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A formação da consciência moral na criança
através dos jogos e brincadeiras

   
Graduado em Educação Física, Especialista em Psicomotricidade.
Mestre em Educação em Saúde (Universidade de Fortaleza - UNIFOR)
Professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
 
 
Heraldo Simões Ferreira
heraldosimoes@bol.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo reflete as questões paradigmáticas que se inserem no âmbito e nas ações da prática do profissional de educação física intervindo na educação infantil através da educação psicomotora, com a finalidade de buscar a educação em saúde para os pequenos, salientando a importância da compreensão dos jogos e brincadeiras e através do estudo detectar respostas para a questão da guia investigativa: o brincar é uma atividade que influencia na formação do caráter das crianças? Quais as conseqüências dos jogos na formação moral das crianças? Como a qualidade de vida pode ser alcançada, na infância através dos jogos?
    Unitermos: Jogos. Brincadeiras. Educação infantil. Educação psicomotora.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 104 - Enero de 2007

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Introdução

    A Educação Física em sua definição original, segundo o Manifesto Mundial da Educação Física - 2000 da Fedération Internationale D'Education Physique (FIEP):

    É um processo de Educação, seja por vias formais ou não formais; que ao promover uma educação efetiva para a saúde e ocupação saudável do tempo livre de lazer, constitui-se num meio efetivo para a conquista de um estilo de vida ativo dos seres humanos.

    Assim, podemos observar a relevância desta disciplina na educação infantil, como uma proposta de alcance de qualidade de vida.

    A educação psicomotora, utilizando-se da educação física (Pick e Vayer, 1977, p. 17), dentre seus objetivos busca a qualidade de vida entre crianças escolares, e através desta afirmação podemos afirmar que a qualidade de vida das crianças é alcançada, em grande parte, pelos jogos e brincadeiras. É correto afirmar que a atividade principal da criança é o brincar, não como a atividade que mais a ocupa, mas a questão aqui levantada não se refere à quantidade de tempo, pois, atividade principal é aquela em que ocorrem as maiores transformações no desenvolvimento cognitivo da criança (Brasil, MEC, 1998).

    De acordo com esta realidade, a educação psicomotora insere-se nos currículos de formação pré-escolar como uma proposta indispensável, tendo aplicação voltada para o propósito de auxiliar a criança a superar problemas relacionados à socialização e desenvolvimento das potencialidades motoras.

    Corrobora essa afirmação Le Boulch (1984, p. 24), quando escreve:

    A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola infantil. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações difíceis de corrigir quando já estruturadas...

    Diem (1979: 26), afirma que "a pobreza de movimentos, a falta de movimento não só representam um prejuízo físico, como também impedem a livre evolução psíquica". Por outro lado Piaget (1975) destacou a importância dos movimentos como um meio de possibilitar ao indivíduo as interações com o ambiente.

Conceito de criança e infância

    O conceito de criança e infância é uma noção mutável ao longo da história. Várias sociedades possuem sua idéia do que vem a ser criança. Este conhecimento depende de fatores como: classe social, religiosidade, cultura e educação. Um país de proporções continentais como o Brasil reflete este posicionamento, devido as suas diferenças de regiões e classes econômicas. Uma criança pode ser considerada como trabalhadora (auxilia na renda familiar) e em outra família, uma criança da mesma idade é tratada com total diferença. Um grande número de crianças brasileiras pobres não recebe seus direitos básicos como: saúde, educação, alimentação e o brincar.

    A criança é um sujeito, como todo ser humano, que está inserida em uma sociedade, deve ter assegurado uma infância enriquecedora no sentido de seu desenvolvimento, seja psicomotor, afetivo ou cognitivo. A principal instituição social para a criança é a família, portanto este grupo deve receber condições básicas para a formação das crianças. É também muito influenciada pelo meio social e cultural em que se situa.

    As crianças possuem suas características próprias e observam o mundo e o comportamento das pessoas que a cerca de uma maneira muito distinta. Aprendem através da acumulação de conhecimentos, da criação de hipóteses e de experiências vividas.

Brincar

    O brincar é um direito assegurado na Constituição Federal do Brasil. Ë uma necessidade para as crianças, pois é fundamental para o seu desenvolvimento psicomotor, afetivo e cognitivo, sendo uma ferramenta para a construção do seu caráter.

    O desenvolvimento psicomotor é a base de usa relação como mundo, pois é através de seu corpo que ela vai se relacionar consigo mesmo, com os outros, com os objetos, enfim, com o mundo ao seu redor. O jogo através do desenvolvimento psicomotor contribui para as relações entre a psiquê e o motor, promove a união entre a ação e o pensamento, assim é uma atividade integradora do corpo como um todo, não segue o modelo cartesiano de divisão corporal.

    O fator afetivo inclui os relacionamentos intra e inter pessoais, ao brincar a criança vai experimentar diversas situações, positivas (quando vence uma brincadeira, alcança um objetivo, entra em acordo com os colegas, etc.) e negativas (perde alguma atividade, não consegue realizar o esperado, entra em conflitos com os colegas, etc.) e é através destas situações que a criança aprenderá a conviver com os outros.

    Por fim, o aspecto cognitivo se refere ao desenvolvimento do intelecto durante as atividades lúdicas. As crianças aprendem brincando, aumentam seu conhecimento através dos parceiros e podem vivenciar a aprendizagem.

O jogo infantil segundo Piaget

    Muito embora a importância dos jogos e brincadeiras tenha hoje em dia o seu valor pedagógico, os estudos sobre o tema foram em sua grande parte influenciados por Piaget e sua obra nos anos 70.

    As etapas de desenvolvimento das crianças dentro da concepção de Piaget são de extrema valia para o entendimento da atividade lúdica e seus efeitos na infância. Os períodos de desenvolvimento são:

  • Período sensório-motor (0 a 2 anos): o desenvolvimento ocorre a partir da atividade reflexa para a representação e soluções sensório-motoras dos problemas

  • Período Pré-Operacional (2 a 7 anos): aqui o desenvolvimento ocorre a partir da representação sensório-motora para as soluções de problemas e segue para o pensamento pré-lógico

  • Período Operacional Concreto (7 a 11 anos): O desenvolvimento vai do pensamento pré-lógico para as soluções lógicas de problemas concretos

  • Período de Operações Formais (11 a 15 anos): A partir de soluções lógicas de problemas concretos para asa soluções lógicas.

        Desta maneira, podemos observar que o desenvolvimento é contínuo, pois cada desenvolvimento subseqüente baseia-se no desenvolvimento anterior incorporando-o e transformando-o (WADSWORTH, 1984).

        Neste artigo, vamos nos deter ao período pré-operacional, pois é o que engloba as crianças que se situam na etapa pré-escolar, alvo do tema. Neste período, Piaget o divide em Estágio Egocêntrico (2 a 4 anos) e em Estágio Intuitivo (5 a 7 anos). Neste período, ocorre um rápido desenvolvimento da linguagem falada, o pensamento é dominado pela percepção, é pré-lógico, o egocentrismo é muito forte até os 4 anos, para as crianças não existe outro ponto de vista que não o seu, é difícil para as crianças desta idade aceitarem outros argumentos.

        Após a compreensão dos períodos de desenvolvimento, voltemos aos jogos e brincadeiras. Para Piaget (1978), o jogo infantil é dividido em três fases distintas: jogos de exercício, simbólico e com regras.

        O jogo com exercício ocorre na primeira infância, surge por volta dos 18 meses de vida e são manifestações de repetições motoras que oferecem um certo prazer para os bebês, são resultados de suas ativas movimentações e resume quase que exclusivamente a manipulações, oferecidas pela descoberta do potencial das mãos. Depois de um ano de vida estas movimentações perdem seu valor e através de combinações das ações dos membros superiores passam a se transformar em uma nova etapa dos jogos de exercício, a construção.

        Após este período, aproximadamente entre 2 a 4 anos, surgem os jogos simbólicos, ou faz-de-conta, são exercícios onde a criança utiliza sua imaginação, primeiramente de forma individual, para representar papéis, situações, comportamentos, realizações, utilizar objetos substitutos (por exemplo, uma espiga de milho pode se transformar em uma boneca).

        A última fase em que Piaget classifica os jogos, são os jogos com regras (a partir de 5 anos). Aqui as crianças passam do individual e vão para o social, os jogos possuem regras básicas e necessitam de interação entre as crianças, são resultados deste tipo de jogo a aprendizagem de regras de comportamento, respeito às idéias e argumentos contraditórios e a construção de relacionamentos afetivos.

    O jogo e a formação da moral na criança

        Através dos jogos com regras, citados no tópico anterior, segundo Piaget (1978), as atividades lúdicas atingem um caráter educativo, tanto na formação psicomotora, como também na formação da personalidade das crianças. Assim, valores morais como honestidade, fidelidade, perseverança, hombridade, respeito ao social e aos outros são adquiridos.

        Os jogos com regras são considerados por Piaget (1978) como uma ferramenta indispensável para este processo. Através do contato com o outro a criança vai internalizar conceitos básicos de convivência. A brincadeira e os jogos permitem uma flexibilidade de conduta e conduz a um comportamento exploratório até a consecução do modelo ideal de se portar com o próximo, resultado de experiências, conflitos e resoluções destes (Bruner, 1968).

        Para Vygotski (1989), há dois elementos importantes na atividade lúdica das crianças no que se refere aos jogos com regras: o jogo com regra explícita e o jogo com regras implícitas. O primeiro destes fatores são as regras pré-estabelecidas pelas crianças e que a sua não realização é considerada uma falta grave, por exemplo, em um jogo de pega pega quem for tocado pelo pegador passa a ser o perseguidor, isto direciona a criança a seguir regras sociais já estabelecidas pelo mundo dos adultos. O outro segmento são regras que não estão propriamente ditadas, mas entende-se que são necessárias para o seguimento do jogo, no exemplo citado acima, não se coloca que as crianças não podem sair do local da brincadeira (como exemplo, uma quadra), portanto as regras implícitas oferecem a criança uma noção de entendimento às regras ocultas, mas necessárias.

    O papel da ética nos jogos e brincadeiras

        A palavra ética significa a busca de uma boa "maneira de ser". Segundo Badiou (1995), para os modernos, ética é como um sinônimo de moralidade, já Hegel, demonstra uma diferença entre ética e moralidade, ao princípio ético ele reserva a ação imediata, enquanto a moralidade se refere à ação refletida.

        Ainda se referindo a Badiou (1995), a ética consiste em preocupar-se com os direitos do homem, os direitos do ser vivo, fazer com que eles sejam respeitados. Ou ainda, "a ética é o reconhecimento do outro" (Badiou, 1995, p. 15), portanto, nas brincadeiras com regras, as crianças começam a exercer esta ética, pois precisam reconhecer o outro para poderem participar, devem respeitar noções básicas de convivência para o bom andamento da atividade lúdica.

        A respeito do conceito de ética, Oliveira (1997) se posiciona:

         (...) ética diz respeito a consensos possíveis e temporários entre diferentes agrupamentos sociais, que, embora possuam hábitos, costume e moral diferente, e mesmo divergindo na compreensão de mundo e nas perspectivas de futuro, às vezes conseguem estabelecer normas de convivência social relativamente harmoniosa em algumas questões.

        Estes consensos e ligações com outras crianças de outros grupos sociais são o que vai produzir na criança, durante os jogos e as brincadeiras o saber conviver com as diferenças, com outras formas de cultura, hábitos, costumes e crenças.

        Mas afinal, qual seria a distinção entre ética e moral? De acordo com Segre (Ética, ciência e saúde, vários autores, 2001), "a ética é o que vem de dentro, enquanto que a moral é algo cultural, que vem de fora, que é muito mais resultado da influência de uma sociedade do que do pensar individual". Mas, é correto afirmar que a ética está sempre interagindo com a moral.

        Assim, chegamos a conclusão que a criança possui sua ética, sua bagagem sócio-cultural, sua história como pessoa, mas, a sua moral é adquirida; e, a brincadeira e os jogos infantis, exercem um importante fator de influência para esta aquisição moral, haja vista que, atividade lúdica é a mais prazerosa pra os pequenos, é a principal atividade da criança (não aquela em que dedica mais tempo, mas sim, aquela em que mais se desenvolve).

        Desta maneira, podemos fazer uma integração entre a ética, o brincar e o jogar, pois se a ética é o cumprimento dos direitos das pessoas, e o brincar é um direito infantil assegurado na Declaração dos Direitos da Criança e na Constituição Federal, então a afirmação: brincar e jogar são éticos, está correta.

    Referências

    • BADIOU, Alain. Ética, um ensaio sobre a consciência do mal. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

    • BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.

    • BRUNER, J. O processo de educação. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1968.

    • DIEM, Liselott, El deporte em la infância. Buenos Aires, Praidas, 1979.

    • FIEP, Federação Internacional e Educação Física, Manifesto Mundial da Educação Física, Foz do Iguaçu, PR: Janeiro, 2000.

    • LE BOULCH. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.

    • OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.

    • PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

    • PIAGET, J. O nascimento da inteligência da criança, Rio de Janeiro, Zahar, 1975.

    • PICQ e VAYER, P. Educación Psicomotriz. Barcelona, Científico-Médica, 1977.

    • VÁRIOS AUTORES (Palácios, Martins, Pegoraro - organizadores). Ética, ciência e saúde: desafio da bioética. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

    • VYGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

    • WADSWORTH, B. Jean Piaget para o professor da pré-escola e 1º grau. São Paulo: Pioneira, 1984.

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