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Interação nas aulas de Educação Física:
a construção de um novo conviver

   
*Licenciada pela Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
**Chefe de Departamento de Atividade Física Adaptada
da Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
(Brasil)
 
 
Profa. Marina Brasiliano Salerno  
Prof. Dr. Paulo Ferreira de Araújo
paulof@fef.unicamp.br
 

 

 

 

 
Resumo
     O objetivo deste trabalho é observar como está ocorrendo a interação entre alunos com necessidades educativas especiais e seus colegas em escolas que já iniciaram o processo inclusivo. Realizamos tal pesquisa pois apesar de haver estudos sobre como o professor deve se adaptar para receber seus alunos assim como a escola, pouco se fala dos maiores interessados desse processo: os alunos. Para a realização desse trabalho, utilizamos a pesquisa observacional e após a coleta dos dados, utilizamos o referencial teórico para a análise e possíveis considerações sobre a interação. Pudemos observar que o processo de interação é longo, pois partimos de uma visão infantilizada da pessoa com necessidades especiais, assim sendo, há um longo caminho de conhecimento do ser humano que há por trás das pessoas com necessidades especiais, só assim, poderemos respeitá-los e perceber que eles podem realizar qualquer atividade a seu modo, assim como todos os alunos realizam atividades de maneiras diferentes.
    
Unitermos: Interação. Alunos. Necessidades educativas especiais.
 
Abstract
     The main of this paper is to observe the evolution between students with special needs e their friends at school that already has begum the process of inclusion. We did this research because there are many papers talking about the adaptation of the teacher and the school to receive the student with special needs, but we don't see papers talking about the most interested in inclusion: the students. To realize the research, we saw the students to collect results and after that we had used the theory to make considerations about the interaction process. We could see that the process of interaction is a long way to walk, because some people can't see the human been that is behind the student with special needs, treating them like children. Only knowing them we will see that they can do everything, but in their special and unique way, that is different in every single student.
    Keywords: Evolution. Students. Special needs at school.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 102 - Noviembre de 2006

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Introdução

    A inclusão está presente nos dias de hoje estimulando a presença de pessoas com necessidades educativas especiais nas escolas regulares tanto públicas quanto particulares. Isso implica na convivência dessas pessoas durante as aulas, brincando no recreio e fazendo aulas de educação física. As pessoas com necessidades educativas especiais ainda carregam o mito de serem diferentes. O que eles acarretam, porém, não é nada além da quebra da estabilidade, pois as aulas não serão mais as mesmas de anos atrás, elas deverão ser repensadas e reformuladas para atender a todos os alunos, não apenas àqueles que se adequam ao sistema de ensino que preconiza o enquadramento do aluno no modo do professor dar aula. Hoje em dia se busca a adaptação das aulas montadas para atender os alunos dentro de suas dificuldades.

    O mesmo acontece com as aulas de educação física, contexto de nossa pesquisa, que anos atrás pensava apenas no rendimento físico dos alunos e hoje busca oferecer a oportunidade de vivenciar diversos conhecimentos da cultura corporal.

    Um dos problemas encontrado pela inclusão é a falta de preparo dos professores que irão atuar diretamente com os alunos, ou até mesmo a falta de vontade de mudar.

    O processo inclusivista não pretende apenas colocar os alunos no espaço físico da escola, e sim que os métodos sejam adaptados atendendo não apenas aos alunos com necessidades educativas especiais e sim a todos aqueles alunos que algum dia possam vir a apresentar dificuldade de aprendizagem.

    Todos que freqüentaram a escola sabem, e não precisam ler em qualquer livro, que durante o período escolar o mais importante para os alunos é o grupo de amigos formado e todo o crescimento pessoal que ocorre em conjunto. Isso implica em conhecer o outro, em aceitar as diferentes visões de mundo e opiniões, compreender diferentes ritmos para determinados acontecimentos, ou seja, perceber que cada pessoa é um ser humano diferente e não é esse fato que torna inviável uma amizade, e sim a afinidade que constrói um relacionamento.

    Assim sendo, o foco de nosso trabalho é a interação entre as crianças com necessidades educativas especiais e seus colegas em escolas que já iniciaram o processo inclusivo. Para tanto, as aulas de educação física foram observadas com o intuito de verificar como está ocorrendo o relacionamento dos mesmos. O interesse em pesquisar tal assunto surgiu pelo fato de ser estudada a relação de professores e alunos com necessidades educativas especiais, as adaptações necessárias, porém pouco se fala daqueles que realmente ganham com a inclusão: os alunos.

    Posto isso, iniciaremos explanando sobre a educação física, contexto no qual realizamos a pesquisa, sobre seu histórico e suas possibilidades de ação como um primeiro contato de alunos com necessidades educativas especiais e seus colegas.

    Após isso, discorreremos sobre a interação, sua importância para as pessoas e suas dificuldades. E por fim, a explicação do método utilizado para a pesquisa observacional e a apresentação dos resultados, finalizando com as considerações a cerca da análise dos dados obtidos, pelos quais observamos que a interação está ocorrendo, porém ainda de forma tímida, havendo então, a necessidade de intervenção do professor com atividades que incentivem o trabalho com o colega e aumentem a interação para, possivelmente, haver a afinidade e então a amizade.


Educação Física

    A história da Educação Física nos conta que ela era utilizada e não experimentada. Tal atividade era realizada para que as pessoas pudessem vender mais força para trabalhar mais e ganhar o suficiente para sobrevivência.

    Assim sendo, quando a Educação Física passou a fazer parte integrante do currículo das escolas, seu enfoque estava no rendimento dos alunos com atividades repetitivas e que não incitavam para qualquer reflexão sobre sua prática. O objetivo dessa disciplina era então "desenvolver e fortalecer física e moralmente os indivíduos" (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.52).

    Após a Guerra, houve a esportivização crescente em países de influência européia, tornando tal conteúdo predominante nas aulas de educação física. Isso levou a realização de "esporte na escola" em detrimento do "esporte da escola", termos utilizados pelo Coletivo de Autores (1992). Tal prática representa transportar o esporte como conhecido em competições oficiais, com suas regras rígidas, técnica, significado de vitória e derrota e ainda o de vencedor e derrotado, para dentro da escola. Oferecendo o esporte como descrito anteriormente, muitos alunos que apresentam dificuldades para tal realização permanecem à margem. Isso poderia ser resolvido utilizando o conteúdo esporte de maneira flexível, criando o "esporte da escola" no qual todos pudessem participar dentro de suas possibilidades.

    Atualmente, profissionais da educação física buscam pensa-la como uma disciplina que tem como objetivo mostrar aspectos da cultura corporal de diversos povos, oferecendo vivências e incentivando a reflexão sobre as práticas de diferentes culturas, assim como a compreensão de que nem tudo que nos é estranho em uma determinada cultura pode ser considerado errado, pois apenas está fora de nosso contexto.

    Para o Coletivo de Autores (1992, p.102) a Educação Física é "(...) uma disciplina do currículo, cujo objetivo de estudo é a expressão corporal como linguagem".

    Através da compreensão de que a expressão corporal possibilita a percepção de características de povos diferentes, podemos discutir o conceito de certo e errado, de ruim e bom, pois isso depende do olhar que é dado das pessoas que estão atribuindo esse valor. Assim sendo, podemos dar a autonomia aos alunos para que eles possam refletir e então perceber que nem tudo que aos nossos olhos é ruim em outro contexto o seja da mesma forma.

    A educação física atua nisso, no momento em que propõe experiências com os diversos conhecimentos da cultura corporal. A seguir ilustraremos rapidamente os mesmos buscando as possibilidades para serem ensinados na escola.

    Iniciaremos com os jogos. Esses oferecem a possibilidade aos alunos de criarem brincadeiras e quando houver alguma dificuldade que esteja impedindo a boa realização da atividade, pará-la, observar e buscar soluções. Além disso, buscar modificar determinadas regras que possibilitem a participação de todos, dando a todos a possibilidade de agi ativamente dentro do grupo e dentro das aulas.

    As lutas trazem não apenas os golpes utilizados, mas a filosofia de vida seguida pelos praticantes que se percebem como um todo que engloba o corpo e a alma, oferecendo aos alunos a possibilidade de contato com tal filosofia assim como sua origem, evolução influências externas como da mídia.

    A dança busca quebrar o paradigma do gênero, que uma atividade deve ser realizada por meninas e outras por meninos. Conhecemos diversas danças que são utilizadas em festividades, seu histórico e significado.

    A ginástica que pode ser trabalhada sem a visão esportivizada e sim como a possibilidade de ver o mundo de "ponta - cabeça" quando realizando uma parada de mãos, ou utilizando objetos construídos pelas próprias crianças com materiais recicláveis, por exemplo.

    E, por último, mas nem por isso menos importante, o esporte. Ele pode e deve ser ensinado nas escolas, porém não da forma como é utilizado em competições oficiais, como foi dito no início deste trabalho, e ir além dos quatro esportes mais ensinados: handebol, basquetebol, voleibol e futebol.

    Como pudemos observar, é possível ensinar uma infinidade de atividades relacionadas a todos os conhecimentos citados. O que diferencia então uma aula que permita ou não a participação é o caráter dado: a do rendimento ou a de vivência e desafios a serem transpassados individualmente ou em grupo, assim como a reflexão do que está se realizando.

    Dando um caráter de experiência para os alunos, podemos pensar que todos podem participar das aulas, seja quando qualquer tema esteja sendo ministrado, dentro de suas possibilidades, buscando quebrar os seu limites, ou apenas vivenciando um conteúdo.

    As aulas, porém não se realizam com apenas uma pessoa. Há um grupo de alunos participando dela, o qual interage para pensar uma atividade, dando maior oportunidade para que os alunos se conheçam, se compreendam diferentes. A seguir, discorreremos sobre a interação, sua importância para os alunos, com ou sem necessidades especiais.


Interação

    A inclusão, entre outros aspectos, abarca a interação das pessoas com necessidades especiais com os demais. Só assim, com esse contato direto é que perceberão que limitações todos as possuem e isso não é uma barreira intransponível, principalmente quando encarada de forma não individual e sim com caráter de grupo.

    Quando crianças são colocadas em classes especiais ou mandadas para instituições especializadas, a identidade social das mesmas fica desarrumada, pois é determinada pelo modo como os outros as vêem, como são tratadas e percebidas. Deixando de haver o "outro", a construção e entendimento do seu ser social fica abalada (GLAT, 1989).

    BOATO (2002, p.03), em seu estudo da Teoria das Emoções de Henri Wallon, afirma que "(...) a educação deve satisfazer às necessidades orgânicas, relacionais, afetivas e intelectuais para que haja a construção do 'Eu' e sua relação com o outro e com o mundo dos objetos". Percebemos com essa afirmação que muito mais que conhecimento científico, os educandos precisam satisfazer suas necessidades na construção de laços de amizade.

    Porém, segundo Glat (1989), nenhuma das entrevistadas em seu estudo relatado no livro "Somos Iguais a Vocês", demonstrou interesse em se relacionar com pessoas de fora da instituição. O carinho recebido pela família e profissionais que trabalham na instituição especializada estudada encobriu o preconceito existente em outros ramos da sociedade.

    Já quando a criança é colocada em grupo, há o desenvolvimento de acordo com as atividades propostas em aula que irão fazer com que os alunos sejam assimilados fazendo, realmente, parte do conjunto.

    A troca decorrente da interação, no presente trabalho centrado no âmbito escolar, é extremamente rica, já que a esse conjunto de trocas podemos apreender a construção da personalidade da pessoa através do estímulo e resposta decorrentes da interação.

    Todas as pessoas têm particularidades e se a escola tem como objetivo preparar a criança para a cidadania, isso inclui orientá-la para valorizar particularidades do outro. Isso porque as significações não nascem com as crianças, elas são criadas e reforçadas durante sua vida, é exatamente por isso que estudamos e temos dificuldade com a inclusão, pois as pessoas com necessidades educativas especiais e suas possibilidades não fizeram parte da vida cotidiana de muitas pessoas, sendo esse um dos fatores, o da experiência pessoal.

    Com o vínculo criado pela relação de amizade formada pela afinidade, podemos crer que essas que hoje estudam com pessoas com necessidades educativas especiais não terão dificuldade em aceitar o outro e a mudança. Pensamos isso com base no pensamento exposto pelo Coletivo de Autores (1992), os quais nos mostram a idéia de Leontiev (1981): "(...) as significações não são eleitas pelo homem, elas penetram as relações com as pessoas que formam sua esfera de comunicações reais" (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.62). Com base na situação apresentada, devemos nos remeter ao quanto positiva é essa relação, se tornando imprescindível a intervenção do professor junto aos alunos para que os mesmos se compreendam.

    Loffredi (1983), citado por Fernandes (1992), diz que a escola de ensino regular deverá redefinir-se "a partir de um modelo, onde a uniformidade seria a exceção e as diferenças individuais a norma, onde o novo tipo de igualdade é referendado pela defesa dos direitos e limitações de cada indivíduo" (p.64).

    A partir das discussões acima, autores citados adiante estudaram o comportamento das pessoas perante o contato com o outro, mantendo o enfoque deste trabalho, com o outro dito diferente.

    Kaufman, citado por Fernandes (1992), coloca o processo de "integração" dividido em 3 elementos:

  1. TEMPORAL: com o tempo que os alunos passam nas classes regulares os ganhos de aprendizagem e socialização são maiores;

  2. INSTRUCIONAL: compatibilidade entre necessidades da criança e as oportunidades de aprendizagem (isso está relacionado com a mudança de metodologia da escola) - compatibilidade entre as necessidades educacionais e características de aprendizagem do educando com as habilidades do educador - compatibilidade dos docentes do ensino regular com os do ensino especial, em favor da melhoria do processo educacional.

  3. SOCIAL: sub - elementos:

    • Proximidade física: distância espacial - mais próximo, mais integrado.

    • Interação: trocas de comunicação verbal, por gestos ou contato físico e por fim a assimilação, entendida como a inclusão e participação ativa do aluno no grupo.

    • Aceitação social: aprovação do aluno no grupo, suas idéias, ações, etc...

          Como estudado na dissertação de Prodócimo (1994), a interação social melhora com o convívio, isso porque crianças imitam os outros, desenvolvendo habilidades para se comunicar, o que pode ser significativo para aqueles com necessidades educativas especiais; também para Schaffer, Collis & Parsonsm foram utilizados por McCollum (1987) citados por Prodócimo (1994, p.31) dizem que "a facilidade de integração numa relação em díade depende de cada membro usar sinais claros e capazes de ser entendidos pelo outro".

          O que observamos na pesquisa apresentada por Prodócimo (1994) foi a utilização da diferenciação de níveis de interação idealizados por Stratford (1992), que dispôs em 4 estágios a integração afetiva:

      1. Expectativa (desconforto): falta de conhecimento tanto dos colegas quanto dos professores.

      2. Simpatia: aceitação intelectual: auxílio para as pessoas com necessidades educativas especiais muitas vezes desnecessária, demonstrando a super - proteção ao aluno.

      3. Aceitação: redução da atenção focada na criança com necessidades educativas especiais e também nas expectativas inapropriadas.

      4. Normalização: formam relações por afinidade e não por aspectos intelectuais, há a inclusão nas brincadeiras dos amigos.

          O que podemos constatar desses quatro itens colocados, é o processo pelo qual as pessoas passam a compreender e aceitar pessoas que por tanto tempo ficaram fora do círculo social, no caso desse trabalho, a escola. As pessoas, como dito na introdução, apresentam a ansiedade para se relacionar com alguém que não conhecem, assim sendo, o processo mostrado anteriormente, descreve a quebra da estabilidade pessoal ou do grupo escolar para então haver o entendimento e aceitação das pessoas com necessidades educativas especiais, percebendo o ritmo diferenciado, compreendendo que todos possuem dificuldades, que as mesmas não são intransponíveis e não negando essa diferença.

          Foram apresentadas ainda, algumas formas de interação ocorridas entre crianças com 2 a 4 anos de idade com Síndrome de Down e crianças não deficientes. Aqui apresentaremos algumas dessas formas, tendo como base ainda o trabalho de Prodócimo (1994):

    • Com uso de objetos: bater, tomar, oferecer, receber, jogar, mostrar, tentar pegar, resistir, manipular...;

    • Contato físico: agredir, tocar, abraçar...;

    • Presença ou não de verbalização: conversa, incentivo, exclusão, isso através da verbalização;

    • Outros: olhar, sorrir e bater palmas.

    Atualmente, com o processo inclusivo, as pessoas convivem com pessoas com necessidades especiais que apresentam ritmos diferenciados. Esse é o início do processo no qual profissionais começam a ter contato com esse público, porém, estas não tiveram colegas com necessidades educativas especiais na escola, no balé, no inglês, na faculdade, então como cobrar que não haja o adjetivo "especial"?

    Não para responder as questões colocadas acima, mas para instigar o pensamento no processo inclusivo, utilizamos as palavras de Amaral:

Tenho dito em outros textos e artigos, e aqui repito, que o único alicerce possível para a real integração da pessoa portadora de deficiência repousa nos bancos escolares, nesse convívio precoce com as pessoas diferentes (...). (AMARAL, 1994, p. 62).

    Com esse pensamento podemos ir além, não apenas colocar os alunos no mesmo espaço físico, mas sim fazer com que as crianças interajam para mais que compreender, vivenciar a diferença deixando de estranhar o outro em diversas situações.


Metodologia

Escolha das escolas

    A seleção das escolas que freqüentamos para realizar as observações para a realização desse trabalho iniciou-se com buscas na Diretoria de Ensino de Campinas sobre a relação de todas as escolas da zona leste da cidade, tanto particulares quanto públicas.

    O primeiro contato com as escolas eleitas foi via telefone para nos certificarmos se havia o atendimento de alunos com necessidades educativas especiais. Já nesse momento pudemos perceber que a maioria das escolas não atende a esse público. Algumas instituições alegaram não possuírem estrutura adequada para o atendimento dos alunos e outras disseram não ter matriculado nenhum aluno com necessidades educativas especiais no início do ano de realização do trabalho. O resultado desse processo fez com que sete escolas fossem escolhidas.

    Após esse primeiro contato, foi elaborada uma carta explicativa pedindo o consentimento da instituição escolar para a realização das observações. Nesta carta foi explicada a não intervenção direta nas aulas, justificada pelo objetivo do trabalho de observar a interação dos alunos com necessidades educativas especiais e seus colegas nas aulas de educação física no ensino regular. Das sete escolas escolhidas apenas três deixaram de atender ao pedido, fizemos, então, observações em quatro escolas (duas públicas e duas particulares). Para cada aluno selecionado foram feitas três observações, independente de haver mais de uma aluno observado em uma mesma escola.

    Mostrada a carta à direção da escola o contato foi feito com o professor responsável pelas aulas de educação física para que ele também autorizasse as observações, esclarecendo que as mesmas seriam objetos de estudo em trabalho de pesquisa, não fazendo parte da disciplina de estágio supervisionado.

    Apenas a presença de uma pessoa diferente no decorrer da aula já altera o comportamento dos alunos, assim sendo, pedimos ao professor que apresentasse a pesquisadora como sendo estagiária que estaria acompanhando as aulas, não explicando aos alunos o motivo real das observações.


Método de pesquisa

    Inicialmente realizamos a pesquisa bibliográfica para a obtenção da base teórica do trabalho com autores que se relacionem com o assunto aqui tratado e posteriormente utilizamos o material encontrado para análise dos dados recolhidos.

    O método utilizado para a realização deste trabalho, após contato com as escolas, foi o da pesquisa descritiva sob a forma de pesquisa observacional. Seguimos algumas perguntas propostas por Thomas & Nelson (2000) para delimitar os itens a serem observados, essas perguntas são: quais comportamentos serão observados, quem será observado, onde as observações serão conduzidas, quantas observações serão feitas, quando as observações serão feitas e como as observações serão pontuadas e avaliadas?

    As respostas aos itens propostos são:

  • Tomando como base o referencial teórico, os comportamentos observados foram os de proximidade física; presença ou não de verbalização; interação com objetos (jogar, agarrar, arremessar,...); interação física (tocar, bater, empurrar, dar as mãos,...); auxílio nas atividades; se os colegas agem pelo aluno com necessidades educativas especiais; incentivo à ação (se os colegas encorajam os alunos com necessidades educativas especiais a fazerem parte da aula).

  • Foram observados alunos com necessidades educativas especiais, aqui considerados apenas aqueles que apresentem condição de deficiência seja ela de qualquer natureza: auditiva, física, visual, mental, que freqüentem o ensino fundamental, ciclo I e II.

  • As observações foram realizadas durante as aulas de educação física no espaço proposto pelo professor, espaço este dentre os citados na descrição das escolas visitadas.

  • Foram feitas três observações para cada aluno estudado de acordo com a presença do aluno e da realização da aula de educação física, não sendo observadas atividades distintas realizadas no mesmo horário da disciplina.

  • Como dito acima, as observações foram feitas no decorrer das aulas de educação física.

  • As observações foram realizadas com base na ficha de observação elaborada com itens interessantes a pesquisa e analisadas de acordo com o referencial teórico adquirido durante a pesquisa bibliográfica inicial. O método utilizado para delimitar a pesquisa foi o método de intervalo, assim sendo, durante o tempo da aula de educação física observamos se houve a ocorrência ou não de uma determinada ação pontuada na ficha de observação.


As escolas

    Os itens observados na escola foram: instituição pública ou particular, o local disponível para as aulas de educação física e o número de alunos observados durante a pesquisa, pois uma escola pôde ter mais de um aluno observado. Esses itens podem ser vistos na Tabela 1 (Salerno, 2003) apresentada a seguir:


Os alunos

    Para este trabalho, observamos os alunos com necessidades educativas especiais, não importando se essa necessidade é física, auditiva, visual, mental ou múltipla. Não consideramos alunos com distúrbio na aprendizagem ou os superdotados, apenas pessoas em condição de deficiência.

    Delimitamos os alunos não pela necessidade especial mas pela série em que se encontravam devendo estar cursando alguma série do ciclo I ou II.

    Os itens colocados na descrição dos alunos foram: a necessidade especial apresentada, o sexo, a idade, a série que freqüenta, o tempo na escola contado no primeiro dia da pesquisa e o tempo no grupo com o qual faz as aulas de educação física, também contado no primeiro dia de observação.

    A Tabela 2 (Salerno, 2003) mostra a descrição dos alunos observados durante a pesquisa:


A interação dos alunos observados

    Na Tabela 3, mostraremos primeiramente a relação dos alunos com necessidades educativas especiais com o grupo. Os itens iniciais são os mesmos observados do grupo em relação aos colegas, havendo acréscimo de três itens a serem anotados apenas no relacionamento do grupo com os alunos.

    Itens Comuns:

  • Proximidade Física: observamos nesse item se os alunos ficam próximos uns dos outros;

  • Verbalização: presença de comunicação verbal entre os educandos;

  • Não - Verbalização: ausência de verbalização entre as partes observadas;

  • Interação com Objetos: atividades com utilização de materiais tais como bola, havendo arremessos, lançamentos, tomada do objeto, entre outros;

  • Interação Física: durante o tempo reservado às aulas de educação físicas observamos a presença de toque, tapas, empurrões, entre outras manifestações de interação física.

    Como explicado acima, alguns itens foram incluídos no momento da observação da relação do grupo com os alunos com necessidades educativas especiais. São eles:

  • Auxílio nas Atividades: explicação das atividades propostas pelo professor de educação física pelos alunos para os colegas com necessidades educativas especiais, ou a ajuda mais física levando o colega para iniciar a atividade para posterior compreensão e execução da tarefa;

  • Incentivo à Ação: alunos chamam seus colegas com necessidades educativas especiais para a participação da aula, estando ele afastado ou próximo ao grupo;

  • Agem pelo Aluno Observado: durante uma atividade, observamos a possibilidade de não haver a participação ativa do aluno com necessidades educativas especiais pelo fato do colega executar a tarefa pelo outro.

    A seguir apresentaremos a Tabela 3 (Salerno, 2003) com a relação da interação dos alunos durante as aulas de educação física com os itens acima explicitados.


Análise dos dados

    A partir da Tabela 3, pudemos observar que não há problemas em relação a proximidade física tanto por parte dos alunos com necessidades educativas especiais como pelos seus colegas.

    A verbalização ocorre com grande freqüência, porém, em algumas aulas observamos que não houve a verbalização e na maioria das vezes por parte dos alunos com necessidades especiais.

    Quanto a interação tanto física quanto com objetos, observamos uma regularidade, essas ocorrem com grande freqüência, porém não acontece em todas as aulas.

    Em relação ao grupo com os alunos com necessidades educativas especiais, notamos que há o auxílio na realização das atividades, podendo ser tanto verbal quanto auxílio físico de estar junto com o aluno enquanto ele realiza uma atividade, assim como o incentivo para a participação ativa dos seus colegas com necessidades especiais.

    Durante todos os encontros para as observações realizadas nessa pesquisa apenas em uma das aulas houve o caso de um dos alunos não esperar o tempo diferente de seu colega e agir por ele, não deixando-o tentar ou aprender.

    Analisando a tabela anteriormente apresentada, podemos observar determinados itens, porém devemos tomar alguns cuidados. A proximidade física está presente em todas as aulas, porém a interação não acontece integralmente nos encontros observados. Isso pode significar que a proximidade física não garante a interação entre os alunos com necessidades educativas especiais e seus colegas. Podemos pensar então, em um mediador nesse processo de conhecimento do outro, o professor. É através do professor, de sua intervenção que os alunos poderão interagir de forma a compreender seus colegas, saber as razões pelas quais seu colega é diferente, quais suas limitações e principalmente suas possibilidades.

    Em relação ao auxílio nas atividades e incentivo à ação, uma distorção que pode acontecer é os colegas tratarem seu amigo com necessidades educativas especiais como um bebê ou uma boneca, ajudando de modo infantilizado, cabendo aos professores, funcionários da escola e aos pais modificar o modo de olhar e compreender a pessoa com necessidades educativas especiais.


Considerações finais

    Podemos observar que as aulas de educação física podem proporcionar a inclusão das pessoas com necessidades educativas especiais no momento em que proporciona a vivência dos conteúdos da cultura corporal, sendo um espaço aberto à superação de limites com a ajuda de colegas e a intervenção dos professores, isso vale para cada aluno matriculado nas escolas e não apenas àqueles com necessidades especiais.

    A educação física pode realizar o que foi descrito acima, porém para isso acontecer há a necessidade de vontade, ou seja, é preciso querer mudar as aulas para atender aos alunos.

    Com relação à interação, observamos que ela está progredindo. A proximidade física foi alcançada, porém a interação que irá proporcionar o conhecimento do outro, a possível afinidade que acarretará a amizade está acontecendo aos poucos. Para proporcionar a interação desejada, podemos pensar o professor como intermediário do processo, pois ele está em contato direto com os alunos, conhecendo-os no cotidiano escolar. Porém, para isso ele deve estar preparado para poder responder questões sobre as deficiências e que elas são apenas características da pessoa, e que o mais importante são as possibilidades que ela tem, tirando o foco da deficiência e colocando-o no aluno, sem deixar que ele seja rotulado de coitado ou super-herói e possa ser apenas aluno, colega e amigo.


Nota

  1. O sujeito A6 foi considerado na pesquisa mesmo estando há pouco tempo junto ao grupo por não se tratar de uma pesquisa quantitativa, observamos a qualidade da participação e interação do aluno.


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