Atletismo nos jogos internos da Educação Física:
compreendendo os motivos do desinteresse de sua prática |
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*Acadêmicas do Curso de Graduação de Licenciatura em Educação Física - UFSC. **Prof. Dr. do Curso de Educação Física - UFSC. (Brasil) |
Patrícia Daura de Souza Patrícia Silveira Abreu Janira Américo Belmiro* Edison Roberto de Souza** patricinhasouza@pop.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006 |
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Introdução
Diante de algumas observações realizadas no JINEF1 e no próprio andamento do curso durante o ano de 2005, percebeu-se que há um certo desinteresse por parte dos alunos do Curso de Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) pela modalidade de Atletismo. Para exemplificar, pode-se destacar que esta modalidade apresenta um baixo nível de aceitação entre os acadêmicos, ficando entre aquelas menos praticadas durante os Jogos do Curso.
Levando em consideração esta recusa da modalidade entre os acadêmicos do curso de Educação Física, procurou-se compreender as razões de tal manifestação, uma vez que a disciplina de Atletismo é desenvolvida durante três semestres na graduação, sendo estes iniciais e consecutivos. Entretanto, isto não tem sido suficiente para motivar os alunos à prática desta atividade enquanto modalidade esportiva.
Paralelamente a descoberta destes motivos, o estudo convergiu numa investigação bibliográfica, na busca de nos remeter a compreender como o atletismo é desenvolvido nas escolas, principalmente por acreditarmos que o Atletismo é um dos desportos mais importantes e que deveria ser vivenciado por todos os alunos, já que evidencia os movimentos naturais do ser humano como correr, saltar e lançar.
Porém, Souza (2005, p.5), no pensar em possibilidades concretas do ensino do atletismo nas escolas, aponta alguns princípios que precisam ser discutidos e respeitados em nossa ação pedagógica. Dentre eles, destacamos:
Precisamos compreender as diferenças conceituais entre Atividade Natural e o Atletismo. A primeira denominação diz respeito aos gestos básicos de correr, saltar e lançar, próprio do homem. Estas atividades naturais fazem parte do patrimônio motor humano. Desde os primórdios, o homem sempre se valeu destas atividades para sobrevivência, soberania, sendo fundamentais na resolução de seus problemas rotineiros. A segunda é codificação dos gestos básicos em esporte, atividade social e cultural. As corridas, os saltos e os lançamentos, reunidos, só se tornaram desporto depois de sofrerem um processo evolutivo de regulamentação e sistematização de técnicas específicas em sua prática.
Segundo o autor, precisamos, sobretudo, pela sua inexpressiva difusão no âmbito escolar, oportunizar as crianças e adolescentes, recuperarem a alegria de jogar e brincar com as corridas, saltos e lançamentos. Com desenvolvimento destas qualidades naturais, codificadas, estaremos proporcionando à criança o interagir com a riqueza de uma multiplicidade cinética significativa e fundamental ao seu desenvolvimento.
Refletindo sobre os valores na escola optamos por uma pesquisa de campo descritivo exploratório na busca de identificar os olhares de futuros profissionais da educação física com relação às possibilidades pedagógicas do atletismo. A Amostra constituiu-se por 18 sujeitos (acadêmicos do curso de graduação em educação física da UFSC), sorteados aleatoriamente entre as diferentes fases do Curso. Eles responderam uma única questão aberta e apontaram os motivos principais do significativo desinteresse pela modalidade de Atletismo durante a realização do JINEF, no segundo semestre letivo de 2005.
Procurando as razõesO atletismo apresenta qualidades fundamentais no desenvolvimento da criança. Suas possibilidades pedagógicas na escola são de uma intensidade indescritível. Porém, para que seja interessante e desperte o interesse infantil deve ser desenvolvido sob forma de jogo, pois segundo Souza (2005), estas atividades são possibilidades concretas da criança experimentar e vivenciar o domínio do corpo em movimento, interpretando suas sensações proprioceptivas e tátil-cinestésicas. Na atividade lúdica, a criança adquire liberdade de ação e de expressão, principalmente pela construção de movimentos imaginativos e criativos. E nesse processo de relação com o mundo via brincadeira, ela vai ampliando sua consciência a respeito de si mesma e do mundo. É um contínuo processo dialético de interpessoalidade e intrapessoalidade.
Assim, temos de entender que a ação motora da criança no seu movimentar, resulta de uma combinação de diversos fatores, antropológicos, biológicos, culturais e psicológicos. O seu desenvolvimento motor sofre uma forte influência da sensação, da percepção, da cognição, da emoção e da memória. O movimento da criança é singular e tipicamente humano, principalmente porque o seu corpo é muito mais do que um corpo físico se deslocando no tempo e no espaço é muito mais do que um simples conjunto de alavancas, ele é a sua instância de interação com o universo.
Com todas as possibilidades de desenvolvimento de diversas dimensões da criança através do jogo, centramos a discussão relacionada à dimensão motora, fundamental para compreendermos suas implicações na aprendizagem do Atletismo.
A partir do 11 anos, devemos, através do jogo, iniciar o ensino do atletismo, pois a partir desta faixa etária em decorrência do nível de maturação de seu sistema neuromotor e do controle da vontade, a criança adora a execução de atividades que envolvam e ponha em provas suas qualidades físicas (gestos naturais). Seu desenvolvimento motor depende diversos fatores, e quanto mais ricas forem suas experiências lúdicas, maior será a evolução. Através de jogos com regras e de exploração, é capaz de coordenar movimentos físicos associados a relações cognitivas, não só em movimentos amplos como também em movimentos específicos.
Assim, além de formativos, o atletismo também oferece a qualquer um a chance de descobrir pelo menos um tipo de aptidão física esportiva em que poderá garantir seu desenvolvimento futuro como esportista praticante. Portanto, através do jogo a criança desenvolve várias qualidades físicas que associadas aos aspectos técnicos específicos poderão ser fundamentais no processo de aprendizagem desta modalidade, além de proporcionar a iniciação em outras.
Partindo deste pressuposto pode-se considerar o atletismo como fonte de desenvolvimento de gestos básicos que podem ser explorados em outros esportes, pois as qualidades físicas desenvolvidas por este desporto, tais como a velocidade, a força, a agilidade, a destreza, entre outras, serão comuns em outras modalidades.
Desenvolvendo estudos monográficos como pré-requisitos parciais de conclusão do Curso de Educação Física na UFSC, Pacheco (1999), Chaves (2002), Prudêncio (2002), discutindo sobre o tema, apontam que é na iniciação do atletismo que se descobre qualidades físicas fundamentais para a inserção da criança em outras modalidades esportivas, como por exemplo, uma criança que tem boa impulsão vertical, pode praticar o voleibol, a que apresenta força de explosão de braço pode praticar o handebol, com boa velocidade pode se destacar no futebol no basquetebol. Desta forma, entendem que o atletismo é uma iniciação e descoberta de talentos para outras modalidades.
Sendo assim, é um equívoco tornar o atletismo ausente na escola e nas aulas de Educação Física, pois este desenvolve o domínio corporal, instrumento conhecido como fundamental para o desenvolvimento sensorial, motor e intelectual da criança, e que também tem seus reflexos na aprendizagem das demais disciplinas curriculares. Portanto, ao pensar no atletismo na escola, além de refletir sobre suas possibilidades de afloramento de habilidades motoras básicas, tem-se que compreendê-lo enquanto ferramenta educativa
Portanto, partindo destas reflexões, buscamos com este estudo compreender os motivos que levam o desinteresse dos acadêmicos de praticá-lo enquanto modalidade dos jogos internos da Educação Física. Qual é origem desta rejeição?
Assim, com a intenção de desvelar os motivos deste desinteresse, a primeira constatação surgida a partir das respostas obtidas aponta a ausência desta modalidade durante o período escolar a partir da 5ª série do Ensino Fundamental, o que na visão dos acadêmicos que na sua grande maioria também passaram por esta situação, não permite aos alunos um conhecimento e uma vivência que pudessem despertar um maior interesse em praticar a referida modalidade. Tal fato é ilustrado nas falas abaixo:
"Acho que a pouca prática das modalidades do atletismo no ensino escolar brasileiro, leva a crer que seja o motivo de tal desinteresse".
"Acredito que isso se deva ao fato de que esta modalidade não é tão praticada desde a época da escola".
Apesar de ser considerado como um dos conteúdos clássicos da Educação Física, paradoxalmente, o atletismo é praticamente negado nas instituições de ensino formal. Os motivos são de diversas ordens. Da ausência de espaços adequados e de equipamentos e implementos a falta de interesse do professor para o seu ensino e por suas características de esporte individual. É esta uma realidade comum nas escolas públicas de Florianópolis, salvo raras exceções, elas não dispõem de condições e infra-estrutura razoáveis para o ensino do Atletismo. Não há equipamentos, implementos, campo atlético, pista, barreiras, colchões e muito menos interesse dos profissionais em procurar adaptar o processo de ensino aprendizagem dentro das condições oferecidas.
Kirsch (1984), acredita que o desenvolvimento desta modalidade; mesmo com a carência geral de infra-estrutura esportiva; devido a sua multiplicidade de formas e à sua versatilidade de implementação por instalações e equipamentos adaptados tem todas as possibilidades de acontecer no interior da instituição escolar.
Diante disso, é inexplicável que um professor deixe de aplicar tal modalidade com os alunos, devido à falta de espaço físico e materiais apropriados à prática. Nas aulas de Educação Física o atletismo pode ser utilizado despertando o interesse nas crianças, pois elas juntamente ao professor podem estar construindo os materiais para as aulas, usando a criatividade e um maior envolvimento com o desporto.
A possibilidade de adaptação e criação de espaço e materiais são imensas. Mesmo com a ausência de uma pista ou campo atlético podemos desenvolvê-lo. Citamos como exemplo a possibilidade de ensinar as corridas com barreiras que podem ser facilmente improvisadas bastando para isso à imaginação (criatividade) de cada um. Desde duas garrafas de água com areia com dois cabos de vassouras segurando em suas extremidades, elásticos ou cordas.
Diante do descaso das autoridades com a educação brasileira, principalmente em relação aos esportes, cabe ao professor de Educação Física ser criativo e ter a capacidade de improvisação, para transformar a escola em um forte influenciador para a vida saudável por meio da prática de atividade física.
Outro aspecto observado nas respostas trata-se da questão cultural. Muitos acadêmicos acreditam que o Atletismo não faz parte da cultura brasileira. No Brasil, os esportes coletivos com bola têm um grande espaço na cultura e na mídia. Segundo alguns acadêmicos:
"A mídia não dá tanto destaque a esta modalidade quanto às demais; isso faz com que outras modalidades despertem mais o interesse do público participante".
"Também podemos notar que a mídia não dá muito enfoque ao Atletismo. Isso faz com que não seja criado um interesse maior por parte das pessoas".
Pode-se observar que a mídia tem grande influência na escolha da prática dos esportes. Tem-se o exemplo do futebol como o maior influenciador na escolha da prática entre os meninos. Sabe-se também que o tênis aumentou seu número de adeptos após a explosão do fenômeno Gustavo Küerten nos últimos anos, bastante enfatizada pela mídia, sendo assim possível à compreensão de tal influência.
A mídia se torna assim um fortíssimo meio de comunicação influente, principalmente com relação às crianças, que tendem a seguir o que é transmitido pela televisão, ainda mais se tratando de esportes coletivos. Assim, o papel do professor de Educação Física é oportunizar a vivência de outras possibilidades de esportes além daqueles enfatizados pela mídia.
Além do papel da mídia na construção cultural do esporte, observamos também a dimensão lúdica dos esportes coletivos que em utilizar a bola, despertando um maior interesse dos praticantes. Alguns dos sujeitos deixaram transparecer que a prática de esportes com bola é mais prazeroso. As falas a seguir, destacam esta situação:
"Ação do correr, do saltar e do lançar é mais gostosa com feito com bola. O atletismo é um esporte sofrido. Exige muito da gente".
"Não vou deixar de jogar bola pra ficar correndo como um louco..."
Segundo Souza (2005), as modalidades esportivas de maior prestígio no Brasil são as coletivas e têm como implemento a bola. Há um processo de massificação do futebol, voleibol e basquetebol. Porém, além do caráter midiático, discutido anteriormente, surge também, neste processo de preferência, a dimensão lúdica. A bola, como instrumento lúdico de comunicação coletiva encanta os seus praticantes. Os jogos com bola apresentam um forte apelo de prazer, diferentemente do atletismo, que é caracterizado como um esporte individual e de sofrimento corporal. E isto é muito forte na cultura brasileira. Se não tem bola, não interessa.
Portanto, temos que pensar em propostas concretas para que o atletismo possa ocupar um espaço de destaque na escola. Cabe aos professores de Educação Física proporcionar aos seus alunos atividades lúdicas utilizando a bola, já que é um implemento culturalmente aceito entre as crianças, para desenvolver a iniciação do atletismo, como por exemplo, lançamentos e arremessos, pois toda criança que se interessa por atividades com bola poderá se interessar também por esta modalidade.
No guia de desenvolvimento do Ensino do Atletismo, elaborado por Müller e Ritzdorf (2000), a convite da International Amateur Athletic Federation - IAAF, apresentam uma proposta lúdica de aprendizagem desta modalidade na qual o jogo constitui-se no elemento pedagógico central de iniciação do correr, saltar e lançar, ações que caracterizam as provas atléticas do atletismo.
Sabendo que a criança desenvolve seus movimentos básicos através do meio em que ela vive, das experiências que realiza e da aprendizagem conquistada durante a sua vida, pode-se perceber que o atletismo é de fundamental importância para o seu desenvolvimento. Deve-se então utilizar para o processo ensino-aprendizagem na escola algumas técnicas como o uso de educativos e meios recreativos nas aulas, para que assim os alunos possam estar cada vez mais envolvidos com a modalidade do Atletismo, despertando assim um maior interesse e prazer à participação das aulas, desenvolvendo as capacidades dos alunos dentro de cada modalidade.
Algumas reflexões finaisNo decorrer deste trabalho verificou-se que o desinteresse por parte dos acadêmicos do curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina pelo desporto de atletismo no JINEF tem suas raízes no período escolar, onde a prática de tal modalidade é pouco desenvolvida nas aulas de Educação Física.
Percebeu-se que este descaso associa-se basicamente a falta de espaços e materiais adequados, e que conforme alguns estudiosos citados, esta situação pode deixar de ser um empecilho para a aplicação do atletismo nas escolas. É evidente que o professor tem um grande desafio de conseguir adaptar espaços físicos e materiais para tal aplicação, e que este é possível, bastando para isso iniciativa e interesse.
Além da questão estrutural, outro problema para a aceitação deste desporto tem sua origem em motivos culturais e, nesta direção, a mídia tem um papel preponderante, contribuindo para o aumento do desinteresse, exigindo que o professor tenha uma maior dedicação e criatividade, elaborando atividades que despertem prazerosamente o interesse para a prática desta modalidade. É fundamental incorporar no processo de ensino-aprendizagem deste esporte à dimensão lúdica.
Temos que jogar com o atletismo, pois o vivendo ludicamente, estamos desabrochando em seu processo de ensino-aprendizagem a mágica dimensão da ludicidade, tornando uma atividade mais significativa e prazerosa para a criança.
É muito prático para o professor simplesmente disponibilizar uma bola e deixar seus alunos trabalhando coletivamente jogando uma partida de futebol, por exemplo. É importante que o mesmo conscientize-se e vivencie juntamente com seus alunos diferentes modalidades esportivas, sabendo que a base para todas elas é o atletismo.
Levando em consideração a grande importância do Atletismo para o desenvolvimento da criança, o professor não deve deixar de proporcionar tal prática. Esperamos que estas breves reflexões possam suscitar aos acadêmicos (futuros professores de Educação Física) a oportunidade de modificarem esta realidade, buscando através de pesquisas e estudos compreender os valores pedagógicos do atletismo, um esporte que se diferencia das demais modalidades por empreender gestos e movimento diversos devido à sua variedade de provas atléticas. Correr, saltar, arremessar e lançar, sistematizado em provas de pista (corridas); provas de campo (arremesso, lançamentos, saltos); provas combinadas (decatlo, heptatlo); pedestrianismo (corridas rústicas, maratona); corridas em campo (cross country); corridas em montanha; marcha atlética, compõem o Atletismo.
Nota
Jogos Internos do Curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, realizado pelos alunos da terceira fase como atividade da Disciplina de Organizações Esportivas.
Referências bibliográficas
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digital · Año 11 · N° 103 | Buenos Aires,
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