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Quem ganha fica?
Os jogos e brincadeiras na escola

   
Mestre em Educação, UFMG.
(Brasil)
 
 
Aleluia Heringer Lisboa Teixeira
aleluiahl@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Esse estudo propõe refletir sobre o ensino de jogos e brincadeiras nas aulas de Educação Física. Levanto algumas questões que visam "estranhar", problematizar e reconsiderar algumas ações presentes na nossa prática pedagógica que foram se naturalizando com o passar do tempo. Foram pontuadas duas grandes questões: a importância de se definir e adotar princípios inclusivos e algumas formas de explorar esse tema nas aulas.
    Unitermos: Jogos e brincadeiras. Educação Física escolar.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 101 - Octubre de 2006

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Introdução

    Alguns autores consideram os termos "jogo", "brinquedo" e "brincadeiras" como sinônimos, pois todos eles sintetizam a vivência do lúdico. Brincar é uma invenção humana, "um ato em que sua intencionalidade e curiosidade resultam num processo criativo para modificar, imaginariamente, a realidade e o presente" (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Será que, para os nossos alunos, o jogar ou o brincar tem sido necessariamente uma experiência lúdica e, estamos favorecendo a criação e a curiosidade nos nossos jogos e brincadeiras?

    Recebemos, em nossa formação, tanto como alunos da educação básica quanto como alunos da graduação, uma forte influência de jogos que fomentam, em grande medida, a competição e o resultado final. Aprendemos a valorizar e a incentivar o contar pontos ou ficar de olho no placar como sendo o objetivo maior do jogo. Ainda faz parte de nossa cultura considerar que quanto mais os alunos gritam para torcer por uma equipe, melhor é o jogo e melhor é a aula. Dessa forma, anulamos a maior riqueza da brincadeira, que é exatamente o processo de brincar.

    Faz-se necessário explicitar os princípios que norteiam, ou pelo menos deveriam nortear, a nossa prática pedagógica. O que nos move ao propor este ou aquele jogo ou brincadeira? O que queremos ensinar e promover? Falar em inclusão virou "lugar comum". Todos defendem adotar esse princípio; entretanto, devemos nos perguntar onde ele se apresenta em nossas aulas. Incluir significa criar estratégias de ensino, de modo a dar oportunidades iguais a todos os alunos. Dar oportunidade a todos também significa não expor e não constranger o aluno em situações em que sabemos, de antemão, ele enfrentará dificuldades. Como têm sido as aulas de educação física para aqueles "diferentes" (acima do peso, magros demais, lentos, etc.)? Que marcas têm ficado na vida daqueles sempre são os últimos a ser escolhidos em um par ou ímpar?

    Chamo a atenção para o fato de que é nas mínimas ações e opções que fazemos durante uma aula que deixamos explícitos os princípios que adotamos. Podemos citar aqui alguns exemplos. Na queimada, temos duas opções: ter a "prisão perpétua" para chegar a um vitorioso no final da aula, ou quem queima a partir do cruza pode voltar, dando a esse jogador a chance de recomeçar. No futebol, podemos estipular "dois gols ou cinco minutos", ou então cinco minutos para todos; independentemente do resultado, todos jogam duas vezes seguidas. Um último exemplo é o jogo de estafetas. Colocamos certos desafios a serem cumpridos de forma individual (cada hora é um da fila que sai e cumpre a proposta), que expõem de forma exagerada aqueles que correm menos, que não alcançam a cesta de basquete, que não têm equilíbrio, etc. Os alunos torcem e vibram? É certo que sim! Mas essa manifestação não é necessariamente sinal de que estamos dando uma aula com base em princípios e valores democráticos.

    Uma forma de contornarmos esse problema seria, ao planejar qualquer tipo de jogo ou brincadeira, pensarmos com antecedência no que aquela brincadeira ou jogo estará contribuindo para tornar mais humanas as relações entre os alunos. Em que pontos determinado jogo precisa ser alterado, para possibilitar oportunidade igual de jogo a todos? Se os alunos irão sair de nossa aula em pé de guerra, é bom revermos os motivos. Conflitos e tensões não irão deixar de existir, mas não podemos deixar de interferir e de dar a eles um tratamento pedagógico.

    Quando o professor faz intervenções, sugerindo mudanças durante as aulas, a maioria dos alunos percebe e valoriza essa atitude. Muitas vezes, pequenas alterações resolvem grandes problemas. Essa forma criativa de enfrentar dificuldades não só torna as aulas mais interessantes e significativas, como também estimula o desenvolvimento da criatividade e das habilidades dos alunos de resolver problemas e de tomar decisões. Antes, portanto, de escolher ou elencar os jogos e as brincadeiras para as nossas aulas, festivais de jogos ou torneios, penso que precisamos levar em conta essa reflexão.

    Um objetivo que podemos ter com o ensino de jogos e brincadeiras é valorizar aqueles que são típicos de outras comunidades (grupos ou povos) e que acontecem ou aconteceram em outros lugares (cidade, bairro, região ou país). Esses jogos trazem a marca de outra cultura, seja de um outro lugar ou de outras pessoas que vivem de forma diferente de nós. Eles surgiram ou foram criados por necessidades ou contextos diferentes daqueles que os alunos que irão conhecê-los e praticá-los estão inseridos.

    Um exemplo é o frescobol. Esse jogo surgiu na praia de Copacabana, no verão de 1945. Substituiu a peteca como o jogo de praia preferido dos rapazes do "Clube dos Cafajestes", como era chamado um grupo de jovens playboys da década de 40 e 50. A proibição de sua prática à beira d'água não impediu que o frescobol se tornasse um dos mais populares esportes de praia. O objetivo desse jogo é manter a bola em movimento o maior tempo possível, imprimindo cada vez mais velocidade ao jogo. Sua originalidade refere-se justamente a esse objetivo que, em última instância, não coloca seus praticantes em situação de enfrentamento e sim, paradoxalmente, na condição de parceiros (Costa & Tubino, 1995).

    A peteca, considerada a partir de 1985 como esporte oficial, genuinamente brasileiro, teve sua origem nas tribos tupis do Brasil. A enciclopédia Mirador Internacional (1976, p.1344) indica que, em tupi, "bater" é "peteca"; em guarani, é "petez". Brinquedo de inverno no Brasil, seu uso coincide com a colheita de milho e com as festas de Santo Antônio, São João e São Pedro (KISHIMOTO, 1998, p.71). Essa não é a única versão para a invenção da peteca, outros já se referem a ela como um jogo praticado na China, Japão e Coréia, há mais de 2000 anos. Se inicialmente o sentido do jogo era de "não deixar a peteca cair", hoje assistimos a sua esportivização, e a peteca tem que cair no campo adversário.

    Jogos de outros países podem ser inseridos no programa. O beisebol, esporte típico da cultura norte-americana, é um jogo, para nós, difícil de entender e de jogar. Não dispomos normalmente do espaço necessário. O professor ou os próprios alunos podem tentar explicar as características do jogo. Conhecendo-as, algumas adaptações podem ser feitas, considerando o espaço da escola. O taco podem ser dois bastões amarrados, a bolinha pode ser uma de tênis, o campo pode ser a própria quadra ou o campinho ao lado da escola. As bases podem ser pontos marcados com giz, com pedra ou com cone.

    A bocha, jogo tipicamente inglês, inspirou o boliche americano. Na bocha, cada jogador deve jogar bolas em direção a um alvo fixo (uma outra bola, com características diferentes). Não temos esse material na escola, mas temos, por exemplo, bolas de meia. Não temos o campo gramado, mas temos um pátio cimentado ou de terra batida.

    Conhecer como os jogos foram criados é uma outra possibilidade interessante. O totó ou o pebolim, por exemplo, foi criado em 1936, dentro de um hospital na Espanha, enquanto o país estava dividido por uma guerra que durou quase 4 anos. Nesse hospital encontrava-se um jovem de 18 anos, Alejandro Campos Ramirez. Hoje ele tem 85 anos de idade e conta que, em frente ao hospital, havia um grande hotel que abrigava os fugitivos e os feridos da guerra. Muitos, inclusive crianças, tinham perdido pernas e braços. Entre o hospital e o hotel havia um campo de futebol e todos os dias ele assentava na janela para ver os jogos. Como era fanático por futebol e tênis de mesa, teve a idéia de criar um futebol de mesa. No Natal daquele ano, as crianças da guerra foram presenteadas com o futbolín (como o totó é chamado na Espanha).

    Durante a vivência de jogos e brincadeiras tradicionais em nossas aulas, devemos ter alguns cuidados, pois esses jogos carregam a marca de uma cultura que, por si só, não é boa ou ruim. Temos, como educadores, o dever de analisar as características de cada um deles. Quais jogos são excludentes, quais traduzem preconceitos e possibilidades de alteração? O avô brincou, o pai aprendeu e ensinou ao filho. Nessa transmissão, algumas coisas vão sendo modificadas, tais como o nome e o sentido da brincadeira ou suas regras. O seu ensino se justifica na escola principalmente por se constituírem conteúdos importantes da cultura corporal, que precisa ser compreendida, resgatada e ressignificada.

    Tisuko Kishimoto (1993), uma pesquisadora dos jogos infantis, aponta que os jogos tradicionais são transmitidos pela oralidade infantil, daí uma das dificuldades em rastrear o percurso e a origem de muitos deles. Seus conteúdos provêm dos tempos passados, de fragmentos de contos, mitos, práticas religiosas e culturais. Na temática dos jogos das crianças brasileiras, ela percebeu a influência portuguesa, africana e indígena. A pipa, que provinha dos asiáticos, por exemplo, foi divulgada entre nós pelos portugueses.

    Para Kishimoto, do ponto de vista histórico, a análise do jogo é feita a partir da imagem da criança presente no cotidiano de uma determinada época. Cada tempo histórico possui uma hierarquia de valores e são esses valores que orientam a elaboração de um banco de imagens culturais que se refletem nos modos de brincar das crianças. Interferem nesses jogos e nessas brincadeiras o lugar que a criança ocupa num contexto social específico, a educação a que está submetida e o conjunto de relações sociais que mantém com personagens do seu mundo.

    Dentro dessa perspectiva, ela analisa o significado das brincadeiras de meninos brancos, filhos de senhores da casa-grande com os filhos dos escravos da senzala. Inúmeras brincadeiras desse período refletem a exploração do negro. Dessa época vem o "chicotinho", "chicotinho queimado", "quente e frio", "lascar o pião", "comer" o papagaio do outro, utilizando lâmina de vidro, dentre outros, todos jogos típicos da violência do período do engenho de açúcar.

    As fugas incessantes dos negros para os quilombos fizeram surgir a figura do "capitão do mato". Era ele quem caçava os fugitivos. No jogo do "pegador", a figura central é esse caçador, que aparece no folclore da criança do Norte, do Sudeste e do Nordeste, redutos de negros escravos. No caso de jogos como o pegador, essa autora afirma que houve uma mudança no conteúdo das representações (capitão do mato, cowboy e índio ou polícia e ladrão). O que prevalece nesses jogos é o antagonismo. São oposições sem conseqüências reais. Havia diferenças entre a forma de brincar dos filhos de operários e meninos de classe alta em São Paulo, no início deste século XX. A rotina das mães da classe operária e doméstica, que trabalhavam fora de casa, permitia que seus filhos brincassem mais na rua, direito negado às meninas e às crianças de níveis econômicos privilegiados.

    Vago (1999) afirma que, quando os esportes, as danças, a ginástica e os jogos adentram o tempo-espaço escolar, elas levam para o seu interior valores, crenças, sentidos, significados a elas incorporados na cultura. Essas práticas podem ser

"apropriadas, manipuladas e subvertidas pelos sujeitos que delas fazem usos diversos nas aulas de Educação Física, não previstos e muitas vezes não autorizados; que inventam maneiras próprias de organizá-las; que elaboram, enfim, um outro conhecimento acerca delas, ao atribuir-lhes outros sentidos e significados éticos e estéticos - esse é um dos movimentos de produção de uma cultura escolar de educação física, com a qual se pode estabelecer a referida relação de tensão permanente com outras culturas, campo aberto de possibilidades de intervenção social com a Educação Física". (VAGO, 1999: 23)

    Inventar maneiras próprias de organizar essas práticas ou recriá-las é formular novas formas de jogar. Todo processo criativo demanda: ousadia e coragem para fazer algo de forma diferente; a consideração do local onde são dadas as aulas; a análise do perfil dos alunos envolvidos; o levantamento do material existente na escola ou no seu entorno. É indispensável que se tenha em mente o porquê da criação ou da modificação de um jogo. Alguns jogos e brincadeiras surgem da necessidade de envolver um maior número de alunos, ou de se adequar o jogo a um espaço menor ou maior. Determinados formatos de jogos são desfavoráveis a grandes grupos. Os alunos pegam pouco na bola ou entram em ação poucas vezes. Isso leva à desmotivação e ao desinteresse. Essas são algumas situações que requerem de nós, professores, interferência na aula para superar dificuldades e problemas que surgirem, sejam eles na forma ou no espaço que está sendo disponibilizado, em algumas regras, ou no tipo de material.

    O professor pode partir de um jogo já tradicional ou então apresentar algo que ele mesmo criou e propor aos alunos que criem, alterem e testem outras regras e materiais, em tempos e espaços diferentes. Testar e experimentar essas inovações demanda tempo, criatividade e paciência para rever o que deu e o que não deu certo no jogo. Antes, porém, da prática do jogo, o professor, a partir de sua experiência, pode discutir com os alunos os pontos que ele, de antemão, considerar problemáticos. Essa interferência não é para poupar os alunos das dificuldades inerentes ao processo de criação, já que essa etapa faz parte do aprendizado, mas para ajudá-los a encontrar soluções para os problemas que serão encontrados. Alguns grupos podem passar por todas as etapas de criação e, no final, o jogo não ficar interessante. Isso não é o mais importante, pois, por meio dos erros, também aprimoramos o nosso conhecimento.

    O resultado desse trabalho, realizado em grupos, pode ser motivo de uma mostra ou de um festival de jogos criados; os registros podem se transformar em um livro de jogos dos alunos daquela escola. Todo o processo deverá ser avaliado e não apenas o produto final. Desde o momento em que a idéia é lançada, podemos estar avaliando a disposição dos alunos para aprender, para trabalhar em equipe, a capacidade de ouvir, de extrapolar o já existente.

    A pesquisa sobre a origem de certas brincadeiras e certos jogos, as entrevistas com parentes mais idosos ou com idosos num asilo são possibilidades que permitem a ampliação do conhecimento dos alunos. Elaborar um trabalho em parceria com a disciplina História torna-se também muito interessante, para descobrir, por exemplo, como jogavam os Romanos, os Gregos e os Astecas, ou como eram os jogos na Idade Média, ou o que esses jogos traduzem da cultura dos povos. Não há dúvida de que a escola é um espaço privilegiado para que essas brincadeiras sejam retomadas, revividas, estudadas e transformadas. A aprendizagem de algo novo nos possibilita ampliar os horizontes e nossa visão de mundo, principalmente quando se trata de vivenciar e conhecer jogos de outras culturas, o que, em outras palavras, significa conhecer determinada sociedade e seu contexto histórico de forma lúdica e prazerosa.


Referências bibliográficas

  • BROUGÈRE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

  • FIGUEIREDO, Renata Sá de Oliveira, COSTA, Vera Lucia de Menezes, COSTA, Lamartine Pereira da. Frescobol no Rio de Janeiro: Interpretações históricas. In.:IV ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DO ESPORTE LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA. Belo Horizonte:1996. P. 417-425.

  • FOLHA DE SÃO PAULO. "Futebol com as mãos" - Caderno Folhinha. Sábado, 28 de agosto de 2004.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos Infantis: o jogo, a criança e a educação. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

  • VAGO, T.M. Intervenção e conhecimento na escola: por uma cultura escolar de Educação Física. IN: GOELLNER, Silvana (org) Educação Física/ Ciências do Esporte intervenção e conhecimento. Florianópolis: CBCE, 1999.p. 17-36.

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