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O olhar dos alunos sobre a Educação Física escolar

   
Mestranda - UGF.
(Brasil)
 
 
Elaine de Brito Carneiro
elainebcarneiro@bol.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Este trabalho tenta identificar o(s) significado(s) da Educação Física para os alunos do ensino fundamental da Rede Pública de São Gonçalo. A teoria de Lovisolo (1997), a de que as ações dos indivíduos é determinada pela convergência ou não entre os motivos gosto, utilidade e norma, foi aplicada na análise dos dados. Este estudo piloto faz parte da dissertação de mestrado da autora na UGF. O estudo foi realizado com alunos de 7ª e 8 ª séries. Porém, para este trabalho foram selecionados somente seis de um total de treze perguntas. A metodologia de pesquisa utilizada foi a qualitativa e a técnica foi a análise de conteúdo.
    Unitermos: Educação Física. Escola pública. Olhar dos alunos.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006

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Introdução

    Este trabalho consiste em identificar o(s) significado(s) da Educação Física para os alunos do ensino fundamental da rede pública de São Gonçalo. A hipótese geral que estamos nos baseando é a de que os alunos constroem este significado a partir do gosto por esta disciplina.

    Segundo Lovisolo (1997: 51) três motivos destacam-se ao observar a atividade das pessoas de modo descritivo, sob o ponto de vista de como explicam suas condutas. Para o autor

"as pessoas acreditam que fazem coisas ou agem porque: a) seguem uma norma (lei, regra, regulamentação, hábito ou costume ), b) pretendem alcançar algum objetivo ou finalidade utilitária e c) gostam ou derivam algum prazer daquilo que fazem."

    A norma, a utilidade e o gosto podem associar-se ou contrapor-se de várias formas para determinar uma ação. E segundo Lovisolo (Ibdem p. 51 e p. 52), "a convergência entre os três motivos determinaria uma situação ideal na qual realizamos ações porque a norma assim ordena, porque gostamos e porque obtemos alguma utilidade", acrescenta ao dizer que "um mundo humano no qual os três motivos convergissem seria um mundo ideal, talvez um mundo feliz, pois não implicaria em divergências entre normas, utilidades e gostos". E mais : "Viver é desenvolver e usar a arte de conciliar os três motivos; é reduzir suas divergências e as tormentas que provocam" (p. 52)

    Mais adiante o autor aponta para o fato de que estas três motivações "refletem e adquirem significado, no marco de três modos ou imagens de entendermos a conduta em sociedade" (p. 53). E o autor denomina como sendo o "modo ou a imagem" coletivista relacionado ao motivo da norma, o individualista utilitário com a utilidade e por último individualista do prazer relacionado ao gosto. Esses modos ou imagens são entendimentos da ação individual e da sociedade.

  • Modo de caráter coletivista (p.53), "imagina a conduta como resultado de forças coletivas mediadas por processos de socialização. O indivíduo age segundo normas, que expressam representações e valores de seu grupo social ou sociedade").

  • O Modo individualista utilitário (p.54), "concentra suas atenções no indivíduo e na utilidade das ações. Os indivíduos seriam seres , pelo menos razoáveis, que agem procurando alguma utilidade, isto é, tentando preencher alguma necessidade prática, de praxe vinculada à esfera da produção e reprodução". Segundo o autor a natureza dos indivíduos seria interesseira e até egoísta.

  • O Modo individualista do prazer (p.54), "apresenta indivíduos orientados pela obtenção do prazer, da satisfação de pulsões e desejos"

    Com relação o motivo utilidade e gosto, o autor acredita que as pessoas fazem coisas determinadas por razões práticas, por necessidade, pelas exigências de viver e sobreviver, por motivações portanto utilitárias. Ou as fazem porque gostam, porque gratificam seus sentidos, porque são prazerosas, portanto, por razões estéticas. O autor destaca a seguinte observação: Os educadores, familiares e escolares têm grandes dificuldades em despertar o gosto ou prazer pelo esforço em atividades socialmente valorizadas sobretudo pelas suas atividades". E segundo Lovisolo é no gosto que está a singularidade do indivíduo, a sua individualidade, as diferenças e, na procura ativa dos gostos a sua autonomia (p.69).

    E é fundamentada nesta teoria que atribui o agir das pessoas em determinadas situações relacionado aos motivos da norma, da utilidade e do gosto que se tentará identificar as relações da mesma com o estudo dos significados da Educação Física Escolar pelos alunos da Rede Pública de Ensino das Escolas do Município de São Gonçalo.


Metodologia

    A metodologia utilizada apresenta uma abordagem qualitativa. Este estudo piloto foi realizado com dez alunos da rede pública de São Gonçalo. Cinco destes entrevistados são de uma escola da rede municipal, quatro alunos cursam a 8ª série do ensino fundamental e um aluno cursa a 7ª série. Os outros entrevistados são alunos de uma escola do estado deste mesmo município e estão cursando a 8ª série do ensino fundamental. O instrumento utilizado foi uma entrevista semi - estruturada. Ela foi aplicada com um roteiro de treze questões, mas para este trabalho privilegiou-se seis questões diretamente relacionadas ao problema. A técnica utilizada para analisar os dados foi a análise de conteúdo. O objeto desta técnica é a palavra; isto é, o aspecto individual e atual da linguagem. A análise de conteúdo considera as significações, procurando conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça, de acordo com Bardin, (1997).


Discussão dos dados

    Ao analisar as respostas da pergunta, Por que você vai a escola? , identificamos que a palavra futuro aparece nas respostas de nove alunos entrevistados. E todos estes relacionam a sua ida a escola pela importância que esta apresenta para o seu futuro. A palavra progresso também aparece na resposta de um dos alunos, além de depositar no professor a responsabilidade de transmitir o conhecimento necessário para se progredir na vida, quando diz que vai a escola "para aprender com os professores porque eles nos passam tudo que eu preciso para progredir na vida". Observa-se nos discursos dos alunos que a escola ainda traz consigo a imagem formada no século XIX, quando a partir da interferência do Estado na Educação surgem as escolas destinadas a oferecer "um mínimo de educação escolar considerado necessário para a nova vida em comum, complexa e progressiva, da civilização industrial moderna", Teixeira (1969, p.52 e p. 53).

    Observa-se aí que ir a escola está relacionada a utilidade que o estudo poderá ter para o futuro do aluno. Embora este aluno não perceba a utilidade no seu presente. Pois, todos os dez relacionam a sua utilidade para um futuro distante.

    Analisando as respostas da segunda pergunta - O que está faltando na escola para ela se tornar um local em que você tenha mais satisfação em estar presente? , identificou-se que cinco alunos se posicionaram a favor de melhorias das instalações de suas escolas, como: bebedouros, salas de aula, bibliotecas, entre outras. Destaca-se aí a resposta de uma das entrevistadas: "Eu acho que é limpeza das salas, cadeiras, mesa (pixação)! Fica um local muito desagradável de se aprender! ". Dois alunos destacaram a indisciplina dos alunos como um ítem que falta para uma escola mais prazerosa. Outros dois mencionaram a necessidade de organização : "Aqui no ... está tendo muita bagunça, muita desordem, ... ". Em duas outras respostas, eles apontaram a necessidade de melhorar o ensino. Em outras duas respostas, aparece o professor. No primeiro momento há a necessidade de uma maior socialização do professor com o aluno e no segundo momento, o aluno contesta a falta de assiduidade do professor e relaciona isto a deficiência na sua aprendizagem: "... em matéria de professor, as vezes falta muito professor. Não tem como ter muitas aulas e não aprende muitas coisas aqui dentro... ". Apontou-se também o mau tratamento que os alunos recebem dos funcionários da escola, segundo resposta de uma aluna. Ainda analisando o conteúdo da pergunta acima, uma aluna da escola do estado respondeu que falta tudo. "Tudo, limpeza, melhores condições para os alunos. Tudo, está faltando tudo aqui nesta escola! Verbas, tudo, tudo, tudo! Várias escolas aí, públicas aí, tem time de futebol. Nossa escola só as vezes participa de campeonatos. Este ano não vai participar também, por causa de uma confusão teve aí. Falta tudo, tudo, tudo! Acho que assim a gente se interessaria mais pelos estudos". A relação de motivo que aparece na análise dos conteúdos fornecidos pelos alunos é a norma. De acordo com Lovisolo (p.58):

"... há por certo um consenso sobre o fato de a regulamentação da vida escolar pelas normas ter perdido, por várias razões, grande parte de seu poder orientador. Assim, a perda de poder das normas ter-se-ia tornado uma das dimensões centrais da crise da educação escolar, como é repetidamente constatado pelo discurso docente".

    Parece que o mínimo de educação escolar oferecido no século XIX para a civilização industrial da época continua sendo proposta da sociedade contemporânea. Parece que a idéia de se oferecer o mínimo e o acomodar-se a ele anestesiou as consciências daqueles que fazem a Educação neste país, ao ponto de não perceberem ou fingirem, que até mesmo os alunos conseguem distinguir o mínimo do insuficiente e igualar o seu discurso ao dos docentes.

    Na pergunta - Você gosta de Educação Física na Escola? , todos os 10 dez alunos responderam que sim. Dois alunos relacionaram a Educação Física a um momento de descontração. Utilizando para isto o verbo distrair: "Gosto, porque distrai a cabeça". " ... é uma maneira de distrair um pouco a mente". Outros dois alunos justificaram o gosto pela Educação Física porque nas aulas de Educação Física eles praticavam esportes. Um aluno justificou o seu gosto porque na escola que ele estuda, o professor transmite outros conhecimentos e não somente futebol. Outro aluno entrevistado da escola municipal vê na Educação Física Escolar a possibilidade daqueles que trabalham e não podem fazer atividades físicas fora da escola terem um momento de lazer. Uma aluna identifica o momento para jogar o futebol e também o momento de socialização entre os alunos: "Claro, porque gosto muito, é a hora que a gente joga futebol, geral se reúne". Um aluno vê a possibilidade de aprender muita coisa com a Educação Física. Outro aluno afirma aprender várias coisas com a EF.

    Analisando o conteúdo desta pergunta observou-se uma relação muito evidente do motivo gosto com a prática da Educação Física. Observamos também que a relação utilidade aparece de forma bem diluída. Ou seja, o que motiva a participação dos alunos nas aulas de Educação Física é o gosto, é o prazer em participar.

     Na quarta questão - O que você proporia para que as aulas de Educação Física se tornassem mais prazerosa? , propuseram mais jogos. Outros dois alunos sugeriram uma maior diversificação nas aulas: "Não só dá a mesma coisa sempre, as mesmas coisas repetidas. Dá um dia volei, basquete, assim fica melhor" .Os alunos parecem perceber que as aulas de Educação Física acontecem muito pelo improviso, não havendo diversificação do seu conteúdo. E o mais interessante é identificar que os próprios alunos percebendo a falta da didática da Educação Física na Escola, tentam resolver o impasse, sugerindo eles próprios o que e como a Educação Física deva abordar os seus conteúdos. Uma aluna demonstra a necessidade de realizar atividades físicas e desportivas fora da escola. Um outro aluno diz que "os professores deveriam dar os esportes que os alunos gostam para que todos participem juntos, dar ginástica também". Um aluno identifica não ter sugestão, estando bom para ele a Educação Física. E ainda um outro sugere mais tempo para o futebol e direitos iguais para meninos e meninas. Parece que falta norma, regra, regulamentação no conteúdo e na didática das aulas de Educação Física.

    Ao fazer a quinta pergunta - Existe alguma diferença entre a atividade físico - desportiva praticada fora da escola e a Educação Física Escolar? E por que? , quatro alunos que praticavam atividades fora da escola responderam não ver diferença entre as duas. Segundo resposta de um aluno: "Acho que não, é tudo igual ! ". Duas alunas não responderam por não praticarem atividades físico desportivas fora da escola. Três alunos do município observaram diferenças. Analisando as respostas observou-se que a diferença identificada pelos alunos está nas normas de funcionamento destas estruturas fora da escola. As atividades oferecidas fora da escola estão voltadas para o desempenho físico, técnico e tático das modalidade esportiva.

    Na sexta e última pergunta - O que a Educação Física significa para você? , obteve-se as seguintes respostas: _ Um amor pelo esporte._ Me sinto livre! Venho de um monte de matéria e na Educação Física me sinto distante._ Fico mais relaxada!_ Me sinto feliz, me sinto contente porque a gente vai fugir um pouco da sala de aula. Na Educação Física a gente fica mais livre, mais solto, relacionado ao espaço._ Lazer dos alunos, melhor momento que tem..._ Alegria._ Significa muita coisa. Porque a gente aprende bastante na Educação Física. É muito bom que a gente distrai a cabeça no colégio._ Uma matéria boa de se lidar, de praticar esportes, só!_ Não tenho como explicar. Não sei o que ela pode ser!_ Significa um exercício para o corpo e para a mente._ A Educação Física ajuda a gente a repor as energias de outras áreas. A Educação Física relaxa a gente mais. Deixa a gente mais relaxada. As outras áreas ocupam muito a nossa cabeça. É mais prazeroso do que outra matéria. Observou-se aí que os alunos relacionam o significado da Educação Física com a estética. "A estética é um conjunto de discursos que discorre sobre o gosto e o prazer fundados no sentido"( Lovisolo,1997,p:65).


Considerações finais

    A Educação Física é uma disciplina obrigatória como as outras, no currículo do ensino fundamental. Pôde-se observar que os alunos são movidos pelo gosto ao se relacionarem com às aulas de Educação Física. E o significado da Educação Física para estes alunos está relacionado ao modo ou imagem individualista do prazer de acordo com as análises realizadas e as linguagens apresentadas pelo autor na referência de análise desta pesquisa piloto, feita com os alunos da Rede Municipal de São Gonçalo.


Referências bibliográfica

  • Bardin, L.(1997). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

  • Lovisolo, H.(1997). Estética, Esporte e Educação Física. Rio de Janeiro : Sprint.

  • Teixeira, A . (1999). Educação no Brasil. 3ª edição.Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

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