Dança: movimento e identidade | |||
*Graduação em Educação Física, Especialização em Dança Cênica e Mestre em Engenharia de Produção, UFSC. **Graduada em Letras e Filosofia, especialização em Alfabetização em Inglês para Estrangeiros em Cambridge e Filosofia da Religião, UFPEL. |
Rafaela Liberali Fiamoncini* Silvia Regina Lima Galli** rafascampeche@ig.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006 |
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Introdução
Dança
Falar do homem implica também falar de seu corpo. Corpo estático, em movimento, social, corpo físico, entre outros, pois o corpo em sua idiossincrasia, ao navegar por tempos e lugares diferentes, passa a representar não apenas aquilo que se revela biológico. Mas, o corpo, como lugar onde se inscrevem os elementos culturais presentes nas experiências que os sujeitos vivem ao longo de sua existência, é a primeira forma de identificação, pois logo ao nascer somos identificados através da corporalidade, como homens e mulheres (Sayão, 2003).
Para Teixeira (2003), "ter um corpo é de uma singularidade impressionante. O corpo pode lembrar ou ser muito parecido com o de alguém ou de outros, mas nunca é igual, até porque sua instância básica na dimensão espacial e temporal, da presença do aqui e agora, é moldada e atualizada a todo momento. Especificamente na prática da conscientização do movimento tratamos de um corpo que sabe que sente, sabe que existe e sabe que sabe que existe e sente".
Na dança, o corpo torna-se o veículo de representação de algo. Acompanhando a evolução da civilização ocidental, percebemos que a dança esteve sempre ligada a vida em sociedade, como forma de expressão de diversas culturas. Como arte, é condicionada ao tempo e espaço que habita, porém, ao mesmo tempo supera este condicionamento na medida em que envolve a criação, incita a ação reflexiva e se torna necessária ao homem que a constrói e a aprecia, como possibilidade de conhecimento, comunicação e mudança (Fischer, 1987).
Desde a origem das sociedades, é através das danças e dos cantos que o homem se afirma como membro de uma comunidade. A dança opera uma metamorfose: transformando os ritmos da natureza e os ritmos biológicos em ritmos voluntários, harmoniza a natureza e dá poder para dominá-la (Garaudy, 1980). É utilizava como linguagem corporal, para simbolizar alegrias, tristezas, vida e morte, para celebrar o amor, a guerra e a paz; principalmente como forma de expressão dos sentimentos, emoções, desejos e interesses de uma sociedade.
A dança por sua natureza esta ligada às capacidades criativas e motoras do indivíduo. Composta pelas relações estabelecidas entre o dançarino, seu instrumento (corpo) e a sociedade, através de um processo que se desenvolve conscientemente a partir de elementos existentes ou descobertos (Soares et al., 1998).
Para Pérez-Samaniego e Gómez (2001), as noções de corpo e movimento estão estreitamente relacionadas e devem ser contextualizadas antropologicamente, pois: "O indivíduo conhece o mundo através de sua entidade corporal (...) O homem seguirá vivendo toda sua existência desde e através do seu corpo (...) O homem tem um corpo, o qual está capacitado para mover-se. Graças ao movimento o homem aprende a estar no espaço (...)". Explicando que o corpo resulta de contínuas negociações de informações com o ambiente e carrega esse seu modo de existir para outras instâncias. Para entender como o movimento se aloja no corpo, por exemplo, as ciências que tratam do movimento devem ser consultadas, para compreendermos o que acontece no corpo enquanto processa as informações necessárias à sua sobrevivência, adaptação e reprodução. E, então, descobrir como o movimento se especializa a ponto de transformar em representação teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música ou seja, suas ações no mundo na forma de arte (Katz e Greiner, 2001).
Na visão de Kunz (1994), o movimento como manifestação da evolução das sociedades industriais, da ciência e da tecnologia, busca a melhora da performance, ou seja, o seu sentido funcional. Já que para Capra (1997), "a nova visão de realidade baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos - físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais, transcendendo as atuais fronteiras interdisciplinares e conceituais". Desta forma, os significados direcionados ao movimento humano, conforme citados por Kunz (1994), vem corroborar este pensamento de Capra (1997), no momento em que juntos, abrangem o movimento em sua totalidade, valorizando todas as suas possibilidades. Entre eles está o sentido expressivo, o qual manifesta-se pela expressão de emoções, sentimentos, impressões, gestos, atividades esportivas, artísticas ou pela própria expressão corporal. Nesta perspectiva de expressão e vivência é que geralmente se apresenta o movimento humano na dança.
Na dança, a união entre sujeito biológico e social, observado na teoria de Wallon, enfatiza que o sujeito é determinado por um conjunto complexo de fatores biológicos e sociais, em um contexto que abarca situações internas e externas ao longo de sua historicidade no qual deve-se considerar as exigências tanto do organismo quanto da sociedade. Os processos sociais vão mediatizar o biológico em um complexo processo de subordinação do biológico ao social. Para Wallon a emoção, representada também ao dançar, é um dos principais componentes na formação do ser humano, exercendo poder no desenvolvimento humano. O meio vai agir sobre o indivíduo conjuntamente com a emoção, pois o ser humano expressa a emoção no seu corpo, na musculatura e conseqüentemente no movimento. Com a aquisição do domínio do movimento vão se disponibilizando outras formas de expressão das emoções (Mendes, 2002).
Wallon aprofunda-se na questão de emoção, atividade eminentemente social, afirmando que a emoção nutre-se do efeito que causa no outro, isto é, as reações que as emoções suscitam no ambiente funcionam como uma espécie de combustível para sua manifestação. Devido seu poder de contagio, as emoções proporcionam relações interindividuais nas quais diluem-se os contornos da personalidade de cada um. Constatando que "por meio de jogos, danças e outros ritos, as pessoas realizam simultaneamente os mesmos gestos e atitudes, entregam-se aos mesmos ritmos. A vivência, por todos os membros do grupo, de um único movimento rítmico estabelece uma comunhão de sensibilidade, uma sintonia afetiva que mergulha todos na mesma emoção. Os indivíduos se fundem no grupo por suas disposições mais íntimas, mais pessoais. Por esse mecanismo de contágio emocional estabelece-se uma comunhão imediata, um estado de coesão que independe de qualquer relação intelectual" (Galvão, 1995).
Schilder (1999), adverte que existe uma relação direta do movimento expressivo e sua relação com o modelo postural do corpo. Toda a emoção se expressa no modelo postural do corpo e que toda atitude expressiva se relaciona com alterações características do modelo postural. O modelo postural esta em contínua mudança, retornando às imagens primárias típicas do corpo, que são dissolvidas e logo cristalizadas de novo. Assim, a imagem do corpo tem traços característicos de toda nossa vida, modificando nossa imagem corporal. Conclui relatando que a imagem corporal é um fenômeno social.
O movimento pode ser combinado por estes conteúdos para facilitar ou construir padrões para a dança, esporte, lazer ou trabalho, e também explorado pelo corpo que se comunica e interage com seu meio externo. Todas as relações do indivíduo com o mundo exterior podem se estabelecer através da dança. Dança é arte que se utiliza do movimento corporal para estar no mundo. Quando dançamos oportunizamos ao corpo novas experiências, proporcionando-lhe o acesso a uma linguagem própria, pois um corpo dançando sempre quer comunicar, e sempre comunica-se com quem o assiste. Quando o corpo organiza o seu movimento na forma de um pensamento, então ele dança (Katz, 1994).
Laban citado por Cordeiro (1989), relata que são os movimentos do corpo que traduzem as formas de pensar, agir e sentir. E que, o movimento compreendido desta forma deve assumir um outro nível de importância no desenvolvimento da pessoa e na construção de sua identidade.
Para entender a construção de identidade individual e sua relação com o movimento humano, Keleman (1996) expõe:
O nosso experimentar corporal desponta como uma continuidade de sentimentos que se molda a si mesma como nós. A moldagem da nossa própria experiência é a nossa própria identidade. Quando diminuímos nosso experienciar corporal, nos sujeitamos a deixar os outros dizerem quem somos e quem devemos ser. São nossas mensagens somáticas que nos ajudam a suportar a necessidade de aprovação e dor da rejeição. Tão logo preterimos essas mensagens, começamos a adotar imagens e papéis pré-estabelecidos. Por muito tempo, bastava relacionar-se consigo mesmo e com os outros com base em papéis que nos foram entregues. Perpetuamos categorias precisas para definir a natureza de quem somos - para apontar com precisão o que é ser uma mulher, homem,etc. A maioria de nós tenta criar identidade imitando e desempenhando esses papéis pré-concebidos.
O experimentar tem relação direta com os movimentos da dança e com a imagem corporal. O movimento não deve ser apenas e unicamente compreendido desde o externo. É a expressão da possibilidade de transformar o que o corpo apresenta em si mesmo. O corpo incorpora em si a possibilidade contínua de crescer e perscrutar-se. Esta incorporação é estar em movimento. Cada expressão traz em si a possibilidade de transformação. "O movimento é sempre decorrência da história individual.
É este o interesse exclusivo da relação corpo com sua possibilidade de movimentar-se. São expressões sempre de uma mesma história individual que também se revelam através da linguagem própria deste movimento, desta forma, naquele momento da vida" (Briganti, 1987).
Ao dançar, o ser humano é individual e único, mas em um espetáculo necessitamos do outro para demonstrar um tema que queiramos desenvolver. Mendes (2002) explica a relação que Wallon faz da construção da identidade, através do papel do outro, relatando que o eu e o outro não podem existir um sem o outro, mesmo que antagonistas, ocorre à afirmação da identidade, sintetizando o que é necessário expulsar o outro dentro de si e o que possa conservar para que a pessoa venha a se apropriar e construir sua própria identidade. O papel do outro em todo processo de construção da identidade é imprescindível, pois sem ele não há possibilidade de amadurecimento da consciência. O outro determina a natureza social do homem e as interações sociais vão configurando a personalidade. A gênese do seu eu se faz através da diferenciação e da construção progressiva. A pessoa apropria-se de sua identidade como sujeito social e vai individualizando-se.
Na explicação de Goffman (1988), como sujeito social ele explica que possuímos "uma identidade social, dividida em identidade virtual (caráter que imputamos aquele individuo) e identidade real (caráter e atributos que possuímos na verdade)". E, Keleman (1996), também menciona a identidade social, relatando que cada indivíduo assume ao longo de sua vida, papéis culturais que dão forma à identidade. Papéis na sociedade quer servem a dois propósitos: para dar moldagem, ou seja, o tipo de identidade através do qual o mundo pode me categorizar e julgar; e, também para dar um sentido de continuidade interior e auto-reconhecimento, a partir do qual eu posso agir. Observa-se a relação da identidade social com o movimento, quando De La Taille, Oliveira e Dantas (1992), citam a teoria de Wallon relatando que "o movimento humano começa pela atuação sobre o meio social, antes de poder modificar o meio físico. O contato com este, na espécie humana, nunca é direto: é sempre intermediado pelo social, tanto em sua dimensão interpessoal quanto cultural".
"O indivíduo esforça-se por conseguir um conceito ou imagem satisfatória de si mesmo. Mas salienta que devemos levar em conta o fato de que este sujeito é membro de numerosos grupos sociais e que essa pertença contribui, positiva ou negativamente, para a imagem que tem de si próprio" (Tajfel, 1982).
Paul Schilder (1999), no seu livro "A Imagem do Corpo", aborda o aspecto acima citado por Tajfel, dizendo que "os seres humanos são cercados e cerceados por imagens corporais". Relata ainda que há outro modo de exterminar ou diminuir a forma rígida do modelo postural do corpo - o movimento e a dança. Toda a vez que nos movemos, o modelo postural do corpo se altera. O fenômeno da dança é uma desestruturação e uma alteração da imagem corporal. É um método capaz de transformar a imagem corporal e diminuir a rigidez de sua forma. A conexão das roupas com o corpo, se modifica consideravelmente, aumentando a sensação de liberdade em relação à gravidade e a coesão do modelo postural do corpo. Sem dúvida, a diminuição da rigidez da imagem corporal trará consigo uma determinada atitude psíquica. Assim, o movimento influência a imagem corporal e nos leva de uma mudança de imagem corporal a uma mudança de atitude psíquica.
Para Wallon citado por Galvão (2001), além de seu papel na relação com o mundo físico, o movimento tem um papel fundamental na afetividade e na cognição. Ele admite que a atividade muscular pode existir sem que se dê deslocamento do corpo no espaço. Vincula o estudo do movimento ao do músculo, responsável por sua realização. Diz que antes de agir diretamente sobre o meio físico, o movimento atua sobre o meio humano, mobilizando as pessoas por seu teor expressivo.
Dançar é certamente o melhor meio para se fazer a experiência de diálogo com o corpo: o nosso próprio e o dos outros. Dentro de todas estas questões abordadas, quanta riqueza interior o homem é capaz de se auto-conhecer?
ConclusãoA dança acompanha o homem desde as mais antigas civilizações, na dança o homem transforma a adapta através do movimento, da improvisação, da meditação dinâmica e o movimentar-se, esse envolve o homem em uma evolução perfazendo um caminha de encontro com o homem consigo mesmo - corpo - sociedade. A criatividade e a consciência de si mesmo, situa e identifica, estabelece uma relação com o conteúdo emocional traz a tona a arte, a expressão do que o homem realmente é, um espelhamento de si, da grandeza interior. Na improvisação dos movimentos o homem vê suas inúmeras possibilidades de ser, se estrutura e desestrutura, forma bases para libertar e diminuir suas rigidez e com isso permitir uma mudança corporal e de atitudes psíquicas para uma melhor qualidade de vida e proporciona uma vida mais feliz.
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revista
digital · Año 11 · N° 103 | Buenos Aires,
Diciembre 2006 |