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Considerações sobre um programa esportivo
de iniciativa do governo federal brasileiro

Considerations about a sport program of the Brazilian Federal Government

   
Mestrado em Ciências da Atividade Física da
Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO.
Apoio da Fundação Nacional de Desenvolvimento
do Ensino Superior Particular -FUNADESP.
 
 
Profa. Dra. Renata de Sá Osborne da Costa
renataoc@oi.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     O artigo tece considerações sobre um programa esportivo do governo brasileiro, alinhado com a proposta da Organização das Nações Unidas, que é a educação física e o Esporte para a promoção da educação, saúde, desenvolvimento e paz. As considerações referem-se à construção de espaços esportivos na escola ou fora dela, aos conflitos entre o esporte escolar e o de alto rendimento, e a necessidade de acompanhamento e avaliação da implantação do Programa.
    Unitermos: ONU. Desenvolvimento. Inclusão social. Instalações esportivas.
 
Abstract
     The article interweaves considerations about a sport program of the Brazilian government, which is aligned with the United Nations' proposal for sport and physical education aiming the promotion of education, health, development and peace. The considerations refer to the construction of sport installations in or outside the school, the conflicts between the school sport and high-level one, and the need to follow up and evaluate de implementation of the Program.
    Keywords: UN. Development. Social inclusion. Sport installations.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 102 - Noviembre de 2006

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Introdução

O esporte e a educação física como aliados do desenvolvimento

    A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU proclamou 2005 como o Ano Internacional do Desporto e da Educação Física. O organismo internacional preconiza a utilização de atividades físicas para promover a educação, a saúde, o desenvolvimento e a paz, buscando atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que visam até 2015: a redução das taxas de pobreza e de fome, a garantia de acesso de todas as crianças ao ensino primário e o combate à AIDS (INSTITUTO DE DESPORTO DE PORTUGAL, 2005).

    Os governos, as diversas agências das Nações Unidas e as instituições ligadas ao esporte são convidados a promover o esporte e a educação física para todos, incluindo-os como meio para alcançar as metas de desenvolvimento acordadas internacionalmente. Nesse sentido devem trabalhar coletivamente para que as atividades físicas apresentem oportunidades para o exercício da cooperação e da solidariedade para promover a cultura da paz e da igualdade entre os sexos e social, e defender o diálogo e a harmonia. São convidados a: reconhecer o valor das contribuições do esporte e da educação física para o desenvolvimento econômico e social; encorajar a construção e restauração de instalações esportivas; baseado no levantamento das necessidades locais, promover atividades físicas como uma ferramenta para o desenvolvimento da saúde, educação, sociedade e cultura; fortalecer a cooperação e a parceria entre a família, a escola, os clubes, as comunidades locais, os líderes, os setores público e privado, para assegurar a complementaridade de esforços e fazer o esporte e a educação física acessível a todos; e assegurar que os jovens talentos possam desenvolver seu potencial atlético sem ameaças à sua segurança e integridade física e moral (UNITED NATIONS, 2003).

    Apesar de instrumentos internacionais advogarem o esporte como direito humano fundamental para todos, portanto não apenas um meio mas também um fim em si mesmo, o direito ao esporte e à brincadeira é freqüentemente negado. Isto ocorre por causa da discriminação e pela negligência política, exemplificada pelo declínio nos gastos com a educação física e pela falta de espaços apropriados para o esporte. No plano do indivíduo, a prática esportiva é vital ao seu desenvolvimento integral promovendo sua saúde física, emocional e social. Essa fornece oportunidades de lazer e auto-expressão, benéficas a todos e em especial a jovens desfavorecidos. Fornece alternativa saudável a atividades prejudiciais como o uso de drogas e a criminalidade. Além de todos esses fatores, a prática de atividades físicas tem relação direta como a melhoria dos desempenhos acadêmicos de crianças e jovens. O objetivo das Nações Unidas de utilizar o esporte como aliado não é a criação de novos campeões ou o desenvolvimento do esporte, mas a utilização do esporte como facilitador da participação, da inclusão e da cidadania, inserindo-o em atividades mais abrangentes do desenvolvimento e da construção da paz (NAÇÕES UNIDAS, 2003).

    No Brasil, o Governo Federal promove o Programa Segundo Tempo, que está alinhado com a política de esportes da ONU. Seu objetivo é assegurar o acesso ao esporte para as populações tradicionalmente excluídas, contribuindo para o fortalecimento de programas em esferas governamentais tais como a saúde e a educação (BRASIL, [2003 ou 2004]).


Programa Segundo Tempo

    No Brasil, o movimento Esporte para Todos desenvolvido nas décadas de 1970 e 1980 criou a base para o surgimento dos chamados projetos esportivos de inclusão social para crianças e adolescentes, a partir da década de 1990. Além disso, a Constituição Federal de 1988 marcou o sistema esportivo nacional ao reconhecer como direito do cidadão o acesso a atividades desportivas formais e não-formais, como dever do Estado a promoção dessas atividades e como prioridade a destinação de recursos públicos para o esporte educacional. Atualmente o Governo Federal promove o Programa Segundo Tempo que em sua fase de implantação, em 2005, atendia a 516,7 mil crianças e adolescentes em 2.681 núcleos no país" (GOMES; CONSTANTINO, 2005, p. 603).

    Os Ministérios da Educação e do Esporte instituíram em 2003 esse Programa para fomentar a prática esportiva no ensino fundamental público. A Portaria Interministerial 3.497 define que as atividades físicas desenvolvidas no Programa deverão evitar a seletividade e hipercompetitividade dos praticantes e servir aos propósitos de desenvolvimento integral do indivíduo, iniciação esportiva e inclusão social. No documento é enfatizado o valor sócio-educacional do esporte; ou seja, o esporte como direito social e comprometido com a reversão do quadro de injustiça e exclusão social ao qual vive grande parcela da população brasileira. O Programa Segundo Tempo é realizado através de atividades esportivas no contra-turno escolar, como fator de contribuição para o desenvolvimento da escola em tempo integral. A prioridade é dada a alunos de escolas públicas de ensino fundamental com mais de 500 alunos e localizadas nas capitais e no Distrito Federal. Propõe-se que as atividades sejam desenvolvidas nas unidades de ensino ou em espaços cedidos por terceiros, e que a participação no Programa não dispensa os alunos das aulas de educação física escolar (BRASIL, 2003).

    O manual sobre o Programa Segundo Tempo apresenta um breve diagnóstico das práticas esportivas de crianças e adolescentes. Este cita dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - Inep, que indicam que, apenas 18,1% do total de escolas de ensino fundamental públicas e particulares no Brasil oferecem um local adequado para a prática esportiva dos alunos. O objetivo geral do Programa é a democratização do acesso a essa prática como meio educacional para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Dentre seus objetivos específicos, destaca-se contribuir para a redução do tempo de exposição a situações de risco social, e a diminuição da evasão e repetência escolar de crianças e adolescentes. Outros objetivos específicos são a qualificação de recursos humanos para ministrar as atividades esportivas e a geração de emprego pela mobilização do mercado esportivo. Dentre os princípios metodológicos do Programa, inclui-se a construção de política pública a partir do engajamento do poder público, da ampliação de parceiros e espaços, e da atuação em rede. As ações do Programa são: o funcionamento de núcleos de esporte, a capacitação de recursos humanos e a promoção de eventos esportivos nacionais. Cada núcleo esportivo pretende atender 200 crianças e adolescentes, com acesso às modalidades esportivas coletivas e individuais, permanecendo de duas a quatro horas por dia no núcleo, três vezes na semana. A construção e modernização de infra-estrutura esportiva, no espaço da escola ou não, será conseguida através de uma parceria entre órgãos públicos e privados. Planeja-se oferecer às crianças reforço alimentar, distribuição de materiais técnico-didáticos, e atividades educativas complementares (BRASIL, [2003 ou 2004]).


Considerações

    Embora várias considerações possam ser traçadas com relação ao Programa Segundo Tempo, esse artigo se limita a apresentar três considerações. A primeira delas refere-se ao uso de espaços físicos para a prática esportiva dentro da escola ou em espaços cedidos por terceiros. Se por um lado, a cessão de espaços por organizações não escolares pode aumentar os espaços esportivos disponíveis para as crianças, por outro lado, essa medida tende a contribuir para a desigualdade de oportunidades. Cada região que participa do Programa vai ter uma composição diferenciada de espaços esportivos a serem disponibilizados, e que não necessariamente atendem à necessidade local. Conseqüentemente a criança e o jovem serão mais ou menos favorecidos em proporção às características de cada região. Então, se o Programa Segundo Tempo definisse que os espaços para a prática desportiva fossem implementados na escola e as condições mínimas para tais instalações, o resultado seria um fortalecimento da instituição escola e um certo padrão para todas as regiões contempladas, favorecendo assim uma base comum de oportunidades. Entende-se também que essa proposta enfrentaria obstáculos, tais como o caso de escolas tão pequenas e em áreas populosas, que não teriam condições de ampliar seu espaço para a construção de instalações desportivas.

    Uma segunda consideração é relativa aos conflitos entre o esporte para a formação do indivíduo e o esporte de alto rendimento. Embora a portaria do Programa especifique que o seu objetivo é a iniciação esportiva e a inclusão social, teme-se que ao realizar parcerias com terceiros, objetivos referentes ao esporte de alto rendimento venham a emergir e entrar em conflito com o esporte no contexto educativo. Com a realização do Pan Americano na cidade do Rio de Janeiro, em 2007, a preocupação com a quantidade de atletas brasileiros cresce. Boatos sobre a relação do Programa Segundo Tempo com o descobrimento de talentos esportivos já são ouvidos em conversas informais nos meios acadêmicos.

    Segundo Nogueira e Bertoldo (2004), escolas e clubes desportivos disputam verba do governo para formar atletas. A reportagem fala da decadência dos clubes, que eram os tradicionais formadores de atletas, e apontam para a polêmica de quem deve ser a responsabilidade pela formação de novos talentos. Um dos depoimentos apresentados é que clubes e escolas deverão se unir nesta tarefa. Mas a questão é mais complexa; experiências já foram relatadas sobre o conflito entre esporte no contexto escolar e o esporte de alto rendimento. Bracht e Almeida (2003), apontam para "a tensão entre o papel da EF [Educação Física] - e o esporte escolar a ela vinculado - e os interesses do sistema desportivo" (p. 92), e criticam o Programa Esporte na Escola, criado pelo Ministério do Esporte e Turismo em 2001. Os autores salientam que:

[...] a retórica presente no programa governamental reedita um discurso há muito presente na EF brasileira, qual seja, a retomada da idéia da pirâmide esportiva, subordinando, mais uma vez, o desporto escolar àquilo que é de interesse do esporte de alto rendimento, tornando-se perceptível o corte, já denunciado, da perda do projeto político-pedagógico da EF para o esporte de rendimento. Em outras palavras, a subordinação da EF à política esportiva. (BRACHT; ALMEIDA, 2003, p. 94).

    Essa crítica acerca do esporte de alto rendimento subjugando o educacional, em projetos esportivos, é importante. Isso porque as vitórias no sentido da inclusão social no Brasil são até mais preciosas do que aquelas alcançadas por seus cidadãos talentosos em Olimpíadas Internacionais. Não se pretende com essa afirmação desvalorizar o esporte de alto rendimento e a conquista de medalhas olímpicas. Sabe-se quanto sacrifício os atletas passam para alcançar a vitória, assim como o que representa simbolicamente para todos os brasileiros a vitória de tais atletas e suas equipes. As competições olímpicas tocam os seus participantes profundamente, e não se quer perder esse espetáculo. O que se defende é que o brilho do esporte de alto nível não ofusque o brilho do esporte para todos. É uma questão de responsabilidade social que o esporte educacional ganhe prioridade.

    Uma terceira consideração sobre o Programa é quanto à sua execução, avaliação e amplitude. Observa-se que leis ou programas bem elaborados, embora essenciais, não são suficientes. Vários exemplos existem de fracasso na sua execução. A prática oferece muitos obstáculos, tais como a possibilidade de desvirtuar o sentido inicial do Programa, o conflito de interesses, a ineficiência de um ou mais parceiros executivos e a descontinuidade por questões políticas. Além disso, tem-se observado que os projetos esportivos que se denominam de inclusão social não chegam a realizar um impacto significativo junto aos grupos excluídos.

    Dados levantados pela pesquisa de Gomes e Constantino (2005), estimaram em 2003 um atendimento de no mínimo 1.936.030 crianças e adolescentes nos programas esportivos de inclusão social no país, realizados pelo Governo, por organizações não-governamentais e pela iniciativa privada. Ou seja, um mínimo de 5,2 % da população brasileira de 36.992.374 crianças e jovens de 7 a 17 anos foi atendida. Se em 2003, o número de crianças e jovens era menos de 10 % do número total, e tendo-se em vista que em 2005 o Programa Segundo Tempo atendia a 516,7 mil crianças e adolescentes, é desanimador observar como são "tímidos" os programas implantados. É preciso então ao longo dos próximos anos avaliar o desenvolvimento do Programa Segundo Tempo. Sobretudo, é importante debater como os projetos esportivos de inclusão social no país podem se integrar afim de que o atendimento de crianças e jovens não se torne insignificante por atender a menos de 10 % da população. Pretende-se a inclusão, mas age-se ainda na lógica da exclusão, ou seja, sobram mais pessoas fora dos programas do que dentro deles.


Referencias bibliográficas

  • BRACHT, Valter; ALMEIDA, Felipe Quintão de. A política de esporte escolar no Brasil: a pseudovalorização da Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, maio 2003, v. 24, n. 3, p. 87-101.

  • BRASIL. Ministério dos Esportes; Ministério da Educação. Organização estrutural do Programa Segundo Tempo. Brasília: Ministério do Esporte; Ministério da Educação, [2003 ou 2004]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/segundotempo/como_participar.htm. Acesso em: 29 nov. 2004.

  • BRASIL. Portaria Interministerial nº 3.497 de 24 de novembro de 2003. Disponível em: http://www.abmes.org.br/Legislacao/2003/portaria/Port_Inter_3497_241103.doc. Acesso em: 20/7/2004.

  • GOMES, Marta Corrêa; CONSTANTINO, Marcio Turini. Projetos esportivos de inclusão social - PIS - crianças e jovens. In: DACOSTA, Lamartine (org.). Atlas do esporte no Brasil: Atlas do esporte, educação física e atividades físicas de saúde e lazer no Brasil. Rio de Janeiro: 2005. p. 602-612.

  • INSTITUTO DE DESPORTO DE PORTUGAL. Notícias: 2005 ONU proclamou Ano Internacional do Desporto e da Educação Física. Disponível em: http://www.idesporto.pt/noticias_detalhes.asp?Rid=193. Acesso em: 21 jan. 2005.

  • NAÇÕES UNIDAS. Esporte para o desenvolvimento e a paz: em direção à realização das metas de desenvolvimento do milênio. Nações Unidas, 2003. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/publicacoes/ . Acesso em: 20 nov. 2004.

  • NOGUEIRA, Claudio; BERTOLDO, Sanny. O Globo, Rio de Janeiro, 14 nov. 2004. Esportes, p. 54.

  • UNITED NATIONS. Resolution adopted by the General Assembly: sport as a means to promote education, health, development and peace. 2003. 3 f. Disponível em: http://www.who.int/hpr/physactiv/docs/pa_un_resolution_en.pdf. Acesso em: 26 jan. 2005. A/RES/58/5.

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