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Sobre a detecção e selecção de talentos.
Os perigos de se sobreestimar o factor altura

   
Monitor do Gabinete de Voleibol da Faculdade
de Desporto da Universidade do Porto.
Adjunto da Selecção Nacional de Cadetes Femininos
 
 
José Afonso
afonsovolei@gmail.com
(Portugal)
 

 

 

 

 
Resumo
     Em Portugal, os processos de detecção e selecção de talentos parecem basear-se, quase exclusivamente, no factor altura. O presente artigo de opinião pretende alertar para os riscos deste excesso e apontar vias alternativas e/ou complementares. A prática e os exemplos do alto nível masculino e feminino têm vindo a demonstrar que existem outros factores a considerar. Procura-se, ainda, demonstrar que a visão deve ser mais alargada do que habitualmente. Como exemplo, refira-se que um atleta baixo, caso tenha boa qualidade táctico-técnica, pode ser útil para dar qualidade de treino a um mais alto, acelerando a evolução deste.
    Unitermos: Voleibol. Detecção e selecção de talentos. Paradigma da altura.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 102 - Noviembre de 2006

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    Em Portugal, os processos de detecção e selecção de talentos parecem basear-se, quase exclusivamente, no factor altura. O que pretendo demonstrar neste artigo é, tão simplesmente, que, sendo a altura um factor muito importante para o sucesso no voleibol, não pode ser encarado de forma exclusiva nem dogmática.



Ala de Nun'Álvares de Gondomar, equipa juvenil feminina 2004-2005,
que venceu o Campeonato Regional do Porto em 2004-2005


    A título ilustrativo, gostaria de remeter para o Campeonato do Mundo de Juniores Femininos de 2005, no qual o Japão ficou em 5º lugar, resultado - diga -se - excelente. Essa excelência torna-se mais notória se pensarmos que a sua atleta mais alta tinha apenas 1,81m e que a distribuidora tinha 1,65m! Para se ser campeão do mundo, a altura é, de facto, decisiva; mas para uma selecção se apurar para um Campeonato da Europa ou do Mundo, talvez não o seja assim tanto.

    Ora, Portugal tem de perceber que, particularmente no feminino, está na cauda dos países europeus. O fundamentalismo relativo à altura não faz sentido, pois um apuramento para um Europeu ou Mundial já será algo de novo entre nós! Um apuramento, mesmo que seja conquistado à custa de jogadoras mais baixas, já demonstrará uma elevação do nosso nível de jogo e constituirá, potencialmente, uma forte motivação para as gerações vindouras; poderá ser o melhor estímulo para aumentar a dedicação e as horas de trabalho semanais de cada atleta nos seus clubes.

    Uma linha central de pensamento é a seguinte: para evoluírem, os atletas têm de ser submetidos às melhores condições de treino que seja possível fornecer-lhes. De facto, mais do que os factores genéticos, o treino (qualidade e quantidade) é decisivo na determinação dos patamares que cada um poderá alcançar. Então, como conferir qualidade ao treino das selecções se seleccionarmos apenas atletas altas, mas sem qualidades táctico-técnicas de nível aceitável? Mesmo que encarássemos a altura como o único factor de selecção, teríamos de admitir que as atletas dotadas táctica e tecnicamente seriam óptimas para treinar, porquanto confeririam qualidade ao treino, acelerando o processo evolutivo das atletas em potência. Este argumento justifica, per si, a selecção de atletas dotados táctica e tecnicamente, mesmo que possam ser baixas.

    Outra linha de argumentação deriva de duas questões pertinentes. Quantas vezes já desesperamos com atletas altos que, após anos e anos de treino intenso e volumoso, dispondo das melhores condições de treino e oportunidades, não conseguiram evoluir até atingirem níveis razoáveis de rendimento? E quantos atletas mais baixos já não deram provas de alcançarem níveis muito superiores de rendimento, mesmo em seniores? Isto remete para a necessidade de avaliação da capacidade de aprendizagem (que não é fácil e demora, em muitos casos, meses a aferir) e da capacidade de suportar cargas elevadas e continuadas no tempo. Atletas com reduzida expressão nestas duas capacidades não irão longe, não importa quão altos sejam! Em contrapartida, atletas mais baixos, mas com elevada expressão nestes domínios, poderão garantir rendimentos interessantes quando seniores. A cargabilidade, diga-se, não é apenas física, derivando muito da capacidade psicológica de superação e da ambição, pelo que estes factores também deverão ser contabilizados.

    Pensando um pouco mais no jogo, apercebemo-nos de que a altura deve ser relativizada à função do jogador. É comummente aceite que os centrais devem ser bastante altos, para, com maior facilidade, poderem contrariar ataques de 1º tempo e, ainda assim, chegarem atempadamente ao bloco duplo nas pontas. Quanto mais altos, menor a necessidade de incorrerem em commit block contra ataques rápidos, pois necessitarão de menos tempo para alcançarem a bola. Da mesma forma, não precisarão de realizar chamadas de ataque tão longas nem tão explosivas para conseguirem atacar com eficácia, o que lhes permite lidar melhor com as crises de tempo no contra-ataque, por exemplo.

    Os pontas e opostos deverão ser altos, embora aqui este factor já permita honrosas excepções. E quão importante será a altura para os distribuidores e para os liberos, particularmente no voleibol feminino, onde o desequilíbrio entre ataque e defesa não é tão grande quanto no masculino? Na minha opinião, um libero não tem de ser alto; a sua qualidade táctico-técnica, velocidade de reacção, agilidade e capacidade de aceleração determinarão em muito maior medida o seu sucesso. Igualmente, há inúmeros exemplos de distribuidores de grande nível mundial que têm baixa estatura; poderão perder no bloco, mas toda a equipa ganhará em organização e velocidade do ataque. E, como se costuma dizer, um bom ataque é a melhor defesa.

    Façamos agora um exercício mental, partindo do princípio de que, efectivamente, a altura seria o factor mais importante. Só poderíamos aceitar este princípio se entendêssemos que o jogo era meramente físico e que a altura a que se joga é o factor determinante. Todavia, rapidamente seremos forçados a concluir que um atleta não joga com a cabeça, mas com as mãos e braços! Deste modo, o alcance vertical dos braços seria um indicador mais fiável, pois atletas com a mesma altura podem ter alcances verticais diferenciados. Outro indicador a considerar seria o comprimento dos membros inferiores, visto que, teoricamente, quanto maiores, menor seria o tempo de que um atleta necessitaria para cobrir uma determinada distância. Prosseguindo nesta linha de pensamento, os níveis de impulsão vertical, velocidade de reacção, capacidade de aceleração e agilidade afiguram-se como importantes; apesar de serem treináveis, uma predisposição genética para estas capacidades facilita imensamente o processo.

    Finalmente, deixemo-nos de hipocrisias! As nossas atletas "altas" são baixas para os padrões internacionais; então, baixo por baixo, seleccionemos aquelas que nos poderão dar garantias de alguns resultados, mesmo que apenas a curto prazo. Pode ser que esses resultados iniciem um processo de mudança de mentalidades e de evolução do nosso nível competitivo, que mais tarde permita que tenhamos uma base potencial com maior capacidade de jogo. Por outro lado, para todos aqueles treinadores que julgam os atletas apenas pela altura, por favor abstenham-se da realização de treinos com bola e de testes físicos variados; para quê iludir os atletas e fazê-los (e aos seus pais e treinadores) perderem tempo? Nestes casos, tudo o que é necessário é passar os atletas por uma fita métrica, e está feito.

    Espero que este texto contribua para mudar um pouco a mentalidade vigente no nosso país. A altura é, indubitavelmente, um factor de extrema importância no voleibol, mas não deve toldar-nos o raciocínio. Lembrando, ainda, que o sucesso das selecções regionais e nacionais começa com cada equipa de cada clube, através de um trabalho que deve ser de exigência qualitativa e, também, quantitativa.

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