efdeportes.com
Interfaces entre orientação sexual e Educação Física:
reflexões a partir de uma proposta de intervenção
na escola pública de ensino fundamental ciclo II

   
*Professora da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo.
**Universidade Presbiteriana Mackenzie/ Universidade de São Paulo.
(Brasil)
 
 
Lílian Danyi Marques*  
Jorge Dorfman Knijnik**
jk@usp.br
 

 

 

 

 
Resumo
     A sexualidade é um assunto que sempre esteve presente na escola. A vida sexual da criança e do jovem invade a sala de aula, e é impossível para o professor fechar os olhos em face disto. Principalmente para o de Educação Física, que lida com o corpo, local privilegiado das manifestações da sexualidade. Diante disto, este estudo vem apresentar uma proposta de intervenção em Orientação Sexual, com seis oficinas de 120 minutos cada uma, realizada por um professor de Educação Física. Nesta pesquisa, contou-se com 20 sujeitos, entre meninos e meninas compreendidos na faixa etária de 12 a 16 anos regularmente matriculados na 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental Ciclo II numa Escola Pública de Barueri.
    Unitermos: Educação Física. Orientação sexual. Escola.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006

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Este texto é fruto do Trabalho de Conclusão do Curso (TGI) de Licenciatura
em Educação Física na Universidade Presbiteriana Mackenzie da primeira
autora, orientada pelo segundo autor, e foi um dos vencedores da categoria
Licenciatura do 1º Concurso de TGIs da Faculdade de Educação Física da UPM.
Todos os seus procedimentos metodológicos foram aprovados pelo Comitê
de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie (processo 398/11/03)
.

Introdução

    A sexualidade sempre esteve presente na vida do ser humano sob diversas formas. Glorificada nas civilizações greco-romanas, mitificada em tribos africanas, reprimida e abafada na Época Vitoriana. Porém, ela nunca esteve tão em evidência como nos dias de hoje, vista tanto nos meios de comunicação de massa como nas conversas de pessoas inseridas nas mais diversas classes sociais.

    Se a Psicanálise Freudiana demonstrou que a sexualidade é um dos fatores que impulsionam a vida, e na atualidade o discurso psicanalítico se transformou em assunto cotidiano, por outro lado, a amplificação que a mídia proporciona, colocou o tema "na boca do povo". São centenas de publicações, programas de rádio e TV, sítios na Internet, que lidam com a sexualidade. De forma obscurantista, pornográfica, erótica, educativa... O fato é que "sexo" está presente, e com força, no cotidiano da vida brasileira.

    Apesar de tamanha exposição, discutir este assunto ainda é um desafio, porque se vê mais discurso do que diálogo, intensificando dúvidas e até a divulgação de meias verdades ou informações erradas a este respeito, gerando tabus variados. (Louro, 1999).

    Nestes termos a sexualidade das pessoas passa a ser uma necessidade social de responsabilidade não somente da família, mas também do Estado. Pensando-se em amplas políticas de saúde pública, o Estado torna-se também responsável pela sexualidade da população, necessitando promover programas tanto de intervenção quanto de prevenção e de educação na área.

    A educação pública formal, pela sua enorme abrangência, e por ser uma das primeiras obrigações do Estado, também deve pensar e atuar no campo da sexualidade, em todos os níveis possíveis de ação. Assim, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), a Orientação Sexual é um dos Temas Transversais da Educação sugeridos por estes documentos, que deve se disseminar por todo o campo pedagógico, sem restringir-se a uma única disciplina (ALTMANN, 2001).

    Neste contexto, a escola aparece como local privilegiado para um trabalho deste naipe, posto que é o espaço por excelência no qual ocorrem manifestações da vida sexual.

    Portanto, cabe à escola, e não apenas à família, desenvolver uma ação crítica, reflexiva e educativa para a promoção da saúde dentre seus alunos - e neste contexto, podemos apontar a Educação Física, como uma disciplina que possui um espaço privilegiado para este desenvolvimento pedagógico.

    Entretanto, o texto de Orientação Sexual proposto pelos PCN's, apesar de bem estruturado e elaborado, dificilmente consegue ser colocado em prática, pois apesar de propor a obrigatoriedade desta atividade em todas as escolas, e nos diversos ciclos de ensino, não discute que, no Brasil, não há quantidade suficiente de educadores preparados para cumprir esta tarefa, e que, portanto, seriam necessários anos para que estes fossem capacitados adequadamente. Assim, há o risco desta implementação cair em desuso. (Pinto, 2002).

    Baseado nisso, o presente trabalho visa, num primeiro momento, apresentar uma proposta de intervenção em Orientação Sexual na escola, cujo interlocutor seja o professor de Educação Física; pretende também trazer à tona discussões e reflexões sobre a sexualidade.

    Apresentar debate acerca do Tema Transversal de Orientação Sexual, implica refletir sobre o papel da escola na formação de cada um dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem em diversos aspectos de sua vida, e não somente no nível cognitivo.

    Todavia, os profissionais responsáveis por este trabalho, devem encará-lo como um desafio, muitas vezes de cunho pessoal, posto que ainda não existem nos cursos de formação dos professores em nível de graduação, disciplinas específicas que contemplem o tema da sexualidade para ser desenvolvido nas salas de aula, embora tal temática seja um assunto urgente. Por isso, os professores que trabalham com este tema acabam agindo por meio do seu bom senso, empregando a sua experiência pessoal, ou mesmo procurando informações de forma esparsa, em literatura especializada, núcleos de trabalho, universidades públicas, etc.

    Por se tratar de um assunto delicado e muito presente na vida de todos, não é recomendável que seja abordado única e exclusivamente de forma esporádica em palestras ou quando alguma situação emergencial vier à tona. Discuti-lo, trabalhá-lo com crianças e adolescentes, requer e implica uma formação adequada que proporcione a reflexão de valores e atitudes inseridas na Cultura em todas as suas formas de expressão e representação.


Orientação sexual na escola

    Geralmente, apesar da intensa presença da sexualidade na vida cotidiana da escola, o tratamento fornecido ao tema é de repressão mediante o moralismo. Entretanto, por mais que se tente colocar "panos quentes" sobre este tema, a sexualidade se mostra uma ocupação de toda a escola. (PINTO, 1999)

    Para Foucault (2001), o excesso de informação que muitas vezes é transmitido na escola sobre este assunto, se pauta no retalhamento do conhecimento. Logo, a sexualidade é tratada de maneira superficial e imune à reflexão. Todavia, a escola "fala" da sexualidade mesmo quando não quer, e por vezes grosseiramente, seja na arquitetura, na sala de aula, no arranjo dos pátios de recreio, ou nos regulamentos elaborados para a vigilância dos alunos.

    Chegamos, no entanto, a um momento histórico em que essa maneira com que a escola trata a sexualidade tem de ser explicitada; para Pinto (1999), no período atual não se faz mais sentido lidar com sexualidade de forma velada; "se queremos um mundo mais maduro e esclarecido, não se pode dar preferência ao implícito em detrimento da explicitação das questões relativas à sexualidade". (p. 17).

    Esta ausência de diálogo acaba tornando-se um agravante, dificultando com que as pessoas lidem adequadamente com a sua sexualidade, em razão da falta de informação e da falta de espaço para debates sérios. Ressalta-se que grande parte das atitudes da sociedade no que diz respeito à sexualidade se baseia na culpa e na repressão, com conseqüências pesadas para a vida comunitária. Culpa e repressão que advêm do excessivo controle social sobre a sexualidade. (PINTO, 1999).

    Sob esta nuance, consideramos que a escola é um lugar propício para que se formulem as primeiras propostas de Orientação Sexual, tendo em vista que é neste ambiente que comumente surgem os primeiros beijos, contatos físicos, desejos confessos e inconfessos, situações de inadequação, desde os pequeninos que se masturbam na sala de aula até os adolescentes se "amassando" em público ou "rolando" as escadas. É na escola que as crianças e adolescentes se sentem à vontade para desabafar. Sendo assim, a escola deve encontrar fundamentação para que estes estejam informados, além do espaço para discussão dos aspectos psicológicos inerentes ao tema sexualidade. (BOASAÚDE, 2003)

    Todavia, as escolas ainda relutam em introduzir assuntos referentes à Orientação Sexual, ainda que na nossa realidade, o cotidiano seja marcado pelo sexo exposto em capas de revistas nas bancas de jornal, nas danças dos programas de televisão, nas imagens comerciais em outdoors e na Internet, adentrando assim a cabeça e a vida dos alunos, e conseqüentemente, a sala de aula. (EDUCABRASIL, 2003).

    Outro aspecto que merece atenção é a forma como boa parte das escolas têm trabalhado com a questão da orientação sexual. Verifica-se a importância que se dá em abordar o assunto a partir do ponto de vista biológico, medicalizado, como por exemplo, ao se tratar de anticoncepção, que é vista com o viés único de se evitar uma gravidez precoce ou "indesejada"; entretanto, poder-se-ia propor uma ampliação deste atendimento, tentando se refletir com a jovem mulher sobre seu direito de dizer sim ou não a uma relação sexual, de decidir por si própria se quer ou não engravidar ou de reconhecer o seu corpo não só como fonte reprodutora, mas também como de prazer e propriedade sua. (DÍAZ, 1999).

    A questão é que muitas instituições escolares acreditam que o fato de estarem promovendo palestras, distribuindo material preventivo e fazendo reuniões esporádicas, já é o suficiente em termos de educação sexual, e assim estão cumprindo aquilo que os pais esperam, e que os próprios PCNs apregoam. Cabe a nós refletirmos se isso realmente está contribuindo para alguma tomada de decisão por parte dos envolvidos ou apenas está enfatizando o velho estigma de que sexualidade deve ser somente tratada no ambiente familiar. (WEREBE, 1998)

    O trabalho de orientação sexual não deve se ater apenas a aspectos biológicos ou informativos acerca do tema, mas sim, abrir espaços para que jovens possam debater tabus, os preconceitos e a educação sexual de forma geral, buscando ampliar seus conhecimentos sobre a vida sexual e sobre a própria sexualidade. (PINTO, 1999)

    Em casa, a criança recebe as primeiras impressões e informações a respeito de si própria e de sua sexualidade, por meio de gestos, toques, palavras e atitudes dos pais entre si e com seu filho ou filha. Toda a família educa sexualmente seus filhos de diferentes formas e a cada momento: a expressão do olhar, na conversa, na escuta, no abraço, assim como no afastamento, no silêncio ou até mesmo na repressão verbal ou física. A criança aprende a desenvolver a sua capacidade de amar a partir dessas experiências e vínculos. O fato de a família ter valores conservadores, liberais ou progressistas determina, em sua maioria, a educação sexual de seus filhos. (FALAEDUCADOR, 2003).

    A família que ama, que acolhe e que cuida é a mesma que reprime e pune as manifestações sexuais e que prega o sexo como algo ameaçador e proibido. É a educação feita no dia-a dia pela família e pela sociedade que fornece a base para que os indivíduos adotem um referencial diante da sexualidade. (FALAEDUCADOR, 2003).

     Por outro lado, a Orientação Sexual, considerada formal, ganha espaço institucional das escolas sob a forma de ações, programas e projetos deliberados. Esta abordagem pode promover a difusão de informações relativas à sexualidade, acompanhadas de questionamentos e discussões sobre o tema. (MULTIRIO, 2003)

    A Orientação Sexual em escolas, na forma oral, pretende ser um espaço para a reflexão sobre a educação sexual. Suplicy (1998, p. 41 e 42) afirma que ela

"[...] é uma proposta limitada, que visa preencher lacunas das informações que não foram obtidas em casa, erradicar preconceitos e possibilitar espaços para a discussão de emoções e de valores. [...] A orientação sexual, além de assegurar o conhecimento das informações biológicas, deve possibilitar, sobretudo, a conversa sobre sexo num sentido mais amplo, abrangendo as emoções e o amadurecimento que sua vivência traz."

    O fundamental é a possibilidade de se desenvolver um trabalho educativo positivo e direcionado de valorização humana, mesmo que limitado o seu alcance, através de uma intervenção pedagógica adequada, que possibilite ao jovem capacidade de escolha e a diminuição dos sentimentos de culpa. (MULTIRIO, 2003).


Orientação sexual como tema transversal

    As questões referentes à sexualidade não se restringem apenas ao âmbito individual. Ao contrário, para que se possa melhor compreendê-la, faz-se necessário contextualizar os comportamentos e valores pessoais numa dimensão social e cultural.

    Os conceitos relacionados à sexualidade e àquilo que se valoriza são também produções sócio-culturais, em que diferentes códigos de valores se contrapõem e disputam espaço. A exploração comercial, a propaganda e a mídia em geral têm feito uso abusivo da sexualidade, impondo valores discutíveis e transformando-a em objeto de consumo. (BRASIL, 1998).

    A sexualidade é algo que se constrói e se aprende, é parte integrante do desenvolvimento da personalidade, capaz de interferir da alfabetização ao desempenho escolar, e por isso, a escola não pode ignorar essa dimensão do ser humano e tem que investir na formação de professores para dar conta da tarefa.

    Para isso, optou-se por integrar a Orientação sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais, através da transversalidade, em que os objetivos e conteúdos dos Temas Transversais, no caso em questão o da sexualidade, deveriam ser incorporados às áreas de conhecimento já existentes e no trabalho educativo da escola. (BRASIL, 1998).

    Os PCN's pretendem ser um referencial gerador da reflexão e discussão dos currículos escolares, como uma proposta aberta e flexível, que pode ou não ser adotada pelas escolas no momento da elaboração de suas propostas curriculares. (ALTMANN, 2001)

    No entanto, após a implementação dos Temas Transversais, acredita-se que pouquíssimos professores estariam aptos e capacitados para levar tal temática à sala de aula, posto que em sua formação acadêmica não houve espaço adequado para a discussão destas temáticas no que concerne ao contexto escolar. (PINTO, 2002)

    Neste sentido, a fim de atingir estes objetivos, o Tema Transversal de Orientação Sexual deve, portanto ocorrer de duas formas: inclusas na programação semanal, através de conteúdos transversalizados nas diferentes disciplinas do currículo, e como programação extracurricular, assim que surgirem questões relacionadas ao Tema. (ALTMANN, 2001).

    Desta maneira, verifica-se que só será possível abordar a sexualidade no contexto escolar, por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de reconstruir as informações, pautando-se sempre no respeito a si próprio e ao outro; deste modo, os alunos e alunas conseguirão transformar, reelaborar ou até reafirmar concepções e princípios, construindo de forma significativa o seu próprio código de valores.


Orientação sexual na Educação Física

    Os Temas Transversais dos PCNs devem estar presentes em todas as áreas educativas do Ensino Fundamental - sua abordagem deve ocorrer em todas as disciplinas. Entretanto, conforme as peculiaridades de cada um destes Temas, eles acabam por serem mais facilmente abrangidos e tratados por algumas das disciplinas ou áreas escolares.

    Neste contexto e dentro desta perspectiva, os conteúdos e mesmo a práxis da Educação Física parecem indicar que esta seria uma das áreas em que melhor se enquadrariam os objetivos propostos pelos PCNs no tocante ao Tema Orientação Sexual. Por ser uma área de conhecimento que lida diretamente com o corpo do educando - o lócus por excelência em que se manifestam os prazeres e as angústias referentes à sexualidade - a Educação Física, e seus professores, vêm sendo muitas vezes vistos, seja academicamente, pelos alunos ou mesmo por gestores da educação, como uma área e como educadores cujo potencial estaria diretamente ligado às questões da sexualidade.

    Como afirma Tiba (1994: 108):

"Hoje a educação sexual é indiscutível e nenhuma escola para adolescentes deixa de abordá-la. A questão, agora, não é decidir se trata ou não do assunto, mas sim saber como lidar com ele. Por enquanto, a maioria das escolas deixa o assunto nas mãos dos professores e não tem muito controle sobre o que eles falam em classe ou conversam nos corredores com os alunos. E os alunos muitas vezes escolhem professores de outras matérias (não o escolhido pela escola) que se mostram mais abertos à aproximação. É um aspecto importante: apesar de a escola decidir, o aluno é quem escolhe, nos intervalos, quem vai orientá-lo. Nesses casos, o aluno tende a 'eleger' quem lida com o seu corpo, como o professor de Educação Física".

    Este comentário de Tiba não é único. Diversas representações simbólicas referentes à área de Educação Física dão isto como certo. É comum e corrente, entre profissionais da área, e mesmo entre professores de graduação na Universidade, o comentário que o professor de Educação Física deveria ser o responsável por trazer à tona as questões da sexualidade, uma vez que lida com o corpo.

    No entanto, esta representação do professor de Educação Física como aquele que, por conta da sua área e de seus instrumentos de trabalho, seria um dos "ideais" para consolidar a Orientação Sexual na escola, não encontra um paralelo com o que realmente ocorre em termos de formação profissional, tampouco com a produção acadêmica e pedagógica da área - nem mesmo com a presença efetiva de educadores da área em programas que atuam diretamente em questões ligadas à vida sexual.

    Na formação do professor, nos cursos de licenciatura, não se encontram disciplinas específicas sobre a sexualidade - por vezes, alguma disciplina reserva uma ou duas aulas para lidar com esta questão, tempo que se mostra claramente insuficiente para dar ferramentas ao licenciando no sentido de uma atuação séria num tema tão delicado. Tampouco na literatura científica, se encontram trabalhos relacionando a Educação Física a esta temática.

    Os próprios PCNs da área de Educação Física, ao abordarem os Temas Transversais, especificamente a sexualidade, não dão nenhuma pista para o professor. Inversamente, o texto dos Parâmetros neste quesito, inicialmente traça generalidades como "jogar, lutar e dançar pode representar, portanto, a possibilidade de expressar afetos e sentimentos, de explicitar desejos, de seduzir, de exibir-se". (Brasil, 1998: 41).

    A seguir, o texto acaba por misturar e confundir questões de gênero como se fossem referentes à sexualidade, como mostra o trecho abaixo, o qual erroneamente está inserido no item Orientação Sexual dos PCNs de Educação Física para o ciclo II do Ensino Fundamental:

"Outra questão presente no universo da cultura corporal de movimento e da sexualidade diz respeito à configuração de padrões de gênero homem e mulher e sua relação com o corpo e a motricidade, padrões que se constroem e que são cultivados desde a infância, pautados em referências biológicas e socioculturais. Essa construção pode ser compreendida pela explicitação das atitudes cotidianas, muitas vezes inconscientes e automáticas, pautadas em valores preconceituosos. Por exemplo, com relação à habilidade das meninas para jogar futebol, é comum surgirem frases como:"ela joga bem, parece até homem jogando", "aquela menina é meio macho, olha como ela joga bem, pode até jogar com a gente", e, nesses casos, é fundamental que se questione o modelo de eficiência que tem como referência o jogo masculino. Essa visão em si já está permeada de valores culturais e estabelece padrões de identificação para a caracterização de gênero em relação com a motricidade, pois as características mais genéricas da motricidade do gênero masculino, como força e velocidade, e do gênero feminino, como coordenação e equilíbrio, devem ser compreendidas independentemente do valor que socialmente se atribui a elas". (BRASIL, 1998: 41 e 42)

    Ou seja, os próprios PCNs da área lidam com questões tipicamente relativas às relações sociais de gênero - como é o caso das representações de esportes masculinos e femininos, especificamente o futebol em nossa sociedade - como se fossem temáticas referentes à sexualidade. Não que estes temas não possam e não estejam muitas vezes entrelaçados, ou que a problemática das relações de gênero não deva estar presente na Educação Física. Ao contrário, é um tema de suma importância, e lidar com novas configurações da masculinidade e da feminilidade na contemporaneidade, e com preconceitos, estigmas e discriminações daí advindos nos parece fundamental.

    O que não se pode é confundir uma coisa (a sexualidade) com a outra (o gênero), correndo o risco de não se trabalhar corretamente em nenhum dos aspectos.

    Tiba (1994) acrescenta que o conteúdo de Orientação Sexual, por estar nas mãos dos professores, faz com que a linha pedagógica dependa muito da própria formação pessoal deste, que pode transmitir seus próprios conceitos, preconceitos e ainda veicular valores aos alunos.

    A Orientação Sexual na escola é o estímulo de atitudes de autocuidado, preparando sujeitos conscientes no que diz respeito a maneira de viver sua sexualidade, sujeitos que incorporem a mentalidade preventiva e a pratiquem sempre. A Educação Física mostra-se um espaço privilegiado para isso, seja por seus conteúdos e dinâmica de aula ou pela relação estabelecida entre professor e aluno nesta aula (ALTMANN, 2001). Poderíamos acrescentar que pelo próprio caráter lúdico das atividades desta aula, quase sempre realizadas em outro lugar que não a sala de aula, com os alunos em outra disposição corporal, mais ativos, não sentados passivamente, "assistindo aula", também favorece o contato entre as pessoas, e as relações aluno-professor.

    Desta relação entre professor e aluno, é que surgem os modelos de referência facilmente transpostos à vida de cada um dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, por mobilizar os aspectos afetivos, sociais, éticos e de sexualidade de forma intensa e explícita, que propiciam ao professor de Educação Física um conhecimento abrangente de seus alunos.

    Assim, este trabalho objetiva relatar e analisar um trabalho de Orientação Sexual realizado com alunos de uma escola pública, a partir do referencial pedagógico de uma professora de Educação Física, que coordenou estas atividades.


As oficinas de Orientação Sexual - descrição

    No intuito de averiguar a interação entre professor de Educação Física, suas estratégias e formação próprias, e a questão da orientação sexual, nesta pesquisa, foram realizadas 06 oficinas de Orientação Sexual com duração de 120 minutos cada, na forma de intervenção em uma Escola Pública de Ensino Fundamental de Ciclo II no município de Barueri para alunos da 7ª e 8° séries, com idade entre 12 e 16 anos. Para isso, foram selecionados 20 alunos de acordo com o interesse em participação do projeto, e também por meio de sorteio.

    Nas oficinas, o registro foi feito mediante filmagens e demais materiais construídos em conjunto com os sujeitos da pesquisa. Portanto, fez-se necessário a colaboração de um auxiliar de pesquisa, estudante de Educação Física, para a filmagem das aulas, selecionado de acordo com os critérios de sigilo que esta pesquisa faz jus.

    Considerando a natureza do estudo, as sessões foram temáticas, com conteúdos escolhidos de acordo com as dúvidas e curiosidades dos participantes. Portanto, a estratégia adotada para as oficinas, foi a de debates e cenas, conforme Paiva (2000), com a participação de grupo misto, com a utilização de atividades e dinâmicas provindas da Educação Física.

    A trajetória da construção metodológica deste estudo seguiu a trilha aberta por Knijnik (2003):

  1. Vale-se do referencial conceitual acerca da sexualidade inserida no contexto escolar, tendo como pano de fundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's);

  2. Organizaram-se oficinas de sexualidade em Escola Pública do município de Barueri com duas finalidades: a primeira, realizar uma ação de abertura de espaços de diálogo para que jovens estudantes, matriculados na 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental Ciclo II, pudessem discutir e refletir sobre suas dúvidas, angústias, temores e alegrias concernentes à própria sexualidade. Posteriormente procurou-se fazer uma leitura atenta destas mesmas oficinas, depreendendo conclusões, a partir do referencial interdisciplinar relacionado à Educação, Educação Física, Gênero e Sexualidade, com possibilidade de aplicação para a formação e atuação de professores de Educação Física - ou seja, é uma metodologia caracterizada pela ação na pesquisa.


Descrição das Oficinas

  1. 1ª Sessão

        Esta oficina foi destinada para a seleção dos sujeitos que integrariam todas as ações posteriores. Anteriormente, já houve uma explicação em cada classe da escola, com a entrega do material de consentimento esclarecido, pessoal e familiar - assim, os que vieram neste dia já haviam entregado todo este material, respeitando assim os parâmetros éticos que regem intervenções científicas desta natureza.

        Neste dia a diretora permitiu que a oficina fosse realizada no período de aula e que a pesquisadora reunisse os interessados em participar do estudo. A reunião deu-se na quadra, onde compareceram cinqüenta e duas pessoas, que foram selecionadas por intermédio de sorteio, restando apenas vinte.

        A próxima etapa consistiu em apresentar os objetivos gerais da pesquisa e o formato das oficinas ao grupo. Logo em seguida, passou-se para a realização da primeira dinâmica de socialização - o Bingo Humano1

        Nesta atividade os indivíduos mostraram-se entusiasmadíssimos, e procuraram desenvolver esta tarefa com as pessoas com as quais tinham maior afinidades.

        Após isso, foi solicitado que os alunos formassem grupos de até 5 pessoas para a elaboração das regras de convivência que norteariam as Oficinas de Orientação Sexual - passo seguinte, foram acordadas as regras que foram negociadas e consensuais a todos os participantes.

        Neste mesmo dia, foi distribuído o inventário I para diagnosticar quais os temas de maior interesse dos sujeitos nas oficinas, para o planejamento das próximas sessões.


  2. 2ª Sessão

        Esta oficina iniciou-se com a releitura das regras estabelecidas pelo grupo e, por conseguinte a aplicação do Inventário II para o levantamento de conhecimentos prévios, curiosidades, dúvidas, expectativas e medos.

        O tema deste encontro foi "sexo" e para isso contou-se com o psicodrama proposto por Paiva (2000). O objetivo desta atividade foi de estimular os participantes a associarem livremente idéias relacionadas ao SEXO, falar do medo, do preconceito, das dúvidas, dos sentimentos e de tudo aquilo que os envolve ao pensar nesta palavra.

        Inicialmente, a orientadora, com o auxílio de música ambiente tinha por função dar as coordenadas, da seguinte forma:

        "Todos em pé! Vamos levantar e andar livremente, em círculo pela sala. Agora vamos sair do círculo e ocupar todos os espaços da sala, caminhando. Agora vamos correr, sem trombar com os outros! Agora mais devagar!... mais devagar, em câmera lenta... mais rápido mais rápido.... devagar, devagar... em câmera lenta... de mãos dadas com o amigo... pode soltar... correndo novamente."

        "Agora vamos andar normalmente, devagar, respira fundo... pensar, sem falar, respirar fundo, cada um consigo mesmo... quando penso em sexo, qual a primeira coisa que me vem à cabeça, sem falar só pensar (pausa de 8 segundos), .. quando penso em sexo, qual a primeira coisa que me vem à cabeça, sem falar só pensar (pausa de 8 segundos). Pense em tudo aquilo que vocês acreditam... seus medos...curiosidades....dúvidas, o que seus pais dizem. Respire fundo... e continue pensando... mais uma vez, respire fundo. Procure visualizar os seus pensamentos. Agora pode reunir-se em grupos e falar o que te veio à cabeça" Terminada esta parte, solicitou-se aos alunos que, reunidos em grupo, elaborassem cartazes, segundo o que pensaram durante a atividade anterior. Nestes cartazes, surgiram diversas concepções acerca da sexualidade, como: homossexualismo, amor, paixão, tesão, gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, medo... Em nenhum momento foi abordada a questão do sexo como fonte de prazer e opção de cada um. Quando se solicitou aos sujeitos que discursassem sobre os seus cartazes, eles ficaram inibidos e restringiram suas falas ao que estava expresso no material confeccionado.

        O Grupo I abordou questões de namoro, diálogo com os pais sobre sexo, gravidez na adolescência e prostituição. O Grupo II discursou sobre o amor, romantismo, tesão, gravidez, paixão e felicidade. No Grupo III, as falas giraram em torno das Doenças Sexualmente Transmissíveis e sobre o medo e a responsabilidade da gravidez na adolescência, em termos de privações da vida do jovem de sair, paquerar e se divertir. E por último, o Grupo IV tratou de questões, sobretudo do homossexualismo, órgão genitais e prevenção de uma gravidez indesejada.

        No final desta sessão foi passada uma urna, na qual os indivíduos depositaram suas dúvidas e perguntas a serem respondidas na 5ª sessão (debate). E a seguir foi realizada uma avaliação conjunta da oficina, que segundo os participantes, foi enriquecedora e divertida, e, segundo um deles, "um momento no qual puderam falar com maior liberdade sobre sexo".

  3. 3ª Sessão

        O tema desta oficina foi a "história da sexualidade", que teve início com a releitura das regras de convivência entre todos, pois havia ocorrido um intervalo entre a última sessão e esta de cinco dias, e avaliamos que seria importante se recordar o que havia sido estabelecido no primeiro encontro.

        A atividade principal deste dia consistia numa dramatização acerca da história da sexualidade, da Antiguidade aos dias atuais; portanto, havia a necessidade da formação de grupos, que foram selecionados por intermédio de uma dinâmica para que cada grupo fosse montado de forma mais aleatória possível.

        Na apresentação das dramatizações os temas escolhidos foram:

    • Grupo I: valorização da virgindade, com a mulher sendo propriedade dos pais e depois do marido e ainda sobre a questão da infidelidade, que no caso das mulheres era punida com a morte. (Antiguidade);

    • Grupo II: sexo visto como pecado da carne e a gravidez fora do casamento como algo proibido, desonroso à família (Cristianismo);

    • Grupo III: as mulheres utilizando-se de poções e simpatias como método contraceptivo e ainda sendo acusadas de enfeitiçar os homens pela sedução, e por isso, perseguidas. (Idade Média);

    • Grupo IV: surgimento da AIDS e a preocupação com as Doenças sexualmente transmissíveis. (século XX).

        As dramatizações foram extremamente enriquecedoras, cada grupo se preparou e trouxe para a oficina todas as questões propostas, que foram debatidas por todo o grupo, com surgimento de diversas dúvidas que foram sendo discutidas e esclarecidas não somente pela professora, mas por todos que se julgassem aptos a fazê-lo.

        Os minutos finais desta oficina foram destinados a uma sessão de perguntas e respostas, geradas pelo tema da masturbação: "o homem quando se masturba o faz com as mãos no pênis e, a mulher, precisa introduzir o dedo? Não é perigoso perder a virgindade?". Os alunos ficaram surpresos ao descobrirem que não há a necessidade da penetração do dedo para que a mulher se masturbe. O que demonstrou que tal temática está permeada de tabus e medos típicos de quando se fala de virgindade e masturbação.


  4. 4ª Sessão

        Esta sessão destinou-se a abordar assuntos como a Anatomia Genital e Anticoncepção. De início foi solicitado aos sujeitos que dissessem todos os nomes pelos quais são chamados o pênis e a vagina, e posteriormente fazer a classificação correta dos termos, por exemplo: pinto = pênis; periquita = vagina, e assim por diante. Os participantes ficaram encabulados no começo, depois sentiram-se mais à vontade para falar do que conheciam.

        Após esta atividade foi solicitado aos sujeitos que desenhassem em folhas de papel os órgãos sexuais do homem e da mulher, atribuindo-lhes os nomes das partes de cada um; a seguir, foram - se esculpidos em argila tais órgãos. A partir destes desenhos e esculturas, e das dificuldades que aí surgiram - por exemplo, os meninos faziam as genitálias masculinas de forma proporcional com as de um adulto ou jovem, mas no que tange aos órgãos femininos tinham dificuldades em esculpir os pequenos e grandes lábios e ainda a quantidade de orifícios da mulher; já as meninas detalhavam mais os órgãos femininos e nos masculinos, construíam de forma disforme e desproporcional - foram sendo feitos desenhos na lousa, detalhando-se cada órgão genital, sua função e estrutura. Em meio a muitos risos, os alunos e alunas foram se esclarecendo mutuamente sobre seus corpos, proporcionando um conhecimento maior, mais abrangente e respeitoso em relação a corpos diferentes.

        A próxima etapa consistia em falar de métodos contraceptivos. Para tal exposição, levantaram-se inicialmente os conhecimentos que os alunos já tinham com relação a estes, e em seguida explicou-se quais dos métodos mencionados eram chamados de naturais e não-naturais. Logo em seguida, de acordo com o interesse dos alunos, foi sendo detalhado cada um deles e respondidas as questões durante a explicação da pesquisadora.

        Passado este momento, a próxima atividade consistia em ensinar como se usar adequadamente o preservativo masculino, com orientações verbais e ao final uma mostra prática de como colocá-lo em uma mandioca. E assim, foi distribuída uma camisinha a cada um dos participantes para a experimentação na mandioca, e outra camisinha de brinde para cada aluno. Os alunos mostraram-se curiosos e com vontade de aprender como utilizar corretamente o preservativo. Verificou-se uma certa dificuldade em manipular o preservativo e introduzi-lo na mandioca como havia sido recomendado.

        Ao final se comentou que as camisinhas haviam sido doadas pela Secretaria da Saúde e retiradas em Postos de Saúde, e que qualquer pessoa pode retirá-las nos postos.

        No entanto, o questionamento vinha a partir da vergonha que sentiriam em fazer isso, e o medo de serem apontados ou ridicularizados. No final da sessão, três dos participantes procuraram a pesquisadora para solicitar mais preservativos, pois comentaram que não teriam coragem de pedir em Postos, por conhecerem as pessoas que lá trabalham.

        Na avaliação desta oficina, os alunos disseram ser a melhor que haviam realizado, e ainda comentaram que os participantes já estavam mais desinibidos, o que favoreceu a participação nas atividades. Lembraram que muitos dos assuntos lá discutidos não eram do conhecimento deles - tais como os métodos naturais da tabelinha e temperatura e sua validade.

        Percebemos também que a maior apreensão dos alunos em relação aos métodos anticoncepcionais é a de evitar uma gravidez indesejada, preocupação que supera em muito o desejo da prática do sexo seguro como fonte de prazer. Por falar em prazer, diversas conversas durante as oficinas mostraram que as adolescentes (as meninas) acreditavam que o sexo só é prazeroso ao homem, e para a mulher muitas vezes causa sensação de desconforto senão dor, principalmente durante as primeiras relações sexuais.


  5. 5ª Sessão

        Esta oficina destinou-se ao debate das questões que foram depositadas na urna que foi passada na 2ª sessão e permaneceu presente em todas as outras oficinas. De início, foi solicitado aos participantes que relembrassem o que foi trabalhado na sessão anterior, e em seguida foi realizada uma dinâmica de descontração e entrosamento do grupo.

        Logo depois dos participantes serem novamente lembrados do compromisso que haviam firmado quanto às regras de convivência e as condutas a serem seguidas, para que não houvesse zombarias ou desrespeito entre eles, os papéis das urnas foram sendo abertos, com a proposta que os participantes responderiam quando solicitados, com os seus conhecimentos já adquiridos durante as oficinas prévias, sendo que a professora coube a função de mediadora do processo.

        Num segundo momento, os participantes foram divididos em dois grupos para que debatessem entre si as temáticas levantadas. As questões, em sua maioria giraram em torno de temáticas como masturbação, 1ª relação sexual, virgindade, homossexualismo, sexo, prevenção de gravidez indesejada e tabus sexuais em geral.

        Esta oficina levou um pouco mais de 120 minutos, devido o interesse no debate pelos sujeitos e a participação deles na formulação de novas questões. De maneira geral, eles apontaram gostar da sessão e pedir que houvesse outros momentos como este, pois eles já previam que a próxima seria a última oficina.


  6. 6ª Sessão

        A última oficina teve como objetivo a confraternização e avaliação da Proposta e aplicação das Sessões de Orientação Sexual. Para tanto, os alunos foram dispostos em círculos, para que a pesquisadora explicitasse como se desenvolveria o processo de avaliação do projeto e para que finalizasse as sessões discursando a respeito dos acontecimentos atrelados a este.

        A seguir, foi solicitado aos alunos que escolhessem um local da escola em que estes se sentissem mais confortáveis para dar os seus depoimentos finais com relação ao projeto desenvolvido. Lembrando-se que a avaliação foi individual, e que no ambiente selecionado estaria, apenas, o aluno, a orientadora e o auxiliar de pesquisa.

        A etapa seguinte consistia nos alunos reunidos entrevistarem a professora orientadora das oficinas sobre assuntos de seus interesses, ainda que refletissem aspectos pessoais da entrevistada, sendo facultada a ela a resposta das perguntas elaboradas.

        Nas entrevistas, os sujeitos alertaram sobre a forma como se desenvolveu o Projeto, alegando que superou a expectativa, na medida em que esperavam "aulas teóricas sobre sexo". Um dos participantes, disse que as oficinas mexeram com seus sentimentos e o fizeram encarar a sexualidade como algo normal e importante para todos as pessoas. Complementou o seu discurso dizendo que não é qualquer escola que desenvolve este trabalho, e quem sabe a dele seja a primeira. Todos parabenizaram a pesquisadora e seus auxiliares, solicitando que dessem continuidade ao projeto.


Temas e aspectos gerais das oficinas

  1. Virgindade

        A virgindade foi um dos temas mais presentes nas sessões, principalmente entre as meninas. Verificou-se, contudo, uma grande preocupação em saber como a sociedade atual concebe a característica da pessoa possuir ou não um hímen. Algumas questões depositadas nas urnas ("se a pessoa é virgem e usa OB, pode romper o hímen? Ou só quem usa o OB não é mais virgem?"; "Perder a virgindade dói?"; "se você fosse virgem e seu namorado pedisse para te 'descabaçar', o que você diria? "). Outras perguntas que reapareceram nos debates mostraram como este tema preocupa os e, sobretudo as adolescentes ("Você é virgem?"; "O que você acha da virgindade hoje em dia""Perder a virgindade dói"? "Como saber, sem ir ao médico, se o hímem já rompeu? ")

        Analisando cada uma das questões, concluiu-se que há um tabu muito forte e presente ao tratar esta temática, e que se faz necessário uma constante verificação do ser ou não virgem no grupo participante das oficinas, na qual tanto meninos quanto meninas prezam por tal caracterização. No que concerne ao grupo feminino o estereótipo presente e muitas vezes desejado é o de "virgens"; já no masculino, é o de serem "não virgens".

        Observa-se também um grande temor quanto à postura dos pais frente a esta questão, salientando medos, frustrações e incompreensões, considerando-se que o hímen passa a ser a justificativa de sua valorização perante a sociedade e honra frente à família, como se fosse um troféu, um dote particular.

        Para Suplicy (2000), o hímen é retratado sob dois ângulos; o fisiológico, que até então se desconhece a sua função; e o psicológico, que está diretamente ligado à importância cultural e histórica a que ele esteja inserido. Complementa a afirmação, com o argumento de que a mulher sente-se pressionada em prestar contas de seu próprio corpo quando subscreve:

    [...]o hímen não é percebido como algo que lhe pertença e do qual dispõem como quiser, mas como parte que lhe confere maior ou menor valor de mercado. O hímen sempre foi valorizado de alguma forma em diferentes culturas. Servindo de prova da "virtude" ou honestidade futura da mulher, uma espécie de garantia ou também pra diminuir a ansiedade do homem com o desempenho, que não tinha então que se preocupar com comparações. (p.81)

        O importante parece ser o significado simbólico que é conferido à virgindade. Que sentido tem, para um homem encontrar sua companheira intocada? E qual o sentido para uma mulher guardar-se intocada para um parceiro?

        Aratangy (1995) analisa esta afirmação da seguinte forma:

    Se estamos pensando em honra, dignidade e confiança, melhor seria que fossem colocadas de outro modo, em outro lugar. São valores grandes demais, importantes demais, para serem depositados numa membrana tão frágil e tão pouco confiável. É sempre possível chegarmos virgens a uma nova relação. Pois, diante daquele parceiro em particular, o conhecimento anterior de nada serve. Tudo está para ser descoberto, tudo precisa ser desvelado, para que se faça o caminho em direção ao outro. (p. 101 e 102).

        Desta forma, quando alguém pergunta se "perder a virgindade dói", poderíamos afirmar que a maior dor não é a de natureza física, mas sim aquela exercida diariamente pela cultura, que estigmatiza e pré-conceitua a integridade de uma pessoa.


  2. Masturbação

        A masturbação é uma dessas atividades que as pessoas praticam por debaixo do pano - na hora do banho, de dormir ou em qualquer outro local, dependendo da imaginação e do entusiasmo. Sabe-se que os adolescentes ao chegar à puberdade, começam a fabricar em quantidades altas os hormônios sexuais, que além de promoverem características secundárias lhe conferem um grande tesão. (SAYÃO, 2000).

        Assim como a virgindade, a masturbação carrega consigo uma série de tabus e angústias, senão preconceitos, como demonstram as questões dos alunos e alunas:

    1. "Se masturbar dá prazer?"

    2. "Porque as mulheres se masturbam com a chana?"

    3. "Bater ciririca traz algum bem à saúde"?

        Vê-se que as questões elaboradas dizem respeito às conseqüências do ato de se masturbar ou o porquê de como o mesmo é feito.

        Para Aratangy (1995), a masturbação é um fantasma que sempre apavorou pais e educadores, que acabam por veicular valores como o de que a pessoa que se masturba, estaria "sujeito aos mais terríveis males do corpo e da alma" (p.107).

        No entanto, segundo Suplicy (1998), os adolescentes de hoje em dia temem o que lhes pode acontecer se aderirem a essa prática, argumentando que um ato de tocar os genitais, ocasionando prazer, daria vazão para o medo e angústias. E afirma que a masturbação só é prejudicial quando:

    [...]provoca culpa ou vergonha na pessoa, passando a ser fonte de conflito e de baixa auto-estima. Como o caso de alguém achar a masturbação errada e se propõe a não fazê-la, mas faz e se sente super mal. Fica achando sem força de vontade, pecador, etc". (p.109).

        Uma das explicações pode estar relacionada ao fato da influência da religião que cada um é praticante, já que segundo Suplicy (1998), "algumas religiões ensinam que a masturbação é moralmente errada, embora reconheçam que é freqüentemente e quase inevitável". (p.108).

        Outra explicação está no fato de que muitas pessoas ainda perpetuam idéias como a de que o jovem que se masturba, quando tiver relação sexual, não vai ter orgasmo, pois ficou viciado em tal ato. Ou que o homem que se masturba muito fica "fraco" e não consegue mais ter relações sexuais. E assim segue uma série de argumentações que são responsáveis pelo tabu e temor gerado nos adolescentes quanto à masturbação.

         Mais uma vez, vê-se que os medos gerados pela masturbação dizem respeito à cultura e sua história, e impedem que jovens e adolescentes, vivam a sua sexualidade de forma prazerosa. E que a masturbação, nos dias de hoje, tem um papel específico na evolução sexual e no ciclo de vida do Ser Humano, podendo ser encarada como um ensaio para o sexo adulto. (SUPLICY, 2000)


  3. Contracepção

        Quando se fala em não ter filhos pensa-se também em quando tê-los. A decisão de ser mãe ou pai parece uma escolha, primeiro, bastante pessoal, e segundo, do casal.

        Entretanto, Suplicy (2000), afirma que esta decisão interna também é uma decisão afetada por fatores externos como condição econômica de vida, as pressões sociais, familiares, profissionais, etc. Às vezes a pessoa pode desejar um ou mais filhos, mas não possuem condições materiais para isso. Outras vezes é uma opção de vida de mulher solteira que não deseja criar um filho sozinha ou de um casal que prefere não deixar descendentes.

        As razões para ter ou não filhos variam muito e não existe o certo ou o errado em uma opção que é basicamente individual, ou no máximo do casal. Todavia o erro está em não saber optar e correr o risco de uma gravidez indesejada.

        O uso de métodos anticoncepcionais permite que pessoas mantenham uma vida sexual ativa, sem o risco de uma gravidez indesejada, possibilitando maior prazer e segurança naquilo que se está fazendo. No entanto, durante as oficinas verificou-se uma exacerbação da recomendação do uso de contraceptivos no sentido de prevenção a uma gravidez indesejada, como podemos notar nas seguintes questões:

    1. "Se esqueci de tomar o anticoncepcional e fizer sexo de camisinha posso engravidar? E sem camisinha?"

    2. "Você teria coragem de usar os métodos naturais para não engravidar. Por exemplo o da temperatura e o Método de Billings?"

    3. "Quais são os maiores riscos para engravidar?"

    4. "Posso engravidar tomando remédio ou injeção se transar sem camisinha?"

    5. "E como evita uma gravidez?"

    6. "Você preferia trepar com camisinha feminina ou usar a pílula do dia seguinte?"

    7. "Se durante o primeiro ato sexual sem o uso da camisinha fica grávida?"

          A falta de informação gera medo, frustração, inseguranças e angústias nos adolescentes que optam por iniciar a sua atividade sexual. Foi observado pelos relatos contidos nas oficinas de que pouquíssimos alunos têm conhecimento sobre métodos contraceptivos e em que circunstâncias utilizá-los. E quando o sabem, temem ou se envergonham de recorrer a estes ou a profissionais especializados para a sua recomendação.

    8. "Se a mulher não pode ter filhos, ela pode transar sem camisinha?"

    9. "Posso fazer sexo confiando só na camisinha?"

    10. "Eu gostaria de ver colocando a camisinha na banana?"

    11. "Você iria a qualquer lugar comprar camisinha sem vergonha nenhuma?Por quê?

    12. "Posso engravidar se fizer sexo nos dias férteis?"

        Assim como há dúvidas e inseguranças no que tange a prevenção de uma gravidez indesejada, existem falsas verdades que são observadas em relatos como: "se tiver relação em pé engravida", "uma ducha na vagina após a relação dá para evitar a gravidez?", "Transar com a mulher menstruada não engravida", "fazer xixi após a transa evita gravidez", "a primeira transa não engravida" e etc.

        Suplicy (1998), analisa tais situações argumentando que os jovens vão adiando a decisão de procurar conscientemente o melhor método anticoncepcional a ser usado, achando que não irão ter relações ou que, se tiverem, a garota não vai engravidar.

        Geralmente, com dificuldade de assumir uma vida sexual, com muitas dúvidas e conflitos, os adolescentes não têm condições de tomar essa decisão nem têm força de vontade para evitar intimidade sexual em dias férteis sem um anticoncepcional seguro. (SUPLICY, 1998).

        Para Sayão (2000), as dúvidas decorrem pela falta de diálogo em casa e pelo falta de programas que retratem esta temática no contexto escolar.


  4. 1ª Relação sexual

        Quando se é adolescente, a fantasia de como será a primeira relação sexual se faz presente. Idealiza-se o ambiente, a pessoa, os utensílios, todo o clima em que se vai estar envolto este momento "mágico". Cria-se, portanto, uma série de expectativas com relação à chegada deste momento, que para alguns, é marcante e importante durante toda a vida. Assim como há expectativas, existem medos e questionamentos acerca da relação sexual, facilmente observadas na pergunta abaixo e nos relatos e inventários realizados durante as oficinas.

    "Porque na primeira relação sexual sentimos dor? "

        Para responder a esta questão, primeiramente faz se necessário uma explicação. A vagina é composta de um tecido elástico que se permite moldar a qualquer dimensão do pênis. Uma musculatura que nunca foi exercitada pode oferecer uma certa resistência às primeiras tentativas de penetração. Mas durante o processo de excitação, o muco lubrificante secretado pelas paredes da vagina e das Glândulas de Bartholin, facilita a penetração e faz com que a sensação de incômodo seja suportável. (ARATANGY,1995).

        No entanto, a questão da dor não pode ser esquecida, pois mais do que fisiologicamente esta tem relação direta com o estado psicológico que a pessoa se encontra. O medo de não se sair bem, do parceiro não gostar do seu corpo, a dificuldade em falar da necessidade de estimulação do clitóris para sentir prazer, ou mesmo de não saber nada de sexo e ter vergonha de se mostrar ignorante ou esperta demais, podem levar uma garota a perder o desejo ou não responder sexualmente, ficando tensa e nervosa. (SUPLICY, 2000).

        A ruptura do hímen só dói se a mulher fica tensa e não relaxa a musculatura vaginal. Não relaxando, ela não fica excitada, portanto não se lubrifica e torna mais difícil a penetração do pênis. Se a mulher relaxa e curte o momento, o organismo reage. A lubrificação ocorre e a penetração acontecerá sem maiores problemas. (SUPLICY, 1998).

        Outro fator diz respeito à "experiência fantástica", cria-se uma expectativa que não é necessariamente verdadeira. A primeira relação pode ser muito gostosa, pois é uma experiência de entrega, proximidade e união como você nunca teve antes. Mas, em termos de sexo, a primeira vez certamente não é o momento de maior prazer de sua vida. É algo que se está iniciando e ainda vai melhorar muito com o tempo e com a experiência. (SUPLICY, 1998).

        A sensação de dor tem um forte componente psicológico. O que a mulher sente nas primeiras relações sexuais depende diretamente do significado que ela atribui a esse momento. A educação sexual que teve, os valores que acredita, o que a sociedade concebe, etc. A dor, em si, conta pouco, dentro do intenso contexto emocional em que ela aparece. (ARATANGY, 1995).


Comentários finais

    A sexualidade é um aspecto inerente ao ser humano e se mobiliza de diversas formas. No discurso velado, na expressão de gestos, nos desejos confessos e inconfessos das pessoas. O fato é que ela acaba por adentrar o ambiente escolar e não podemos fechar os olhos em face disto.

    Assim, o que se percebe é que tratar destes assuntos, sobretudo de modo a que os adolescentes possam ter vez e voz, trazendo os seus conhecimentos e mesmo suas dúvidas e temores sobre o tema para dentro da escola, faz com que se cumpram os verdadeiros objetivos de uma educação libertadora que vise a autonomia, principalmente num campo em que o indivíduo estará 'sozinho' diante de suas escolhas e angústias e paixões.

    O professor de Educação Física, caso possua formação adequada para este trabalho, pode vir a ser um dos docentes que mais contribua para este tipo de educação, uma vez que a sua área de atuação faz com que muitas vezes ele ou ela se aproxime fortemente dos alunos, criando um elo facilitador do processo de superação das vergonhas típicas relacionadas à sexualidade, para que ocorra um verdadeiro processo educativo transformador.

    Estas oficinas são uma pequena demonstração de todo o potencial educativo que a área possui, e que precisa ser trabalhado para que não se perca somente em gestos solitários e tentativas individuais, baseados única e exclusivamente no bom senso de professores voluntariosos, mas que estes tenham, aliados a sua intuição pedagógica,bagagem tecnológica, científica e didática suficiente para assumirem e realizarem todos os objetivos que a educação do século XXI se propõe.


Notas:

  1. Esta atividade consiste na apresentação dos alunos entre si através de uma atividade de bingo adaptada em que a cartela é confeccionada com um pedaço de folha de papel demarcado após algumas dobraduras neste. No próximo passo cada um dos alunos cria um apelido para si mesmos compostos pelo nome mais uma palavra que fosse referente à sexualidade, por exemplo, "Li Beijo", "Tata Pênis", etc. Na seqüência, foi solicitado aos participantes que enquanto a música estivesse tocando, sob o controle do professor, eles deveriam se apresentar, com o nome criado, uns aos outros, com um aperto de mão, abraço ou beijo, de acordo com o que preferissem, até que toda a cartela fosse preenchida. Uma vez que todos preencheram as suas tabelas, a turma foi reunida em círculo para o início do bingo, em que cada um levantava e falava o seu nome, para que todos aqueles que o tivessem em suas cartelas marcassem um "X", até que uma das fileiras estivesse totalmente completas, gritando assim bingo!.


Referências bibliográficas

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  • WEREBE, M. J. G. Sexualidade, Política, Educação. Campinas: Autores Associados, 1998.


Outras referências

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  • http://www.multirio.rj.gov.br consultado em 04/03/2003.

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