Enduro a Pé: o esporte de aventura como aliado
na adesão à prática de atividade física |
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*Mestranda em Psicologia Social (UERJ), Graduada em Educação Física (UERJ). **Doutorando em Psicologia Social (UERJ), Mestre em Ciência da Motricidade Humana (UCB/RJ), Prof. Assistente da Universidade Veiga de Almeida. (Brasil) |
Kalyla Maroun* kalylamaroun@yahoo.com.br Valdo Vieira** valdovieira@yahoo.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 102 - Noviembre de 2006 |
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Introdução
Esportes de Aventura e o Enduro a Pé
O movimento esportivo caracterizado como Esportes de Aventura continua crescendo a cada ano. Novas modalidades surgem e concomitantemente aumenta o número de adeptos a essas práticas. Chamados de Esportes Radicais, Esportes de Ação, Eco-esportes e Esportes da Natureza, são de difícil caracterização, pois englobam uma variabilidade de distintas atividades (como o sky surf, o rafting e o trekking), nos mais diversos ambientes, tendo suas práticas disseminadas no esporte de desempenho, no esporte-lazer e/ou no esporte-educação.
As diversas modalidades esportivas de aventura podem proporcionar os mesmos benefícios de uma prática esportiva tradicional, como os relacionados à saúde e à qualidade de vida, com a conseqüente melhoria da auto-estima, auto-imagem, redução do estresse, entre outros. Embora os Esportes de Aventura estejam associados à riscos, ao perigo - o próprio termo 'aventura' tem como significado 'ação arriscada, risco'- na maioria desses esportes a possibilidade de ocorrência de um evento indesejado com potencial de causar algum dano ao praticante é igual a qualquer modalidade esportiva tradicional.
Neste artigo estaremos apresentando o Enduro a Pé -um esporte de aventura criado no Brasil no início da década de 90 que consiste em uma competição de caminhada realizada prioritariamente em ambientes naturais. A importância desta modalidade recai para a incorporação de um estilo de vida ativo, para a promoção da socialização e para os inúmeros outros benefícios advindos da prática regular de atividade física.
O Enduro a Pé como um fator motivador para a vida ativaO esporte é um direito de todos, garantido no art. 217 da Constituição Federal do Brasil e suas manifestações abrangem o esporte de desempenho, o esporte-lazer e o esporte-educação. Tubino (1999) esclarece que os esportes de desempenho (também conhecido como esportes de alto nível) são institucionalizados, sendo disputados pelos mais aptos e obedecendo rigidamente às regras e códigos específicos de cada modalidade. Já no esporte-lazer não há compromisso com as regras, sendo o seu objetivo a promoção do bem-estar de seus praticantes. Nessa manifestação esportiva não se privilegia o talento e sim a participação, permitindo deste modo, o acesso de todos. O esporte-educação possui um caráter formativo, sendo um processo educativo de preparação dos jovens para o exercício da cidadania, podendo ser desenvolvido na escola ou fora dela.
Embora conceitualmente o esporte de desempenho seja uma manifestação em que prevalecem os talentos esportivos e, além disso, possua a necessidade de um árduo e contínuo programa de treinamentos para a obtenção de êxito (o que por si só exclui uma parcela significativa da população que não tem tempo disponível e nem condições físicas ou habilidades para tal), não significa que não exista o desejo das pessoas - mesmo que induzido pela mídia ou por amigos - de participarem de competições, de viverem/vivenciarem as tensões e distensões de um jogo, de obterem as glórias resultantes de uma vitória, de ganharem um troféu ou uma medalha.
Dentro do complexo e multidimensional processo que pode resultar na adesão a uma vida ativa, vislumbramos, pelas suas características, que o Enduro a Pé pode trazer uma importante contribuição, pois se trata de uma competição de caminhada, sendo esta uma atividade de fácil execução, com poucas contra-indicações e, portanto, podendo ser praticada por pessoas de diferentes faixas etárias e competências motoras.
Conhecendo o Enduro a Pé1. Surgimento:
Os idealizadores desse esporte adaptaram os regulamentos dos enduros de Jipe à caminhada ecológica. A primeira competição que se tem conhecimento ocorreu em 1992, em São Paulo, na Serra da Cantareira. Atualmente são 29 competições no país, espalhadas por 10 estados, atraindo por mês aproximadamente 7 mil atletas. São 4 as federações estaduais e em 2005 foi fundada a Confederação Brasileira de Enduro a Pé (COBEPE).
2. O que consiste:O Enduro a Pé é uma competição em equipe, compostas de 3 a 6 pessoas (independente do sexo ou faixa etária), e se resume em realizar a pé determinado percurso disposto em uma planilha, no tempo estipulado. A organização do evento elabora um trajeto e insere em uma planilha as informações necessárias para a interpretação do caminho a ser seguido, tais como: as distâncias, a descrição do ambiente, direções e velocidades médias. Isso permite que as equipes calculem o tempo exato de passagem em cada referência. A largada é escalonada - geralmente há um espaço de 2 a 3 minutos entre as equipes e as aferições de tempo são realizadas por Postos de Controle (PC's) colocados estrategicamente ao longo do percurso. Os PC's são integrantes da organização que registram a hora, o minuto e o segundo em que as equipes passam no ponto em que estão baseados. O Enduro a Pé é um esporte de regularidade, ou seja, a equipe vencedora não será a mais veloz, e sim a que passar pelos PC's no tempo mais próximo do ideal. Em cada segundo adiantado ou atrasado há uma perda de determinado número de pontos, sendo vitoriosa a equipe que perder o menor número de pontos. Portanto, o que importa não é a intensidade ou o melhor preparo físico, mas sim a regularidade ao longo do percurso. As velocidades médias (em metros por minuto) são determinadas de acordo com as peculiaridades do terreno e/ou do clima e definidas de tal modo que os competidores 'apenas' caminhem, ou seja, não se utilizem da corrida. Isso faz com que este esporte possa ser praticado em iguais condições por pessoas de várias faixas etárias e níveis de condicionamento físico. Outro fator positivo é o baixo custo para a prática do Enduro a Pé, contrastando com a maioria dos esportes de aventura em que se alicerçam em equipamentos tecnológicos caros, tornando essas atividades inacessíveis para grande parte da população. De um modo geral, para a prática do Enduro a Pé é suficiente a utilização de uma calculadora comum, de um relógio e uma bússola, o que torna maior a possibilidade de adesão à sua prática.
3. A planilha:A planilha é dividida em trechos, sendo que cada trecho possui uma velocidade média. A planilha, conforme mostrada na Figura 1, contém 3 colunas, sendo que:
Primeira coluna (distância): é composta pelas distâncias parciais do trecho e a distância total percorrida no trecho até aquele ponto (distância acumulada).
Segunda coluna (referência): contém as referências gráficas do local (existem algumas legendas padronizadas pela organização) e o ponto de origem e destino da equipe.
Terceira coluna (observações): fornece algumas informações complementares e/ou a direção a seguir através da utilização de uma bússola.
3.1. Legendas:As legendas são colocadas na segunda coluna da planilha. Não existe ainda uma padronização das legendas, embora isso esteja sendo discutido pela COBEPE. Cada organizador estipula as suas (Figura 2), porém geralmente são de fácil identificação.
3.2. Cálculos:Inicialmente a planilha fornece as seguintes variáveis: hora, minuto e segundo da largada, velocidades médias de cada trecho e distâncias a percorrer. Como visto, o ritmo é fundamental, pois a equipe irá perder pontos se passar adiantada ou atrasada pelos PC's. Para saber o horário correto de passagem em cada referência onde há a informação sobre a distância, alguns cálculos necessitam ser feitos. As planilhas costumam ser disponibilizadas com antecedência, permitindo às equipes calcular o horário de passagem pelas referências antes do início da prova.
Para exemplificar, adotaremos como modelo o Trecho 2 de uma planilha (Figura 3):
Temos como informação:
Velocidade média: 60 m/min.
Distância a percorrer: 12 metros.
Se o horário de chegada ao fim do trecho 1 fosse 10h00min00seg, então:
Cálculo de passagem nas referências:Primeira referência:
Fórmula: (Distância/velocidade) X 60
(12 / 60) X 60 = 12 segundosEntão, como o tempo anterior era 10h00min00s e os 12 metros a 60 m/min deverá ser percorrido em 12 segundos, então a equipe deverá chegar na primeira referência às 10h00m12s (Figura 4).
Segunda referência
Da primeira para a segunda referência serão percorridos 14 metros (26 metros no total do trecho -> 12+14 metros). Calculando: (distância / velocidade) X 60 = 14 segundos. Como no final da primeira referência a equipe deverá chegar as 10h00m12s, soma-se 14 segundos o que resulta em 10h00m26s o horário de chegada na segunda referência.
3.3. Interpretação da planilhaAs referências: a leitura da planilha é feita por linha, da esquerda para a direita, sendo que cada linha da planilha é chamada de referência. Logo, no exemplo ao lado, a planilha seria interpretada da seguinte maneira:
Tendo como exemplo a Figura 6, temos:
Primeira referência: a equipe deverá percorrer 12 metros (o círculo preto na segunda coluna é a origem da equipe, isto é, de onde ela está vindo) e chegar em um cruzamento (o quadrado na segunda coluna é o ponto de medição, ou seja, a equipe deve chegar neste ponto as 10h00m12s). Neste cruzamento deverá virar a direita e passar por uma ponte.
Segunda referência: deve-se percorrer 14 metros e chegar novamente em um cruzamento (devendo estar neste ponto as 10h00m26s) e em seguida virar à esquerda.
4. Outras especificidades do Enduro a Pé: além do mencionado acima, durante a prova nos deparamos com algumas situações, como:4.1. PC Virtual:
PC em que as equipes devem informar a metragem de um ponto a outro de determinado trecho.
4.2. Ramificação:
Trecho indicado por uma seta tracejada na planilha que deverá ser percorrido antes de prosseguir pelo percurso normal da prova.
4.3. Neutral:
Tempo estipulado na planilha para descanso da equipe.
4.4. Prova Especial:
A organização estipula alguma tarefa para ser desenvolvida pela equipe.
5. Pontuações:A verificação dos pontos perdidos é feita com base no horário de passagem das equipes pelos PC's. Ao final da prova, soma-se os pontos perdidos em todos os PC's e a equipe com o menor número de pontos perdidos será a vencedora.
Para cada segundo atrasado = 1 ponto perdido.
Para cada segundo adiantado = 2 pontos perdidos.
Acima de 20 minutos atrasados = 1200 pontos perdidos.
Acima de 10 minutos adiantados = 1200 pontos perdidos.
Não passar pelo PC = 2000 pontos
A cada metro de erro no PC virtual: 1 ponto perdido
6. Funções dos integrantes:Existem 3 funções básicas exercidas pelos integrantes das equipes:
6.1. Contagem de passos
6.2. Ritmo
6.3. Navegação
6.1. Contagem de passos - como é proibido utilizar equipamentos de medição ou de localização, o único modo de verificar a distância percorrida é através da contagem de passos. Para isso é necessário que pelo menos um integrante da equipe tenha o seu passo aferido, isto é, saiba a amplitude de sua passada.
6.2. Ritmo - Esta função é necessária para que a equipe se desloque na velocidade média indicada no trecho, pois sendo uma prova de regularidade, o ritmo é fundamental, pois cada segundo atrasado ou adiantado na passagem por um PC acarretará perda de pontos para a equipe.
6.3. Navegação - O integrante que desempenhar essa função será o responsável por conduzir a equipe pelo percurso. Faz a leitura das informações da planilha e utiliza a bússola, indicando à equipe o caminho a seguir. A utilização da bússola é bem simples já que adota-se o Norte Magnético, não sendo portanto necessário fazer cálculos ou declinações, comuns em corridas de aventura ou de orientação. Embora qualquer bússola possa ser usada, a mais indicada é a que tenha o limbo móvel e um corpo plástico com a seta de direção (Figura 7).Embora cada integrante tenha funções distintas, o sucesso de uma equipe dependerá fundamentalmente da integração dos seus componentes, pois nem sempre o tamanho da passada será perfeito e/ou nem sempre o navegador irá ter segurança no caminho a seguir. Nestas situações o ritmista assume grande responsabilidade fazendo ajustes constantes no ritmo da equipe, pois, por exemplo, se a equipe estiver atrasada, irá ter que se adiantar, e, para isso, terá que ir a uma velocidade acima da estipulada no trecho até que a equipe esteja no tempo correto. O mesmo ocorre no caso inverso, quando estiverem adiantados, no entanto, a velocidade deverá ser diminuída.
7. Uso da bússola:Deve-se girar o limbo móvel e alinhar o grau a seguir (que consta na planilha) com a seta de direção. Em seguida deve-se girar a bússola até alinhar o Norte (contido na bússola) com a agulha que aponta para o norte magnético (geralmente esta agulha é vermelha). Então é só seguir pelo caminho apontado pela seta de direção.
Considerações finaisO Enduro a Pé nos parece propício para os indivíduos que desejam praticar atividades esportivas competitivas. Sua atividade não exige a disponibilidade de tempo para árduos treinamentos ou habilidades técnicas específicas e nem ainda a utilização de equipamentos tecnológicos dispendiosos, tornando acessível sua prática.
A prática do Enduro a Pé mostra que, mesmo na competição, é possível fortalecer as relações sociais, o que é possível devido a integração entre os praticantes durante o evento. Vieira, Villano e Tubino (2003) apresentam um estudo sobre esse esporte em que os praticantes de Enduro a Pé afirmaram que obtiveram mudanças pessoais positivas em relação aos seus hábitos depois que iniciaram-se nesta modalidade esportiva, como a prática regular de atividade física e uma maior preocupação com as questões ambientais.
Nos parece ser importante a difusão do Enduro a Pé, pois este esporte pode ser um importante fator para o aumento do nível de adesão à prática de atividade física além de contribuir para o aumento da preocupação e conhecimento com as questões ambientais. É o esporte assumindo as suas responsabilidades sociais, ambientais e seu compromisso com a saúde e qualidade de vida.
Referências bibliográficas
TUBINO, M. O que é esporte? São Paulo: Brasiliense, 1999.
VIEIRA, V., VILLANO, B., TUBINO, M. Impacto ambiental nas competições de trekking de regularidade segundo os seus praticantes. FIEP Bulletin, v.73, p.308-311, 2003.
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