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Aspectos físicos, técnicos e táticos
da iniciação ao futebol

   
Especialista em Futebol.
Universidade Federal de Viçosa -
UFV/MG.
 
 
Fabrício Moreira Filgueira
fmfmoreira@terra.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Em virtude do grande número de crianças e professores diplomados ou não envolvidos na prática do futebol, da proliferação das escolas especializadas, da formação de atletas, da competição no ambiente futebolista e de uma filosofia imediatista, a criança no futebol tem sido submetida a um alto nível de cobranças e exigências em relação ao seu desempenho de modo geral. Esta foi a inquietação geradora deste estudo, realizado através de uma pesquisa bibliográfica, em que se coletou as informações na literatura especializada sobre a iniciação esportiva no futebol. Os estudos apontam que a iniciação com crianças futebolistas na faixa etária de 07 a 13 anos, idade propícia para trabalhos multilaterais, ou seja, para adquirir habilidades corporais (movimentos naturais); treinamento variado e predominantemente com atividades aeróbias; aprendizagem das habilidades coordenativas motoras básicas e desenvolvimento da tática integrada aos processos de capacidades cognitivas. Os estudos sugerem que as atividades e treinamentos esportivos não devem ser sistematizados objetivando uma especialização precoce. Não devem ser enfatizados trabalhos que tendem a objetivar níveis máximos de capacidades psicológicas e fisiológicas da criança. A prática esportiva deve ser adequada às fases de crescimento e desenvolvimento da criança.
    Unitermos: Criança. Futebol. Iniciação.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006

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Introdução

    No Brasil, o futebol é um fenômeno que cativa e impressiona pela sua grandeza. Esse manifesto é natural, mas, para tudo na vida tem a sua hora, especialmente no que tange a prática de esportes na infância. O esporte na infância deve ser tratado de maneira adequada, respeitando a individualidade da criança, independente dos interesses ou objetivos das instituições formais ou informais.

    O esporte deve se adaptar à condição técnica, física e psíquica da criança de forma compatível com as suas necessidades e possibilidades adequadas à sua maturação orgânica funcional. Mas, nem sempre esta perspectiva de respeito ao desenvolvimento infantil é o que acontece na prática, merecendo a atenção deste estudo, no sentido de captar, dentro da literatura especializada, as sugestões e propostas adequadas para intervenção nesta fase.


Iniciação Esportiva ao Futebol

    Para aprender a jogar um esporte qualquer, uma criança deve ter a oportunidade de experimentar um número grande de situações. Cada situação dessas será responsável pela abertura de um grande número de possibilidades, sendo que, cada possibilidade dessas, quando for experimentada, poderá abrir outras tantas.

Ao final de um longo processo, o acervo de possibilidades motoras, intelectuais, sociais, morais, e assim por diante, disponível no jovem que se formou nesse esporte, será imensamente mais amplo que no jovem formado em uma equipe ou escolinha que lhe impôs um sistema de superespecialização (FREIRE, 2002).

    O primeiro fator a ser considerado são as fases de desenvolvimento físico da criança. Existe uma série de transformações ou mudanças da estrutura física da criança na faixa de idade da iniciação no futebol, compreendida nas chamadas categorias menores de 07 á 13 anos de idade.

    Conforme Figura 1, hoje, o futebol é dividido em categorias por idade cronológica, desde as chamadas categorias menores (fraldinha, dentinho, dente de leite):

    É importante considerar, na iniciação esportiva, a idade biológica, o nível de coordenação motora e o grau de inteligência para a elaboração das atividades a serem desenvolvidas pela criança, a fim de contribuir com o maior número de vivências motoras possíveis.

    Na formação de base, todas as coisas devem ser aprendidas por experiências as mais diversificadas possíveis (FREIRE, 2002).

    Haveria outro caminho a seguir no desenvolvimento esportivo que não esse percorrido tradicionalmente, que inclui, nos casos extremos, especialização precoce, contusões, limitações da inteligência, excessos de treinamento? Claro que há, e foi seguido por vários excepcionais atletas do futebol, entre eles, Garrincha, Pelé e Maradona, que aprenderam enquanto brincavam, como qualquer criança de vida normal. Fossem nossos técnicos esportivos melhores observadores, encontrariam nesses fenômenos esportivos a orientação mais segura para suas pedagogias (FREIRE, 2002).

    A prática do futebol, na iniciação esportiva, se manifesta através do jogo, nas diversas manifestações lúdicas que podem ser instituídas na aprendizagem do futebol.

    O jogador de qualidade é aquele que vivencia um número enorme de possibilidades e, para cada situação do jogo, ele encontra a melhor. O jogador de hoje tem poucas possibilidades, imposta por rotinas exaustivas e limitadas, portanto, formando um jogador de pouca qualidade, o que torna o jogo de menor qualidade com movimentos estereotipados, sem qualidade. Por isso, estamos cada vez mais frequentemente vendo jogadores de baixo nível técnico e equipes de péssima qualidade.


Aspectos físicos

    NEGRÃO (1980) alerta para os danos físicos que podem ser ocasionados pelo esporte altamente competitivo praticado em idade precoce.

    O trabalho muscular intenso excessivo, associado a sobrecarga emocional que a competição provoca, pode ocasionar perturbações no desenvolvimento normal da criança, principalmente no ritmo do crescimento em altura e no desenvolvimento somático, funcional e intelectual.

    O esporte competitivo implica treinamentos específicos de cada modalidade, o que poucas vezes vem ao encontro das necessidades fisiológicas da criança.

    Para NEGRÃO (1980), crianças só podem suportar esforços reduzidos, fisiologistas renomados, são unânimes em afirmar a importância de treinamento aeróbico para crianças.

    NAHAS (1980) salienta ainda que,

quando a intensidade e a freqüência das atividades competitivas são grandes e extrapola o ambiente escolar e grupal, exigindo da criança um grau de especialização incomum para a idade em que se encontra, passam a existir dúvidas consideráveis sobre se os benefícios para um desenvolvimento ótimo são importantes bastante para se desprezarem os perigos de lesões e traumas psicológicos (às vezes irreparáveis) .

    Um programa para iniciação esportiva, através do futebol, deve ser regular, equilibrado, voluntário, e agradável, de modo a dar atenção especial às necessidades, potencialidades e aspirações da criança.

    O futebol é um esporte muito complexo, por isso é muito importante que a criança, nos níveis de idade Fraldinha, Dentinho e Dente, tenha uma formação básica, desenvolvendo as habilidades físico-mentais: consciência corporal, coordenação, flexibilidade, ritmo, agilidade, equilíbrio, percepção espaço-temporal e descontração.

Treinamento Físico ao Nível de Idade:

  • Fraldinha (7-8-9 anos): desenvolvimento da psicomotricidade

    Objetivos:

    • formar o esquema corporal;

    • trabalhar com atividades naturais e recreativas.

    Atividades:

    • desenvolver conhecimentos de espaço-temporal, lateralidade e domínio;

    • desenvolver noções de tamanho, peso, altura, direção, profundidade e velocidade;

    • ritmo.



  • Dentinho (9-10-11 anos): a melhor fase para aprendizagem motora

    Objetivos:

    • aperfeiçoamento dos movimentos em geral;

    • movimentos naturais ritmados.

    Atividades:

    • dinâmicas e sem formalidades com técnicas simples e com grandes variedades de exercícios;

    • incorporar as técnicas motoras;

    • desenvolver a criatividade.



  • Dente de Leite (11-12-13 anos): forma pré-desportiva, fundamentos desportivos, período de formação motora específica e, formação física de base: formação corporal, educativo de corrida, rendimento, criatividade e formação física técnica

    Objetivos:

    • formação física de base;

    • fundamentos desportivos.

    Atividades:

    • exercícios com deslocamento utilizando bolas;

    • desenvolver destrezas técnicas.


Aspectos técnicos

    A técnica é uma particularidade do esporte. É uma ação motora perfeita que proporciona o maior nível de desempenho no atleta da forma mais objetiva e econômica possível. A técnica é comum a todos os atletas, e formada pelos fundamentos do esporte.

    No caso, o futebol é muito complexo e, por isso, necessita de uma aprendizagem motora adequada e habilidades específicas, o que, por sua vez, necessita de um acervo motor altamente qualificado.

    Na iniciação esportiva é fundamental falarmos primeiramente em aprendizagem dos movimentos (componentes motores básicos), mais especificamente, em psicomotricidade e, mais tarde, em desenvolvimento técnico (elementos técnicos).

    Ainda referindo-se ao trabalho do aspecto técnico na iniciação esportiva, LUCENA (1998, p.7), comenta que, "[...] através da aquisição de bons hábitos motores, e do domínio de técnicas elementares, é que se fundamenta progressivamente o desenvolvimento técnico da criança".

    Poucos professores, nesse nível, são capazes de ir além do exaustivo exercício de repetir interminavelmente gestos absolutamente descolados do contexto do jogo. Outras modalidades, como o futebol, recrutam seus quadros entre os jovens que aprenderam, nas brincadeiras, a dominar a arte desse esporte (FREIRE, 2002).

    É o conjunto de fundamentos básicos que diferencia o futebol dos demais esportes, cuja peculiaridade está principalmente, no uso dos pés e pernas para executar as ações básicas para defender, atacar e marcar gols, entre outras partes do corpo.

    A metodologia deve ser baseada na variação dos exercícios a serem ministrados de acordo com o nível de idade (fraldinha, dentinho e dente), devendo ser programada quanto à complexidade, intensidade e duração. Nestes níveis de idade, os trabalhos técnicos devem ser formados por ações básicas, não visando a técnica propriamente dita, sem o aperfeiçoamento e sim, objetivando a aprendizagem dos movimentos.

     "[...] esportistas com melhor treinamento em coordenação aprendem uma técnica esportiva mais rapidamente do que aqueles cujo repertório de movimentos é limitado e cuja coordenação é deficiente" (WEINECK, 1999, p.539).

    Ainda segundo o mesmo autor, o treinamento das capacidades coordenativas relaciona-se em muitos pontos com o treinamento da técnica e com seus requisitos imediatos.

Treinamento Técnico ao Nível de Idade:

  • Fraldinha (5-6-7 anos):

    • aquisição de novos movimentos (ampliação do repertório motor).


  • Dentinho (8-9-10 anos):

    • melhor fase para a aprendizagem motora;

    • capacidade de ampliação do repertório de movimentos;

    • variado e pouco direcionado para um maior desenvolvimento técnico.


  • Dente de Leite (11-12-13 anos):

    • favorável para o ensino da técnica geral e para a instrução básica.


Aspectos táticos

    O ensino e o desenvolvimento da tática e da técnica requerem uma grande capacidade intelectual do atleta. A eficácia da tática, especificamente, depende da capacidade de percepção, antecipação e tomada de decisão, o que reflete a capacidade tática e experiência motora do atleta.

    Segundo WEINECK (1999), a tática esportiva é baseada sobre a capacidade cognitiva, técnica adquirida e capacidade psicofísica e direcionada para um comportamento ideal em competições, mobilizando todo o potencial individual.

    É comum esquecermos que o desempenho esportivo também se relaciona aos processos cognitivos, emocionais e à vontade.

    O treinamento da tática não deve ser prioridade e nem enfatizado na formação esportiva na infância. Nesta fase, deve-se priorizar e ensinar a tática através de jogos. O desenvolvimento da tática não se dá através de um treinamento complexo e sistemático, e sim, nas ações do jogo que se justifica a importância do comportamento tático do jogador para o rendimento esportivo, constituindo-se nas inter-relações dos fatores do jogo: espaço, tempo, situação, cooperação, oposição e bola.

    O desenvolvimento intelectual e técnico na formação esportiva está propício para informações básicas e para uma tática geral.

    Os alunos de uma escola de futebol devem receber também formação teórica, obedecendo ao seguinte critério: quanto menos idade tiver o aluno, menos teoria; quanto mais idade, mais teoria (FREIRE, 2003).

    O treinamento esportivo na infância deve ser baseado no desenvolvimento intelectual, técnico e físico do indivíduo, e acompanhado de um aprendizado tático e motor adequado, isto é, os iniciantes devem ser estimulados a perceber as informações relevantes da situação, a fim de decidirem corretamente que gesto motor executar em cada situação. Sendo assim, é preciso que os iniciantes sejam capazes de executarem esquemas táticos de forma consciente com autonomia e criatividade.

    De acordo com GRECO e BENDA (2001), as capacidades táticas estão em direta relação de interdependência e em interação com as capacidades cognitivas, técnicas e físicas.

    A tática está diretamente relacionada aos aspectos físicos, técnicos e psicológicos, e por este motivo estes aspectos estão aqui sendo citados em uma ordem pedagógica.

    A tática depende de 3 aspectos: posição, função e característica do jogador. Esta estritamente correlacionada ao desenvolvimento cognitivo, ou seja, a inteligência do jogador (percepção).

Treinamento Tático ao Nível de Idade:

  • Fraldinha (5-6-7 anos):

    • não há posicionamentos definidos;

    • noções básicas de espaços do campo (defesa, meio e ataque).


  • Dentinho (8-9-10 anos):

    • posições específicas do futebol (forma de rodízio);

    • reconhecer os espaços do campo.


  • Dente de Leite (11-12-13 anos):

    • definir posições;

    • fase inicial da preparação tática.


Metodologia

    Este trabalho de pesquisa bibliográfica está restrito a análise descritiva referente a metodologia da iniciação no futebol, onde a realidade esportiva na modalidade é excessivamente competitiva em que as crianças estão expostas as variáveis dos aspectos físicos, técnicos e táticos que operam sobre o desempenho esportivo.

    A finalidade deste trabalho é propor uma metodologia de treinamento adequada a faixa etária de 07 a 13 anos, nas chamadas categorias Fraldinha, Dentinho e Dente de Leite, a fim de contribuir com discussões a cerca da participação da criança na iniciação do futebol em relação aos aspectos físicos, técnicos e táticos.


Considerações finais

    Segundo FRISSELLI (1994), primeiramente perguntarmos as nossas crianças se é isso mesmo que elas querem, atendendo as suas necessidades, não as dos pais, técnicos, dirigentes ou a outros interesses alheios aos dos agentes principais: as crianças.

    A criança precisa aprender e conviver com o esporte, vivenciar diferentes situações, construir idéias e valores, descobrir sentimentos e incorporar transformações sociais, afetivas, intelectuais e motoras essenciais para a formação do caráter do indivíduo e para o seu futuro esportivo.

    De acordo com CARAZZATO (1999),

É na escola de esportes que a criança terá atividades proporcionais nos solos e na água, correndo, saltando, arremessando e agarrando, iniciando inclusive contato com bolas e outros objetos próprios para o desenvolvimento de sua coordenação motora.

    A otimização do treinamento infantil e de jovens requer um conhecimento básico das condições vigentes em cada faixa etária. Somente este conhecimento possibilita estabelecer um treinamento adequado às necessidades de crianças e jovens (WEINECK, 1999).

    Em relação aos aspectos físicos, as atividades aeróbicas são as mais indicadas para esse nível de idade. Trabalhos multilaterais de longa duração e pouca intensidade. Haja no processo de ensino-aprendizagem uma preparação multilateral do indivíduo, trabalhos de coordenação geral, preocupação com o período sensitível, competição a nível escolar de forma reduzida ou informal.

    A iniciação ao futebol é ideal para adquirir habilidades coordenativas motoras básicas. A princípio, o treinamento técnico deve objetivar a aprendizagem de movimentos, e não o gesto técnico específico do futebol.

    A estratégia ou planejamento tático deve ser simples sem muitas variações de jogo (defensivas e ofensivas), podendo ser em forma de jogos reduzidos com elementos e objetivos essenciais ao jogo formal.


Referências bibliográficas

  • CARAZZATO, J.G. Atividade física na criança e no adolescente. In: GHORAYEB, Nabil; NETO, Turíbio L. Barros. O Exercício: preparação fisiológica, avaliação médica, aspectos especiais e preventivos. São Paulo: Editora Atheneu, 1999. p. 351-361.

  • FREIRE, João Batista. Pedagogia do Futebol. 2. ed. Campinas: Autores Associados (Coleção educação física e esportes), 2003.

  • FREIRE, João Batista. A especialização precoce no esporte. De Corpo Inteiro. decorpointeiro.com.br

  • FRISSELLI, Ariobaldo. Cuidado: Futsal Menores. Boletim Técnico Científico (APEF), Londrina, ano 3, n. 3, jul. 1994.

  • GRECO, Pablo Juan; BENDA, Rodolfo Novellino (org.). Iniciação Esportiva Universal 1: da aprendizagem motora ao treinamento técnico. 1º Reimpressão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

  • LUCENA, Ricardo. Futsal e a Iniciação. Rio de Janeiro. Sprint, 3º edição, 1998.

  • NAHAS, Markus Vinícius. A competição e a criança. Comunidade Esportiva, Universidade Federal de Santa Catarina (Centro de Desportos), p. 2-5, 1980.

  • NEGRÃO, Carlos Eduardo. Os mini-campeões. Caderno de Pesquisa - Laboratório de Avaliação da Escola de Educação Física - USP, São Paulo, (34), p. 28-33, ago. 1980.

  • WEINECK, Jurgen. Treinamento Ideal. 9º edição, São Paulo: Manole, 1999.

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