores.

    Neste processo acelerado de globalização da economia, caracterizado pelo consumo de bens e serviços, o Amapá, por seus recursos naturais, por sua localização geográfica e divisões fisiográficas (relevos, florestas, várzeas e cerrado), vem chamando a atenção de distintos grupos econômicos. Uns defendem a geração de emprego e renda para a população através do chamado "agronegócio", e outros, que se dizem preocupados com as questões ambientais, propõem um outro modelo de desenvolvimento econômico baseados na exploração racional dos recursos naturais, difundindo a idéia de "desenvolvimento sustentável".

    Os que defendem o "agronegócio", modelo este importado de outros estados brasileiros, passam a ilusão de que o desenvolvimento vem de fora. Esta importação trazem muitos equívocos que vão desde o crescimento das cidades, caracterizado pela aceleração e o imediatismo, agravado pelo êxodo rural e pelas migrações de outras cidades, até a formação de uma imensa reserva de mão-de-obra não qualificada, subempregada que passam a viver em locais totalmente impróprios. Além desses problemas sociais, Fagnani apud Pimental ( 2002. p. 91), nos mostra o que aconteceu em outras regiões brasileiras que adotaram este modelo de desenvolvimento em relação as questões ambientais:

"Nos anos de modernização agrária brasileira, aumentou o consumo de agrotóxicos, insumos químicos, tratores e arados. No inicio, isso representou um aumento expressivo na produção de alimentos. Porém, a aração profunda da terra, adequada para solos temperados, acabou por dizimar a fertilidade da terra. Os insetos tornaram-se resistentes aos pesticidas e, entre 1958 e 1976, surgiram cerca de 400 novas espécies de pragas nas culturas brasileiras."

    Em contraposição ao "agronegócio", surge os que apontam um desenvolvimento econômico baseado na sustentabilidade. Dentre estes, podemos citar o turismo como uma das atividades econômicas visivelmente influenciadas pela tentativa de elaboração de novos parâmetros que conceitualizam o desenvolvimento como processo "ecologicamente viável e socialmente justo".

    Estudos mostram um crescimento vertiginoso, colocando a indústria do turismo como a de maior crescimento na atualidade. Nesse contexto surge no Brasil e, principalmente na Amazônia, pela exuberância de seus cenários naturais, as atividades de lazer relacionadas ao ecoturismo ou turismo na natureza (caminhadas em trilhas na floresta, pesca esportiva, escaladas, acampamentos, dentre outras). Este é um seguimento promissor de uma das indústrias mais dinâmicas da economia mundial, mas que vincula o lazer, o entretenimento, a felicidade aos valores de mercadoria e consumo.

    Estas formas de intervenção na economia defendem a idéia de que a melhor forma de vida para as pessoas é aquela baseada no consumo, seja de mercadorias ou de entretenimento. Assim o lazer e torna-se mercadoria e o tempo livre torna-se tempo para consumir mercadorias.

    Segundo Bruhns (1999, p. 728-729), essa prática de lazer na natureza, evidencia também que as práticas culturais passam a ser mediadas através do consumo:

No "turismo tipo aventura desportista de grupo" uma serie de componentes... atrelados direta ou indiretamente, às rápidas mudanças ocorridas nos últimos trinta anos relacionados à sociedade de consumo, implicando não somente no consumo como "mero reflexo da produção" , mas como fundamental para a reprodução social, bem como à cultura do consumo, esta não assinalando somente a produção e a relevância cada vez mais maiores dos bens culturais enquanto mercadoria. "

    Frente a esta situação o lazer e o consumo encontram-se entrelaçados na teia do mercado capitalista, mas o problema é que as mercadorias, os serviços não estão accessíveis a todos, assim como o lazer também não está.

    Nesse mercado de consumo, os detentores do capital podem consumir momentos de contemplação, metros quadrados de natureza, comprar equipamentos e roupas para as atividades de lazer em contato com a natureza. Diante desta possibilidade de desenvolvimento econômico e social local, podemos então nos perguntar: o ecoturismo poderia ser um dos novos mecanismos de desenvolvimento, gerando empregos malpagos para uns e mais lazer, prazer e entretenimento para outros? Que implicações sociais, políticas e culturais, a dita "indústria sem chaminé" seriam decorrentes da exploração do potencial de lazer nos últimos redutos intocados da natureza? A instalação de hotéis, pousadas, abertura de vias de acesso a determinados locais, além da destruição do ambiente natural, também não acabaria por expulsar a população tradicional, eliminando características e hábitos antigos dessas pessoas?

    Este modelo de desenvolvimento nos parece insuficientes, até porque são afetadas pelo movimento global, que querem ser sustentáveis à custa da depredação da cultura, da natureza e do ser humano. Nessas políticas não são considerados os princípios de construção coletiva de valores, conhecimentos voltados para a conservação e qualidade do meio como bem de uso comum do povo; a valorização da vida; os padrões de consumo são apenas mais uma forma de exploração dos recursos naturais, que somente objetivam o aumento da geração de rendimentos para alguns, enquanto outros circulam, dormem, dançam, jogam em volta dos centros de entretenimento instalados em locais privilegiados e, até mesmo em espaços públicos.


Descendo o rio abaixo a procura de outros portos

    Para nós amapaenses que vivemos as margens do Rio Amazonas, estamos sendo levados por uma maré rumo a uma sociedade onde prevalece o interesse do mercado e da acumulação do capital. Será que podemos remar contra essa maré em direção aos interesses votados à promoção da vida, pautados numa política de lazer como fator de desenvolvimento regional que reconheça o direito ao lazer a todos os cidadãos e cidadãs amapaenses?

    Defendemos uma política de lazer como possibilidade de crescimento econômico mas, obrigatoriamente, acompanhada da distribuição eqüitativa dos resultados gerados por essa economia.

    Uma política de desenvolvimento por meio do lazer deverá estar relacionadas as potencialidades e aos limites do lugar. Para isso é possível que haja um planejamento integrado e articulado institucionalmente em vários níveis para: definição de prioridades no ecoturismo e o gerenciamento dos atrativos; regulamentação das atividades; educação ambiental de usuários e empresários; e distribuição de renda à população local.

    Outro ponto que deve ser considerado nessa discussão diz respeito as possibilidades de empregabilidade com apropriação dos resultados das atividades econômicas, flexibilização de horários e redução da jornada de trabalho, melhores condições de trabalho, consolidação dos direitos trabalhistas, políticas de transporte, habitação, saúde e adequação das políticas de lazer às condições de tempo disponível da população. Estes são fatores determinantes para a universalização do acesso aos serviços de lazer.

    Essas questões nos apontam alternativas na concepção e implantação de política de lazer para o desenvolvimento regional. É necessário que gestores considere o desenvolvimento não apenas econômico, mas também ambiental, político, social e cultural. Assim, é possível então que a população reconheça lazer como direito e como educação que contribua para o questionamento da ordem estabelecida.


Referências bibliográficas

  • BASES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Coletânea de textos. Macapá. Governo do Estado do Amapá, 1999.

  • BONALUME, C. R. O lazer numa proposta de desenvolvimento voltada à qualidade de vida. In: Ademir Müller; Lamartine Pereira DaCosta (Org.). Lazer e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul. EDUNISC, 2002, p. 189-214..

  • BRUHNS. H. T. (org.). Temas sobre lazer. Campinas. Autores associados, 2000.

  • _____________. Lazer e meio ambiente: reflexões sobre turismo na natureza. Anais do XI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Florianópolis, 1999, v. 2, p. 727-731.

  • CORREA, S. M. S. (org.). Capital social e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul. EDUNISC, 2003.

  • GUTIERREZ, G. L. Lazer e prazer: questões metodológicas e alternativas políticas. Campinas. Autores Associados, 2001.

  • MARCELINO, Nelson Carvalho.(org.). Lazer e esporte. Campinas. Autores associados, 2001.

  • PIMENTEL, G. G. A. A insustentabilidade do lazer sustentável. In: Ademir Müller; Lamartine Pereira DaCosta (Org.). Lazer e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul. EDUNISC, 2002, p. 83-107.

  • ZINGONI, Patrícia. Descentralização e participação em gestões municipais de esporte e lazer. In: WERNECK, Christianne Luce Gomes (Org.). Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 217-240.

  • ________________. Lazer como fator de desenvolvimento regional: a função social e econômica do lazer na atual realidade brasileira. In: Ademir Müller; Lamartine Pereira DaCosta (Org.). Lazer e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul. EDUNISC, 2002, p. 53-82.

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