efdeportes.com
Confrontos e perspectivas da Educação
Física escolar no ensino noturno

   
Prof. Ms. UNISUAM.
(Brasil)
 
 
Elaine de Brito Carneiro
elainebcarneiro@bol.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Este estudo visa realizar uma reflexão a luz das duas versões da redação da Lei 9.394/96 que versa sobre a Educação Física no ensino noturno. Estabelecendo confrontos entre as duas, apresenta contribuições no sentido de interpretar de que forma a Educação Física ora facultativa e agora obrigatória no ensino noturno tem se apresentado no cenário escolar e aos olhos dos profissionais da área.
    Unitermos: Educação Física. Ensino noturno. Lei.
 
Resumen
     Este estudio busca promover una reflexión la luz de las dos versiones de la composición de la Ley 9. 394/96 que eso se vuelve sobre la educación física en la enseñanza nocturna. Las confrontaciones estableciendo entre los dos, presenta las contribuciones en el sentido de interpretar eso forma la educación física ahora para optativo y ahora obligatorio en la enseñanza nocturna ha estado presentando si en el paisaje escolar y a los profesionales de los ojos del área.
    Palabras Clave: Educación Física. Enseñanza nocturna. Ley.
 
Abstract
     This study seeks to accomplish a reflection the light of the two versions of the composition of the Law 9.394/96 that turns about the physical education in the night teaching. Establishing confrontations among the two, it presents contributions in the sense of interpreting that forms the physical education for now optional and now obligatory in the night teaching it has been presenting if in the school scenery and to the professionals' of the area eyes.
    Keywords: Physical Education. Night teaching. Law.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 101 - Octubre de 2006

1 / 1

Introdução

    Em estudo realizado para obtenção de título de mestre na Universidade Gama Filho, Carneiro (2002) investigou onze diretores de escolas públicas estaduais de Niterói sobre a representação deste grupo sobre a inclusão da disciplina de Educação Física no ensino médio noturno. Ao final da pesquisa, entre algumas conclusões, pôde-se perceber que o que confere legitimidade a Educação Física nas escolas é a lei que regulamenta esta e outras disciplinas escolares.

    Até o final do ano de 2003, a Educação Física regida pela lei 9394/96 apresentava a seguinte redação no parágrafo terceiro, do artigo 26: "A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e as condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos". Como disciplina facultativa, o Conselho Nacional de Educação aconselhava que caberia aos alunos participarem ou não das aulas de Educação Física e também a escola o direito de oferecerem ou não a disciplina para este turno de ensino. De onze escolas entrevistadas somente uma oferecia Educação Física para seus alunos, deixando claro que o fato da Educação Física não ser obrigatória na época, influenciava na sua não inclusão no turno da noite.

    Em dezembro de 2003, o presidente da república e o congresso nacional sanciona e decreta a lei n. 10.793, alterando a redação do artigo 26 da lei anterior para a seguinte:

"A educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:

  1. que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

  2. maior de trinta anos de idade;

  3. que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física;

  4. amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969;

  5. (Vetado)

  6. que tenha prole".

    Parece, portanto, que a diferença desta lei para a antiga está na reserva de mercado criada para o profissional de Educação Física que agora retorna ao ensino noturno, mas que não modifica muito o quadro quando o que está em questão é a participação dos alunos nas aulas de Educação Física; pois, a grande maioria dos alunos são trabalhadores com carga horária igual ou superior às seis horas, o que permite que sejam dispensados das aulas. Com isto, observa-se que a Educação Física continua sendo vista como uma disciplina que prima pelo desenvolvimento da aptidão física de seus alunos e nada mais.


A Educação e a Educação Física no contexto do ensino noturno

    As primeiras classes noturnas datam do Império e eram freqüentadas por aqueles cuja idade e necessidade de trabalhar não permitiam que se inserissem nas classes diurnas. Carvalho (1994) conta, a partir de registros, que estas classes funcionavam em locais improvisados e os professores recebiam uma pequena quantia para encarregarem-se das aulas. Carvalho acrescenta que não tardou muito para se perceber que os resultados das classes noturnas não estavam atendendo ao esperado e que a freqüência dos alunos no decorrer do ano letivo diminuía em relação ao número de matriculados no início do ano. Porém, os cursos noturnos continuaram a ser criados, e a maioria dos estudantes brasileiros só se escolarizavam devido à existência desses cursos nos diferentes graus de ensino.

    Observa-se hoje que o turno da noite, a exemplo dos tempos que datam a sua origem continua sendo alvo de desprestígio e desatenção por parte dos que com ele interagem, apesar de ser uma necessidade concreta daqueles que possuem somente esta opção de escolarização. Isto ocorre no setor legislativo, na formulação de leis com características excludentes; no setor administrativo, com Secretarias e Coordenadorias de Educação ditando normas e reformas para as escolas não compatíveis com suas realidades; ou no setor pedagógico, onde a direção escolar insiste em uma gestão não-democrática, privando a comunidade escolar de decisões que lhe são pertinentes.

    A autora entende que, com a intenção de solucionar problemas referentes à freqüência, permanência e aproveitamento do aluno na escola noturna, algumas soluções drásticas foram tomadas, como a criação dos cursos supletivos de primeiro e segundo graus, na década de 1980. Tal providência contribui para elitizar cada vez mais o ensino, reservando para as classes menos favorecidas um ensino "resumido e condensado" e privando o trabalhador de ter acesso ao conhecimento que de fato poderia capacitá-lo a um repensar mais apurado de sua realidade e à busca por uma maior autonomia.

    Carvalho (1994) chama a atenção para o fato de que o estudo à noite parece representar um prolongamento da jornada de trabalho; pois muitos destes alunos, após trabalharem o equivalente à oito horas diárias, deslocam-se sem tempo para descanso rumo às escolas, onde irão trabalhar por mais algumas horas. Desta jornada tripla participam tanto os alunos quanto os professores. É a luta pela sobrevivência, onde ambos, desempenhando papéis contrários, participam como atores do ensino noturno. A autora ainda nos coloca que, mais do que tentar soluções em busca de novas metodologias para atender e solucionar dificuldades presentes neste turno, é necessário o diálogo da escola com este aluno, enquanto trabalhador. É preciso que a escola entenda-o enquanto sujeito participante das relações de trabalho e questione que tipo de relação e de trabalho estão em jogo.

    Segundo esta mesma autora:

"Sem o diálogo entre o trabalhador e o conteúdo de aprendizagem, sem o diálogo entre a prática profissional e a prática escolar, não haverá possibilidade de que o conhecimento adquirido através do cotidiano profissional seja reelaborado a partir da prática escolar. Sem esse diálogo, dificilmente se conseguirá que o trabalhador conheça os meios de superação de sua condição social e os limites e possibilidades que lhe são impostos pela sociedade mais ampla" (1994, p.15).

    De fato, a escola necessita olhar para os cursos noturnos mais pelo ângulo de que sua clientela é composta em sua maioria por trabalhadores em situação de exploração. Porém, como a própria autora sugere, não é suficiente que somente a escola realize este questionamento. O próprio conceito de trabalho necessita ser repensado e reformulado.

    Antunes (2001), numa visão mais ampliada de classe trabalhadora, a define como: "... todos aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviço, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. " (p.103).

    Diante desta definição de classe trabalhadora, estão inclusos neste grupo, "o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, 'part time', o novo proletariado dos Mac Donalds, os trabalhadores terceirizados e precarizados e os trabalhadores desempregados." (Antunes, 2001: 103).

    Segundo este mesmo autor:

"A classe trabalhadora, os trabalhadores do mundo na virada do século, é mais explorada, mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificado, também no que se refere a sua atividade produtiva: é um operário ou uma operária trabalhando em média com quatro, com cinco, ou mais máquinas. São desprovidos de direito, o seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sob controle do capital não só degradam a natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental, como também precarizam a força humana que trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração". (p.205).

    Esta colocação de Antunes indica claramente que a escola tem um grande dever no questionamento das relações que o aluno vivencia com o trabalho e com o mundo afora. Está se vivenciando na educação brasileira um projeto neoliberal que é conseqüência de um processo liberal internacional mais amplo, inaugurado em países centrais como os Estados Unidos e Inglaterra na época dos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. O sistema liberal atribui à esfera pública todos os males da atual situação social e econômica por que passam os países em dificuldades e deposita todos os méritos de reconstrução de uma sociedade mais democrática e economicamente mais expressiva à iniciativa privada. Desta forma, observa-se que os setores como a educação, a saúde e outros são incentivados a funcionarem como o mercado na economia.

    Na educação brasileira, o projeto neoliberal, além de separar as dificuldades da vida política e social de qualquer vínculo com o atual modelo econômico, o capitalismo, e relacioná-lo exclusivamente com a organização política, busca atrelar a educação institucionalizada aos objetivos específicos de preparar o aluno para o trabalho competitivo, além de utilizar a escola para difundir idéias que compartilhem do sistema em questão. Com isto, observam-se constantes mudanças no currículo a fim de orientar o aluno para uma formação mais direcionada para o mercado de trabalho e, conseqüentemente, despertá-lo para aceitação das ideologias representantes do liberalismo. Os meios de comunicação de massa também assumem papel fundamental e estratégico no projeto liberal de conquista da hegemonia.

    Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1994):

"O que estamos presenciando é um processo amplo de redefinição global das esferas social, política e pessoal, no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e representação são utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política liberal. O que está em jogo não é apenas uma reestruturação neoliberal das esferas econômica, social e política, mas uma reelaboração e redefinição das próprias formas de representação e significação social". (p.13).

    Outra conseqüência visível do pensamento neoliberal na área educacional está em transformar questões políticas e sociais em questões técnicas, e com isto todas as dificuldades enfrentadas na escola pelos professores e alunos são traduzidas como sendo o mau gerenciamento dos recursos por parte dos poderes públicos baixa produtividade e esforço de professores e administradores educacionais, de métodos atrasados e ineficientes de ensino e de currículos inadequados e antiquados. Assim, a escola, assim como a saúde pública, vem sendo sumariamente oferecida para os excluídos, servindo então como meio de reprodução das ideologias pertinentes ao modelo econômico neoliberal. Desta forma, a educação, assim como a porção do mercado de trabalho reservado para a população menos favorecida, constitui-se em opções que estão abaixo das expectativas possíveis que garantam o acesso dessas pessoas ao mínimo de autonomia.

    O aluno trabalhador, após enfrentar uma jornada média de oito horas de trabalho, desloca-se rumo à escola e deposita nela a esperança de poder mudar de vida; também enxerga na escola a possibilidade de aliviar o fardo pesado de trabalho que tem de enfrentar nos cinco dias da semana (quando não seis). Isto sem contar o tempo gasto para deslocar-se de sua casa ao trabalho, do trabalho à escola e, no fim do dia, da escola à sua casa.

    Os alunos trabalhadores estão em desvantagens em relação aos demais, por não poderem dedicar-se integralmente aos estudos, tendo que dividir atenção e disposição entre os estudos, o trabalho e muitas vezes a família. Desta forma, acredita-se que a Educação Física possa representar um espaço de ruptura do tempo de trabalho assalariado e do tempo de "não-trabalho", através do conhecimento da cultura corporal do movimento. No entanto, pretendemos realizar neste momento um estudo comparativo confrontando a antiga redação da Lei 9.394/96 que tornava as aulas de Educação Física no ensino noturno facultativas com a nova redação desta mesma lei que parece ressuscitar o decreto nº 69.450/71.

    Em pesquisa realizada por Carneiro (2002), a autora ao entrevistar onze diretores de escolas públicas estaduais do município de Niterói concluiu que os diretores apresentavam as seguintes representações da Educação Física no ensino noturno:

  1. Os diretores interpretavam a legislação que versava sobre a facultatividade da Educação Física (e conseqüentemente, a Resolução SEE nº 2439/2001) de forma equivocada. Ao receberem a proposta da matriz curricular do ensino médio noturno e verificarem que as aulas de Educação Física haviam sido excluídas do quadro que especificava os componentes curriculares que fariam parte da grade, os diretores escolares entendiam que esta disciplina não deveria ser oferecida mais para o ensino médio noturno;

  2. Os diretores de escola não faziam força para garantir aos alunos do ensino médio noturno o direito de participarem das aulas de Educação Física por se sentirem amparados pela legislação que tornava facultativa a inclusão da disciplina neste turno de ensino;

  3. As escolas não apresentavam condições favoráveis para a inclusão da Educação Física no ensino médio noturno;

  4. Embora os diretores de escola descrevessem a disciplina de Educação Física como sendo de grande relevância para a formação de seus alunos, as disciplina que compunham a parte diversificada da matriz curricular eram as que tinham o objetivo de preparar o aluno para o mercado de trabalho, segundo concepção dos diretores, e a Educação Física não contribuía para esta preparação.

  5. Os diretores de escola justificaram também a não inclusão da disciplina de Educação Física no ensino médio noturno ao sustentarem o argumento de que esta disciplina iria contribuir para desgastar ainda mais o aluno, que vinha cansado do trabalho.

    No decorrer da pesquisa foi possível constatar que devido à lei que tornava as aulas de Educação Física no ensino noturno facultativas, muitas escolas optavam por não oferecerem esta disciplina, privando o aluno trabalhador de vivenciar as práticas da cultura corporal e lhe negando mais um espaço de socialização do conhecimento, lazer, expressividade, entre outros sentidos possíveis.

    Eustáquia Salvadora de Sousa e Tarcísio Mauro Vago (1997), ao analisarem o ensino da Educação Física frente à nova LDB (Lei nº 9.394/96), fizeram reflexões sobre a facultatividade desta disciplina no ensino noturno. Segundo eles, com isso se estaria ferindo alguns princípios da Constituição brasileira; por exemplo, o que estabelece como objetivo do País promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outro tipo de discriminação, e o que prevê a igualdade de todos perante a lei. Desta forma, a não-obrigatoriedade da Educação Física no ensino noturno é uma forma de discriminação com os alunos deste turno, uma vez que, aproveitando-se do fato de ser facultativo, as escolas por motivos diversos optam por não oferecer esta disciplina, que é obrigatória no ensino básico.

    Amauri A. Bássoli de Oliveira (1999), que participou de uma das comissões encarregadas de estruturar o ensino de segundo grau em uma escola de aplicação da Universidade Estadual de Maringá, no ano de 1993, descreve sua experiência e os resultados do acompanhamento e pesquisa relativos à Educação Física no ensino noturno, nos cursos de Educação Geral e Auxiliar de Enfermagem. Segundo ele, houve uma preocupação da comissão responsável pela estruturação da proposta pedagógica em não oferecer a disciplina de Educação Física nos primeiros e últimos horários da grade curricular, havendo o mesmo cuidado quanto a se oferecer esta disciplina aos sábados, pois assim acreditava-se estar incentivando os alunos a participarem mais intensamente da prática desta disciplina. Passados três anos de sua implantação, e face à ameaça de ver a Educação Física ser abolida da grade curricular devido ao fracasso em alcançar os objetivos traçados durante a idealização e implementação do projeto pedagógico, Oliveira analisou "a viabilidade de desenvolvimento da disciplina Educação Física dentro dos moldes do projeto pedagógico idealizado para o Colégio"(p.2).

    A pesquisa participativa, conduzida por Oliveira (1999), foi constituída de quatro partes, sendo elas: um diagnóstico geral da situação da Educação Física no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente) CAIC/ UEM - turno da noite; elaboração de uma proposta para desenvolvimento da Educação Física, respaldada na metodologia de Ensino Aberto; desenvolvimento da proposta durante um semestre, envolvendo as turmas do Ensino Geral e Auxiliar de Enfermagem; e a avaliação da proposta desenvolvida durante o semestre. Ao analisar dez aulas de Educação Física, Oliveira constatou que as aulas eram repetitivas, não obedeciam ao planejamento, os conteúdos eram "aleatórios" e poucos eram os alunos que participavam.

    Na pesquisa participativa realizada por Oliveira (1999), os professores envolvidos puderam vivenciar tal experimentação devido à dedicação integral do autor na organização e estruturação do planejamento, elaborado para todo o semestre. Neste período os professores demonstraram grande interesse e envolvimento por se tratar de uma Educação Física diferenciada da habitual. Pois são docentes que, embora tenham uma boa formação acadêmica, acabam sendo "contaminados" pelo sistema. Pela necessidade de manter um mínimo de qualidade de vida, se submetem ao ensino noturno, aumentando consideravelmente sua carga horária de trabalho. Com isto, se mostram relutantes em aceitar as inovações e mudanças, oferecendo o que é de praxe nas aulas de Educação Física: a prática de atividades esportivas e recreativas com fim em si mesma.


Confrontando leis da Educação Física e buscando novas perspectivas

    A antiga redação do artigo 26 da LDB (Lei nº 9.394 /96), em seu parágrafo 3o, tornava as aulas de Educação Física no ensino noturno facultativas ao estipular que"A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos. " Porém, já no ano de 1971, o Decreto nº 69.450, regulamentador da Educação Física nos três níveis, já excluía das aulas de Educação Física os alunos que trabalhavam por seis ou mais horas; os maiores de trinta anos de idade, os que estivessem prestando serviços militares; e aos alunos amparados pelo Decreto-lei nº 1.044/691, mediante laudo do médico assistente do estabelecimento.

    Observa-se, portanto, uma grande discriminação junto ao aluno adulto e trabalhador, quando a este é dado um tratamento diferenciado em relação a sua participação nas aulas de Educação Física. Enquanto o decreto de 1971 já previa a sua não participação, a versão original da LDB ao tornar as aulas do ensino noturno facultativas, definitivamente distancia a Educação Física do cotidiano do ensino noturno, visto que, às escolas também caberia a decisão de oferecer ou não esta disciplina. Desta forma, o direito às aulas de Educação Física aos alunos do ensino noturno foi negado como ocorreu no município de Niterói-RJ demonstrado em pesquisa por Carneiro (2002).

    Ao analisar algumas leis que versam sobre a Educação Física Escolar, pôde-se constatar que a questão da facultatividade da Educação Física é anterior à Lei 9.394/96 e ao Decreto 69.450/71. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (nº 4.024/61), ao mesmo tempo em que , no Artigo 22, tornou "obrigatória a prática da Educação Física em todos os níveis e ramos de escolarização, com predominância no ensino superior", estabeleceu, no parágrafo único desse mesmo artigo, que os cursos noturnos poderiam ser dispensados da prática da Educação Física.

    Constata-se, portanto, o quanto o ensino noturno tem sido alvo de freqüentes "boicotes" e desinteresse por parte dos legisladores e autoridades, situação que nos leva a enfatizar, como já o fez Marques (1997) a necessidade de atentarmos mais para este turno do ensino, uma vez que a clientela deste turno é em grande parte formada por alunos trabalhadores.

    A lei n. 10.793 de dezembro de 2003, alterando a redação do artigo 26 da lei anterior para a seguinte: "A educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; maior de trinta anos de idade; que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; (Vetado); e que tenha prole", parece que somente contribui para demarcar e assegurar aos profissionais de Educação Física mais uma fatia do mercado de trabalho: o ensino noturno, que logo também poderá estar ameaçada no caso desses alunos que constituem a maioria dos estudantes do ensino noturno resolverem por não participar das aulas.

    Realmente, algumas dúvidas e desconfianças se fazem presentes com a volta da obrigatoriedade da Educação Física no ensino noturno. Ou a Educação Física continua sendo vista e interpretada como uma atividade que tem por objetivo desenvolver a aptidão física dos alunos, como acontecia em outros tempos, ou de fato a Educação Física é considerada uma disciplina que não apresenta o mesmo status que as demais na escola.

    Da mesma forma, como acontecia nas leis e decretos anteriores, a legislação não parece interessada com a socialização do conhecimento abarcado pela Educação Física junto aos alunos trabalhadores e torna cada vez mais evidente o fato de que o que confere legitimidade a Educação Física na escola é a legislação.

    Entendemos que a Educação Física na escola noturna deverá realizar um esforço sobre humano na tentativa de fazer com que os alunos trabalhadores participem das aulas desta disciplina, já que os mesmos encontram-se amparados por lei na sua escolha de não participarem. Porém, vislumbrando a possibilidade de debruçarmos sobre o problema com um olhar mais generoso, é possível que esta situação possa oferecer ao professor de Educação Física a oportunidade de repensar e desenvolver uma reflexão pedagógica sobre as suas aulas. Sejam essas no ensino diurno e /ou principalmente no ensino noturno. Torna-se necessário que o professor de Educação Física conscientize-se quanto ao seu papel social e o sentido que a Educação Física deva ter para seus alunos.

    Numa recente experiência de estágio supervisionado e aulas de Educação Física no ensino noturno, uma alternativa encontrada por um grupo de alunos da UNISUAM (Centro Universitário Augusto Motta-RJ) e a professora do estágio que também atuava como professora da rede pública estadual do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2004, numa escola do município de São Gonçalo-RJ, foi trabalhar com o planejamento participativo. O resultado do trabalho foi a participação de um número expressivo de alunos do 2º ano do ensino médio nas aulas de Educação Física, que inicialmente mostraram-se desinteressados em participar destas aulas. Para isto, os alunos do ensino médio, juntamente com os alunos da graduação e a professora elaboravam objetivos e atividades para as aulas de Educação Física mensalmente, e ao final de todas as aulas eram realizadas as avaliações. Com esta experiência foi possível perceber a aproximação da escola junto aos alunos trabalhadores. Havia um espaço para se ouvir os anseios, expectativas e desejos dos alunos; como também era possível discutir sobre as condições de trabalho, papéis desempenhados por homens e mulheres na sociedade, além de outros pontos presentes no cotidiano dos alunos e da escola virem à tona nas avaliações.


Considerações finais

    De fato a escola necessita aproximar-se de seus alunos e a Educação Física em especial necessita recriar condições mais "aconchegantes" e significativas para as suas aulas de uma forma geral, e principalmente para a clientela do ensino noturno.

    A Educação Física deve buscar pela sua legitimidade junto a sociedade sem que necessariamente esteja respaldada pela legislação. Para isso, as informações à respeito dos esforços dos intelectuais da área no sentido de promover discussões e teorizações sobre a constituição do campo acadêmico e as diferentes formas de intervenção na área necessitam chegar com uma maior regularidade no espaço escolar.

    A Universidade através dos projetos de pesquisa e extensão e a escola através do seu cotidiano pedagógico necessitam dar as mãos e buscarem juntas soluções para problemas considerados reincidentes em pleno século vinte um. A Universidade ao se apropriar dos conhecimentos científicos e sistematizados; e a escola, através do acúmulo de ricas experiências próprias de seu cotidiano, formam um campo bastante fértil para um trabalho em parceria e preocupada com a reformulação dos sentidos que a escola necessita ter para a sua clientela. Sentidos estes comprometidos com as reais expectativas e desejos de seus alunos.


Notas

  1. Este decreto-lei dispõe sobre tratamento excepcional para os alunos portadores das afecções que indica.


Referências bibliográficas

  • ALVES, N. e VILLARDI, R. Lei nº 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Múltiplas leituras da nova lei. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

  • ANTUNES, R. O sentido do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.

  • BRACHT, V. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999.

  • CAPARROZ, F. E. A educação física como componente curricular: entre a educação física na escola e a educação física da escola. Dissertação (Mestrado em Educação), São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1996.

  • CARNEIRO, E. de B. Representação Social de diretores de Escolas Públicas de Niterói sobre a inclusão da Educação Física no ensino médio noturno. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2002.

  • CARVALHO, C. P. de. Ensino noturno: realidade e ilusão. 7ª ed. São Paulo:Cortez. 120p.

  • CASTELLANI Filho, L. Política educacional e educação física. São Paulo: Autores Associados, 1998.

  • CHIZZOTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • MARQUES, M. O. S. Escola noturna e jovens. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: ANPED, nº 6, p. 63-75, 1997.

  • OLIVEIRA, A. B. de. Educação Física no ensino médio - período noturno: um estudo participante. Dissertação (Mestrado em Educação Física). São Paulo: Unicamp, 1999.

  • SILVA, T. T. da. Capítulo I. In: Gentili, P. A.A.; Silva, T. T da (orgs). Neoliberalismo, qualidade total e educação. 5ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

  • SOUZA, E. S.; Vago, T. M. O ensino da educação física em face da nova LDB. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. São Paulo, 1997. p. 121-141.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 11 · N° 101 | Buenos Aires, Octubre 2006  
© 1997-2006 Derechos reservados