Futebol americano no Brasil: estratégias e limitações no país do futebol |
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*Graduando em Educação Física pela UNISUAM, Rio de Janeiro, Brasil. **Doutor em educação física e cultura pela UGF, Rio de Janeiro, Brasil. Professor Adjunto da UNISUAM. Membro do Grupo de Pesquisa LEEFEL/UNISUAM. |
Paulo Antônio Coelho Soares Frontelmo* paulofrontelmo@gmail.com Prof. Dr. Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro** c.henriqueribeiro@ig.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 102 - Noviembre de 2006 |
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Introdução
Uma das formas de compreender nossa sociedade se da pela via do futebol, ou seja, as metáforas encontradas em nosso cotidiano muitas vezes são retiradas de situações inseridas em um contexto esportivo.
O jeito brasileiro de jogar futebol é um atrativo no mundo todo, propagado pela mídia esportiva como o "futebol arte" em que a beleza e a criatividade são elementos essenciais. Fruto dos resultados que nossa seleção e nossos jogadores têm alcançado nas últimas décadas, conquistando prêmios importantes em torneios e campeonatos no exterior.
Entretanto, se esta forma de jogar futebol é ressaltada no Brasil, outras nações acabam por desenvolver outras características e qualidades, distintas das consideradas "nossas" no jogar futebol. HELAL (2003)
Consideramos que cada país ou região adquire uma maneira específica de praticar esportes, pois cada sociedade adapta e introjeta nos esportes seus anseios e valores, ou seja, lhe dá uma identidade nacional.
DaMatta (2001) considera que "cada nova sociedade que adotava o esporte, moldava - querendo ou não, sabendo ou não - à sua organização social e valores". (p. 27).
No Brasil, a influência do futebol é importante. Tanto em termos econômicos quanto sociais, este é um país que por vezes é representado como o "País do Futebol", principalmente nos meses que antecedem a realização de uma Copa do Mundo.
Porém, existem outros esportes que têm aparecido no cenário esportivo brasileiro com uma quantidade expressiva de praticantes, e estes passam a contar com a cobertura da mídia para sua divulgação, expansão e massificação entre a população brasileira.
Em nosso artigo iremos nos deter ao futebol americano praticado no Rio de Janeiro, Brasil (Beach Football). Esta modalidade conta com um número expressivo de praticantes, mesmo não tendo tido muita repercussão na mídia.
Em nossa investigação iremos discutir as condições necessárias para que este esporte que ainda se encontra em fase de expansão se torne conhecido pelo público e consiga criar condições de se desenvolver.
O Beach Football para se adequar à cultura esportiva brasileira, vem alterando inúmeras regras e se adaptando ao modelo televisivo, as necessidades destas mudanças são definidas por Rubio (2002) como:
A condição pós-moderna conferida ao esporte atual pode ser justificada pela relação de dependência estabelecida com os meios de comunicação de massa e o conseqüente ajustamento de sua pratica em função das exigências e necessidades desses meios. (p. 6)
O objetivo desta pesquisa é identificar as condições necessárias para o desenvolvimento do futebol americano no Brasil a partir das experiências do Beach Football praticado nas praias da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Analisamos aqui a evolução histórica do futebol americano de praia (Beach Football) no estado do Rio de Janeiro, bem como o discurso dos praticantes de Beach Football e da mídia esportiva brasileira a cerca deste esporte que vem se tornando cada vez mais popular nas praias cariocas e que possui um torneio chamado "Carioca Bowl", realizado anualmente nas praias do Rio de Janeiro entre os meses de julho a dezembro.
Abaixo iremos contar um pouco da história do futebol americano praticado no Brasil, pela perspectiva do Beach Football praticado nas praias do estado do Rio de Janeiro. Posteriormente analisaremos as entrevistas com os atores envolvidos nesta modalidade.
Análise das entrevistas com nossos informantes: do atleta à mídiaApós este breve histórico da versão brasileira do futebol americano, o Beach Football, analisaremos nas próximas páginas as respostas dos fundadores dessa modalidade esportiva no Rio de Janeiro. Entrevistamos atletas, ex-atletas, técnicos e dirigentes desta modalidade, bem como membros da mídia esportiva. Tivemos como amostra intencional 28 informantes que responderam um questionário elaborado com objetivo de esclarecer às nossas inquietações.
Com estas entrevistas buscamos identificar as dificuldades que o futebol americano praticado no estado do Rio de Janeiro tem encontrado para se adaptar a cultura esportiva brasileira. Bem como identificar as condições necessárias para o desenvolvimento do Beach Football na cultura esportiva brasileira.
Em nosso estudo dividimos as respostas de nossos informantes em três categorias distintas que nos ajudam a entender a forma como o futebol americano de praia tem se desenvolvido no Rio de Janeiro.
Adaptando o esporte aos recursos disponíveis: alterando regras e materiaisEm 1986 quando se deu ao inicio a prática do futebol americano no Rio de Janeiro os poucos interessados em praticá-lo perceberam que não possuíam o material necessário para reproduzir completamente o futebol americano de campo (praticado nos EUA), pois o único material que eles dispunham era a bola trazida dos EUA (como resultado da admiração pela cultura esportiva americana) e os protetores bucais comprados nas lojas de esporte no Brasil.
Neste sentido, essa admiração pelos times, jogadores e de forma geral pela NFL, se traduziria no desejo de praticar algo que em parte poderia ser interpretado como futebol americano.
Este desejo fez com que Robert Segal e Thomaz Brasil contagiassem outros dezoito amigos que resolveram jogar futebol americano na praia de Copacabana, assim nasceu o futebol americano de praia conhecido internacionalmente como Beach Football.
Se em 1986 eram cerca de 20 praticantes, em 2006 à AFAB (Associação de Futebol Americano do Brasil) conta com aproximadamente 600 atletas inscritos, fora os técnicos, e profissionais que movimentam a AFAB.
Acreditamos que o lugar em que o esporte começou a ganhar adeptos foi primordial para o seu desenvolvimento. A praia de Copacabana é um dos lugares mais freqüentados por turistas estrangeiros quando em visita à cidade do Rio de Janeiro. A rede hoteleira garante em parte que muitos venham a se hospedar também neste bairro. Com isso, acreditamos que a presença de norte americanos estimulou e estimula a propagação desse esporte nas areias de Copacabana (e atualmente em quase toda região oceânica do estado do Rio de Janeiro). Somado a este fator, é necessário pensar no grau de instrução e acesso aos bens culturais que os primeiros praticantes detinham.
Acreditamos que exista uma questão de assimilação cultural que os aproxima com o modo de vida americano. Quer seja por viagens, acesso de canais fechados ou pela Internet, esses indivíduos passam a acompanhar um campeonato que é praticado fora de nossas fronteiras e a ter admiração por atletas que possivelmente sequer conhecem o Brasil.
Consideramos a assimilação como um processo social em virtude do qual indivíduos de grupos sociais diferentes aceitam e adquirem comportamentos, tradições, sentimentos e atitudes da outra parte. É um indicio da integração sociocultural e ocorre principalmente nas populações que reúnem grupos heterogêneos. LAKATOS (1997).
Como estes praticantes não tinham campo apropriado, capacete, pad (proteção peitoral), flack vest (proteção região da cintura pélvica), chuteira, luva e uniformes apropriados, dentre outros materiais usados para a pratica deste esporte no campo. Eles então de forma criativa buscaram uma maneira de praticar o futebol americano.
É a partir dessa criatividade que esses atores sociais encontraram em um primeiro momento outras formas de praticar esse esporte, uma delas e a de maior número de praticantes é o futebol americano de praia (Beach Football).
Porem até o Beach Football se deparou com inúmeras dificuldades, aqui destacaremos as duas maiores. A primeira foi que de 1986 até 2001 não havia no Rio de Janeiro lojas que vendessem material relacionado ao futebol americano, principalmente a bola de futebol americano, fazendo com que os atletas encomendassem pela internet ou a amigos que fossem para os EUA o que tornava a sua aquisição limitada a poucos praticantes. E a segunda foi que a partir de 1995 quase todos os campos de futebol na praia de Copacabana se tornaram campos de Beach Soccer, ou seja, perdiam as medidas de um campo de futebol americano (as medidas de um campo de futebol vão de 90 a 120 metros de comprimento por 45 a 90 metros de largura, e as medidas de um campo de futebol americano vão de 82 a 119 metros de comprimento por 32 a 49 metros de largura. Já as medidas de um campo de Beach Soccer vão de 35 a 37 metros de comprimento por 26 a 28 metros de largura, logo não é compatível com o campo mínimo para a pratica do Beach Football).
Segundo nossos informantes suas dificuldades iniciais eram:
"Indiscutivelmente a falta de material para a pratica do esporte. Infelizmente no Brasil só encontramos bolas e protetores bucais". Grifo nosso (Informante 10)
"A carência de materiais adequados para a pratica no inicio do esporte". Grifo nosso (Informante 19)
Para remediar essa falta de equipamento protetor, a praia se tornou uma solução mais plausível, visto que o impacto de quedas poderia ser diminuído na areia.
Além disso, a falta de espaço físico adequado se tornaria um problema, pois a versão americana é praticada em campos gramados (quer seja de grama natural ou sintética) e a areia das praias cariocas poderia ser uma boa saída para esses praticantes não fosse o problema de divisão de espaço que começou a ocorrer na praia de Copacabana.
Entretanto esse fato não foi totalmente negativo para o esporte, pois o aparecimento desta nova e inesperada dificuldade fez com que os praticantes de Beach Football começassem a procurar outras praias do estado do Rio de Janeiro para praticar a modalidade. Fazendo com que o esporte se expandisse por diversas praias do Rio de Janeiro. Se inicialmente o Beach Football era praticado apenas na praia de Copacabana, atualmente ele é praticado em treze praias do estado do Rio de Janeiro.
Com as modificações de ordem de espaço físico e de equipamentos protetores, foi necessário também alterar algumas regras para o terreno onde seria o campo (praia) e de forma a poupar os jogadores de possíveis lesões pela falta de equipamento.
Segundo um de nossos informantes
Em razão das características do terreno de jogo (areia) e da restrição orçamentária (variante imprescindível), tivemos que realizar uma série de alterações, tais como: adaptar o esporte às dimensões dos campos que dispúnhamos e adaptar as regras oficiais do futebol americano ao praticado por nós. Os gols também tiveram que sofrer adaptações. Ao invés do tradicional "Y", colocamos o "H". E as marcações de campo também não puderam ficar de fora. As linhas laterais e de pontuação (end zones) seriam demarcadas com fitas de nylon, como aquelas utilizadas na marcação das quadras de vôlei de praia (conhecidas como prescindas). No que pertinente às regras, as alterações principais ocorreram no contato entre os atletas. Toque no rosto do atleta, agarrão (tackle) acima os ombros, puxão de camisa, entre outras restrições foram consideradas. Grifo nosso (Informante 21)
Sem espaço físico adequado, material e recursos financeiros, a solução para aqueles que queriam praticar o futebol americano no Rio de Janeiro foi adaptá-lo as características locais, quer seja na forma de jogar e com regras que permitissem preservar o corpo dos jogadores. Com isso os praticantes solucionam em parte a vontade de jogar o futebol americano, mesmo que de uma forma adaptada, o Beach Football.
Considerações finaisNo percorrer deste estudo, percebemos que o futebol americano praticado no Brasil, tem se deparado com três grandes dificuldades.
A primeira delas é o fato de que inicialmente não se encontrava os materiais básicos para a sua prática, fazendo com que o público interessado em praticá-lo gerasse adaptações locais (caso do Beach Football).
Porém, na atualidade o Beach Football já conta com uma facilidade que outrora não teve. A bola, material principal para sua prática, já se encontra a venda em quase todas as lojas de material esportivo do Rio de Janeiro a valores por vezes inferiores a bola de vôlei, basquetebol e futebol.
Os próprios praticantes adaptaram do hóquei na grama uma espécie de pad (proteção do tórax do futebol americano) para diminuir as contusões que os atletas sofrem durante o jogo, e os times têm procurado também se filiar as empresas de material esportivo dos EUA visando facilitar a aquisição de materiais específicos da modalidade.
A segunda dificuldade encontrada pelos praticantes foi que as pessoas começaram a associar o futebol americano praticado nos EUA com o praticado aqui no Brasil. Ignorando suas peculiaridades e transportando diversos aspectos negativos do futebol americano (EUA) para o aqui praticado.
Nesta segunda dificuldade, a mídia (principalmente jornais e revistas) inicialmente influenciou de maneira negativa quando está contribuiu na criação de estereótipos para o esporte (violento, estranho, chato, perigoso...) e seus atletas (loucos, violentos, idiotas), o que acabou por gerar certos preconceitos a respeito dos praticantes e da modalidade.
Consideramos que o futebol americano é considerado violento, chato e perigoso quando suas regras e sua lógica interna não são compreendidas, fato este que gera um preconceito com relação à aceitação deste esporte perante as pessoas importantes durante o convívio social desses atletas.
Atualmente a mídia (principalmente a televisão, os jornais e a internet) assumiu uma postura mais didática sobre o futebol americano praticado no Brasil. Ela têm tido um papel de apresentadora e divulgadora da modalidade.
A terceira grande dificuldade é que a mídia ainda não dá muita visibilidade ao esporte, o que dificulta na massificação e no crescimento do futebol americano aqui no Brasil. Mesmo esse esporte (Beach Football) tendo surgido basicamente a partir de transmissões dos jogos em TV aberta (Canal Bandeirantes).
Percebemos a partir deste trabalho, que existem esportes tais como o futebol americano no Brasil que inicialmente teve de ser praticado apenas de forma passiva, ou seja, o esporte começou com o espectador (telespectador), que se motivou a buscar um meio de se jogar, alcançou essa forma, se tornou praticante (atleta), este atleta se aposenta e passa a auxiliar na organização do esporte.
Este tem sido um ciclo de iniciação dos esportes muito comum no Brasil, temos como exemplo o Basebol e o Le Parkour praticados no Brasil.
Pudemos durante a nossa pesquisa observar que todos os atletas que estão envolvidos nesse esporte sabem do risco e respeitam as regras impostas para preservar os jogadores justamente por não terem equipamentos protetores.
No percorrer deste estudo percebemos que a falta de um jogador de futebol americano brasileiro na NFL, influencia bastante no desenvolvimento deste esporte no Brasil, pois os esportes só ficam em evidencia baseados nas conquistas que os atletas têm. Quanto mais conquistas mais público o admira e mais espaço o esporte passa a ter na mídia.
Consideramos que futuros estudos devam abordar o futebol americano que vem sendo praticado em diversas regiões do Brasil e como estes praticantes se motivaram a adaptá-lo a suas realidades.
Futuros estudos devem também procurar compreender, de onde esses atletas tiram motivação para continuar praticando uma modalidade que não é bem vista em nossa sociedade e que não há nenhum tipo de reconhecimento e nem retorno financeiro.
Referências bibliográficas
BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998.
CAPINUSSÚ, José Maurício. Comunicação e transgressão no esporte. São Paulo: Ibrasa, 1997.
GUEDES, Simoni Lahud. O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre os significados do futebol brasileiro. Niterói: EDUFF, 1998.
HELAL, Ronaldo. O que é sociologia do esporte. São Paulo: Brasiliense, 1990.
LAKATOS, Eva Maria. Introdução a Sociologia. São Paulo: Atlas, 1997.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MEKSENAS, Paulo. Aprendendo sociologia: a paixão de conhecer a vida. São Paulo: Loyola, 1991.
RUBIO, Katia. O trabalho do atleta e a produção do espetáculo esportivo. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI. nº 119 (95), 2002.
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