Reanimação Cardio-Respiratória e Estudantes: Como anda o conhecimento e aplicação na Educação Física e Esportes? | |||
Instituto do Esporte, METROCAMP. Faculdade de Educação Física, UNICAMP. (Brasil) |
Fabrício Boscolo Del Vecchio Anelita Helena Michelini fabricio_boscolo@uol.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006 |
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Introdução
Comunicações diversas têm indicado que a execução incorreta de exercícios físicos pode conduzir a problemas crônicos, como a tendinite e as fraturas por estresse, ou agudas, como as luxações e hematomas (Cohen, 2002). De acordo com a gravidade, as lesões desportivas são caracterizadas como: i) com risco de vida; ii) sérias e; iii) sem risco de vida, sendo que as primeiras dizem respeito à urgência, com agravos nas vias respiratórias, coração, cabeça, coluna vertebral, abdômen, tórax, termorregulação e sangramentos internos (Loore; Sland, 1999). Assim, a parada cárdio-respiratória (PCR) é eminentemente grave, com danos neurológicos a partir do seu quinto minuto de instalação e chances raras após o sétimo minuto de ocorrência.
Enquanto a PCR representa acontecimento freqüente na população, com 250 mil mortes anuais nos Estados Unidos da América (Hazinski et al, 2005), no esporte ela é rara, sendo responsável por 5% dos óbitos (Hollmann; Hettinger, 2005). De forma complementar, como profilaxia, estes autores indicam que exames regulares de precaução devem fazer parte do planejamento relacionado ao esporte, salientando a familiarização com as manobras básicas de reanimação cárdio-respiratória (RCR).
Se por um lado diversos textos se atentam para planos de segurança, com considerações à RCR, primeiros socorros e prevenção na transmissão de doenças: i) na prática de exercícios físicos e esportes de alto nível (Andersen et al, 2002); ii) no treinamento de força (Kraemer; Dziados, 2004) ou mesmo iii) nas escolas (Hazinski et al, 2004); por outro, desde a década passada se apresenta claramente a dificuldade na formação especializada em primeiros socorros (PS), tanto no sentido de obras técnicas existentes, quanto de periódicos especializados que permitam consultas amplas (Gonçalves; Gonçalves, 1997). Assim, se estabelece na Educação Física (EF) divergência na formação profissional: enquanto a oferta cursos e capacitação são baixas com, no máximo, disciplina curricular única, a demanda é relativamente alta, tanto no âmbito escolar, quanto nas demais áreas de atuação do educador (Gonçalves, 1997).
Tal idéia é reforçada no sentido de que o professor de EF ou o técnico desportivo são aqueles que oferecem o primeiro cuidado à pessoa agravada, denotando a relevância da educação continuada em PS para estes profissionais (Sundblad et al, 2005). O Colégio Americano de Medicina Esportiva indica, ainda, que todas as instalações de saúde e condicionamento físico devem ter instrutores treinados em RCR básica, sendo que a corrente da sobrevida inclui série de ações criadas para reduzir a mortalidade associada à PCR. Incluem-se os tópicos: 1) reconhecimento precoce e busca de auxílio; 2) RCR precoce; 3) desfibrilação quando indicada e; 4) suporte avançado à vida (ACSM, 2002).
No cenário internacional, textos densos têm dado suporte às práticas de Ensino-Aprendizagem em primeiros socorros, especificamente quando se fala em RCR. Nesse âmbito, acerca do Suporte Básico à Vida (SBV), destacam-se as comunicações da Associação Americana do Coração (Handley et al, 1997). Com efeito, a RCR tem o potencial de salvar vidas em diversas emergências, sendo associada à sobrevivência e prevenção à morte súbita (Madden, 2005).
Dado que a mídia tem se dedicado a apresentar casos de morte súbita relacionada à prática de exercícios físicos no âmbito competitivo ou não e que, de certa forma o profissional de EF tem presença permanente na maioria dos locais de prática, é de se relevar o conhecimento deste, nos procedimentos básicos relacionados à RCR. Assim, objetivo da presente investigação foi quantificar a proporcionalidade de acertos e erros nos passos da RCR em estudantes de educação física, identificando os pontos falhos para superação das dificuldades na aquisição do conhecimento.
Materiais e métodosForam avaliados 103 estudantes de segundo ano de educação física, de ambos os sexos. Participaram do estudo 33 mulheres e 70 homens, respectivamente 32,04 e 67,96%. Eles foram instruídos a abordar manequim (ResusciAne® ) em decúbito dorsal e realizarem o seqüenciamento, na época, adotado como padrão para a RCR. Para tal, passaram por aula teórica sobre o tema e dois momentos práticos orientados e realizados com o próprio instrumento de avaliação.
Os procedimentos foram identificados de forma categórica dicotômica, como certos ou errados, para: 1) abertura das vias aéreas com a manobra de elevação do queixo e inclinação da cabeça; 2) verificação da respiração, através do "ver, ouvir e sentir"; 3) providência de duas insuflações; 4) verificação de freqüência cardíaca, no seio carotídeo ou artéria radial, no segmento distal; 5) execução de quinze compressões cardíacas; 6) providência de duas insuflações; 7) execução de mais quinze compressões cardíacas e, por fim, 8) oferecimento de mais duas ventilações. Embora a literatura aponte a realização de quatro ciclos de Compressão : Ventilação (C:V) como padrão, tomaram-se duas execuções subseqüentes para efeito avaliativo.
Registraram-se, ainda, os totais de acertos e erros de forma absoluta e relativa, no grupo todo e alocados por sexo, além do tempo de execução do processo.
Os valores são apresentados em tabelas com medidas de posição e as inferências testadas: i) quanto à proporcionalidade, pelo teste binomial de proporções (parâmetro em 50% de acertos e erros), e; ii) sobre as diferenças entre procedimentos entre-grupos e intra-grupos, as provas não paramétricas de Mann-Whitney e Kruskall-Wallis, respectivamente (Thomas, Nelson; 2002). Adotou-se nível de significância de 0,05, segundo Gonçalves (1982).
ResultadosNa tabela 1 são expressos os valores acerca do total de acertos e tempo de execução, no geral e em cada segmento. De forma ampla, o percentual de acertos foi da ordem de 54,61%, com ligeira predominância masculina de êxito médio. Por outro lado, quanto ao tempo de realização, a média se encontrou em pouco mais de um minuto (74,70 ± 21,86 segundos), porém, com maior agilidade entre as mulheres (68,36 ± 17,67).
Adicionalmente, são expressas as cifras e proporcionalidades de acertos e erros em cada uma das etapas propostas (Tabela 2). No entanto, vale apontar que não ocorreram diferenças significantes entre grupos por procedimentos, percentual de acertos ou mesmo por tempo. As maiores dificuldades se instalaram nas repetidas seqüências de duas insuflações. Os testes binomiais, indicando falta de diferença significante entre acertos e erros, conduzem à observação de indesejada presença destes últimos.
Especificamente nas mulheres, apresentou-se quantidade destacada de erros (33,33%) na verificação da respiração, o que não houve no grupo masculino. Entre elas, chama a atenção também a dificuldade em verificação da circulação, por meio de pulsação carotídea e/ou radial (45,45% de erros). Nos homens identificam-se dificuldades nos procedimentos relacionados às insuflações, tanto após a verificação da respiração (52,86% de erros), quanto nas primeiras séries pós-compressão cardíaca (45,71%).
No que concerne às massagens, apenas o grupo feminino não apresentou diferença significante entre acertos (57,58%) e erros (42,42%), demonstrando alto índice destes últimos. Por fim, o procedimento que apresentou maior ineficiência foi o que envolveu as últimas duas respirações: no grupo todo houve diferenças significante entre acertos (33,01%) e erros (66,99%).
Já na perspectiva intra-grupos, são expressas diferenças significantes no último procedimento (2º ciclo de insuflações), que apresenta rendimento inferior que todos os anteriores (p<0,05). No grupo todo, a última ventilação apresentou-se mais problemática que todos os eventos que a precederam (p<0,05), com exceção da primeira ventilação artificial. Esta, por sua vez, foi inferior em relação aos dois atos anteriores e aos dois posteriores a ela.
Entre os homens, os dois primeiros passos foram significantemente melhores que as três insuflações artificiais, sendo que a primeira se apresentou de forma inferior aos eventos relacionados à verificação e compressões cardíacas. Os dois últimos eventos, relacionados às ventilações, também apresentaram maior número de equívocos quando comparados com a verificação de pulso e primeiro ciclo de compressões cardíacas. Por fim, o último ciclo ventilatório apresentou rendimento inferior que o penúltimo.
Este comportamento também esteve presente entre as mulheres e, além disso, a realização das respirações finais é significantemente inferior aos procedimentos de verificação da respiração e compressões iniciais. A abertura de vias aéreas, como primeiro passo, apresentou-se com melhor rendimento que o terceiro, quarto, sétimo e oitavo procedimento.
DiscussãoOs valores obtidos na realização do Suporte Básico à Vida e execução da RCR apontam para considerações na forma de Ensino-Aprendizagem dos segmentos a serem executados. As investigações que abordam o treinamento em RCR têm indicado baixo poder de realização e fixação dos procedimentos usados nos hospitais por enfermeiras (Madden, 2005) ou mesmo entre médicos do esporte (Lavis; Rose; Jenkinson, 2001). De forma geral, neste estudo, foi observado que quanto mais posteriores os eventos, maiores as chances de equívocos, especialmente nos ciclos ventilatórios.
A literatura observa que o volume de ar injetado e a profundidade das compressões cardíacas são os procedimentos realizados de maneira mais inadequada, com até 76% de erros (Madden, 2005). Entre médicos do esporte e do exercício, na perspectiva de formação inglesa, observa-se alto percentual de falhas em aspectos como aberturas de vias aéreas, checagem da respiração e da circulação (com aproximadamente 25% de erros) e, principalmente, na providência adequada de RCR (ventilações e compressões), com 44% de imprecisões (Lavis; Rose; Jenkinson, 2001). Salienta-se, ainda, que no ABCD envolvendo abertura de vias aéreas, ventilação artificial, circulação e danos neurológicos, percentuais de falha são da ordem de 64% (Lavis; Rose; Jenkinson, 2001). Neste estudo, os maiores problemas foram identificados nas ventilações artificiais e, quanto mais posteriores, maiores as chances de falhas (até superiores a 60%).
Esforços somam-se na convergência de deixar a RCR mais fácil e eficiente (Roppolo et al, 2005). Assim, padronização quanto à utilização de duas mãos na compressão, tanto em crianças, quanto em adultos (Stevenson et al, 2005). Como alternativas facilitadoras do processo de RCR, se vinculam idéias de compressões cardíacas serem desempenhadas sem acompanhamento de insuflações, dado que diferenças não significantes foram encontradas na sobrevida de acometidos por PCR submetidos a procedimentos com e sem as ventilações (Gottlieb, 2005).
Acerca da ventilação, Thierbach et al (2005) reportam que, se realizada de maneira incorreta, pode conduzir a sintomas relacionados à hiperventilação nos provedores do primeiro atendimento. No entanto, destaca-se o não abandono deste gesto pelos órgãos de representatividade na área, pois quando o sujeito treinado realiza-a, as chances de sobrevivência são severamente aumentadas (AHA, 2005a).
Embora não existam dados, em humanos, que disponham da freqüência ótima entre C:V, ela tem sido amplamente discutida (Hazinski, 2005). Se por um lado o algoritmo de 15:2 provê melhor fornecimento de oxigênio, em detrimento ao 5:1, tanto para um quanto para dois socorristas (Lockey; Nolan, 2001), tal razão foi recentemente alterada para 30:2 (AHA, 2005a). Neste estudo foi adotada a relação de 15:2, pois, até então, não havia novos textos sobre o assunto. Mesmo assim, entre as mulheres, não foi a quantidade de repetições o indicativo de problema, e sim a má localização dos membros superiores e a falta de pressão adequada para efeito compressor.
Lista de checagem para a realização de RCR correta tem sistematicamente sido alvo de divulgações, apresentadas com ênfase nos procedimentos pedagógicos para esse fim (Chamberlain; Hazinski, 2003). No entanto, as dificuldades de leigos aprenderem, reterem e realizarem os procedimentos que compõem a RCR estão em destaque (Gottlieb, 2005). A formação do primeiro socorrista, no âmbito desportivo ou não, remete há mais de 120 anos de prática e, ainda assim, muitas de suas práticas permanecem com fundamentação científica precária (AHA, 2005b). Indicam-se capacitação profissional e atualização pelas entidades responsáveis (Lavis; Rose; Jenkinson, 2001). Vale lembrar ainda, como ressaltado por Sundblad et al (2005), que as pessoas da EF são aquelas mais próximas aos praticantes, tantos desportistas quanto estudantes e que, como educadores, têm de prover cuidados e conhecimentos.
ConclusõesNeste estudo que, pioneiramente, quantificou os procedimentos relacionados à Reanimação Cardio-Respiratória em estudantes de Educação Física, observou-se percentual significativo de falhas nos componentes relacionados à verificação da circulação e compressões cardíacas, entre as mulheres, e de forma ampla, equívocos na realização da ventilação artificial. Isto aponta para novos pensamentos na abordagem de padronização e de ensino, para maior retenção do conhecimento aplicado.
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revista
digital · Año 11 · N° 103 | Buenos Aires,
Diciembre 2006 |