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Psicomotricidade ou Educação Física?
Romeu e Julieta ou Montecchio e Capuleto?

   
Mestre em Educação em Saúde, Especialista em Psicomotricidade,
Educador Físico e Professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
(Brasil)
 
 
Heraldo Simões Ferreira
heraldosimoes@bol.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Este artigo procura compreender as possibilidades de utilização da abordagem psicomotora na educação física escolar. Através do estudo bibliográfico de autores como Damasceno, Le Boulch, Oliveira e Souza, entre outros, a pesquisa foi realizada. O autore faz um paralelo entre o romance Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare, e a disciplina de Educação Física e sua relação com a Psicomotricidade. Questiona se esta relação pode ser uma espécie de Romeu e Julieta, quando se completam, ou se seriam apenas como Montecchios e Capuletos, famílias rivais e impossíveis de integração.
    Unitermos: Psicomotricidade. Educação Física.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 101 - Octubre de 2006

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Introdução

Romance ou ciência?

    Em 1594, Willian Shakespare lançou seu mais famoso romance, Romeu e Julieta. O livro conta a história trágica de dois jovens pertencentes a famílias rivais que se apaixonam e no final morrem. Seria como a dicotomia entre a Psicomotricidade e a Educação Física? Estas disciplinas se completam e podem caminhar juntas, como queriam o jovem Romeu e a bela Julieta? Ou, ao contrário, assim como as famílias Capuleto e Montecchio, não se toleram e são incompatíveis.

    Existiria uma dicotomia entre Educação Física e a Psicomotricidade? Dicotomia, segundo KURY (2001: 252) é a "divisão de um conceito em dois elementos em geral contrários". Observamos que no dicionário citado, a expressão "em geral", nos deixa em aberto a questão, podendo ser contrários ou não as abordagens relativas a Psicomotricidade e a Educação Física.

    Acreditamos que existem três formas de utilização das abordagens propostas pelos educadores. Há os que acreditam não ser possível minimizarem o impacto entre o conflito das duas abordagens, pois há uma ligação destas com o modo próprio de ver o mundo de cada abordagem, portanto o pesquisador deve utilizar uma delas. Há, ainda uma segunda postura, a da tolerância ao trabalho com os dois métodos, utilizando-se em uma abordagem Psicomotora, recursos da Educação Física ou o inverso. Uma terceira postura é a liberdade de utilização de conceitos, sem a presença de dualismos, articulando as duas abordagens. Desta forma, a utilização destas abordagens dependerá do construto do pesquisador.

    Na atualidade fixar uma diferença inflexível entre a Psicomotricidade e a Educação Física, dentro do que percebemos, parece ser não tão inteligente, pois os professores podem utilizar características de uma ou de outra abordagem em suas práticas.

    Entendemos que a busca da compreensão sobre a utilização, em conjunto, dos métodos citados é de grande importância aos professores. A desmistificação da não aproximação entre a Psicomotricidade e a Educação Física precisa ser realizada nos meios acadêmicos. É comum observarmos preconceitos quanto à utilização mútua das abordagens, outras vezes encontramos defensores ferrenhos, mas também existem aqueles que experimentam as duas abordagens, com um método prevalecendo sobre o outro.

    Assim, por estarmos utilizando este tipo de relação em nossas aulas de Educação Física, procuramos, através da reflexão de diversos autores, contribuir em um maior debate sobre o tema.

    É importante aos professores, antes de defender suas posições metodológicas, conhecer as possibilidades entre as abordagens Psicomotora e a Educação Física. É, necessário, inclusive, conhecer as possibilidades de integração entre as duas metodologias.

    Assim nos questionamos: a abordagem Psicomotora pode completar a abordagem da Educação Física? Ambas se completam ou, são antagônicas? Não existe possibilidade de interação entre ambas? É possível um meio termo? Existe a abordagem psicomotora dentro da educação física?

    Desta forma, este artigo possui como propósito maior compreender, através de uma pesquisa bibliográfica, como a abordagem Psicomotora e a Educação Física podem ser utilizadas dentro de uma mesma aula.


Abordagem psicomotora e a Educação Física: diferentes como Capuletos e Montecchios? Ou completam-se como Romeu e Julieta?

    No livro de Shakespeare, havia uma verdade absoluta reinante na Verona da época, Capuletos e Montecchios são pessoas diferentes em tudo, em crenças, valores e virtudes. Será que a Psicomotricidade e a Educação Física, assim como as famílias inimigas da obra Romeu e Julieta, são completamente diferentes?

    Observamos que vários autores trazem estudos importantes sobre o movimento humano, e que estas teorias, tanto podem ser aplicadas à Educação Física como à Psicomotricidade.

    Segundo Oliveira (1997), Merleau-Ponty (1971) ultrapassa a visão dualista entre corpo e mente, para ele o homem é seu corpo; Harroew (1972) é citado por ligar a sobrevivência do homem primitivo ao seu desenvolvimento psicomotor; o mesmo autor cita os sete movimentos básicos inerentes ao homem: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar, pendurar e amassar; também ressalta Piaget (1987), quando o mesmo descreve a importância da motricidade para o desenvolvimento da inteligência; lembra que Wallon (1979) salienta a importância do aspecto afetivo adquirido com a comunicação realizada pelo diálogo corporal.

    Tais autores, trazem a importância do movimento para o homem, características que refletem os objetivos primordiais da educação física e também da psicomotricidade.

    De acordo com Le Boulch (1982, 24), a educação psicomotora:

"deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona topos os aprendizados escolares; leva a criança a tomar a consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir a coordenação de seus movimentos".

    Vygotsky (1998), apud Souza (2004), afirma a importância do brincar como ferramenta principal para a aquisição das capacidades intelectuais do indivíduo. A autora também cita Fonseca, que destaca a aplicação das práticas corporais como fundamentais, a fim de se evitar problemas escolares.

    Outra vez constatamos finalidades em comum para as abordagens da Educação Física e da Psicomotricidade.

    Segundo Le Boulch (1984), a Educação Psicomotora se originou na França, em 1966, pela fragilidade da Educação Física, já que a mesma não teve condições de responder as expectativas de uma educação integral do corpo.

    Não queremos aqui realizar uma crítica a teoria de Le Boulch, até porque a seguimos, mas lembramos que a Educação Física, não pode ser confundida com educadores físicos, portanto, não podemos generalizar, talvez o acontecido não refletisse o pensamento de todos os profissionais educadores físicos da época.

    Souza (2004) reforça a idéia de que nem todos, no ramo da Psicomotricidade, descartam a Educação Física. Cita Pierre Vayer (1984), afirmando que a Educação Psicomotora utiliza atividades de Educação Física com o objetivo de melhorar ou normalizar o comportamento das crianças.

    De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), novas vertentes surgiram em oposição à ala mais tecnicista, esportivista e biologicista da Educação Física, entre elas a abordagem psicomotora. Nela o envolvimento da Educação Física é "com o desenvolvimento da criança, com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, ou seja, buscando garantir a formação integral do aluno" (BRASIL 1998: 23).

    A prática da Educação Física sob a influência da Psicomotricidade lança o profissional da disciplina à possuir responsabilidades pedagógicas, valoriza o processo de aprendizagem e não apenas o ato motor (BRASIL, 1998).

    Damasceno (1997), lembra que Ramos (1979), justifica que a Educação Psicomotora é parte integrante da Educação Física, embora se oponha à Educação e Reeducação Física tradicional.


Reflexões conclusivas

    Ao realizarmos o estudo bibliográfico que abordava o tema, nos deparamos com autores que possuíam posições diversas. Alguns acham que as abordagens são possíveis de integração, outros afirmam ser isto uma modalidade de estudo jamais realizável.

    Assim como na Verona medieval, onde se passa a história de Romeu e Julieta, quando alguns indicavam que o casal poderia constituir uma relação, mas ao mesmo tempo, os mais conservadores, ditavam a incoerência desta união.

    Defendemos a posição que podemos utilizar a Psicomotricidade na aula de Educação Física, assim como podemos recorrer a práticas da Educação Física nas sessões de Psicomotricidade.

    Da mesma forma, se as famílias de Romeu e Julieta tivessem deixado o ódio de lado, chegariam a conclusão de que poderiam, com a junção do casal, se completarem, aumentar suas riquezas, utilizando inclusive, recursos uma da outra.

    Entendemos que a Psicomotricidade e a Educação Física não são incompatíveis, podem ser integradas e que ao invés de serem inimigas podem ser instrumentos auxiliares. Percebemos que não se faz impossível a junção de uma metodologia com a outra, pois ambas podem se auxiliar e se completar.

    Outra vez nos reportamos ao romance entre Romeu e Julieta, da mesma forma que as abordagens citadas, os dois não são incompatíveis somente por suas origens familiares (Seriam os Montecchios corporais? Seriam os Capuletos intelectuais?). O casal se completa em seu objetivo: o amor (as abordagens referidas também podem se completar em seu objetivo: promover a junção entre o movimento e o pensamento). Por fim, ao invés de inimigos, Montecchios e Capuletos poderiam se auxiliar e juntos teriam encontrado respostas para suas perguntas, assim como a Psicomotricidade e a Educação Física.

    É necessário aos profissionais o rompimento do antigo paradigma, que inflexibiliza a integração entre as duas metodologias. Assim como Romeu e Julieta, devemos transpor a barreira da discórdia e da incompreensão.

    Reproduzimos um diálogo entre Romeu e Julieta, quando se conhecem no Jardim dos Capuletos, para ilustrar que, da mesma forma como ambos integraram-se também é possível uma união entre a Psicomotricidade e a Educação Física no que se refere a utilização durante as aulas:

ROMEU - Que luz reluz através daquela janela? É o Oriente e Julieta é o sol!... É minha dama! É o meu amor!
JULIETA - Ai de mim!
ROMEU - Fala anjo luminoso!
JULIETA - Que homem és tu, que surpreende de tal modo meus segredos?
ROMEU - Meu nome, adorada, é odiado por mim mesmo porque é teu inimigo...
JULIETA -Não és Romeu? Não és um Montecchio?
ROMEU - Nem um nem outro, formosa donzela, se os dois te desagradam.
JULIETA - Como chegaste até aqui, dize-me e por quê?
ROMEU - Com as asas do amor, transpus estes muros, porque os limites de pedra não servem de empecilho para o amor. E o que o amor pode fazer, o amor ousa tentar. Assim teus parentes não me são obstáculos.
JULIETA - Se te virem, matar-te-ão...
JULIETA - Ó Romeu, Romeu! Por que és Romeu? Renega teu pai e recusa teu nome; ou, se não desejares, jura-me somente que me amas e não mais serei um Capuleto.
ROMEU - Continuarei a ouvi-la ou vou falar-lhe agora?
JULIETA - Somente teu nome é meu inimigo. Tu és o mesmo sejas ou não um Montecchio...
ROMEU - Tomo-te a palavra. Chama-me apenas de amor e serei de novo batizado. Daqui para diante, jamais serei Romeu
.

SHAKESPEARE (2002: 53)

    Como no diálogo acima, devemos como profissionais, não lutarmos pela afirmação da Psicomotricidade ou da Educação Física. Podemos, ao invés de sermos inimigos (na defesa de sua metodologia) sermos um só, reconhecer o potencial da outra abordagem e não nos acomodarmos na sua predileta. Igualmente à fala de Romeu, precisamos transpor as barreiras e ousar tentar. Assim preconceitos não serão obstáculos. Também relacionado à fala de Julieta; quando afirma que Romeu continua sendo o seu amor, mesmo sendo um Montecchio, a educação, independente de ser psicomotora, física ou até mesmo psicomotora/ física, sempre será Educação Corporal!

    Existe um ditado popular que diz: "os opostos se atraem". É assim que tentamos encerrar este artigo, tentamos, pois parece ser uma discussão inacabada. Educação Física e Psicomotricidade podem parecer opostos, assim como Romeu e Julieta, mas, nos parece que há uma paquera entre estas abordagens. Mas, ao contrário da obra de Willian Shakespeare, torceremos para que esta integração não tenha um final infeliz!


Referências bibliográficas

  • BRASIL. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/ SEF, 1998

  • DAMASCENO, L.G. Natação, psicomotricidade e desenvolvimento. Campinas, SP: Autores associados, 1997.

  • KURY, A.G. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2001.

  • LE BOULCH, J. O Desenvolvimento Psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.

  • OLIVEIRA, G.C. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

  • SHAKESPEARE, W. Romeu e Julieta. Texto integral. Tradução de Jean Melville. Coleção obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2002

  • SOUZA, D.C. Psicomotricidade: integração pais, criança e escola. Fortaleza: Editora Livro Técnico, 2004.

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